quinta-feira, 26 de junho de 2014

IGREJA CONFIGURADA A CRISTO, NÃO AOS FARISEUS

Missa de São Pedro e São Paulo. Palavra de Deus: Atos 12,1-11; 2Timóteo 4,6-8.17-18; Mt 16,13-19.

            A época em que vivemos é marcada pela rejeição a toda e qualquer instituição. Rejeita-se instituições como o Estado, a Família, a Escola, a Igreja etc. Por que essa rejeição a toda e qualquer instituição? Porque as pessoas hoje querem fazer suas escolhas e tomar suas decisões segundo aquilo que lhes convém, e não segundo aquilo que determinada instituição afirma ser o certo, o correto. Um exemplo concreto: um jovem, homossexual assumido, que quando criança foi católico, e depois, ao entrar para a adolescência/juventude passou por algumas igrejas evangélicas, há tempos atrás postou no seu Face uma espécie de “convocação” para os demais jovens, no sentido de criarem uma religião sem igreja; literalmente, como ele mesmo expressou, “uma religião sem doutrina”.
            Nós poderíamos comparar as instituições às raízes de uma árvore. A geração de hoje rejeita raízes porque não admite ficar “agarrada” a isso ou àquilo: ela quer seguir pela vida como uma folha livremente levada pelo vento. Mas aqui se esconde uma ironia, ou mesmo uma contradição: a mesma pessoa que não admite ser “conduzida” por uma instituição, aceita ser “conduzida”, para não dizer “arrastada”, pelo vento das circunstâncias do momento. Além disso, quem corta a ligação com as suas raízes acaba tombando diante de qualquer vento contrário. O resultado é o que estamos vendo hoje: pessoas fragilizadas, desorientadas, sem referência, que facilmente tombam diante de qualquer vento que lhes sopre contrário.         
            Ao comparar Pedro a uma pedra e ao afirmar: “sobre esta pedra construirei a minha Igreja” (Mt 16,18), Jesus deixou claro que todos nós precisamos de um alicerce sobre o qual construir a nossa vida; todos nós precisamos de raízes a partir das quais possamos enfrentar os ventos do mundo que sopram contrários a nós. Mas aqui se esconde um problema: a pedra-Igreja, fundada por Jesus sobre os apóstolos, se pulverizou ao longo dos tempos em inúmeros fragmentos, de modo que hoje as pessoas que procuram por uma raiz, por um fundamento para a sua fé, têm inúmeras opções, e o que faz com que elas se agreguem a esta ou àquela igreja não consiste na pergunta: “Qual é a Igreja de Jesus Cristo?”, mas sim na pergunta: “Em qual igreja eu me sinto melhor?” 
Além desse subjetivismo/individualismo das pessoas, existe a questão da perda de “consistência” da pedra-Igreja. Ela perdeu boa parte da sua credibilidade quando acreditou poder garantir a sua autoridade por meio de títulos, de vestimentas e de alguns sinais externos que, ao invés de fazer com que a Igreja se revestisse de Cristo (cf. Gl 3,27), fez com que ela se travestisse de farisaísmo (cf. Mt 23,5-7), desfigurando em si mesma a imagem do seu Fundador, que disse: “Eu estou no meio de vós como aquele que serve” (Lc 22,27). Mais ainda: para resistir aos ataques do mundo, pareceu mais prudente à Igreja adotar como raiz a lei e não a graça, a letra e não o Espírito, de modo que ela passou a ser mais identificada como discípula dos fariseus do que como discípula de Jesus Cristo, que embora não tenha vindo abolir a Lei (cf. Mt 5,17), deixou claro que a Lei está a serviço da comunhão das pessoas com o Pai e não a comunhão das pessoas com o Pai a serviço da Lei (cf. Mc 2,27; Mt 23). Neste sentido, o Papa Francisco aponta para a desproporção em que nas nossas pregações falamos mais da lei que da graça, mais de Igreja que de Jesus Cristo, mais do Papa que da Palavra de Deus (A Alegria do Evangelho, n.38).
Não há como negar que as atitudes do Papa Francisco têm devolvido credibilidade e autoridade moral à nossa Igreja. Além de insistir que “o verdadeiro poder é o serviço”, Francisco afirma que “há normas ou preceitos eclesiais que podem ter sido muito eficazes noutras épocas, mas já não têm a mesma força educativa como canais de vida” (A Alegria do Evangelho, n.43). Noutras palavras, diz Francisco: não podemos “tornar pesada a vida dos fiéis”, nem “transformar a nossa religião numa escravidão”.
Meditemos sobre o símbolo das chaves que Jesus entrega a Pedro: “Eu te darei as chaves do reino dos céus” (Mt 16,19). As chaves podem abrir ou fechar. Segundo o Papa Francisco, a Igreja deve ser “uma mãe de coração aberto... uma Igreja com as portas abertas (para) sair em direção aos outros para chegar às periferias humanas... A Igreja é chamada a ser sempre a casa aberta do Pai... Todos devem participar de alguma forma da vida eclesial, todos podem fazer parte da comunidade, e sem sequer as portas dos sacramentos se deveriam fechar por uma razão qualquer” (A Alegria do Evangelho, ns.46 e 47).   
Se hoje estamos reunidos para celebrar as duas colunas da nossa Igreja – São Pedro e São Paulo – não é tanto para nos colocarmos na defesa desta Igreja enquanto instituição, mas muito mais para que cada um de nós se reconheça como chamado a ser uma “pedra viva” (1Pd 2,5) na Igreja que Jesus fundou sobre os apóstolos, no seio da qual Ele é a pedra principal (cf. Ef 2,20). Na medida em que cada um de nós decide viver com fidelidade sua vocação de construtor da Igreja de Jesus Cristo como espaço de acolhida, de cura, de reorientação, de resgate, de conversão etc., nós nos tornaremos um sinal vivo que aponta para Jesus Cristo, a rocha inabalável sobre a qual todo ser humano pode agarrar-se e eleger como verdadeiro alicerce para a sua vida, neste mundo onde “tudo que é sólido desmancha no ar” (Marshall Berman).


                                                      Pe. Paulo Cezar Mazzi

sábado, 21 de junho de 2014

O MEDO HUMANO E O CONSENTIMENTO DIVINO

Missa do 12º. dom. comum. Palavra de Deus: Jr 20,10-13; Rm 5,12-15; Mt 10,26-33.

            No Evangelho de hoje, ouvimos Jesus dizer por três vezes “Não tenham medo!” (Mt 10,26.28.31). O medo é um dos nossos instintos mais primitivos: temos necessidade de nos defender de algo ou de alguém que nos ameaça. Do quê ou de quem você sente medo hoje? Tememos pela nossa saúde, pelo nosso emprego, pela nossa sobrevivência. Tememos pelos nossos filhos e pela nossa família. Tememos pela nossa vida, ameaçada pelos bandidos e pela violência sempre crescente. Tememos pelo nosso futuro. Tememos perder coisas e pessoas. Tememos pela nossa velhice. Tememos, enfim, pela morte.
Ao mesmo tempo em que Jesus nos ensina que grande parte do nosso medo provém da nossa falta de confiança em Deus, ele nos faz um alerta: ‘Se é para ter medo, tenham medo de perder a integridade de vocês, o caráter, os valores, a honra, a honestidade, a vergonha na cara; tenham medo de ser tornarem pessoas permissivas, corruptas, adúlteras, imorais, injustas, indiferentes ao sofrimento alheio; numa palavra, tenham medo de perder a alma, a salvação de vocês’.
            Por que Jesus tocou na questão do medo? Porque, ao enviar seus discípulos em missão, para anunciarem o Evangelho a todas as pessoas, alertou-os: “Eis que eu vos envio como cordeiros para o meio dos lobos” (Mt 10,16). Essa é a condição de todo verdadeiro cristão no mundo, desde a época de Jesus até hoje: ser um cordeiro no meio de lobos; ser uma pessoa íntegra num ambiente corrupto; ser uma pessoa justa numa sociedade injusta; ser uma pessoa solidária num mundo marcado pela indiferença para com o sofrimento alheio.
            Embora em alguns países, sobretudo aqueles dominados pelo fundamentalismo islâmico, os cristãos são perseguidos e mortos apenas por se declararem cristãos, nos países do Ocidente você não incomoda ninguém por ser cristão(ã) – isso é uma opção individual, à qual você tem direito – mas você incomoda quando, por ser cristão(ã), se opõe àquilo que é injusto na sociedade. É quando você, em nome do Evangelho, precisa colocar o dedo na ferida, dar nomes aos bois e denunciar ou questionar o que há de injusto no ambiente em que se encontra é que passa a sentir na pele a ameaça dos lobos com quem convive no dia a dia, inclusive se dando conta de que alguns que você considerava cordeiros eram, na verdade, lobos em pele de cordeiro.
            Sentindo-se ameaçado por pessoas que viviam “espalhando o medo em redor” (Jr 20,10), o profeta Jeremias colocou a sua causa nas mãos de Deus, Aquele que conhece o coração de cada homem e sabe distinguir o justo do injusto, e proclamou a sua fé, dizendo: “(...) o Senhor está ao meu lado como forte guerreiro; por isso, os que me perseguem cairão vencidos” (Jr 20,11). Da mesma forma, Jesus nos convida a confiar no Pai: se nenhum pardal, pássaro sem valor algum no mercado, cai por terra, isto é, morre “sem o consentimento do vosso Pai”, tenham a confiança de que o Pai não cuidará de vós, que “valeis” para Ele “mais do que muitos pardais”! (cf. Mt 10,29.31).
            Existem situações reais que nos ameaçam? Sim! Primeiro, porque a vida humana vale hoje tanto quanto os pardais, ou seja, nada; mata-se por qualquer motivo e também sem nenhum motivo. Segundo, porque o mundo odeia quem procura viver como Jesus viveu (cf. Jo 15,18). Contudo, nós precisamos colocar o nosso medo em diálogo com a palavra-chave que Jesus usou para falar da nossa confiança no cuidado que o Pai tem para conosco: CONSENTIMENTO. O Pai conhece tudo da minha vida; sabe até quantos fios de cabelo eu tenho na cabeça. Nada me atingirá, sem o consentimento d’Ele. Essa confiança foi expressa pelo Papa Francisco, quando um repórter lhe perguntou a respeito da sua segurança: ele disse que não sente medo, que sabe que ninguém morre de véspera (entrevista ao Fantástico em 29/07/2013).
            A palavra “consentimento” diz claramente que a nossa vida está nas mãos do Pai, não nas mãos dos homens, assim como a vida do cordeiro está nas mãos do seu Pastor e não nas garras dos lobos que o rodeiam. Por isso, Jesus diz: “Não tenhais medo dos que matam o corpo, mas não podem matar a alma!” (Mt 10,28). A questão, porém, é saber se nós acreditamos que temos uma alma e que ela não pode ser tocada pelas mãos de nenhum ser humano. A questão é saber se nós nos preocupamos em cuidar da nossa alma da mesma forma como nos preocupamos em cuidar do nosso corpo. Se há alguém que representa perigo para a nossa alma somos nós mesmos, na medida em que a mantemos afastada de Deus. Neste sentido, vale a pena lembrar de que quem, por descuido da sua fé, não tem medo de perder Deus, já perdeu tudo, inclusive sua alma.
            Jesus termina este Evangelho nos alertando que sempre chega o momento em que a nossa fé sai do âmbito pessoal e é questionada pelos outros. É quando temos que “sair de cima do muro” e dizer no quê consiste a nossa fé. “(...) todo aquele que se declarar a meu favor diante dos homens... Aquele, porém, que me negar diante dos homens....” (Mt 10,32-33). Só consegue se declarar verdadeiro cristão e discípulo de Jesus Cristo quem se libertou do medo de ser criticado, rejeitado, marginalizado e mesmo perseguido pelos outros. No fundo, a verdadeira ameaça à nossa fé não vem de fora (dos outros), mas de dentro (de nós mesmos): é quando ao invés de sentirmos um saudável orgulho em sermos reconhecidos como “pessoas de Deus”, sentimos vergonha em sê-lo.
            A título de conclusão, recordemos as palavras do papa Francisco aos jovens, no final da JMJ, ano passado: “Tenham a coragem de ir contra a corrente... Não tenham medo de ir e levar Cristo para todos os ambientes, até as periferias existenciais, incluindo quem parece mais distante, mais indiferente. O Senhor procura a todos, quer que todos sintam o calor da Sua misericórdia e do Seu amor”.

                                                                                                                                                 Pe. Paulo Cezar Mazzi



sábado, 14 de junho de 2014

1 + 1 = 3

Missa da Santíssima Trindade. Palavra de Deus: Êxodo 34,4b-6.8-9; 2Cor 13,11-13; Jo 3,16-18.

      Na matemática dos homens, 1 + 1 = 2, mas na matemática de Deus, 1 + 1 = 3. Existe o Pai, existe o Filho, e o amor ou a comunhão que une o Pai ao Filho e o Filho ao Pai se chama Espírito Santo.
            Nós só tomamos consciência das três Pessoas divinas no Novo Testamento, como Paulo acabou de mencioná-las: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós” (2Cor 13,13). Porém, desde o Antigo Testamento, desde o início da Sagrada Escritura, Deus fala de Si mesmo usando o plural e não o singular. Por exemplo, ao criar o ser humano, Deus diz: “Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança” (Gn 1,26). Da mesma forma, quando visita Abraão, Deus aparece na figura de três homens (cf. Gn 18,1-16).
           Na música “Índios”, o grupo Legião Urbana cantava: “Quem me dera ao menos uma vez entender como um só Deus ao mesmo tempo é três...”. Mais importante do que “entender” o que a Igreja chama de “mistério” da Santíssima Trindade, trata-se de compreender o que esse “mistério” tem a dizer para a nossa vida hoje. 1 + 1 = 3: existo eu, existe você e existe o nosso relacionamento. A partir do momento em que eu e você começamos a construir um relacionamento, a questão não é mais saber o que convém a mim ou o que convém a você, mas o que convém ao nosso relacionamento. Se alguma coisa parece ser conveniente apenas a mim, ou apenas a você, mas não é conveniente para o nosso relacionamento, ela, na verdade, não é conveniente.
    O Pai ama o Filho, e no Filho ama toda a humanidade: “Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho único, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16). Jesus, por sua vez, “tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). E, como celebramos em Pentecostes, “o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5). Dizendo de outra maneira, por amor a nós, o Pai nos deu o Filho como nosso Salvador. O Filho, por sua vez, nos deu o Espírito Santo como Consolador. O Espírito Santo, por sua vez, nos coloca em comunhão de amor com o Pai e o Filho. Quem crê nesse amor e se deixa amar experimenta a vida eterna, mas quem não crê e não se deixa amar, experimenta a solidão eterna.  
   A comunhão de amor entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo contrasta com a solidão e o individualismo do mundo moderno. Ao tentarem criar comunhão com outras pessoas, muitos se frustraram, se machucaram, foram traídos, se desencantaram, e acabaram por se isolar, por medo de novas desilusões. Na última quinta-feira se comemorou o dia dos namorados. Muitos meninos dizem que hoje não há menina que “preste”, enquanto muitas meninas dizem o mesmo em relação aos meninos. Em meio a esse mútuo desencanto, algumas pessoas decidiram pautar sua vida pelo lema “melhor sozinho do que mal acompanhado”, enquanto outras se identificaram com as palavras de Erasmo Carlos, na música “Mesmo que seja eu”: Filosofia é poesia, é o que dizia minha avó: “Antes mal acompanhada do que só”. Você precisa de um homem pra chamar de seu, mesmo que esse homem seja eu.  
  Muitos relacionamentos fracassaram ou estão fracassando porque cada um dos parceiros está buscando apenas aquilo que convém para si, e não para o seu relacionamento. O mundo em que vivemos nos ensina a sermos pessoas egocêntricas: “EU quero ser feliz”, “EU vou atrás da MINHA felicidade”. Além disso, como vivemos dentro da cultura do BEM ESTAR, desaprendemos a lidar com a dor, nos esquecendo de que amar dói, como disse Madre Teresa de Calcutá: “O amor, para ser verdadeiro, tem de doer. Não basta dar o supérfluo a quem necessita, é preciso dar até que isso nos machuque”.
          “Quando ainda era noite” Moisés levantou-se e “subiu ao monte Sinai” (Ex 34,4). Ao mesmo tempo, “o Senhor desceu na nuvem e permaneceu com Moisés” (Ex 34,5). É assim que acontece a nossa comunhão com o Pai, o Filho e o Espírito nós: nós subimos a Eles, por meio da oração, e Eles descem a nós. Estando na presença de Deus, “Moisés curvou-se até o chão” (Ex 34,8). Diante do quê ou de quem nos curvamos, ou estamos curvados? Curvar-se significa admitir a nossa pequenez diante de um mistério que nos ultrapassa. Ali, prostrado por terra na presença de Deus, Moisés disse: “Peço-te, caminha conosco... perdoa nossas culpas e nossos pecados e acolhe-nos como propriedade tua” (Ex 34,9). Hoje nos curvamos diante do mistério da Santíssima Trindade e pedimos que, apesar das nossas falhas e pecados quanto ao amor, quanto aos nossos relacionamentos, sejamos acolhidos como propriedades do Pai, do Filho e do Espírito Santo, nas mãos dos Quais podemos ser curados das nossas feridas e libertos das amarras do nosso egocentrismo. 

                   Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 5 de junho de 2014

SEM ELE, NADA PODEMOS

Missa de Pentecostes. Palavra de Deus: Atos 2,1-11; 1Cor 12,3b-7.12-13; João 20,19-23.

Jesus ressuscitado “soprou sobre eles (os discípulos) e disse ‘Recebei o Espírito Santo’” (Jo 20,22). Este sopro de Jesus, assim como aquela “forte ventania” que “veio do céu” e “encheu a casa” onde se encontravam os discípulos (cf. At 2,2), nos faz pensar: Qual é o ar que respiramos? Qual é o vento que enche a nossa casa, o nosso local de trabalho, as igrejas, as escolas, os espaços onde as pessoas se encontram ou por onde elas andam? Nossa casa, seja ela interior ou exterior, está cheia do quê: de medo ou de coragem, de alegria ou de tristeza, de esperança ou de desespero, de solidariedade ou de egoísmo?
O ar que se respira em nosso mundo é um ar de violência, de indiferença para com o outro, de intolerância, de medo, de desencanto, de insegurança etc. O vento que encheu a casa onde estavam os discípulos “veio do céu”. Por isso, clamamos ao Pai que, em nome de Seu Filho, sopre o Seu Espírito sobre nós, sobre a humanidade, e varra da terra as guerras, a violência, as drogas, a fome, as doenças, as injustiças, a corrupção etc. Mas também é necessário nos perguntar se as janelas e portas da nossa vida e da vida do nosso mundo estão abertas para receber este vento, este sopro do Espírito de Deus...
 “... apareceram línguas como de fogo... e pousaram sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo” (At 2,3-4). A imagem do fogo, outro símbolo bíblico do Espírito Santo, contrasta com a frieza com que estamos nos acostumando a tratar as pessoas, tanto dentro como fora de casa, frieza até mesmo nas nossas celebrações. Esse frio que vem de dentro nos adoece, assim como adoece nossos relacionamentos. Clamamos ao Pai por este fogo do céu, para que Ele reacenda em nós a alegria, a abertura aos outros e a solidariedade; que este fogo derreta aquilo que em nós se tornou duro como ferro e nos impede de nos reaproximar, de perdoar, de voltar a amar.
O fogo que desceu do céu sobre os discípulos se parecia com línguas, de forma que eles “começaram a falar em outras línguas” (At 2,4). Isso fez com que as pessoas das várias nacionalidades que se encontravam naquele local dissessem: “todos nós os escutamos anunciar as maravilhas de Deus na nossa própria língua” (At 2,11). O que a nossa língua comunica às pessoas? Em quantas famílias existe um silêncio mórbido? Quantos de nós temos uma dificuldade enorme em falar com quem está perto de nós, mas uma facilidade igualmente enorme em falar com quem está longe, pela internet? Clamamos ao Pai para que o Seu Espírito desate a nossa língua, quebre o silêncio que fere as pessoas com quem convivemos, e que também elimine da nossa boca as palavras que igualmente ferem essas pessoas. Pedimos ainda que o Espírito Santo nos faça calar, nos faça silenciar, quando as palavras que estamos para dizer não vão edificar, não vão aproximar as pessoas de Deus (cf. Ef 4,29). Na verdade, precisamos também do silêncio para ouvir a brisa suave do Espírito de Deus (cf. 1Rs 19,12-13).    
Hoje, a Igreja suplica que o Pai derrame por toda a extensão do mundo os dons do Espírito Santo e realize, no coração dos fiéis, as maravilhas que Ele operou no dia de Pentecostes. De fato, segundo o apóstolo Paulo, o Pai concede a cada um de nós “a manifestação do Espírito em vista do bem comum” (1Cor 12,7). O Espírito Santo faz convergir tudo para o bem comum. Desse modo, Ele reconstrói a unidade, transformando nossos muros de separação em pontes de comunhão. Sim, a graça do Espírito Santo tudo pode mudar, tudo pode transformar, tudo pode restaurar.
Num tempo de desesperança como o nosso, clamemos pelo Espírito Santo, pois a Escritura diz: “A esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5). Numa época de sentimento de orfandade como a nossa, supliquemos pelo Espírito Santo, pois a Escritura afirma: “o próprio Espírito se une ao nosso espírito para testemunhar (para garantir) que somos filhos de Deus” (Rm 8,16). Em nossos momentos de fraqueza, nos entreguemos à graça do Espírito Santo, pois está escrito que “O Espírito vem em socorro da nossa fraqueza” (Rm 8,26). Deixemos com que Ele perscrute o nosso coração e possa interceder por nós segundo o desígnio de salvação que Deus tem para conosco (cf. Rm 8,27; 1Cor 2,10-11).  

Vinde, Espírito Santo, terníssimo Consolador. Minha alma suspira por Vós, meu coração tem sede de Vós. Só Vós podeis saciar os meus anseios, só Vós podeis fazer-me feliz. Divino Esposo, não rejeiteis a morada de meu pobre coração. Sim, meu coração é impuro, mas podeis purificá-lo; meu coração é tenebroso, mas podeis iluminá-lo; meu coração é mau, mas podeis saciá-lo de amor; meu coração é triste, mas podeis consolá-lo; meu coração é fraco, mas podeis fortalecê-lo; meu coração é frio, mas podeis abrasá-lo; meu coração é terreno, mas podeis enchê-lo de desejos celestiais; meu coração é pecador, mas podeis orná-lo de todas as virtudes; meu coração é inconstante, mas podeis torná-lo perseverante. Vinde, pois, ó Espírito Santo, Pai dos pobres, vinde, inundai-me de Vosso amor!  (Autoria desconhecida)

                                         Pe. Paulo Cezar Mazzi