quinta-feira, 14 de setembro de 2023

DECIDIR NÃO PERDOAR SIGNIFICA DECIDIR ADOECER

 Missa do 24º dom. comum. Palavra de Deus: Eclesiástico 27,33 – 28,9; Romanos 14,7-9; Mateus 18,21-35.

 

            O texto do Evangelho de hoje encerra o capítulo 18 de São Mateus, um capítulo dirigido exclusivamente à vida fraterna na Igreja. Ao longo desse capítulo, Jesus nos tornou conscientes de duas coisas: 1. “É impossível que (na Igreja) não haja escândalo” (Mt 18,7); onde está o ser humano, ali está a possibilidade do erro, da falha, do pecado. 2. Diante do irmão que erra, é preciso colocar em prática a correção fraterna (cf. Mt 18,15-17), na tentativa de ajudar a pessoa a se tornar consciente de que seu erro está prejudicando a Igreja. Diante disso, Pedro, escolhido por Jesus para liderar a Igreja no sentido de confirmar seus irmãos na fé (cf. Lc 22,32), faz uma pergunta que pode ser traduzida desse modo: “Existe limite para o perdão?”. A resposta de Jesus é clara: “É preciso perdoar sempre, pois Deus nos perdoa sempre”. Essa certeza do perdão de Deus está claramente expressa no salmo de hoje: “Ele te perdoa toda culpa, e cura toda a tua enfermidade... Não fica sempre repetindo as suas queixas, nem guarda eternamente o seu rancor. Não nos trata como exigem nossas faltas, nem nos pune em proporção às nossas culpas” (Sl 103,3.9-10).

            Tanto o salmo de hoje quanto o texto do Eclesiástico nos tornam conscientes de que há uma relação direta entre falta de perdão e adoecimento: ao nos perdoar, Deus nos cura (cf. Sl 103,3), e o Eclesiástico pergunta: “Se alguém guarda raiva contra o outro, como poderá pedir a Deus a cura?” (Eclo 28,3). Imaginemos que a vida seja como um rio cuja água flui através da correnteza. Quando ficamos magoados com a pessoa que nos feriu, nós represamos a água do rio. Uma vez represada, essa água fica parada e apodrece dentro de nós. “Mágoa” pode ser traduzida como “má água”, uma água que está parada e apodrecendo dentro de nós, o que consequentemente nos adoece. Para evitar essa água represada, um exercício pode nos ajudar: imaginar a ofensa que o outro nos fez como algo que não precisamos nem devemos reter conosco, mas jogá-lo no rio da vida e deixar com que a correnteza leve aquilo embora.

            Quando decidimos não perdoar, decidimos viver em função do passado. O rio da vida continua fluindo, a vida continua aberta, nos convidando a olhar para a frente, a seguir em frente, mas nós nos recusamos a olhar o que existe à nossa frente, a enxergar as novas possibilidades, escolhendo beber todos os dias uma xícara do veneno da raiva, da mágoa, do ódio, do ressentimento, não enxergando que a pessoa mais prejudicada com a falta de perdão somos nós mesmos.

            Na tentativa de nos tirar dessa paralisia que nos adoece e destravar a nossa vida, o Eclesiástico nos dá um conselho: “Lembra-te do teu fim e deixa de odiar” (Eclo 28,6). A vida é curta demais para escolhermos viver envenenados e adoecidos pela raiva ou pela mágoa. Quando menos imaginarmos, seremos recolhidos por Deus, e seria muito triste nos apresentarmos diante dele como quem não viveu tantas coisas que poderia ter vivido, porque escolheu enterrar-se vivo dentro do túmulo do ressentimento. Além disso, nos lembrar do nosso fim significa retomar a consciência de que seremos julgados por Deus, e nesse julgamento necessitaremos do seu perdão: “Perdoa a injustiça cometida por teu próximo: assim, quando orares, teus pecados serão perdoados” (Eclo 28,2). Jesus também deixou claro que quem se recusa a perdoar de coração ao seu irmão não receberá o perdão que necessita da parte de Deus (cf. Mt 18,35).

            Talvez o nosso grande problema seja entender o que é perdoar. Se uma pessoa propositalmente nos fere, nos faz o mal, nós temos o direito de nos defender desse mal distanciando-nos e nos protegendo da pessoa. Esse distanciamento nem sempre é possível fisicamente, mas é sempre possível emocionalmente, internamente. Eu não posso escolher como a pessoa vai me tratar, mas posso escolher como vou responder ao que a pessoa está me fazendo. Ainda que todos os dias ela me ofereça veneno para beber, eu tenho a liberdade de não tomar o veneno, e assim me manter emocional e espiritualmente saudável

A importância do perdão é realçada por Jesus na imagem da prisão: decidir não perdoar significa sermos trancados na prisão do ressentimento e permitirmos ser torturados dia e noite pela mágoa, pela raiva. Quando tomamos a decisão de perdoar, nós nos libertamos dessa prisão e dessa tortura, e voltamos a viver livres, abertos às novas possibilidades que a vida tem a nos oferecer. A outra pessoa pode não ter mudado, mas nós mudamos a maneira de lidar com ela. Além disso, é sempre importante lembrar que toda pessoa que nos fere foi ferida antes por alguém. Às vezes, a agressão com que a pessoa nos trata nada tem a ver conosco; é apenas um pedido de ajuda de quem está machucado e não sabe como lidar com sua ferida.

Ainda uma palavra sobre o perdão. Perdoar não significa deixar com que a pessoa que feriu você continuar a fazer a mesma coisa. Trata-se apenas de você não viver em função do que aconteceu e ter mais cuidado ao lidar com a pessoa. Perdoar significa lembrar-se de que cada um de nós é parte do mesmo Corpo de Cristo, a Igreja: excluir um membro do corpo em nome da raiva prejudica todo o corpo. Mais importante do que nosso orgulho pessoal é a saúde emocional e espiritual do Corpo de Cristo, a Igreja. Enquanto a raiva estreita a nossa visão e a faz manter o foco na pessoa que nos feriu, o perdão alarga a nossa visão e nos faz enxergar que todo o Corpo se beneficiará com a nossa decisão em perdoar.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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