sábado, 31 de março de 2018

SOMOS PESSOAS PORTADORAS DA SEMENTE DA RESSURREIÇÃO

Missa do domingo de Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos apóstolos 10,34a.37-43; Colossenses 3,1-4; João 20,1-9.

            Enquanto existe vida, existe esperança. Enquanto existe vida, é possível lutar: lutar para vencer uma doença, para superar uma dificuldade; lutar para que se faça justiça, para que nos defender de algo que nos ameaça. Enquanto nos sentimos vivos, nós lutamos; enquanto nos sentimos vivos, não perdemos a esperança. Mas quando chega a morte, não há mais esperança. Quando chega a morte, nos sentimos definitivamente vencidos. Não há mais porque lutar. Não há mais pelo quê esperar. 
Aos olhos dos discípulos, Jesus havia sido definitivamente vencido pela morte. Mas dois acontecimentos devolveram vida e esperança aos discípulos: o túmulo vazio e o encontro com Jesus Ressuscitado. Neste domingo de Páscoa, portanto, nós temos duas “palavras” que testemunham que Jesus ressuscitou: a primeira é a “palavra” do túmulo vazio (cf. Jo 20,1-9); a segunda é a palavra daqueles que Deus escolheu para serem testemunhas de seu Filho ressuscitado: os que comeram e beberam com Ele depois que ressuscitou dos mortos (cf. At 10,40-41).
Segundo o apóstolo Paulo, toda a nossa fé se baseia numa única verdade: Cristo ressuscitou! Se Ele não houvesse ressuscitado, nós não teríamos no quê acreditar; nossa fé seria vazia, desprovida de sentido; nós não teríamos onde nos agarrar (cf. 1Cor 15,14). Porém, o apóstolo nos esclarece o que significa crer que Jesus ressuscitou: “Se temos esperança em Cristo (ressuscitado) somente para esta vida, somos os mais dignos de compaixão de todos os homens” (1Cor 15,19). Se a nossa fé no Cristo ressuscitado serve de esperança somente para as coisas presentes, como a superação de uma dificuldade, a solução de um problema, nós não entendemos nada a respeito da ressurreição, uma vez que ela diz respeito à verdadeira Vida, à Vida Eterna.    
            Sim! A fé no Cristo ressuscitado também tem repercussões para esta vida presente. Se a morte nos iguala a todos – no sentido de que todo ser humano morre –, a única coisa que nos diferencia é a nossa fé na ressurreição. Quem crê na ressurreição não apenas enxerga a morte de uma outra forma, como também vive sua vida de uma outra forma. “Porque Ele vive, eu posso crer no amanhã”. Porque Cristo vive, depois de ter enfrentado a morte de cruz, eu posso lidar a minha cruz de uma maneira diferente. Porque Cristo vive, eu posso seguir pela vida sabendo que nada poderá me separar do amor de Deus, manifestado na pessoa de seu Filho Jesus (cf. Rm 8,37-39). Porque Cristo vive, eu posso suportar minhas provações crendo que Deus tem o poder de ressuscitar os mortos, e nessa minha fé Ele me devolve, de maneira transformada, tudo aquilo que eu entreguei em Suas mãos (cf. Hb 11,17-18). Porém, se eu não creio que Cristo ressuscitou, me torno como aquelas pessoas que cedem à injustiça e à maldade do mundo, por não acreditarem que exista um prêmio para a santidade, uma recompensa para quem vive segundo a justiça (cf. Sb 2,22).   
A boa notícia da Páscoa é que “Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que adormeceram... Em Cristo todos receberão a vida” (1Cor 15,20.22). “Primícias” significam “os primeiros frutos de uma colheita”. Na ressurreição de seu Filho, o Pai iniciou a grande colheita que nos dá a certeza de que um dia seremos recolhidos por Ele, isto é, que seremos ressuscitados. Por isso, dizemos com o salmista: “Não morrerei, mas, ao contrário, viverei, para contar as grandes obras do Senhor!” (Sl 118,17). E uma vez que cremos na ressurreição de Cristo, devemos nos esforçar “por alcançar as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus” (Cl 3,1-2). Devemos viver com o coração voltado para o alto, como pessoas que, embora tenham que lidar diariamente com a cruz, são pessoas portadoras da semente da ressurreição.
Toda semente guarda uma vida escondida dentro de si. Desse modo, o apóstolo Paulo afirma que a nossa verdadeira vida “está escondida com Cristo em Deus” (Cl 3,3). “Vida escondida” significa que a nossa fé na ressurreição de Cristo e na nossa própria ressurreição não vai retirar do caminho da nossa vida todas as dificuldades, mas vai nos dar a certeza de que nós seremos unidos ao triunfo de Cristo sobre todo tipo de dor, de fracasso e de morte. De fato, nós ainda não nos vemos plenamente ressuscitados, porque diariamente temos que fazer a nossa páscoa, a nossa passagem do pecado para a santidade, das trevas para a luz, da mentira para a verdade, e nem sempre estamos dispostos fazer essa passagem. Isso significa que a Páscoa não é somente um dom do Pai para nós, mas também uma tarefa que temos que realizar todos os dias, até que Cristo, nossa vida, se manifeste e revele plenamente a glória da sua ressurreição em cada um de nós (cf. Cl 3,4).  
No campo do coração de cada pessoa que encontrarmos neste Tempo Pascal, lancemos a semente da ressurreição! Diariamente encontramos pessoas que desistiram de buscar as coisas do alto e passaram a viver arrastadas pelas coisas da terra, pessoas que desistiram de crer na força da Páscoa, desistiram de se esforçar em fazer a passagem da morte para a vida porque esta passagem se apresenta, à primeira vista, humanamente impossível. Mas a Ressurreição de Cristo nos ensina que a Páscoa não é obra nossa, e sim obra de Deus em nós! É Ele quem nos faz passar! A fé na ressurreição nunca é a fé naquilo que você pode fazer, mas sempre é a fé naquilo que Deus pode fazer em você.

Oração: Visita, Senhor, o meu túmulo. Pronuncia sobre o meu vazio a Palavra da ressurreição! Reaviva a minha fé em Teu Filho ressuscitado. Que a minha esperança em teu Filho Jesus não seja somente para esta vida presente, mas, sobretudo, para a Vida Eterna! Devolve-me a fé na ressurreição de Teu Filho e na minha futura ressurreição. Que ao final da minha existência terrena eu seja recolhido(a) junto com teu Filho ressuscitado e possa contemplar-Te face a face na glória do Teu Reino. Ensina-me, Pai, a buscar as coisas do alto; ensina-me a viver com o meu coração voltado para Ti. Enfim, Senhor, onde quer que a Tua mão me coloque neste mundo, que eu germine e frutifique como uma semente portadora de ressurreição. Por teu Filho ressuscitado, Amém!

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 30 de março de 2018

ONDE HÁ CHEIRO DE MORTE, LEVE O PERFUME DA RESSURREIÇÃO!

Missa da Vigília Pascal. Palavra de Deus: Gênesis 1,1.26-31a; Êxodo 14,15 – 15,1; Baruc 3,9-15.32 – 4,4; Romanos 6,3-11; Marcos 16,1-7.

Na noite de quinta-feira santa, nós começamos a fazer, com Jesus, a nossa Páscoa. Somos “pessoas pascais”, pessoas convidadas por Deus a fazer a passagem da morte para a vida. É a Palavra do Senhor que nos abre o caminho, para que possamos passar. Quando Israel estava no exílio da Babilônia (séc. VI a.C.), e não via mais como passar da morte para a vida, Deus dirigiu a sua Palavra àquele povo para lembrá-lo de que Ele é o Criador: Deus criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança, os abençoou, tornou-os capazes de fecundidade, capacitou o ser humano para o trabalho e lhe garantiu a sobrevivência na terra alimentando-o com todos os vegetais. “E Deus viu tudo quanto havia feito, e eis que tudo era muito bom” (Gn 1,31). Se nós hoje contemplamos essa imagem do Paraíso, não é para sentirmos saudade de um passado que não voltará mais, mas para termos a esperança de um futuro que será criado por Deus, que tem por desígnio restaurar todas as coisas em seu Filho Jesus (cf. Ef 1, 9-10; Cl 1,19-20).
Justamente porque somos pessoas pascais, o Senhor hoje se dirige a nós e nos convida a nos levantar das nossas quedas, do nosso desânimo, da nossa falta de esperança, e nos pôr a caminho: “Diga aos filhos de Israel que se ponham em marcha” (Ex 14,15). O texto bíblico que ilumina especialmente esta noite de Páscoa é a libertação de Israel do Egito, uma libertação sofrida e obtida graças à parceria entre Moisés e Deus, uma forma de nos tornar conscientes de que nós só podemos ser libertos quando nos dispomos a fazer a nossa parte, confiando que Deus fará a d’Ele para nos retirar da situação de escravidão e morte e nos levar para uma situação de liberdade e vida.
A passagem pelo mar Vermelho nos lembra que não existe passagem sem luta, sem enfrentar o medo e a dor. Mas nós nunca estamos sozinhos nesta passagem: Deus está conosco! É Ele quem nos faz passar! Como fez com Israel, Ele se coloca junto a nós, na imagem da nuvem, tenebrosa para os egípcios, mas luminosa para os israelitas. Sempre que você se propõe a passar da morte para a vida, vai sentir-se perseguido por uma nuvem de medo e de ameaça, tentando convencê-lo de que a passagem não vai dar certo, a travessia não vai funcionar. Não preste atenção a essa nuvem tenebrosa que está atrás de você. Mantenha o seu olhar na nuvem luminosa, que é o próprio Deus a lhe dizer: ‘Confie em mim. Eu te ajudo a atravessar!’ Se Deus nos convidou a fazer a passagem da escravidão para a liberdade, da morte para a vida, devemos crer que Ele abrirá o caminho e nos fará passar. O nosso Deus nunca começa uma obra e depois a abandona pela metade (cf. Fl 1,6).
Nenhum texto bíblico do Antigo Testamento evidenciou tanto o poder de Deus em salvar o seu povo como a narrativa do Êxodo. No entanto, a memória deste acontecimento não foi suficiente para fazer Israel caminhar confiante e humildemente com o seu Deus. Depois que se instalou na Terra Prometida e começou a ter uma vida repleta de bem estar, Israel afastou-se de Deus e esqueceu-se de onde veio. Como consequência, perdeu a Terra e voltou a ser escravo de um outro povo. Na amarga experiência do exílio, Israel se deu conta de que “todos os que seguem (praticam) a sabedoria (Palavra) viverão; todos os que a abandonam morrerão” (Br 4,1). Contudo, Deus não abandonou seu povo no exílio, mas o convidou a arrepender-se e a voltar-se para Ele como fonte de salvação: “Volte atrás, Jacó!... Caminhe na luz da minha Palavra! Não entregue aos outros a sua glória!” (Br 4,2-3). Este é, também, o alerta do Senhor para nós: aquilo que conquistamos com tanto sacrifício, aquela passagem que foi realizada com tanta luta e tanto sofrimento, pode ser cancelada porque descuidamos de manter nossa fidelidade diária a Deus e nossa obediência à sua Palavra...
Embora nenhum de nós tenha passado pelas águas do mar Vermelho, o apóstolo Paulo nos recorda nesta Vigília Pascal que todos nós passamos pelas águas do Batismo. Para a maioria de nós, isso aconteceu quando éramos crianças, para nos lembrar que a salvação que o batismo nos dá é graça de Deus e não mérito nosso. Ser batizado significa ser mergulhado na morte de Cristo. Como nos ensina o apóstolo, nossa tarefa diária consiste em morrer para o pecado e viver para Deus, em Cristo Jesus, tendo consciência de que o Batismo nos identificou a Jesus Cristo por uma morte semelhante à sua, para nos assemelharmos a Ele também na sua ressurreição. Essa será a etapa final da nossa Páscoa.
            Finalmente, o Evangelho desta noite nos fala do que aconteceu no primeiro dia da semana, após o sepultamento: algumas mulheres foram comprar perfumes para ungir o corpo de Jesus. O perfume simboliza o amor que é mais forte que a morte; simboliza a fé na vida eterna, imagem da alma que não morre com o corpo, mas que sobe (exala) até Deus. Se é verdade que cada dia que nasce nos lembra que somos mortais (a imagem do túmulo), há um sinal que diz que a morte não é mais um ponto final na vida humana (a grande pedra que impedia o acesso ao corpo de Jesus foi retirada). Aquela pedra não foi retirada por alguém de fora, mas por Alguém de dentro do túmulo, Alguém que todos pensavam que estava morto para sempre.
A pedra que nos mantinha a todos fechados em nossos túmulos, aprisionados para sempre na morte, foi retirada! Dentro do túmulo não há mais uma vida que terminou na morte, um sonho de que desfez para sempre, uma luz que se apagou definitivamente. Dentro do túmulo há um jovem – imagem da vida que se renova – dizendo que Jesus de Nazaré, que foi crucificado, ressuscitou! Portanto, esta noite de Páscoa nos convida a retirar a pedra do túmulo do nosso desânimo, do nosso abatimento, túmulo que representa tantas atitudes nossas por meio das quais nos enterramos vivos, morremos antes da hora, abandonamos os nossos valores, pensando que ficar dentro de um túmulo seja melhor do que sair e enfrentar a vida e correr o risco de sermos machucados.
“Vós procurais Jesus de Nazaré, que foi crucificado? Ele ressuscitou. Não está aqui. Vede o lugar onde o puseram. Ide, dizei a seus discípulos e a Pedro que ele irá à vossa frente, na Galileia. Lá vós o vereis, como ele mesmo tinha dito” (Mc 15,6-7). O Evangelho da Vigília Pascal poderia nos colocar em contato com Jesus Ressuscitado (o que será feito nos dois próximos domingos), mas ele nos coloca, primeiro, diante de um túmulo vazio, túmulo que nos lembra que crer na ressurreição não significa crer que não vamos morrer, ou que vamos ser poupados de sofrimento, mas significa crer que vamos vencer a morte e o sofrimento. O nosso sofrer e a nossa morte não são a negação da ressurreição, mas o lugar existencial onde experimentaremos a nossa própria ressurreição (cf. 2Cor 5,2-4).

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quarta-feira, 28 de março de 2018

VOCÊ TAMBÉM JÁ FOI ALCANÇADO (A)

Adoração da Cruz. Palavra de Deus: Isaías 52,13 – 53,12; Hebreus 4,14-16; 5,7-9; João 18,1 – 19,42.

            A ciência e a tecnologia nos prometem um mundo e um futuro sem dor, um mundo e um futuro onde não haverá mais acidentes (tudo será controlado por computadores, inclusive os carros), onde as doenças não serão apenas curadas, mas mesmo impedidas de se manifestarem, graças à manipulação genética. Sonha-se com um mundo e um futuro onde – quem sabe – a própria morte será eliminada! No entanto, o mesmo ser humano que busca formas de não sofrer e de não morrer, produz sofrimento e morte; o mesmo ser humano que sente repulsa da cruz produz situações de cruz para si mesmo e para o seu semelhante.
            A liturgia desta tarde de sexta-feira santa nos coloca diante da Cruz. Ela não é um símbolo inofensivo. Na verdade, a Cruz sempre provoca uma reviravolta em nossa maneira de compreender Deus e a própria vida. Ela nos lembra que os caminhos que Deus usa para nos salvar são muito diferentes do que aqueles que imaginamos. Além disso, quando pensamos que o sentido da nossa vida está em ter sempre boa saúde, superar todas as dificuldades, obter todas as respostas, resolver todos os problemas e sermos bem sucedidos em tudo o que fazemos, a Cruz fere o nosso orgulho e abate a nossa autossuficiência, nos lembrando de que nenhum ser humano se salva por sua própria força.
Mas há um lado positivo em tudo isso. Ao derrubar nosso orgulho e nossa autossuficiência no chão, ao desmontar os nossos esquemas, a Cruz nos faz enxergar que até mesmo quando fracassamos aos olhos dos homens, até mesmo quando descemos no mais fundo do poço, justamente ali pode ser dar a nossa redenção, a nossa cura, a nossa salvação. Como escreveu o Pe. Amedeu Cencini, “desde que Cristo morreu na cruz, toda situação, inclusive a mais frágil e trágica ou a aparentemente falimentar e maldita, pode tornar-se lugar e causa de salvação”. Desde que Cristo sofreu e morreu na cruz, toda dor que você sofre e toda morte que você enfrenta podem se tornar experiências de redenção, de cura e de salvação para você e para a humanidade.
Nesta tarde, nós não olhamos apenas para a Cruz, mas, sobretudo, para o Crucificado: “Tão desfigurado ele estava que não parecia ser um homem ou ter aspecto humano. Não tinha beleza nem atrativo para o olharmos, não tinha aparência que nos agradasse” (Is 53,2). Porque somos influenciados pela cultura da aparência, nós desviamos o olhar de tudo o que é feio, de tudo o que nos lembra fraqueza, imperfeição, dor, envelhecimento e morte. Mas o Crucificado nos ensina que também fazem parte da vida o deficiente, o fraco, o imperfeito, aquilo que consideramos feio, desprezível e sem importância. Se nós queremos ser curados, precisamos aprender a ouvir as nossas feridas, e não fazer de conta que elas não existem. Se nós queremos um mundo melhor, precisamos ouvir o grito dos crucificados, e não ignorá-los.
  O Crucificado “era desprezado como o último dos mortais, homem coberto de dores, cheio de sofrimentos... A verdade é que ele tomava sobre si nossas enfermidades e sofria, ele mesmo, nossas dores” (Is 53,3.4). A verdade é que nós achamos que o sofrimento do outro é problema dele e não nosso. A verdade é que nós sempre achamos que as coisas ruins podem acontecer com os outros, nunca conosco. A verdade é que nós esperamos que Deus “funcione” para nós como blindagem diante de todo tipo sofrimento. A verdade é que nós, muito diferente de Jesus, procuramos afastar de todas as maneiras o cálice da dor, esquecendo-nos de que este cálice pode conter o remédio amargo para nos curar, a correção necessária para nos resgatar e nos devolver ao caminho da justiça, da santidade e da salvação. A verdade é que muitos de nós estamos criando as futuras gerações num mundo de mentiras, onde não há dor, nem luta, nem sacrifício, nem frustração, nem morte, um mundo onde tudo é fácil: basta fazer manha, fazer chantagem, fazer corpo mole, e as dificuldades desaparecerão.  
            Ao profetizar a sua morte de cruz, Jesus havia dito: “Quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32). O que nos atrai para o Crucificado é a sua atitude de recolher em si toda dor, todo sofrimento, toda morte, e entregar tudo ao Pai, o único que pode transformar a dor em alegria, a morte em vida. O que nos atrai para o Crucificado é reconhecê-Lo como o Divino Pontífice, a ponte que foi estendida entre o céu e a terra, para reconciliar o homem com Deus. Havia um abismo que separava a humanidade de Deus (cf. Is 59,1-2), mas sobre este abismo foi deitada a Cruz do Crucificado. Por isso, o autor da carta aos Hebreus nos convida: “Permaneçamos firmes na fé que professamos. Com efeito, temos um sumo sacerdote capaz de se compadecer de nossas fraquezas... Aproximemo-nos então, com toda a confiança, do trono da graça,  para conseguirmos misericórdia e alcançarmos a graça de um auxílio no momento oportuno” (Hb 4,14-16).
            A Cruz tornou-se para nós o trono da graça, porque Aquele que nela esteve crucificado agora está vivo e ressuscitado diante do Pai, intercedendo por nós dia e noite (cf. Hb 7,24-25). Ainda que, como Ele, nós às vezes nos sintamos como um vaso despedaçado pelo sofrimento, podemos dirigir confiantemente nossa oração ao Pai, como Jesus mesmo rezou: “A vós, porém, ó meu Senhor, eu me confio, e afirmo que só vós sois o meu Deus! Eu entrego em vossas mãos o meu destino; libertai-me do inimigo e do opressor! Mostrai serena a vossa face ao vosso servo e salvai-me pela vossa compaixão!” (Sl 31,15-17).
                Ao finalizar esta reflexão, podemos nos perguntar: qual é o alcance da Cruz de Cristo? Por quem Ele morreu? Quem a sua morte redimiu? Pela graça de Deus, ele sofreu a morte em favor de todos” (Hb 2,9). Todo ser humano está salvo pela Cruz de Cristo porque todo ser humano foi “alcançado” pela redenção realizada na Cruz. Foi isso que o apóstolo Paulo compreendeu, ao declarar: “eu também já fui alcançado por Cristo Jesus” (Fl 3,12). Uma vez que nós todos fomos alcançados pela força redentora da Cruz de nosso Senhor Jesus, que possamos viver com a mesma disposição de fé e a mesma consciência que o apóstolo Paulo viveu: “Tudo considero como algo sem valor em comparação ao conhecimento de Jesus Cristo. Quero ganhar a Cristo e ser achado nele. Quero conhecê-lo, conhecer o poder da sua ressurreição e a participação nos seus sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte, para ver se alcanço a ressurreição de entre os mortos” (Fl 3,8-11).

Pe. Paulo Cezar Mazzi

terça-feira, 27 de março de 2018

DISCÍPULOS DO CORDEIRO

Missa da Ceia do Senhor. Palavra de Deus: Êxodo 12,1-8.11-14; 1Coríntios 11,23-26; João 13,1-15.

            A liturgia desta noite nos fala da preparação de duas páscoas: a páscoa do Antigo Testamento, quando o Senhor Deus passou pela terra do Egito e convidou seu povo (Israel) a fazer a passagem da escravidão para a liberdade, e a Páscoa do Novo Testamento, quando Jesus abraçou a sua hora de passar deste mundo para o Pai, oferecendo a todos os que n’Ele creem a possibilidade de passarem da morte para a vida. Duas páscoas muito diferentes, mas com um personagem central comum a ambas: o cordeiro.  
            Na páscoa do Antigo Testamento, Deus ordenou às famílias dos hebreus: “Cada um tome um cordeiro por família, um cordeiro por casa” (Ex 12,3). “Tomareis um pouco do seu sangue e untareis os marcos e a travessa da porta, nas casas em que o comerdes” (Ex 12,7). “E comereis às pressas, pois é a Páscoa do Senhor, isto é, a ‘passagem’ do Senhor! Naquela noite, passarei pela terra do Egito e ferirei todos os primogênitos” (Ex 12,11-12). O pano de fundo dessa atitude de passar o sangue do cordeiro nas portas das casas vem de uma prática muito antiga dos pastores que, ao terem que percorrer os campos com seus rebanhos, sacrificavam um cordeiro e levavam um pouco do seu sangue à frente, como que abrindo o caminho, na esperança de que esse sangue afugentasse algum tipo de praga que pudesse ferir o rebanho de morte.
            O sangue que os hebreus passaram nas portas de suas casas recordava, antes de mais nada, o sangue de inúmeros hebreus que o Egito derramou, por meio da escravidão, de trabalhos forçados, de violência e de morte, para impedir que se multiplicasse e crescesse (cf. Ex 1,8-16). Mas esse sangue já remetia para o sangue de Jesus na cruz, o verdadeiro Cordeiro que morreria para reunir todos os filhos de Deus dispersos (cf. Jo 11,52). O fato é que o sangue nas portas das casas tornou-se um sinal de proteção para os hebreus: “O sangue servirá de sinal nas casas em que estiverdes. Ao ver o sangue, passarei adiante, e não vos atingirá a praga exterminadora quando eu ferir a terra do Egito” (Ex 12,13).
            Diante da páscoa do Antigo Testamento, nós precisamos nos perguntar: quais são as pragas que hoje ameaçam exterminar nossas crianças e nossos jovens? Quais são as pragas que podem exterminar o casamento, a família, as escolas, nossas cidades, nosso mundo? Qual sinal precisamos ter em nossa casa para que o espírito maligno reconheça que pertencemos a Deus e não atente contra nós? Mais do que as portas das nossas casas, é a porta da nossa consciência que precisa ser assinalada com o sangue de Jesus Cristo, o Cordeiro de Deus, sangue que é expressão do seu amor por nós: “tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Quando nos dispomos a amar até o fim aqueles ou a missão que o Senhor nos confiou, o espírito exterminador não encontra espaço para se alojar em nós.
            Deus havia dado uma ordem aos hebreus: “Este dia... haveis de celebrar, por todas as gerações, como uma memória perpétua” (Ex 12,14). Enquanto o povo de Israel se preparava para celebrar a páscoa, Jesus começou a preparar a “sua” Páscoa: “Era antes da festa da Páscoa. Jesus sabia que tinha chegado a sua hora de passar deste mundo para o Pai; tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Antes de seu corpo ser doado e seu sangue ser derramado na cruz, “o Senhor Jesus tomou o pão (...), partiu-o e disse: ‘Isto é o meu corpo, que é dado por vós. Fazei isto em minha memória’. Do mesmo modo, depois da ceia, tomou também o cálice e disse: ‘Este cálice é a nova aliança, em meu sangue. Todas as vezes que dele beberdes, fazei isto em memória de mim’ (1Cor 11,25).
            A Páscoa que Jesus celebra com seus discípulos é infinitamente superior à páscoa do Antigo Testamento, pois ele é o Cordeiro que se oferece livre e conscientemente para a salvação não só do povo de Israel, mas de toda a humanidade. Enquanto inúmeros cordeiros morreram sem saberem o porquê, ao longo dos séculos, Jesus é o Cordeiro que decide livremente nos amar até o fim, tornando-se “corpo doado e sangue derramado” em favor da nossa salvação. Seu sangue é um sangue consciente, e justamente por isso, capaz de operar a redenção eterna, como está escrito: “não com o sangue de bodes e bezerros, mas com o seu próprio sangue, ele entrou no Santuário uma vez por todas, obtendo uma redenção eterna” (Hb 9,12).
            Agora a pouco, cantávamos no salmo: “O cálice por nós abençoado é a nossa comunhão com o sangue do Senhor”. A nossa comunhão com o sangue do Senhor significa a nossa comunhão com o seu amor que ama até o fim, uma comunhão que nos convida a fazer de nós mesmos “hóstias vivas”, homens e mulheres que façam da sua existência uma “vida para”, cristãos que se tornem “corpo doado e sangue derramado”, para a salvação da humanidade. Foi por isso que Jesus, na última Ceia, realizou o lava-pés, como acabamos de ouvir no Evangelho: Ele “levantou-se da mesa, tirou o manto, pegou uma toalha e amarrou-a na cintura. Derramou água numa bacia e começou a lavar os pés dos discípulos, enxugando-os com a toalha com que estava cingido” (Jo 13,4-5). Ao final desse gesto, disse aos discípulos: “Se eu, o Senhor e mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz” (Jo 13,14-15).
            Nós, cristãos, somos discípulos do Cordeiro; somos cordeiros vivendo no meio de lobos (cf. Lc 10,3), cordeiros chamados a não se corromperem em lobos como forma de sobrevivência, mas a testemunharem a vitória do Cordeiro que, depois de ter sido sacrificado na cruz, encontra-se agora em pé, à direita do trono de Deus, ressuscitado e vitorioso (cf. Ap 5,6); somos cordeiros chamados a oferecer o nosso sangue, no sentido de trabalhar e lutar pela redenção da humanidade, ajudando a poupar inúmeras casas, famílias, pessoas, de todo tipo de espírito exterminador; enfim, somos cordeiros que nesta noite de preparação para a Páscoa se alimentam do Corpo e do Sangue do nosso Pastor, proclamando a sua morte redentora em favor da humanidade, até que Ele venha para realizar a Páscoa definitiva conosco (cf. 1Cor 11,26).

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 22 de março de 2018

ENFRENTAR A VIOLÊNCIA COM FIRMEZA E SERENIDADE


Missa do Domingo de ramos. Palavra de Deus: Isaías 50,4-7; Filipenses 2,6-11; Marcos 15,1-39. (Evangelho da entrada de Jesus em Jerusalém: Marcos 11,1-10)

Hoje nós terminamos de percorrer o nosso caminho quaresmal. Durante esses quarenta dias, fizemos a nossa experiência de deserto, para que o Senhor pudesse falar ao nosso coração (cf. Os 2,16). Por meio da sua Palavra, o Senhor nos ensinou a não nos deixar enganar pelas mentiras do tentador (1º. dom.); a confiar n’Ele em toda e qualquer circunstância, principalmente quando somos provados em nossa fé (2º. dom); a permitir que a verdade do seu Espírito purifique o templo que somos (3º. dom); a jamais duvidar do seu amor por nós e pela humanidade, amor comprovado pela entrega do seu Filho na cruz (4º. dom.); e, por fim, nos convidou a fazer da nossa vida uma “vida para” o bem da humanidade, exatamente como um grão de trigo que, aceitando morrer, gera o fruto que alimenta a vida (5º. dom).
Além da sua Palavra, o Senhor nos falou, durante o nosso deserto quaresmal, também por meio da nossa Igreja, desafiando-nos a superar a violência e a restaurar a fraternidade em nossa sociedade (Campanha da Fraternidade). E justamente hoje, neste domingo de ramos, em que fazemos memória da entrada de Jesus em Jerusalém e da sua crucificação nesta cidade, vemos o Filho de Deus exposto à mesma violência que ainda hoje agride e crucifica inúmeras pessoas. Toda essa violência que Jesus sofre em Jerusalém é para nos lembrar que a nossa cidade ainda precisa ser transformada pelo Evangelho; nossa cidade, cada vez mais adoecida pelo individualismo e pela indiferença entre as pessoas, precisa ser convertida em um lugar onde haja solidariedade, compaixão e cuidado de uns pelos outros.
A narrativa da Paixão nos mostra a primeira violência feita a Jesus: ele está “amarrado” (v.1). Na verdade, Jesus se deixou prender, amarrar, porque quis se colocar junto de toda pessoa que se encontra nessa situação, amarrada, presa contra a sua vontade a uma situação de violência. Além disso, ao se deixar amarrar pelos homens, Jesus está nos lembrando que, embora existam situações que nós não escolhemos enfrentar, sempre podemos escolher a maneira como enfrentá-las. E Jesus enfrentou a sua Paixão com firmeza, dignidade e serenidade. Ao ser acusado falsamente pelos sumos sacerdotes, ele manteve seu silêncio, exatamente como o Servo (1ª. leitura) que decidiu manter-se fiel a Deus, mesmo tendo que lidar com a mentira e a maldade dos homens. Como discípulos de Jesus, somos chamados a não nos desviar da violência – ela deve ser encarada e enfrentada (cf. Is 50,6). Contudo, que ela jamais nos intimide e nos faça desanimar de promover a paz e a fraternidade entre as pessoas.
Outra forma de violência que Jesus sofreu foi ser rejeitado pela multidão que gritava: “Crucifica-o!” (Mc 15,13.14). A multidão preferiu Barrabás, um assassino. Quais são as músicas preferidas hoje? Quais são os artistas, os filmes, as novelas, os livros e os vídeos de maior sucesso atualmente? Exatamente como naquela época, a inversão de valores do mundo atual ataca diretamente toda pessoa que defenda valores como família, honestidade, fidelidade, justiça etc. E assim como Pilatos cedeu à “preferência popular”, muitos governantes e muitos meios de comunicação produzem “aquilo que o povo gosta”: não são verdadeiros líderes, mas guias cegos, mantendo estrategicamente grande parcela da humanidade na cegueira da própria ignorância. E nós, cristãos? E você, cristão? Você se move na vida pressionado pela “preferência” das pessoas à sua volta, ou se move segundo a sua consciência? Você tem liberdade interior suficiente para sobreviver emocionalmente à reprovação das pessoas “paganizadas”, ou empurra para debaixo do tapete os valores do Evangelho com uma certa  frequência, porque tem medo de ser rejeitado?          
A outra forma de violência que Jesus sofreu foi a flagelação, e ela aconteceu “dentro do palácio” (v.16). Uma coisa é você, discípulo de Jesus, sofrer aos olhos do mundo; outra coisa é você sofrer sem que ninguém esteja vendo. Sofrer “ao vivo” – quem sabe com transmissão simultânea pelas redes sociais! – tem um certo sabor narcisista: “Estão me vendo! Sou um herói público! O vídeo do meu sofrimento está ‘viralizando’ na internet!” O difícil é sofrer no anonimato; ser um herói ignorado por todos; ser um cristão que sofre a violência do mundo sem que ninguém reconheça sua luta em se manter fiel aos valores do Evangelho...  
A crucificação foi a violência suprema sofrida por Jesus. Não se trata somente da dor física da crucificação, mas da dor “moral”, a dor de ser declarado perante o mundo um homem “condenado”, condenado pelos homens e condenado pelo próprio Deus! Se Jesus aceitou a violência da condenação à morte foi para livrar todo ser humano de sentir-se condenado e de ser condenado. Por isso, hoje Jesus pede a nós, seus discípulos, para sermos uma presença libertadora junto a toda pessoa crucificada por inúmeras formas de violência neste mundo. É missão de todo discípulo de Jesus levar “palavras de conforto à pessoa abatida” (Is 50,4); ser uma presença de conforto junto a toda pessoa atingida por algum tipo de cruz, especialmente para que ela não se sinta abandonada por Deus naquela situação.
Finalmente, não bastasse a violência da crucificação, Jesus sofreu também a violência dos insultos: “(...) salva-te a ti mesmo, descendo da cruz!” (v.29); “(...) desça agora da cruz, para que vejamos e acreditemos!” (v.32); “Os que foram crucificados com ele também o insultavam” (v.32). Como disse o Pe. José Pagola, “todos nós queremos ‘descer da cruz’. Mas o Crucificado é Deus e não um homem justamente porque perde a si mesmo e permanece sobre a cruz. Se procurasse salvar-se e descer, corresponderia às projeções dos nossos desejos. Seria como todos nós, especialistas em descer da cruz e pendurar outros ali”. Pensemos por um momento nos insultos que dirigimos às pessoas em nosso dia a dia; reflitamos sobre a violência verbal, infelizmente incorporada em nossos hábitos cotidianos...
“Então Jesus deu um forte grito e expirou” (v.37). Ouçamos o grito de Jesus hoje: ‘Basta de violência!’ Aos pés da sua Cruz, oremos ao Pai: “Ó Senhor, Deus da vida, que cuidas de toda criação, dá-nos a paz! Que a nossa segurança não venha das armas, mas do respeito. Que a nossa força não seja a violência, mas o amor. Que a nossa riqueza não seja o dinheiro, mas a partilha. Que o nosso caminho não seja a ambição, mas a justiça. Que a nossa vitória não seja a vingança, mas o perdão. Desarmados e confiantes, queremos defender a dignidade de toda criação, partilhando, hoje e sempre o pão da solidariedade e da paz. Por Jesus Cristo teu Filho divino, nosso irmão, que, feito vítima da nossa violência, ainda do alto da cruz, deu a todos o teu perdão. Amém!” (Oração da CF 2005).

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 15 de março de 2018

DOAR-SE PODE DOER, MAS É UMA DOR PLENA DE SENTIDO!

Missa do 5º. dom. da quaresma. Palavra de Deus: Jeremias 31,31-34; Hebreus 5,7-9; João 12,20-33.

Como saber se a vida valeu a pena? Ter viajado e conhecido muitos lugares? Ter comido e bebido em abundância? Ter amado (entenda-se também: feito sexo com) muitas pessoas? Ter realizado uma brilhante carreira profissional? Ter se enriquecido? Ter alcançado o maior ou um alto grau na hierarquia do poder? Ter sido reconhecido e aplaudido pelo mundo? Para Jesus, só existe uma coisa que mostra que a vida valeu a pena, isto é, que a nossa vida teve sentido: é o fato de termos aprendido a morrer. Em que sentido? No sentido de que nós dedicamos a nossa vida a fazer os outros viverem; no sentido de que nós aceitamos ser configurados ao grão de trigo que, caindo na terra e morrendo, produz muito fruto.
Da mesma forma como Jesus usou a imagem do grão de trigo para nos ensinar que o sentido da nossa vida está em fazer dela uma “vida para” o bem da humanidade, o Papa Francisco nos presenteou com uma belíssima e profunda reflexão: “Os rios não bebem sua própria água; as árvores não comem seus próprios frutos. O sol não brilha para si mesmo; e as flores não espalham sua fragrância para si. Viver para os outros é uma regra da natureza. A vida é boa quando você está feliz; mas a vida é muito melhor quando os outros estão felizes por sua causa”.
Esta é a chave para entendermos o ensinamento de Jesus nesta última semana da quaresma: “Viver para os outros é uma regra da natureza”. O sentido da vida não está em sermos felizes de maneira egoísta, sem nos importar com o sofrimento que atinge os outros. O sentido da vida está em que as pessoas que convivem conosco se sintam melhores porque nós passamos pela vida delas e nos doamos/sacrificamos pelo bem delas. Pensemos na hóstia que comungamos: se o grão de trigo não aceitasse ser enterrado e “morrer” debaixo da terra, não produziria trigo, e se os grãos de trigo não aceitassem ser triturados, não teríamos pão. A hóstia que comungamos é um pão sem fermento porque Jesus foi um homem sem o fermento do egoísmo e da autopreservação. Quem comunga o Corpo de Cristo é chamado a viver não mais em função de si mesmo, mas a fazer da sua vida uma “vida para” o bem da humanidade.     
A imagem do grão de trigo que morre para produzir fruto nos ensina que viver dói. Viver comporta dor. Doar-se para o bem dos outros é sinônimo de sofrimento, embora nos encha de uma profunda alegria. No Evangelho que acabamos de ouvir, Jesus deixou transparecer a verdade da sua dor ao fazer da sua vida um serviço para a salvação da humanidade: “Agora sinto-me angustiado. E que direi? ‘Pai, livra-me desta hora!’? Mas foi precisamente para esta hora que eu vim” (Jo 12,27-28). Quando nos preocupamos com o bem dos outros, quando nos deixamos atingir pela dor que atinge inúmeras pessoas à nossa volta, nós sentimos a mesma angústia que Jesus sentiu. E essa angústia nos incomoda tanto que somos tentados a pedir ao Pai: “Livra-nos, Senhor! Livra-nos de sofrer! Livra-nos de sentir esta dor! Livra-nos desta hora!”
Na vida de toda pessoa que busca ser fiel, honesta e decente; na vida de toda pessoa que faz o propósito de amar até o fim e de se sacrificar por aqueles que ama; na vida de toda pessoa que responde ‘sim’ ao chamado de Deus sempre chega a hora da cruz, a hora da angústia, a hora em que a dor se mostra em toda a sua dureza e crueldade. E aí temos duas saídas: ou rompemos com o compromisso que havíamos assumido, ou enfrentamos aquela dor com o mesmo realismo com que Jesus enfrentou, ao dizer: “(...) foi precisamente para esta hora que eu vim”. Assim, com Jesus nós aprendemos a dizer: ‘Eu não nasci para sofrer, mas sei que a dor faz parte da vida de todo e qualquer ser humano. Se o sofrimento atinge a vida de todas as pessoas, por que eu teria a pretensão de passar pelo mundo sem sofrer? Foi para esta hora que eu vim: a hora de doar-me pelo bem da humanidade, a hora de sacrificar-me para que o mundo se torne um lugar melhor. Eu aceito e abraço a minha “hora” porque tenha consciência de que essa experiência de cruz diz respeito a mim e não a outra pessoa’.       
              Marcel More, um crítico do cristianismo moderno, escreveu: “Os cristãos encontraram uma maneira de sentar-se, não se sabe como, de modo confortável na cruz”. Em outras palavras, muitos de nós, cristãos, comungamos da mesma aversão que o mundo tem da cruz. Sim: cruz é cruz; dor é dor; morrer é morrer. Jesus nunca mascarou a sua dor diante do Pai e nunca encarou a cruz como uma poltrona suave sobre a qual se sentar. Como vimos na carta aos Hebreus, ele chegou a dirigir “preces e súplicas, com forte clamor e lágrimas, àquele que era capaz de salvá-lo da morte. E foi atendido, por causa de sua entrega a Deus. Mesmo sendo Filho, aprendeu o que significa a obediência a Deus por aquilo que ele sofreu” (Hb 5,7-8). A palavra-chave aqui é “entrega”. Essa foi a forma como Jesus lidou com a sua angústia e com a repulsa que todo ser humano tem diante da morte: entrega. ‘Eu não nego a repulsa que sinto diante do fato de ter que morrer para fazer o bem aos outros, mas eu entrego esse sentimento de repulsa ao Pai e lhe peço a graça de amar até o fim, de ser fiel até o fim, de não me desviar dessa “hora de cruz” que cabe a mim enfrentar’.
Estando às portas da Semana Santa, queremos acolher este ensinamento de Jesus: toda obediência a Deus comporta algum tipo de sofrimento da nossa parte, mas o sofrimento do grão de trigo, que se dispõe a morrer para produzir muito fruto, é um sofrimento pleno de sentido. A nossa fecundidade só se revela na hora em que aceitamos fazer da nossa vida uma “vida para”, como foi a vida de Jesus. E como ele mesmo disse: “(...) quando for elevado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32). Deixemo-nos atrair pela força redentora da cruz de Cristo, e que a doação da nossa vida ajude a humanidade a elevar-se acima da injustiça, da violência e da morte, produzidas por um mundo que decidiu riscar do seu dicionário a palavra “doação”.

Pe. Paulo Cezar Mazzi 

sexta-feira, 9 de março de 2018

DEUS AMA A HUMANIDADE?

Missa do 4º. dom. da quaresma. Palavra de Deus: 2Crônicas 36,14-16.19-23; Efésios 2,4-10; João 3,14-21.

            A guerra na Síria já matou 470 mil pessoas nos últimos sete anos, sendo que somente nestes primeiros meses de 2018 foram mortas mil crianças. Na África, um continente marcado pela miséria e pela destruição, 236 milhões de pessoas passam fome. A violência no Brasil em 2015 matou mais pessoas do que todos os ataques terroristas no mundo em 2017. Essas e tantas outras situações que envolvem doença, sofrimento e morte levantam uma pergunta: Deus se importa com o que acontece com a humanidade hoje?
            Não são poucas as pessoas que se afastaram da fé e se escandalizaram com Deus por Ele aparentemente não se importar e não fazer questão de intervir para barrar a destruição, a injustiça e o sofrimento no mundo. No entanto, Jesus hoje faz uma afirmação que é fundamental para a nossa fé e para compreendermos a conexão profunda que existe entre Deus e a cada ser humano: “Deus amou tanto o mundo (humanidade), que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16). Sempre que alguém desacredita que Deus se importa com a humanidade, precisamos ajudar essa pessoa a olhar para o Cristo crucificado e compreender que Deus se importa tanto com a salvação do mundo (humanidade), que “deu” – isto é, entregou –, permitiu que seu Filho único fosse entregue numa cruz, para salvar essa mesma humanidade. Por isso, Jesus faz questão de acrescentar: “De fato, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele” (Jo 3,17).
            Se é verdade que há inúmeras pessoas condenadas ao sofrimento por causa da guerra, da fome, da violência, da pobreza, de tantas injustiças sociais e de tantas doenças, a verdade maior é que Deus permitiu que seu Filho experimentasse a condenação à morte de cruz para que todo ser humano seja redimido de todo e qualquer tipo de condenação. A imagem do Cristo crucificado é a correção bíblica de uma imagem distorcida de Deus, de um Deus que condena o ser humano quando ele peca. Jesus veio nos revelar a verdadeira imagem de Deus: Ele ama cada ser humano e enviou seu Filho para salvar a humanidade, não para condená-la. Só há uma coisa que pode condenar o ser humano: não acreditar no amor de Deus por ele, manifestado em seu Filho Jesus Cristo.
              Eis porque Jesus disse: “Quem nele crê (quem crê no Filho de Deus elevado na cruz), não é condenado, mas quem não crê, já está condenado, porque não acreditou no nome (na pessoa) do Filho unigênito” (Jo 3,18). O fato de muitas pessoas se sentirem condenadas por seus erros e por seus vícios, o fato de muitos se entregarem às drogas, à violência e ao mundo do crime, o fato de tantas pessoas desistirem de si mesmas, da vida e de fazerem o bem aos outros, se deve a isso: elas não acreditam que são amadas por Deus, não acreditam na força redentora da cruz, não acreditam que foram salvas pelo sangue de Jesus derramado na cruz.
            O salmista hoje fez uma pergunta: “Como havemos de cantar os cantares do Senhor numa terra estrangeira?” (Sl 137,4). O que é essa “terra estrangeira”? É o exílio na Babilônia. Sempre que nós vivenciamos uma experiência de exílio, sempre que nos sentimos condenados a uma situação de dor e de sofrimento, perdemos a capacidade de cantar, de louvar, de proclamar a nossa redenção por meio da cruz de Cristo. No entanto, Deus respondeu à pergunta do salmista: “Se de ti, Jerusalém, algum dia eu me esquecer, que resseque a minha mão! Que se cole a minha língua e se prenda ao céu da boca, se de ti não me lembrar! Se não for Jerusalém minha grande alegria!” (Sl 137,5-6). Deus não esqueceu seu povo no exílio, mas “moveu o espírito de Ciro” (2Cr 36,22), um rei pagão, para libertá-lo (1ª. leitura). Assim, quando olhamos para o Filho único de Deus elevado na cruz, temos a certeza de que Deus jamais se esqueceu e jamais se esquecerá de nós ou da humanidade. Se Ele permitiu a entrega de seu Filho único na cruz foi para que nunca duvidemos do quanto Ele nos ama, do quanto Ele ama a humanidade e trabalha pela salvação de cada ser humano.
            Por isso, o apóstolo Paulo faz questão de anunciar por duas vezes: “É pela graça que vós sois salvos” (Ef 2,5.8). Notemos que o apóstolo afirma que nós somos (e não seremos) salvos. A nossa salvação já é um fato consumado na cruz de Cristo. Portanto, se somos pessoas salvas, não tem sentido vivermos como se fôssemos pessoas condenadas, ainda que cada um de nós tenha que lidar com a sua própria cruz. Além disso, Paulo insiste que a salvação é um “dom de Deus” para nós, e não fruto do nosso esforço ou merecimento. Jesus foi entregue à cruz não porque merecíamos, mas porque precisávamos ser salvos. Essa é a grande prova do quanto Deus nos ama, do quanto Deus ama a humanidade: “quando estávamos mortos por causa das nossas faltas, ele nos deu a vida com Cristo” (Ef 2,5).       
            Contemplemos Aquele que foi elevado na cruz: da sua face irradia a luz do amor de Deus que redime e salva todo ser humano que crê na verdade desse amor. No entanto, o evangelista adverte que “a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz, porque suas ações eram más” (Jo 3,19). Apesar do amor e do cuidado de Deus para com a humanidade, apesar dos braços de Cristo estarem abertos na cruz para abraçar cada ser humano, muitos se afastam desse abraço e se permitem ser abraçados e dominados pela mentira e pela maldade, causando destruição a si mesmos e aos outros. Em meio a tudo isso, nós somos chamados a apontar para Aquele que foi elevado na cruz e proclamar a verdade do amor de Deus pela humanidade, por todo ser humano: quem crê nesse amor experimenta em si a salvação e a vida eterna.

Oração – Meu Senhor e meu Deus, eu creio na tua Palavra que diz: “Não existe mais condenação para aqueles que estão em Cristo Jesus” (Rm 8,1). Quero me deixar abraçar pela cruz redentora de teu Filho Jesus e nunca mais duvidar do teu amor por mim e pela humanidade. Que todas as pessoas que agora se sentem condenadas a uma situação de dor, de injustiça ou de sofrimento sejam abraçadas pela verdade do teu amor e resgatadas de todo tipo de condenação.
            Senhor Jesus Cristo, eu creio que a minha salvação já é um fato consumado na tua cruz. Agradeço-te pela tua entrega na cruz em favor da minha salvação e da salvação de toda a humanidade. A minha vida presente neste mundo, com todas as suas dificuldades e os seus desafios, eu quero vivê-la sustentado(a) por esta fé: o Senhor me amou e se entregou por mim! Que esta fé me eleve acima de toda dor, de todo problema e de todo o mal que eu possa vir a enfrentar neste mundo.
            Espírito Santo, amor do Pai e do Filho derramado em meu coração, peço-te por toda a humanidade. Vem sobre nós e renova a face da terra! Derrama teu bálsamo sobre todas as feridas, ilumina todos os que estão nas trevas, fortalece todos os que estão desanimados e cansados. Faz renascer a fé, a esperança e o amor no coração de cada ser humano. Consola-nos! Fortalece-nos! Defende-nos de todo o mal e confirma na vida de cada um de nós a verdade da salvação que nos veio pela cruz de nosso Senhor Jesus Cristo. Amém!


Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 2 de março de 2018

PROTEJA O SAGRADO

Missa do 3º. dom. da quaresma. Palavra de Deus: Êxodo 20,1-17; 1Coríntios 1,22-25; João 2,13-25.

            A cena do Evangelho de hoje é tão impressionante que pode até escandalizar algumas pessoas: Jesus fez “um chicote de cordas e expulsou todos do Templo, junto com as ovelhas e os bois; espalhou as moedas e derrubou as mesas dos cambistas” (Jo 2,15). Há uma palavra da primeira carta do apóstolo Pedro que nos ajuda a entender essa atitude tão drástica de Jesus: “(...) é tempo de começar o julgamento pela casa de Deus” (1Pd 4,17). O que Pedro está afirmando é que, quando Jesus vier para julgar as atitudes de cada ser humano segundo a verdade do Evangelho, os primeiros a serem julgados não serão os pagãos ou os ateus, mas os cristãos, as pessoas que se identificaram com os Seus ensinamentos no Evangelho.
            Essa atitude de Jesus nos lembra a crítica de tantos profetas a uma religião que cultua Deus, mas mantém-se distante do drama da vida humana (cf. Am 5,21-24); uma religião que se preocupa com a beleza dos seus templos, mas não se preocupa com a presença de Cristo naqueles que são injustiçados e atingidos por inúmeros sofrimentos (cf. Mt 25,31-46). E assim como Jesus “expulsou todos do Templo”, ele pergunta a alguns ministros do altar: ‘Quantas pessoas vocês expulsaram da minha Igreja, por se vestirem com paramentos caríssimos e celebrarem liturgias pomposas aos domingos, mas durante a semana se comportarem como homens mundanos, priorizando seu próprio bem estar, roubando suas paróquias ou Dioceses, entregando-se aos seus próprios desejos sexuais e mantendo-se distantes daqueles que sofrem? Quantas pessoas se afastaram da minha Igreja porque alguns de vocês, bispos e padres, afastaram a minha Igreja de mim e do Evangelho?’ E certamente Jesus também pergunta a alguns de nós, cristãos católicos: ‘Quantas pessoas se afastaram da minha Igreja porque você, mesmo vindo à missa aos domingos, continua a viver como um pagão durante a semana, maltratando pessoas, cometendo adultério, sendo ganancioso, desonesto e corrupto quanto ao dinheiro, calando-se diante de uma injustiça, sendo indiferente ao sofrimento do seu semelhante e, quando se depara com uma dor ou um problema, desespera-se como uma pessoa que não tem fé?’           
            Ao mesmo tempo em que Jesus purificou o Templo, nos ajudou a compreender que o verdadeiro Templo, o verdadeiro lugar de encontro do ser humano com Deus, é a Sua própria pessoa. Mas não somente Jesus é o Templo; nosso próprio corpo, nossa consciência, nosso coração é o Templo onde Deus habita, por meio do seu Espírito (cf. 1Cor 3,16-17; 6,19). É para esse templo interior que o evangelista nos remete, ao dizer que Jesus “conhecia o homem por dentro” (Jo 2,25), e só porque Jesus conhece a cada um de nós por dentro é que ele pode hoje gritar à nossa consciência e ao nosso coração: “Tirai isto daqui!”. Portanto, a pergunta que cada um precisa fazer a si mesmo é: “O que precisa ser tirado, o que precisa ser expulso do seu templo interior?”
“Não terás outros deuses diante de mim” (Ex 20,3). Os templos modernos do nosso mundo são as agências bancárias, os escritórios comerciais e os shoppings. Como você se comporta em relação ao dinheiro, o “deus” deste mundo que corrompeu o Evangelho de Jesus Cristo, deformando-o em “evangelho da prosperidade” em muitas igrejas neopentecostais? “Não farás para ti imagem esculpida...” (Ex 20,4). Nós vivemos a era da imagem: TVs cada vez maiores em nossas casas e celulares com imagens cada vez mais definidas, que nos mantém hipnotizados e nos distraem por horas... Quais imagens entram pelos seus olhos diariamente e povoam seus pensamentos? “O que os olhos não veem, o coração não sente”. O que essas imagens provocam e alimentam em você? Em relação a quais imagens Jesus está gritando à sua consciência: ‘Tire isso da sua vida!’?
            “Não matarás” (Ex 20,13). Como você, católico, se comporta diante da violência atual? A Igreja tem pedido que nós, católicos, não compartilhemos palavras ou textos ofensivos nas redes sociais, nem participemos de grupos de watsapp que espalhem fofocas ou façam críticas destrutivas àqueles que pensam diferente de nós, dentro e fora da Igreja. Em relação a quais palavras e atitudes agressivas Jesus está gritando à sua consciência: ‘Tire isso da sua vida!’?
            “Não roubarás” (Ex 20,15). Neste tempo de corrupção generalizada em nosso país, onde “todo mundo” tenta levar algum tipo de vantagem, qual é o seu esforço em manter-se honesto, em comportar-se de maneira justa, mesmo e, sobretudo, quando ninguém está vendo o que você faz? “Não cometerás adultério... Não cobiçarás...” (Ex 20, 14.17). Se é verdade que a emoção substituiu o lugar da consciência na sociedade atual e o “ser feliz” tomou o lugar do “ser fiel”, como você tem lidado com os seus desejos? O quê precisa ser expulso da sua vida, para que seu corpo volte a ser templo do Espírito Santo e para que sua casa e a casa do seu semelhante sejam respeitadas como santuários de Deus?  
            “O zelo por tua casa me consumirá” (Jo 2,17). O que motivou Jesus a agir como agiu no Templo de Jerusalém foi o seu zelo, o seu cuidado com a casa do Pai, o seu cuidado com o sagrado. Desse modo, Jesus nos ensina que o sagrado deve ser protegido. A maneira de lidar com a nossa afetividade e a nossa sexualidade, assim como a maneira como olhamos e tratamos o corpo do nosso semelhante, devem ser iluminadas por este cuidado com o sagrado que o nosso corpo e o corpo do nosso semelhante são aos olhos de Deus. Da mesma forma, quando nos deparamos com o corpo do nosso semelhante, exposto a uma profanação chamada fome, doença, droga, violência, agressão, prostituição etc., precisamos agir como Jesus, no sentido de ajudar a devolver a dignidade, o respeito, o cuidado com o sagrado que é aquele corpo.                Deixemo-nos interpelar pelo corpo do Cristo crucificado. O apóstolo Paulo nos faz este convite hoje: não desviemos os nossos olhos e a nossa consciência dos apelos do Cristo crucificado (cf. 1Cor 1,22-24). Seu corpo foi profanado pela violência dos homens, mas esse mesmo corpo foi ressuscitado pelo poder do Pai e, mesmo após a ressurreição, trazia as marcas da cruz em si (cf. Jo 20,20.27). Assim como Jesus, lutemos para promover a paz; combatamos firmemente toda forma de violência, ainda que isso nos exponha a tantos ataques. Não desistamos de anunciar ao mundo Cristo crucificado, cujo sangue derramado carrega em si a força divina de pacificar todas as realidades (cf. Cl 1,20).
            Oração da Campanha da Fraternidade 2018: Deus e Pai, nós vos louvamos pelo vosso infinito amor e vos agradecemos por ter enviado Jesus, o Filho amado, nosso irmão. Ele veio trazer paz e fraternidade à terra e, cheio de ternura e compaixão, sempre viveu relações repletas de perdão e misericórdia. Derrama sobre nós o Espírito Santo, para que, com o coração convertido, acolhamos o projeto de Jesus e sejamos construtores de uma sociedade justa e sem violência, para que, no mundo inteiro, cresça o vosso Reino de liberdade, verdade e de paz. Amém!

Pe. Paulo Cezar Mazzi