terça-feira, 31 de dezembro de 2013

NÃO ESTAMOS SOZINHOS; O PAI ESTÁ CONOSCO!

Missa de Ano Novo. Palavra de Deus: Números 6,22-27; Gálatas 4,4-7; Lucas 2,16-21.

            “Marcas do que se foi; sonhos que vamos ter”. Nesta noite de passagem ou de início de Ano Novo, procuramos, num primeiro momento, colocar em Deus as marcas do ano que se foi (ou que se vai); num segundo momento, os sonhos que vamos ter, em 2014.
        Quais marcas o ano que termina deixa em nós? Algumas marcas são de alegria; outras, de tristeza; algumas, de vitória; outras, de derrota; algumas, de conquista; outras, de perda. A vida nos marca, o tempo nos marca. O nosso desafio é ver, nessas marcas, os sinais de Deus, os sinais do desígnio que Ele tem para cada um de nós, para toda a humanidade, um desígnio que muitas vezes não entendemos, mas que, pela fé, podemos acolher, segundo as palavras do apóstolo Paulo, que diz: “Tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu desígnio” (Rm 8,28). A fé nos diz que tudo aquilo que Deus permitiu que nos acontecesse neste ano que termina foi em função do nosso bem, da nossa salvação.
            No coração de muitas pessoas, nesta passagem de ano, existe um sentimento de desamparo, de solidão, de não ser importante para ninguém. Mas a Palavra nos diz que “Deus enviou aos nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: Abba, Pai!”. Para nós entendermos o alcance dessa afirmação bíblica e a consequência prática dela para a nossa vida, precisamos nos lembrar dessas palavras de Jesus aos seus discípulos: “Vocês se dispersarão, cada um para o seu lado, e me deixarão sozinho. Mas eu não estou só, porque o Pai está comigo” (Jo 16,32).
Muitas pessoas, ao longo deste ano que termina, desabaram e se desestruturaram diante de alguns acontecimentos, mas quem, como Jesus, consegue professar: “Eu não estou só, porque o Pai está comigo”, permanece em pé; não desaba, não se desestrutura. Por isso, nesta noite rezamos por toda a humanidade, para que a face do Pai esteja voltada sobre cada ser humano, de modo que, diante de cada acontecimento bom ou ruim, alegre ou triste, de conquista ou de perda, cada pessoa possa ter o seu coração sereno e proclamar: “Eu não estou só, porque o Pai está comigo”.
“Marcas do que se foi; sonhos que vamos ter”. Para que possamos realizar os “sonhos que vamos ter”, neste novo ano, pedimos “que Deus nos dê a sua graça e a sua bênção; que a sua face resplandeça sobre nós; que na terra se conheça o seu caminho, e a sua salvação por entre os povos” (Sl 67,2-3). Assim como o salmista, nós clamamos: “É tua face, Senhor, que eu procuro, não me escondas a tua face... Tu és o meu socorro!” (Sl 27,8-9). Quantas vezes temos a sensação de que Deus esconde de nós a Sua face? “Eu dizia tranquilo: ‘Nada, jamais, me fará tropeçar!’. Senhor o teu favor me firmava sobre fortes montanhas; mas escondeste tua face e eu fiquei perturbado” (Sl 30,7-8).
            Nós nem sempre conseguimos enxergar Deus em tudo o que nos acontece. Por isso, o Evangelho nos coloca diante da atitude de Maria, que “conservava cuidadosamente todos esses acontecimentos e os meditava em seu coração” (Lc 2,19). Para uma geração como a nossa, marcada pela dispersão interior e exterior, que não encontra tempo para meditar os acontecimentos em seu coração, vale este alerta: “Todos os problemas do homem derivam do fato de que ele não é capaz de ficar sentado sozinho, em silêncio, num aposento” (Blaise Pascal). Quem escolhe viver como escravo do mundo, torna-se escravo do tempo e vive atropelado pelos acontecimentos. Quem escolhe viver como filho de Deus, torna-se senhor de si mesmo e mantém a serenidade diante dos acontecimentos. 
“O Senhor mostre para ti a sua face e te conceda a paz!” (Nm 6,26). Hoje, 1º. de janeiro, é o Dia Mundial da Paz. Segundo o Papa Francisco, a fraternidade é o fundamento e o caminho para a paz. Fraternidade significa “ver e tratar cada pessoa como uma verdadeira irmã e um verdadeiro irmão... O egoísmo diário... está na base de muitas guerras e injustiças: muitos homens e mulheres morrem pela mão de irmãos e irmãs que não sabem reconhecer-se como tais... A raiz da fraternidade está contida na paternidade de Deus” (Papa Francisco, Mensagem para o Dia Mundial da Paz).
Nesta entrada do Ano Novo, enquanto alguns “cristãos’ assumem atitudes supersticiosas, próprias de “pagãos”, tipo “cor amarela para isso, cor vermelha para aquilo”; “comer lentilha, carregar grãos de romã na carteira” etc., a Palavra de Deus nos convida a algumas atitudes dignas de verdadeiros filhos de Deus: “Confie no Senhor e faça o bem... Entrega o teu caminho ao Senhor, confia nele e ele agirá... Descansa no Senhor e espera nele” (Sl 37,3.5.7); “Ande na presença de Deus e seja íntegro” (citação livre de Gn 17,1). E mesmo se você carrega dores em seu coração neste momento, olhe com confiança para o ano que se inicia, lembrando-se disso: “Os favores do Senhor não terminaram, suas compaixões não se esgotaram; elas se renovam todas as manhãs, grande é a sua fidelidade!... É bom esperar em silêncio a salvação de Deus” (Lm 3,22-23.26). Tenha um abençoado Ano Novo! 
                                                           
                                                             Pe. Paulo Cezar Mazzi 

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

A MÃE AMA A TODOS, MAS SE COMOVE E SE COLOCA JUNTO DO FILHO MAIS FRÁGIL

Missa da Sagrada Família de Nazaré. Palavra de Deus: Eclesiástico 3,3-7.14-17a; Colossenses 3,12-21; Mateus 2,13-15.19-23. 
   
     Em meados de outubro, a imprensa divulgou o fim do “casamento” – na verdade, eles viviam “juntos” desde 2007 – de Grazi Massafera e Cauã Reymond. Considerando a influência da televisão, especialmente das novelas e mini-séries, na vida do povo brasileiro, convém perguntar: Quantos artistas você conhece que, na vida real, formam uma família estruturada? Além disso, por trás dos escritores de novela e de mini-séries você encontra, muitas vezes, pessoas sem uma experiência positiva de família, pessoas que precisam gritar para o público a dor de uma ferida que não foi curada, nem cicatrizada dentro delas. Talvez sem dar-se conta disso, alguns criadores de novelas e mini-séries assumem o papel de Herodes no mundo atual: precisam destruir nos outros o sonho de família que foi destruído neles também.
           Passando das novelas e mini-séries para a vida real, todos nós percebemos os efeitos de um ataque contra a família, tradicionalmente formada por um pai, uma mãe e filhos. A família, que é a estrutura mais básica e necessária para a saúde física, emocional e espiritual de qualquer pessoa, é também a estrutura mais fragilizada da nossa sociedade que, devido ao individualismo, tem se tornado incapaz de sustentar um compromisso sempre que dói fazê-lo. Como vivemos a era da troca, “se aparecer algo mais vantajoso, a pessoa troca. Troca de igreja, troca de partido, troca de família, troca de clube, troca de empresa. Trocar é, hoje, um dos verbos mais vividos por uma geração que não aceita sofrer além da cota” (Pe. Zezinho).
            Para fugir de Herodes, a família de Jesus teve que se exilar no Egito. Onde você encontra exílio para salvar a sua família hoje? Como todos nós sofremos a influência do mundo em que vivemos, precisamos construir nosso próprio exílio, aquele lugar dentro de nós, ou a nossa própria casa, onde reavaliamos aquilo que o mundo nos apresenta como “novos valores” – quando, muitas vezes, são apenas contra-valores –, distinguimos/separamos o joio do trigo, e procuramos ficar com aquilo que convém à nossa família, aquilo que convém para fortalecer o nosso relacionamento com aqueles a quem amamos.
        Assim como a nossa, a família de Jesus sofreu forte hostilidade por parte do mundo, mas ela conseguiu resistir e se firmar porque a consciência e o coração de José estavam voltados para Deus. Toda decisão que José tomava era sob a orientação de Deus. Da mesma forma, Deus nos orienta hoje, na sua Palavra, a honrar e respeitar os nossos pais, amparando-os também, e, sobretudo, na velhice, sendo compreensivos para com eles (1ª. leitura). Portanto, não devemos adotar a mentalidade de que “começou a dar trabalho, eu abandono”, fazendo com que hoje muitos se tornaram filhos que abandonaram seus pais e pais que abandonaram seus filhos.
        A Palavra de Deus também nos orienta hoje quanto ao relacionamento dentro de casa, o qual deve ser revestido de misericórdia, bondade, humildade, mansidão e paciência, suportando-nos uns aos outros e perdoando-nos mutuamente (2ª. leitura). Em quantas famílias os gritos, as ofensas e os palavrões tomaram o lugar da mansidão e da paciência, e se tornaram rotina, o arroz com feijão de cada dia? Em quantas casas não há falta de pão, mas falta de afeto? Quantos pais se esforçam para dar uma vida digna para os filhos, mas não se esforçam para se comunicar com eles? Em quantas casas, tanto os pais quanto os filhos estão conectados via internet com pessoas distantes, expressando palavras de carinho, mas vivem sem conexão e sem comunicação de carinho com os que estão dentro de casa?
          Existem atitudes que precisam ser revistas na família. A esposa não deve ser desleixada com a casa, nem consigo mesma, mas dedicada para com o marido. O marido, por sua vez, deve expressar, com palavras e atitudes, o seu amor pela esposa, lembrando que palavras e atitudes grosseiras costumam construir um muro que bloqueia o afeto da esposa para com o marido. A necessidade da obediência dos filhos em relação aos pais revela a inversão de valores que muitas famílias vivem hoje: filhos que mandam nos pais; filhos que determinam aos pais o que querem comer, o que querem ganhar, e pais que assumem o papel de empregados dos filhos, fazendo todas as suas vontades. Aos pais cabe a tarefa de colocar limites nos filhos e, ao mesmo tempo, incentivá-los, encorajá-los para enfrentar a vida e para lutar por aquilo que sonham, sem exigir que a vida lhes dê tudo de mão beijada, coisa que ela não costuma fazer. 
        Cada um de nós tem a sua história de vida e de família. É preciso acolher e respeitar cada pessoa, cada família, como se encontra hoje. Por iniciativa do Papa Francisco, será realizado, nos dois próximos anos, um Sínodo sobre a Família, enfrentando com coragem diversos desafios pastorais; entre eles, os casais em segunda união e a união entre pessoas do mesmo sexo. Peçamos ao Espírito Santo que torne a nossa Igreja sempre mais fiel à missão de Jesus Cristo, que disse: “Não são os que têm saúde que precisam de médico, e sim os doentes... Eu não vim chamar justos, mas pecadores” (Mt 9,12-13). 
        Onde que quer exista uma família doente, desestruturada, formada longe do “tradicional”; onde quer que exista um relacionamento ferido, é lá, especialmente, que a Igreja deve estar como Mãe, cujo coração ama a todos, mas cujas entranhas se comovem pelo filho mais frágil, mas desestruturado. Que também nós trabalhemos em favor das famílias, para fortalecer aquelas que têm resistido aos Herodes de hoje, e para amparar aquelas que foram feridas e fragilizadas na sua estrutura, e que são, sem dúvida, objeto da compaixão de Deus Pai, neste momento da nossa história. 

                     Pe. Paulo Cezar Mazzi

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

NÃO MAIS ENTREGUES A NÓS MESMOS, MAS AO FILHO, QUE SE FEZ HUMANO COMO NÓS

Missa da noite de Natal. Palavra de Deus: Isaías 9,1-6; Tito 2,11-14; Lucas 2,1-14

            Encarnação: Deus, que é Espírito (cf. Jo 4,24), assumiu, em Seu Filho Jesus Cristo, a carne humana. Deus, a Quem ninguém nunca viu face a face (cf. Jo 1,18), assumiu um rosto humano em Seu Filho Jesus Cristo, e este rosto tem características próprias: é um rosto pobre, humilde e simples. Talvez você seja uma das tantas pessoas que não conseguem enxergar Deus presente na sua vida, ou na vida do mundo. Mas a questão é: você reconhece a presença de Deus naquilo que em você e na sua vida é pobre, humilde e simples? Quanto mais a sua vida se afasta da pobreza (esvaziamento de si), da humildade e da simplicidade, mais você sente Deus distante, ausente da sua vida.
            O Evangelho nos recorda que a entrada do Filho de Deus na história humana se deu durante a noite, para se cumprir a palavra do profeta Isaías, que disse: “O povo, que andava na escuridão, viu uma grande luz; para os que habitavam nas sombras da morte, uma luz resplandeceu” (Is 9,1). Quem habita nas sombras da morte hoje? Os moradores de rua e os viciados no crack; os idosos esquecidos e abandonados por suas famílias; os que se sentem condenados, seja por seus erros, seja por uma doença; os desempregados; as famílias desestruturadas; as casas onde não existe diálogo, nem afeto... Onde quer que exista alguém que esteja envolvido pela sombra da morte, nós clamamos, nesta noite de Natal: “Ó luz do Senhor, que vem sobre a terra, inunda meu ser, permanece em nós!”
            O nascimento de Jesus se dá em Belém, muito longe de Nazaré, onde seus pais moravam. Justamente naquele contexto de insegurança e de angústia para Maria e José, sem encontrarem ao menos um lugar na hospedaria, se completaram os dias para o parto e Maria deu à luz o seu Filho. Algum tempo mais tarde, o que aconteceria com Jesus, Maria e José? Teriam que fugir para o Egito, porque Herodes estava procurando matar o Menino (cf. Mt 2,13-18).    
          O Filho de Deus entra em nossa história sentindo em Si mesmo aquilo que tantas pessoas vivem hoje: a dor da rejeição, da humilhação, da ameaça, a fúria cega da intolerância e da violência, característica dos nossos tempos. Para inúmeras pessoas, esta noite de Natal é uma noite de dor, porque alguém foi arrancado delas pela violência de uma doença, de um acidente, de uma dependência química ou da dívida dessa dependência... Além disso, considerando que o presente mais pedido pelas crianças a seus pais neste Natal foi um Tablet ou um iPad, convém perguntar: há algum aplicativo nesses aparelhos que falem de Jesus ou do Evangelho a essas crianças? Na vida delas e de seus pais há um lugar para Jesus nascer, pela fé? Por todas essas situações, nós clamamos, mais uma vez: “Ó luz do Senhor, que vem sobre a terra, inunda meu ser, permanece em nós!”
            Segundo o apóstolo Paulo, Jesus nasceu para manifestar a graça de Deus como salvação para todas as pessoas (cf. Tt 2,11). O Natal nos recorda que a presença de Jesus e da sua salvação se dão em nossa vida por graça de Deus, e não pelos nossos méritos. Além disso, Jesus nasceu para todos, porque Deus quer que todos sejam salvos cf. 1Tm 2,4). Por isso, o Papa Francisco insiste que a Igreja deve ter suas portas sempre abertas: abertas para acolher a todos e abertas para que possamos levar a alegria do Evangelho a todas as pessoas, sobretudo àquelas que estão afastadas. Não podemos fechar a porta da Igreja com normas e leis que nos façam mais parecidos com os discípulos dos fariseus do que com os discípulos de Jesus Cristo. Como o anjo aos pastores, assim devemos ser nós em relação às pessoas que se encontram distantes do contato com a alegria do Evangelho: “Não tenham medo! Eu lhes anuncio uma grande alegria... Hoje... nasceu para vocês um Salvador, que é o Cristo Senhor” (Lc 2,10). O Natal não consiste apenas em saber que Jesus nasceu, mas em saber que Ele nasceu para você! Ele nasceu como teu Salvador! E se você quer honrar o nascimento de Jesus, esforce-se por renunciar ao mal, por viver na justiça e na piedade e por esperar pela segunda vinda do “nosso grande Deus e Salvador Jesus” (Tt 2,12-13). Por nós e por todos aqueles a quem devemos anunciar a alegria do Evangelho, clamemos: “Ó luz do Senhor, que vem sobre a terra, inunda meu ser, permanece em nós!”
           Esta noite é uma noite de alegria “porque nasceu para nós um menino, foi-nos dado um filho” (Is 9,5). Seu nome é “Conselheiro admirável” – portanto, sigamos os conselhos do seu Evangelho; “Deus forte” – pois o Pai lhe confiou o poder de redimir, de salvar e de dar a vida eterna a todo ser humano (cf. Jo 17,2); “Pai dos tempos futuros” – porque, apesar das lágrimas das nossas perdas, o Senhor nos diz: “... existe uma recompensa para a tua dor... Há uma esperança para o teu futuro” (Jr 31,16-17); “Príncipe da paz” – porque, na sua cruz, ele derrubou o muro da inimizade que separava as pessoas, e veio anunciar a paz a todos, aos que estavam perto e aos que estavam longe (cf. Ef 2,14-18). Que o nosso coração seja como o dos pastores na noite de Natal, um coração pobre, vazio de si, capaz de reconhecer, acolher e adorar Aquele que nasceu para nós como Salvador. 

            FELIZ NATAL!!!
                                              Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

NA OBEDIÊNCIA DA FÉ, DEIXAR-SE SURPREENDER POR DEUS

Missa do 4º. dom. do advento. Palavra de Deus: Isaías 7,10-14; Romanos 1,1-7; Mateus 1,18-24.

            “Pede ao Senhor teu Deus que te faça ver um sinal...” (Is 7,11). Essas palavras do profeta Isaías foram ditas ao rei Acaz, num momento em que uma guerra estava para se desencadear contra ele. Acaz estava com a sua consciência pesada, por ter feito algo que não agradou a Deus. Por isso, se recusou a pedir um sinal de que Deus ainda o amava e estava junto dele e do seu povo. Mas Isaías lhe disse: “O próprio Senhor vos dará um sinal: eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e lhe porá o nome de Emanuel (Deus está conosco)” (Is 7,14).
            Numa época de desencanto como a nossa, onde muitas vezes nos sentimos acuados, como se não houvesse saída, nem horizonte para a nossa vida, precisamos pedir ao Senhor que nos faça ver o sinal da Sua presença junto a nós, o sinal da Sua misericórdia e do Seu amor para com a humanidade, o sinal da Sua salvação. E este é o sinal: nascerá um filho, para dizer que a vida resiste à guerra, à violência, à injustiça, a todo mal que há no mundo. Um filho nascerá para nos lembrar que Deus é maior do que tudo o que nos acontece. Ele entra em nossa história, marcada por tantas contradições, para fazer dela uma história de salvação.
            O menino que vai nascer se chamará “Emanuel”, que significa “Deus está conosco”. Deus está conosco para nos libertar e para nos salvar. Mas, você crê que Deus está com você, no seu dia a dia? Quando ouviu essas palavras do anjo: “O Senhor está contigo, valente guerreiro!”, Gedeão perguntou: “Se Deus está conosco, por que estão nos acontecendo essas coisas?” (Jz 6,13). Da mesma forma, talvez hoje você questione: se Deus está comigo, com a minha família, por que tanta coisa ruim está nos atingindo? Deus não nos explica o porquê disso ou daquilo, mas afirma que nós temos força suficiente para enfrentar o que está nos acontecendo: “Vai com a força que te anima, e salvarás Israel... Não sou eu quem te envia?” (Jz 6,12.14). O “Deus conosco” é o Deus que nos envia e que nos assiste na missão que nos confiou.
            Assim como Acaz, assim como Gedeão, nós não temos a compreensão de tudo o que acontece conosco, e muitas vezes nos sentimos impotentes, pequenos demais, frágeis, e pensamos que a melhor coisa é entregar os pontos, desistir, fugir da luta. José também se sentiu assim. Sua vida estava caminhando dentro da normalidade; seu casamento com Maria estava a ponto de se concretizar, quando, de repente, Maria aparece grávida, uma gravidez que se deu sem a participação de José, por ser obra do Espírito Santo. Essa notícia virou do avesso a vida de José.
            Quantas vezes, Deus permite que algum acontecimento vire do avesso a nossa vida? Como é que nós acolhemos essas surpresas de Deus? O Papa Francisco, na sua homilia no Santuário de Aparecida, disse que, "mesmo em meio às dificuldades, Deus atua e nos surpreende". É preciso deixar-se surpreender por Deus. Há sempre algo maior que nos ultrapassa e revela que a nossa vida faz parte de um desígnio maior. Como fez com José, Deus nos convida a nos abrir ao Seu desígnio de salvação.
            Por não compreender ainda os desígnios de Deus, José se sentiu descartado. Mas, no sonho, Deus lhe mostrou que necessitava dele. Jesus foi concebido por obra do Espírito Santo, mas caberia a José introduzi-lo na descendência de Davi. A gravidez de Maria sem a participação de José nos lembra que há coisas que acontecerão em nossa vida por pura graça de Deus. A salvação vem do alto, é obra do Espírito de Deus em nós. Por isso, hoje Deus nos diz o que disse a José: “Não tenha medo”; não tenha medo daquilo que Eu posso e quero fazer em você, em sua vida, em sua família. Contudo, para isso, Eu preciso da sua colaboração, preciso da “obediência da sua fé” (cf. Rm 1,5).
            O Evangelho nos diz que José era um homem "justo" (cf. Mt 1,19). Na Bíblia, a pessoa justa é aquela que, em todas as coisas, procura fazer a vontade de Deus. Peçamos ao Senhor que nos dê um coração justo como o de José, um coração que compreende que  "a fé é obediência": posso não entender os desígnios de Deus, mas confio e obedeço ao que Ele está orientando-me fazer. Peçamos ao Senhor um coração que submete o seu próprio querer ao querer de Deus, a sua própria vontade à vontade de Deus. Deixemo-nos surpreender por Deus e colaboremos com a Sua graça, para que a nossa história se torne história de salvação.  
              
                                                                   Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

FIRMEZA, FORTALEZA, ÂNIMO E ALEGRIA!

Missa do 3º. dom. do advento. Palavra de Deus: Isaías 35,1-6a.10; Tiago 5,7-10; Mateus 11,2-11.

            “Alegre-se a terra que era deserta e intransitável... Criai ânimo!” (Is 35,1.4). “Ficai firmes e fortalecei vossos corações” (Tg 5,8). Como você sente as pessoas com as quais convive: alegres ou tristes, animadas ou desanimadas? Como você se encontra neste momento, neste final de ano: animado(a) ou desanimado(a), fortalecido(a) ou enfraquecido(a)?
            Com toda certeza, neste momento não há quem não sinta o cansaço do ano que termina. Mas há algo dentro de muitos de nós que tem nos roubado a alegria, não somente a alegria de viver, mas a alegria da nossa fé, a alegria de servirmos a Deus, a alegria do Evangelho: o desânimo. Cansaço é diferente de desânimo: mesmo cansado(a), eu posso estar alegre pelo trabalho que realizei, pela luta que empreendi. Mas o desânimo nos rouba a alegria e o sentido de trabalharmos, de lutarmos por aquilo que acreditamos.
      Muitos estão desanimados. E por quê? “Alguns, por sustentarem projetos irrealizáveis...; outros, por não aceitarem a custosa evolução dos processos, querendo que tudo caia pronto do céu... A ânsia moderna de chegar a resultados imediatos faz com que ... não tolerem ... alguma contradição, um aparente fracasso, uma cruz”, afirma o Papa Francisco na sua Exortação Apostólica “A Alegria do Evangelho” (n.82).
           Quando você projeta algo para a sua vida, quando você sonha, mantém seus pés no chão, mantém o senso de realidade, seja em relação a você, seja em relação às outras pessoas? Você aceita o fato de que toda mudança e toda transformação são processuais, ou continua a exigir que elas caiam prontas do céu?
       Quando Jesus iniciou o seu ministério, muitos se decepcionaram com ele, porque Jesus não veio eliminar a contradição que há no ser humano, nem nos garantir lutas sem fracassos e uma vida sem cruz. Por isso, ele disse: “Feliz aquele que não se escandaliza por causa de mim!” (Mt 11,6). Você já se escandalizou com Jesus, pela forma como ele age na sua vida? Você sabe lidar com a contradição que todo ser humano, incluindo você, carrega dentro de si? Como você lida com o fracasso, com a cruz?  
            Por exigirem resultados imediatos em tudo o que fazem, por não tolerarem contradições, nem fracassos, nem cruz, muitas pessoas se comportam na vida como “caniços agitados pelo vento” (cf. Mt 11,7): são pessoas que não suportam frustrações; pessoas que se dobram sempre que o vento sopra contra elas; pessoas que desistem do caminho que estão fazendo porque receberam críticas, ou porque não foram elogiadas, reconhecidas, paparicadas etc.
            Para uma geração como a nossa, que por muito ou por pouco tem a mania de desistir dos seus ideais, dos seus valores, dos seus compromissos, o profeta Isaías diz: “Fortalecei as mãos enfraquecidas e firmai os joelhos debilitados. Criai ânimo, não tenhais medo! Vede, é vosso Deus; (...) é ele que vem para vos salvar” (Is 35,3-4). Do mesmo modo, o apóstolo Tiago nos exorta: “Ficai firmes até à vinda do Senhor... Ficai firmes e fortalecei vossos corações, pois a vinda do Senhor está próxima” (Tg 5,7.8).
           Tiago compara a firmeza e a fortaleza de ânimo ao agricultor. Mesmo não vendo sinal de chuva no céu, ele trabalha a terra e a prepara, na esperança de que a chuva virá. Do mesmo modo, a você não cabe controlar quando a chuva vem, isto é, quando e de que forma Deus vai agir na sua vida, mas a você cabe trabalhar o terreno da sua vida, para que quando Deus derramar a graça d’Ele em sua vida, o seu esforço seja recompensado e você possa colher o fruto do seu esforço.  
            Hoje é o domingo da alegria, pela expectativa da chegada do Salvador. Em todo final de ano multiplicam-se as confraternizações e as festas. O que está por trás do excesso de comida e de bebida? Por que alguns têm tanta necessidade de beber? Que tipo de vazio estão tentando preencher? Uma alegria que só vem para fora depois que a pessoa bebe é uma triste alegria, uma alegria que tenta esconder dores não enfrentadas pela pessoa, feridas que ela não aceita tratar, vozes que ela se recusa a ouvir no seu coração...
            Sempre que permitirmos que o deserto do nosso coração deixe de ser intransitável e que o Senhor tenha acesso a ele; sempre que cultivarmos a terra da nossa vida por meio da oração, da perseverança, da fortaleza de ânimo, do serviço humilde e constante em favor do anúncio da alegria do Evangelho, suportando o mesmo sofrimento que os profetas suportaram, experimentaremos a alegria do encontro com Aquele que vem para nos salvar, e essa alegria ninguém poderá tirá-la de nós, como o próprio Jesus nos prometeu (cf. Jo 16,22).

                                                                      Pe. Paulo Cezar Mazzi  

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

CHEIOS OU VAZIOS DA GRAÇA?

Missa do 2º. dom. do advento. Palavra de Deus: Gênesis 3,9-15.20; Efésios 1,3-6.11-12; Lucas 1,26-38.         

            “Onde você está?”, perguntou o Senhor Deus a Adão (cf. Gn 3,9). Deus, que tudo vê e tudo conhece, fez esta pergunta a Adão, para que ele tomasse consciência da direção que o pecado estava dando à sua vida, quando Adão decidiu desobedecer a Deus. Hoje Deus dirige esta pergunta a cada um de nós: “Onde você está?” Por que será que isso está acontecendo na sua vida? Qual tem sido a sua parcela de responsabilidade naquilo que está acontecendo com você? “Observe o seu caminho”, a maneira de conduzir sua vida, “reconheça o que você fez”, para que chegar na situação em que chegou (cf. Jr 2,23).
            Diante da pergunta de Deus, Adão disse: “Ouvi tua voz, (...) fiquei com medo (...) e me escondi” (Gn 3,10). Você já se deu conta da voz de Deus que fala à sua consciência? Você sente medo de Deus, ou se sente amado(a) por Ele? Você se esconde de Deus no seu dia a dia (no seu ativismo), ou se deixa encontrar por Ele (na sua oração)? Adão estava com vergonha da sua nudez, mas hoje a Palavra do Senhor nos convida a olhar para a nossa nudez, para as consequências maléficas e destruidoras que o pecado causa em nós, e reconhecer que somente o Senhor pode cobrir a nossa nudez; somente Ele pode curar as feridas que o pecado tem aberto em nós, em nossa família, em nossa sociedade. Por maior que possa ser o nosso pecado, devemos nos lembrar da Palavra que diz: “Onde foi grande o pecado, muito maior foi a graça” de Deus em nos salvar (cf. Rm 5,20).
            Por que iniciamos essa reflexão mencionando o pecado de Adão e o nosso? Porque a liturgia de hoje nos coloca diante do dogma da Imaculada Conceição da Virgem Maria, dogma que afirma que Maria, preparada por Deus para ser a Mãe de Seu Filho, foi concebida sem a mancha do pecado original, isto é, do pecado que todos nós herdamos de Adão (cf. Rm 5,12). Diferente de Maria, nós não somos “imaculados”. Temos consciência que estamos “maculados” com o nosso pecado, “maculados” com certas concessões que nos “mancham” por meio da corrupção, da desonestidade, da mentira. Diferente de Maria, que foi chamada pelo anjo de “cheia de graça” (Lc 1,28), nós podemos não estar “cheios” da graça de Deus neste momento, mas estamos aqui para receber do Senhor a Sua graça, a graça que nos santifica por meio da Palavra que Ele nos diz (cf. Jo 15,3). 
       Pensemos no significado dessas palavras: imaculada/maculada, pura/impura, limpa/suja. Há dias atrás, o Papa Francisco nos pediu para rezarmos pelos filhos que recebem “pão sujo” de seus pais. O que é o “pão sujo”? É o pão adquirido com trabalho desonesto, corrupto. Quantos filhos, “talvez educados em colégios caros, talvez criados em ambientes cultos, recebem dos pais comida suja, porque seus pais, trazendo pão sujo para casa, perderam sua dignidade!”. Quantos filhos têm fome de dignidade? Deus quer que o pão que nós comemos em casa seja fruto de um trabalho honesto, disse o Papa Francisco.
        De maneira provocadora, o Papa Francisco agora nos diz, na sua Exortação Apostólica “A Alegria do Evangelho”, que prefere uma Igreja “suja”, que sai de si e vai até os outros, para curá-los, para salvá-los; não uma Igreja “pura”, fechada em si mesma, preservada do contato com o sofrimento humano: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (EG 49). Que tipo de Igreja temos sido?
            Por fim, lembremos que se a nossa vida não é uma vida sem pecado, apesar disso, ela deve se tornar o “lugar da graça” de Deus, o lugar onde o Pai possa gerar seu Filho Jesus em nós, e por meio de nós, no mundo. O próprio Pai nos amou e nos escolheu em seu Filho Jesus “para que sejamos santos e irrepreensíveis, e vivamos sob o seu olhar, no amor” (Ef 1,4). Adão e Eva fugiram desse olhar amoroso do Pai. Maria, pelo contrário, escolheu viver sob esse olhar: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!” (Lc 1,38). Que neste tempo de Advento, possamos a cada dia converter o nosso “não” (fechamento à vontade de Deus) em “sim” (abertura e docilidade à Sua vontade). Peçamos ao Espírito Santo que nos dê discernimento para percebermos, em cada atitude do nosso dia a dia, se ela nos torna mais cheios ou mais vazios da graça de Deus, se ela nos purifica ou nos macula... 

                                                                                                                                                                                  Pe. Paulo Cezar Mazzi 

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

EXISTE UMA RECOMPENSA PELA DOR DA ESPERA

Missa do 1º. dom. do advento. Palavra de Deus: Isaías 2,1-5; Romanos 13,11-14a.; Mateus 24,37-44.

     Iniciamos hoje o tempo do Advento. Advento significa “esperar por Aquele que vem”. Por isso, neste momento é importante perguntar-se: o que eu espero, em relação à minha vida? Eu espero por algo? O que eu espero de Deus? Espero algo apenas para esta vida presente, ou espero algo em relação à minha vida futura, isto é, em relação à minha salvação?
     O que é a espera? A espera é a certeza do nosso coração de que existe algo mais, e nenhuma realidade presente pode preencher ou substituir esse algo mais que Deus tem para nos dar. Por outro lado, toda espera é sofrida. Mas o Advento nos diz que há uma recompensa para a dor da espera, há uma esperança para o presente de quem se abre para o futuro de Deus. A questão, portanto, é saber: o que você espera? Qual esperança sustenta a sua vida?
     Muitos desistiram de esperar. Muitos se desencantaram com as promessas de Deus, cederam à tentação de abandonar Aquele que estamos esperando, para irem atrás de algo mais concreto, mais imediato. Muitos estão colocando a esperança da porta para fora de sua vida, ao dizerem “cansei de esperar”: cansei de esperar mudanças em mim, em determinada pessoa, numa determinada situação... Cansei de esperar em Deus... Mas aqui nós precisamos lembrar as palavras do Salmo 25,3: “Os que esperam em ti não ficam envergonhados, ficam envergonhados os que por um nada negam sua fé” (Sl 25,3).
     Apesar do nosso cansaço e de todos os motivos que teríamos para abandonar a esperança, Jesus nos convida a esperar por sua vinda. Mas Ele nos alerta que ela se dará como o dilúvio se deu no tempo de Noé. Nada de extraordinário aconteceu; todos estavam vivendo seu dia a dia absorvidos em suas próprias preocupações. “Eles nada perceberam, até que veio o dilúvio e arrastou a todos...” (Mt 24,39). Não é esse também o retrato da nossa geração? Cada um absorvido no seu próprio mundo, lidando com seus próprios problemas; cada um olhando para a tela do seu celular, do seu tablet, do seu computador, cada um perdido dentro de si mesmo, sem se dar conta do que está acontecendo no mundo à sua volta?  
     É para todos nós que Paulo dirige seu apelo, neste início de Advento: “Já é hora de despertar...” (Rm 13,11). Já é hora de deixarmos de viver dopados, anestesiados, hipnotizados com a tecnologia que cada vez mais nos mergulha no mundo virtual e nos torna ausentes do mundo real. Precisamos ter um comportamento de pessoas destinadas para o encontro com o seu Senhor e Salvador. Tudo aquilo que fizermos – o nosso comer e beber, o nosso trabalhar e descansar, o nosso prazer e distração, o nosso conectar-se ao virtual e ao real – tudo isso seja vivido para glorificar a Deus (cf. 1Cor 10,31) e não para nos afastar de Deus.
     Assim como o dilúvio arrastou a todos, assim a vinda de Jesus diz respeito a todos. Nela, “um será levado e o outro será deixado” (Mt 24,40). “Ser levado” significa ser salvo; “ser deixado” significa perder-se. Portanto, Jesus nos diz: “Ficai atentos, porque não sabeis em que dia virá o Senhor... Ficai preparados! Porque, na hora em que menos pensais, o Filho do Homem virá” (Mt 24,42.44). Estar preparado significa viver com o coração voltado para Deus; significa viver na consciência de que, na hora em que menos imaginarmos, seremos convidados a deixar o provisório e abraçar o definitivo. Então, o encontro com o Senhor Jesus será a recompensa pela dor da espera que sofremos.
     A melhor forma de nos prepararmos para o encontro com o Senhor é permitir que a sua Palavra oriente nosso proceder na vida pública e privada, em casa e no trabalho, em relação àquilo que pensamos, sentimos e fazemos. Quando isso acontece, as nossas espadas e lanças – nossas atitudes que ferem, que prejudicam os outros, que causam injustiça e sofrimento em nossa sociedade – são transformadas em arados e foices – em atitudes que promovem a vida por meio da solidariedade, da compaixão, do perdão e da reconciliação (cf. Is 2,4). Quando vivemos nossa vida na espera do encontro com o Senhor, nos damos conta de que não tem mais sentido vivermos armados e fazendo guerra contra tantas pessoas à nossa volta. A nossa verdadeira arma deve ser a fé, assim como a nossa verdadeira guerra consiste em perseverar e não desistir de esperar pelo Senhor.
     Enfim, o tempo do Advento nos faz este convite: “Vinde... deixemo-nos guiar pela luz do Senhor” (Is 2,5). Deixemos com que a luz do Senhor nos mostre um outro horizonte para a nossa vida, e encha o nosso coração de alegria, assim como o coração do vigia se enche de alegria quando chega a aurora de um novo dia. Mas não apenas deixemo-nos guiar pela luz do Senhor; sejamos também portadores dessa luz. Por meio da Novena de Natal – e também das redes sociais – levemos essa luz do Senhor, e a luz que é o próprio Senhor, a tantas casas/famílias/ambientes de trabalho/pessoas que precisam ter sua guerra transformada em paz, seu ressentimento transformado em perdão, seu distanciamento transformado em comunhão, sua tristeza transformada em alegria, seu desespero transformado em esperança. 

                                                                                                                                                             Pe. Paulo Cezar Mazzi
             

     

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

A PORTA DA REDENÇÃO ESTÁ ABERTA

 Missa de Cristo Rei. Palavra de Deus: 2Samuel 5,1-3; Colossenses 1,12-20; Lucas 23,35-43.
      
       Considere essas expressões: “reina o caos”, “reina a violência”, “reina a discórdia”, “reina a corrupção”; na vida de tal pessoa “reina a droga”; no ambiente de tal empresa, “reina a divisão, a inimizade”; na vida de muitas famílias “reina a discussão, as brigas, a separação”; no coração de tal pessoa “reina o ódio, a maldade, a infidelidade”... Quem “reina” em nosso mundo: Deus ou o maligno? Quem “reina” dentro de você: a paz ou a guerra, a verdade ou a mentira, a luz ou as trevas, o bem ou o mal?
       A leitura do segundo livro de Samuel nos fala do momento em que o rei Davi é ungido rei para governar todas as tribos de Israel. Sob o reinado de Davi, Israel, que antes estava dividido em tribos do norte e tribos do sul, agora se torna um povo unificado. Ora, a função do rei Davi era recordar Israel que somente Deus é o seu Rei; somente Deus deve reinar sobre o seu povo. Para nós, isso significa que quando permitimos que Deus reine sobre nós, quando decidimos viver sob o senhorio, sob a autoridade de Deus, nós somos unificados; já não somos mais “joguetes” nas mãos das nossas divisões internas.
        Para um mundo como o nosso, onde reina tanta maldade, onde o sofrimento reina na vida de tantas pessoas, onde tantos são dominados pelo mal e escravizados por diversos tipos de vícios, o apóstolo Paulo proclama que o Pai nos libertou do poder das trevas e nos recebeu no reino de seu Filho amado, por quem temos a redenção, o perdão dos pecados (cf. Cl 1,12-13). Portanto, dentro da nossa liberdade, se trata de escolher quem ou o quê queremos que seja o “senhor” da nossa vida; quem ou o quê queremos que “reine” sobre nós.
     Conta-se que em uma terra em guerra, havia um rei que causava espanto. Sempre que fazia prisioneiros, não os matava. Levava-os para uma sala onde havia um grupo de arqueiros de um lado e uma enorme porta de ferro do outro, sobre a qual se via gravadas figuras de caveiras cobertas por sangue. Nesta sala ele dizia-lhes:”Vocês podem escolher entre morrerem flechados, ou passar por aquela porta”. E todos escolhiam serem mortos pelos arqueiros.
       Ao terminar a guerra, um soldado que, por muito tempo servira o rei, dirigiu-se ao soberano e disse: “Senhor, posso lhe fazer uma pergunta?” O rei respondeu: “Diga, soldado”. Então o soldado perguntou inseguro: “O que havia por detrás da assustadora porta?” O rei, confiante, disse: “Vá e veja você mesmo!” O soldado então abriu vagarosamente a porta... e descobriu, surpreso, que a porta se abria sobre um caminho que conduzia para fora do castelo, rumo à liberdade. O soldado, admirado, apenas olhou para seu rei, que disse: “Eu dava a eles a escolha, mas preferiram morrer a arriscar-se a abrir esta porta”.
          Em seu Filho Jesus, o Pai nos dá a possibilidade de abrir a porta que nos tira da escravidão, das guerras internas e externas em que vivemos, mas muitos ainda têm medo dessa liberdade e preferem viver sob o domínio de pessoas, de atitudes e de coisas que são maléficas, destrutivas...   
        Para nós, hoje, proclamar que Jesus Cristo é o Rei do Universo significa crer que o Pai confiou ao seu Filho o poder de libertar, de redimir e de salvar todo ser humano (cf. Jo 17,2), e este poder se revela justamente na cruz! Na cruz, um homem já condenado à morte reconheceu Jesus como Rei, ao lhe pedir: “Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado” (Lc 23,42). Para este homem condenado, a porta da libertação e da salvação se abriu exatamente ali, quando Jesus, então, lhe disse: “Em verdade eu te digo: ainda hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,43).
       Por mais que você se condene e se prenda a atitudes erradas, por mais que se sinta condenada(o) e preso(a) a algum tipo de domínio maléfico e destrutivo, “hoje” é o momento de você se colocar sob o poder redentor de Jesus Cristo e da sua cruz, e permitir que o Paraíso comece a reinar dentro de você. “Hoje” é o momento para que Jesus comece a reinar em nós, em nossas famílias e comunidades, em nosso ambiente de trabalho, no coração da humanidade...
      Reina o Senhor! Toda a terra verá. Ele voltará com glória, força e poder. Povos e nações, todos afluirão ao ouvirem o som dos anjos anunciando, e então diante do Rei dos reis tremerão. Glória e majestade ao Rei, Cristo Jesus, Cordeiro Santo, Raiz de Davi, que amou o mundo e abriu as portas do céu a todo aquele que Ele redimir. Renda-se! Ainda há tempo de retornar. Renda-se! Vida nova receberá. Renda-se! Abandone-se sem reservas!... Renda-se! O Senhor disse e cumprirá. Renda-se! Toda lágrima enxugará. Renda-se Àquele que era, que é e que há de vir! (Renda-se, Ministério Adoração e Vida). 
                                                                      
                                                                       Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

RECONSTRUIR SOBRE BASES VERDADEIRAS E JUSTAS

Missa do 33º. dom. comum. Malaquias 3,19-20a.; 2Tessalonicenses 3,7-12; Lucas 21,5-19.

            “Vós admirais estas coisas? Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído” (Lc 21,6). Era um casal admirável, perfeito, vivendo um relacionamento à prova de fogo, ao menos aparentemente. Para surpresa de todos, o casal se separou. Era um império invejável, uma empresa de grande sucesso, crescendo e se expandindo cada vez mais. De repente, o império desabou, a empresa faliu, ou está correndo o risco de falir. Era uma igreja repleta de fiéis, construindo “megatemplos” nas grandes capitais. Agora, é uma igreja reduzida a algumas centenas de pessoas, tentando sobreviver enquanto instituição. Era um corpo exibindo beleza, músculos e saúde para todo mundo ver. Agora é um corpo que definha numa cama, ou consumido pelos vermes debaixo da terra.
           Quantas “construções” que antes nós admirávamos, mas agora são apenas escombros, ruínas? Quantas pessoas eram para nós a imagem do sucesso e hoje são a imagem do fracasso? Esta é a verdade: pessoas caem, impérios desabam, fortalezas desmoronam. E por que tudo isso? Porque os muros das nossas falsas seguranças precisam cair. Porque as paredes que construímos para nos separar das pessoas, e também para nos separar de Deus e da nossa própria verdade, precisam ser derrubadas.
            Ao longo deste ano, talvez você tenha conseguido construir muitas ou algumas coisas. Mas Jesus nos faz um alerta: tudo aquilo que neste mundo está sendo construído tendo por base a injustiça, a ganância, a indiferença para com quem sofre, cairá, e não ficará pedra sobre pedra. Tudo aquilo que você constrói tendo por base a mentira, a desonestidade, o egoísmo, será destruído. Em outras palavras, não se trata da destruição de edifícios, de palácios e de casas de luxo, mas da destruição da vaidade, do orgulho, da soberba.
            O profeta Malaquias fala da vinda de Deus como um fogo que consumirá os soberbos e os ímpios – os que cometem injustiça, como se fossem palha. Daquilo que essas pessoas construíram e se orgulharam, não sobrará nem raiz, nem ramo. Porém, esse fogo de Deus trará justiça e salvação para os que construíram sua vida tendo por base o respeito ao Senhor e ao seu semelhante (cf. Ml 3,19-20a).   
            Na Sagrada Escritura, o fogo representa o julgamento de Deus. O salmo que meditamos hoje diz: “O Senhor fez conhecer sua vitória, revelou sua justiça aos olhos das nações... Ele vem para julgar a terra inteira: ele julgará o mundo com justiça e os povos com retidão!” (Sl 98,2.9). Nós temos medo desse fogo de Deus, mas ele nada mais é do que a verdade, um fogo que consumirá nossas mentiras, queimará nossas máscaras e nos confrontará com a verdade que nos liberta.
            Há sinais deste fogo da justiça e da verdade de Deus agindo no meio da humanidade. Há sinais de que este mundo construído na base da mentira e da injustiça vai ter um fim. O primeiro sinal são os falsos profetas, em relação aos quais Jesus alerta: “Não sigais essa gente” (Lc 21,8). O segundo sinal são as guerras e as revoluções, a respeito das quais Jesus afirma: “É preciso que estas coisas aconteçam, mas não será logo o fim” (Lc 21,9). O terceiro sinal são as forças destrutivas da natureza (cf. Lc 21,11). Tivemos um exemplo disso há dias atrás, nas Filipinas. Em meio a tudo isso, haverá perseguições por causa da fé, e Jesus diz: “Esta será a ocasião em que testemunhareis a vossa fé” (Lc 21,13).
          Os tempos em que vivemos são tempos difíceis. Você reconhece isso? Você percebe os apelos de Deus nos acontecimentos atuais? Você tem procurado construir sua vida sobre uma base verdadeira, sobre a base da fé, ou tem agido como alguns tessalonicenses, vivendo à toa, muito ocupado em não fazer nada (cf. 2Ts 3,11), nem por sua própria salvação, nem pela salvação dos outros?
             Há um fogo que se alastra aos poucos no meio de nós e que precisa nos conduzir para a verdade. Há um terremoto que precisa nos sacudir, nos acordar, nos desacomodar. Há dores de parto que precisam ser suportadas, se queremos que algo novo possa nascer em nós. Diante de tudo isso, duas coisas são necessárias: confiança e atitude. Confiança em Deus, porque Jesus diz: “Vós não perdereis um só fio de cabelo da vossa cabeça” (Lc 21,18). Atitude da nossa parte, porque Jesus afirma: “É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida” (Lc 21,19).
                                                        Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

RESSURREIÇÃO: VIDA ABERTA PARA O FUTURO DE DEUS

Missa do 32º. dom. comum. Palavra de Deus: 2Macabeus 7,1-2.9-14; 2Tessalonicenses 2,16–3,5; Lucas 20,27-38.

Alguns lutam pela vida, enquanto outros “jogam fora” a própria vida. Alguns morrem depois de ter vivido “intensamente” a sua vida, enquanto outros morrem como se nunca tivessem vivido. Alguns se agarram desesperadamente a esta vida por não acreditarem na ressurreição e na vida eterna, enquanto outros são capazes de sofrer injustiças nesta vida porque esperam de Deus a ressurreição para a vida eterna, como os irmãos Macabeus.
  A fé na ressurreição surgiu como consequência da fé no Deus que, como Jesus acabou de afirmar, “não é Deus dos mortos, mas dos vivos, pois todos vivem para ele” (Lc 20,38). Foi apoiando-se nesta fé que Abraão conseguiu suportar a prova de oferecer seu filho único a Deus, crendo que o mesmo Deus tem o poder de ressuscitar os mortos. “Por isso, recuperou seu filho, como um símbolo” (Hb 11,19). Assim como Abraão, quando você crê na ressurreição, torna-se capaz de suportar as contrariedades desta vida; torna-se capaz de sacrificar suas certezas humanas, porque entrega sua vida ao Deus que tem o poder de ressuscitar os mortos. É exatamente essa entrega que faz com que você recupere aquilo que no momento precisa sacrificar.
      Quando você crê na ressurreição, confia que em Deus tudo aquilo que você perdeu será recuperado e transformado. Quando você crê na ressurreição, se torna capaz de esperar pelo Senhor Jesus, “que transfigurará nosso corpo humilhado, conformando-o ao seu corpo glorioso” (Fl 3,21). Quando você crê na ressurreição, confia no poder que o Espírito Santo tem de dar vida ao seu corpo mortal (cf. Rm 8,11). Enfim, pelo fato de você crer na ressurreição, pode dizer como o salmista: “Até o meu corpo repousará na esperança, porque não abandonarás minha vida no sepulcro (...). Deste-me a conhecer os caminhos da vida; tu me encherás de júbilo na tua presença” (Sl 16,8-11; At 2,26-28). 
         A fé na ressurreição enche o seu coração da certeza de que nenhuma pergunta sua ficará sem resposta, nenhuma dor ficará sem consolo, nenhuma ferida ficará sem ser curada e nenhuma lágrima ficará sem ser enxugada. A fé na ressurreição é a certeza de que a justiça que você nem sempre encontra neste mundo, encontra seguramente em Deus, pois Jesus afirma que todos ressuscitarão: “os que tiverem feito o bem, para uma ressurreição de vida; os que tiverem praticado o mal, para uma ressurreição de julgamento” (Jo 5,29).
           A maneira como nós cremos na vida após a morte influencia a nossa maneira de interpretar e viver a nossa vida presente. Quando você na reencarnação, sua vida presente é sempre um “olhar para trás”, como se tudo o que acontecesse com você fosse em função de um passado não resolvido, de uma dívida não paga. Porém, quando você crê na ressurreição, sua vida presente é sempre um “olhar para a frente”, pois “não existe mais condenação para aqueles que estão em Cristo Jesus” (Rm 8,1), uma vez que “ele nos perdoou todas as nossas faltas: apagou (...) o título de dívida que existia contra nós; e o suprimiu, pregando-o na cruz” (Cl 2,13-14). 
        A fé na ressurreição convida você a se lembrar de que “agora é o começo do resto da sua vida” (Provérbio), uma vida que é única e que nunca mais se repetirá, pois “é fato que os homens devem morrer uma só vez, depois do que vem um julgamento” (Hb 9,27). A fé na ressurreição ajuda você a compreender a vida eterna não como uma conquista sua, ou como fruto dos seus méritos, mas como graça de Deus: “Pela graça sois salvos, por meio da fé, e isso não vem de vós, é o dom de Deus” (Ef 2,8).
        A ressurreição não vem de nós mesmos, mas é dom de Deus, e este dom é o centro da nossa fé cristã: “A mensagem central do cristianismo é: não há morte em que já não esteja presente o começo de uma nova vida. Não há cruz que não seja seguida da ressurreição. Não há escuridão em que já não brilhe a luz pascal, nenhuma dor em que somos deixados sozinhos” (Anselm Grün). 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

A MARCA DO DEUS VIVO

Missa de todos os Santos. Palavra de Deus: Apocalipse 7,2-4.9-14; 1João 3,1-3; Mateus 5,1-12a.

Você tem um ideal na vida? O ideal funciona como “uma força que nos puxa para cima”, ou que nos “empurra para frente”, nos ajudando a superar os obstáculos que encontramos no caminho. Alguns têm como ideal serem o melhor numa determinada profissão. Outros têm como ideal tornarem-se ricos, pessoas de sucesso. Alguns poucos têm como ideal trabalharem pela humanidade, tornarem o mundo um lugar melhor. Mas também é verdade que não são poucas as pessoas que abriram mão dos seus ideais, desacreditaram que a sua própria vida ou que o mundo em que vivem poderia se tornar melhor. Desistindo dos seus ideais, elas se jogaram no rio da vida como uma folha seca, e se deixaram levar pela água.
         Embora cada um de nós possa ter o seu ideal de vida, o nosso ideal como cristãos e como filhos de Deus é a santidade, e ser santo, sobretudo no mundo de hoje, significa ir contra a corrente: “O cristão não pode ser uma folha que se joga em um rio e se deixa levar pela água. É preciso nadar contra a corrente” (Pe. Léo). Ser santo significa não se permitir ser arrastado pelo fluxo do mundo, pelas tendências atuais da moda, da onda do momento, mas deixar-se conduzir pelo Espírito Santo de Deus, ainda que o Espírito Santo nos obrigue a andar na contramão, a nadar contra a corrente.
Muitos dirão que é impossível tornar-se santo no mundo em que vivemos. No entanto, o livro do Apocalipse afirma que o início da nossa santificação se dá na terra, não no céu. É enquanto estão na terra que os servos de Deus são “marcados na fronte” (Ap 7,3). Os santos são pessoas que aparentemente não se diferenciam das demais, mas elas trazem em si “a marca do Deus vivo” (Ap 7,2). Hoje tem se tornado cada vez mais comum as pessoas se tatuarem. Você se deixa marcar pela santidade do Deus vivo? As pessoas enxergam em você – especificamente, nas suas atitudes – a marca da santidade de Deus?
No céu, as pessoas santas são descritas como pessoas que estão de pé, diante do trono de Deus e de seu Filho, o Cordeiro, e trajam roupas brancas (cf. Ap 7,9). Mas as roupas brancas delas não significam que viveram na terra em palácios, em redomas de vidro, protegidas contra as “sujeiras”, as misérias e as dores do mundo. Pelo contrário, enquanto estavam na terra, essas pessoas tiveram que lidar com diversas tribulações, como o sofrimento, a dor, a maldade, a corrupção, a violência, a injustiça que há no mundo. Assim como Jesus, elas se “sujaram”, se envolveram com a miséria humana, mas, no momento da morte, “lavaram e alvejaram suas roupas no sangue do Cordeiro” (Ap 7,14).
         O livro do Apocalipse deixa claro que não há santificação sem tribulação. Qual é a sua tribulação, neste momento? Ela é fruto do seu afastamento de Deus, ou da sua fidelidade à vontade de Deus? Ela é fruto da sua decisão de soltar-se como uma folha e deixar-se levar pelo rio do mundo, ou é fruto da sua decisão de nadar contra a corrente e deixar-se conduzir pelo Espírito Santo? Quando a tribulação é consequência da nossa decisão em caminhar segundo a vontade de Deus, é possível ser feliz mesmo na tribulação.  
       Jesus deixa claro no Evangelho que sem santidade não há felicidade. Para o nosso mundo, a felicidade depende do consumo (o que você come, bebe, veste, possui); ela depende da beleza, do triunfo, do dinheiro, do sucesso. No entanto, o alemão Vettel, ao conquistar o tetra campeonato mundial de fórmula 1 na Índia, disse: “Assim que cruzei a linha de chegada me deu um vazio”. A felicidade que o mundo nos promete, além de exigir a eliminação de toda e qualquer tribulação, dura tanto quanto o efeito de uma droga: passado o efeito, o vazio que sentíamos antes se torna maior ainda...
Ao mencionar as bem-aventuranças no Evangelho, Jesus revela que a felicidade que vem de Deus transcende este mundo; ela não se resume ao aqui e agora. A felicidade nasce da coerência com o nosso caminho de santidade, um caminho que passa pela pobreza em espírito, o que significa ter a Deus como nosso único e verdadeiro bem; pelo lidar com a aflição, com a fome e a sede de justiça, e com a perseguição por causa do Evangelho; pela atitude de misericórdia, de mansidão e de promoção da paz diante dos conflitos; enfim, pela pureza de coração, pureza que significa rejeitar o que não convém à nossa santidade e abraçar o que convém a ela.
Retomemos o nosso ideal de santidade, espelhando-nos em todos os santos que, passando por inúmeras tribulações, aprenderam a suportá-las, nadando contra a corrente e deixando-se conduzir pelo Espírito Santo de Deus. 

                                                               Pe. Paulo Cezar Mazzi

MEU REDENTOR ESTÁ VIVO!

Missa de finados. Palavra de Deus: Jó 19,1.23-27a; Filipenses 3,20-21; João 11,17-27.

Existem muitas coisas que diferenciam as pessoas: a cor da pele, o país onde nasceram, a condição econômica, o tipo de educação, o tipo de família, a crença – um se declara desta igreja, outro daquela; um se declara desta religião, outro daquela, um de diz ateu, outro agnóstico etc. Apesar de tudo aquilo que nos diferencia uns dos outros, a morte nos iguala a todos, a morte atinge a todos.
Sabemos que todos nós um dia morreremos. Mas a nossa fé nos faz saber algo mais: “Eu sei que o meu redentor está vivo e que, por último, se levantará sobre o pó; e depois que tiverem destruído esta minha pele, na minha carne, verei a Deus” (Jó 19,25-26). A nossa fé nos permite dizer que temos um Redentor. “É ele quem redime da cova a tua vida” (Sl 103,4). Ter um Redentor significa que temos Alguém que nos tira da morte, Alguém que um dia nos fez uma promessa: “Eis que eu vou abrir os vossos túmulos e vos fazer subir dos vossos túmulos, ó meu povo. Então sabereis que eu sou o Senhor... Porei o meu espírito dentro de vós e haveis de reviver” (Ez 37,12-14).
Cada um de nós pode dizer como Jó: ‘O meu Redentor, Aquele que redime a minha vida da cova da morte, Aquele que me resgata, está vivo. Ele venceu a morte. Por último, depois de tudo, Ele se levantará sobre o pó da minha miséria, da minha mortalidade. Depois que a doença ou o próprio envelhecimento tiver destruído a minha pele, na minha carne, no meu corpo mortal, verei a Deus. O que me espera é o encontro com o Pai; eu O verei face a face’.
O destino último da nossa vida são as mãos do Pai, e não o pó da terra. Foi por isso que o próprio Jesus morreu dizendo: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46). Quem, diariamente se coloca nas mãos do Pai, não teme a morte, e pode dizer como o salmista: “O Senhor é minha luz e salvação: de quem terei medo?” (Sl 27,1). A luz de Deus nos permite contemplar, no grão de trigo que morre na terra, a espiga que vai brotar (cf. Jo 12,24). Mesmo carregando em nosso corpo os sinais da morte que um dia nos atingirá, podemos dizer: “Sei que a bondade do Senhor eu hei de ver na terra dos vivos. Espera no Senhor e tem coragem. Espera no Senhor!” (Sl 27,13-14).
Mais do que despertar em nós a consciência da morte, a Palavra do Senhor quer nos lembrar que somos cidadãos do céu; portanto, nós pertencemos ao céu. “De lá aguardamos o nosso Salvador, o Senhor Jesus Cristo. Ele transformará o nosso corpo humilhado e o tornará semelhante ao seu corpo glorioso” (Fl 3,20-21). A ressurreição não é apenas uma verdade para a nossa alma, mas também para o nosso corpo. Este corpo sujeito à morte, chamado de “corpo humilhado”, será transformado pelo Senhor Jesus Cristo, em “corpo glorificado”. É por isso que, quando professamos a nossa fé, dizemos: “creio na ressurreição da carne e na vida eterna”  
Por mais que nós lutemos pela vida, chega um momento em que a morte sempre parece se impor, pondo fim a muitos dos nossos sonhos, a muitas das nossas esperanças. Assim aconteceu com a família de Marta, Maria e Lázaro. Quando Jesus chegou em Betânia, encontrou Lázaro sepultado há quatro dias. Se o profeta Oséias disse que “no terceiro dia” Deus faria o seu povo reviver (cf. Os 6,2), passado o terceiro dia, não há nada mais a esperar. O quarto dia é a imagem da total falta de esperança: nada mais pode ser feito. O que morreu, morreu definitivamente. Será?
As palavras de Marta a Jesus – “Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido” (Jo 11,21) – também estão presentes em nossa vida, em nossos questionamentos. Nós costumamos pensar que se Deus está presente em nossa vida, o mal não nos atingirá jamais. No entanto, Jesus, sabendo da doença de Lázaro, permitiu que ele morresse, para nos lembrar que a sua presença em nossa vida não é para nos poupar de todo e qualquer tipo de mal, nem para nos impedir que um dia nós morramos, mas para nos garantir que a morte não é o nosso fim, mas uma porta estreita, pela qual temos que passar, para chegarmos à verdadeira vida.
“Teu irmão ressuscitará” (Jo 11,23). Hoje, ao visitar cada túmulo ou nos lembrar de todos os nossos parentes e amigos que faleceram, precisamos ter em nosso coração as palavras de Jesus: ‘Teu filho ressuscitará... Teu pai ressuscitará... Tua mãe ressuscitará...’ “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá” (Jo 11,25). Cremos em Jesus e no poder da sua Ressurreição? A nossa fé no Senhor Jesus, nossa Ressurreição e nossa Vida, se mostra não apenas na maneira como encaramos a morte – a nossa e a dos outros – mas também na maneira como vivemos a nossa vida...           

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

DESÇA DO PEDESTAL

Missa do 30º. dom. comum. Palavra de Deus: Eclesiástico 35,15b-17.20-22a; 2Timóteo 4,6-8.16-18; Lucas 18,9-14.

            Olhe à sua volta e observe as pessoas. Por onde quer que você ande, vai se deparar cada vez mais com pessoas soberbas, arrogantes, cheias de si, pessoas que se julgam melhores do que as outras, pessoas que se julgam superiores. Mas, olhe também para você. Coloque-se diante de um espelho – de preferência, diante do espelho da sua consciência – e procure reconhecer o quanto você também já se encheu de soberba, de arrogância, o quanto às vezes se julga melhor que os outros, superior(a) a eles.
            Se é cada vez mais comum encontrarmos pessoas soberbas e arrogantes na sociedade, deveria ser raro encontrá-las nas igrejas. Mas este é o alerta do Evangelho para nós hoje: não poucas pessoas fazem da sua vivência religiosa um motivo a mais para se sentirem superioras aos outros, não apenas se julgando boas, justas, cheias de méritos, mas também sentindo-se no direito de desprezar os outros, como fez o fariseu, na parábola contada por Jesus.
            A oração deveria ser o momento em que ficamos descalços e tocamos o chão, para nos lembrar de onde vivemos e quem somos: somos barro, e como barro, dependemos absolutamente de Deus para sermos alguma “coisa”. Como barro, somos também “sujos”, e somente a água da graça de Deus pode nos purificar. Como diz uma oração da nossa Igreja: “Ó Deus, sois o amparo dos que em vós esperam e, sem vosso auxílio, ninguém é forte, ninguém é santo”.
A oração poderia ser o momento onde entramos barro e saímos vaso novo, onde entramos feridos e saímos curados, onde entramos pecadores e saímos justificados. Porém, algumas vezes, saímos da oração do mesmo jeito que entramos; saímos das nossas igrejas e voltamos para as nossas casas sem ser justificados, porque, quando nos colocamos na presença de Deus, ficamos como se estivéssemos em cima de um pedestal; rezamos como o fariseu da parábola: “de pé”, para que não somente Deus, mas todas as outras pessoas da igreja pudessem ver o quanto somos bons, perfeitos, retos, íntegros, observantes fiéis das normas religiosas, pessoas realmente evoluídas no sentido espiritual, diferentes de tantas outras, que julgamos ignorantes, atrasadas, não evoluídas como nós...
Como você se coloca diante de Deus na oração? O fariseu se colocava assim: ‘Estou aqui para lembrar ao Senhor o quanto sou uma pessoa boa e, portanto, merecedora da salvação’. Já o cobrador de impostos se colocava assim: ‘Estou aqui para implorar a misericórdia do Senhor, porque tenho consciência de que sou um pecador e necessito de salvação’. Como você se coloca diante de Deus na oração: como um copo cheio ou como um copo vazio? Como uma pessoa cheia de si mesma ou como uma pessoa que, na sua humildade e simplicidade de coração, tem espaço para Deus entrar e depositar no seu coração a bênção da justificação?
Se o salmo 143,2 afirma que diante de Deus, nenhuma pessoa pode se declarar justa (cf. Sl 143,2), ninguém de nós pode se fazer passar por justo diante de Deus, pois Ele conhece o nosso interior e sabe que somos pecadores (somos, e não apenas temos este ou aquele pecado). Se, por um lado, ninguém é justo diante de Deus, por outro lado Ele, e somente Ele, pode nos justificar, e já o fez, pelo sacrifício de Jesus Cristo na cruz (cf. Rm 4,23-25; 5,1.9-11.16-21).
Vivendo no meio de pessoas arrogantes, que se julgam melhores que as outras e, inclusive, mais evoluídas espiritualmente que elas, Jesus nos convida a cultivar a humildade como abertura para Deus, a fim de que possamos sair da oração justificados, lembrando que só pode ser justificado quem reconhece que a salvação vem de Deus, e não dos seus próprios méritos; só pode ser justificado quem tem consciência de que necessita ser salvo. 
Diz o salmo 51,19: “Sacrifício (que agrada) a Deus é espírito contrito; coração contrito e esmagado, ó Deus, tu não desprezas”. Quanto mais você se colocar com humildade diante de Deus, entregando às mãos d’Ele os seus pedaços, as suas falhas, o seu lado feio, imperfeito, doente, sujo, mais Ele acolherá você e agirá na sua vida, porque você permitiu que Ele entrasse nas suas feridas mais profundas. Quanto mais você se apresentar diante de Deus na oração como se fosse uma estátua de mármore, magnífica, sem nenhum trinco, defeito ou mancha, mais você sairá da oração sentindo que ela foi inútil e que Deus nada fez em você. Como Deus poderia fazer alguma obra numa pessoa que já se sente pronta, completa, evoluída? Como Deus poderia justificar alguém que já se sente justo? 

Pe. Paulo Cezar Mazzi