quinta-feira, 31 de março de 2022

NÃO ESTOU AQUI PARA TE ACUSAR, MAS PARA TE LIBERTAR DO SEU PECADO

 Missa do 5. dom. quaresma: Palavra de Deus: Isaías 43,16-21; Filipenses 3,8-14; João 8,1-11.

            “Cada um de nós compõe a sua história, e cada ser, em si, carrega o dom de ser capaz, de ser feliz” (Almir Sater, Tocando em frente). Cada dia que vivemos é uma página que escrevemos no livro da nossa vida. Se nós pararmos para ler este livro, que vem sendo escrito desde a nossa infância, encontraremos páginas que relatam alegrias, conquistas e realizações, como também encontraremos páginas que relatam tristezas, derrotas e frustrações. Cada página que já escrevemos não pode mais ser apagada e deve ser respeitada, porque faz parte da nossa história de vida. Se, por acaso, nos arrependemos de ter escrito algo que hoje não concordamos que deva ser assim, não temos o poder de apagar o passado, mas temos o poder de escrever um novo capítulo, uma nova página, no hoje da nossa história de vida.

            Em busca de felicidade, em busca de afeto e de se sentir amada, uma mulher cometeu adultério e foi pega em flagrante. A Lei mosaica era bem rígida quanto a este pecado, condenando os adúlteros à pena de morte por apedrejamento. Estranhamente, os mestres da Lei e os fariseus trazem a mulher adúltera a Jesus, mas não trazem também o homem adúltero. Ele teria fugido? Eles o estariam acobertando? Não sabemos. Mas o que temos no Evangelho são três “personagens”, podemos dizer assim: os acusadores, a mulher acusada e Jesus, a quem é pedido que decida o que fazer com a mulher pecadora.

            Desde a época de Jesus até os nossos dias, muita coisa mudou. A inversão de valores enfraqueceu as acusações quanto às situações de pecado, substituindo o sentimento de culpa pelo “direito de ser feliz”. A própria ideia de pecado foi “desmontada”, acusando a Igreja de “inventar” o pecado e incutir culpa nas pessoas com o objetivo de controlá-las. O resultado disso são dois extremos: de um lado, pessoas que se culpam excessivamente e se condenam por meio de julgamentos severos, os quais lhes tiram a confiança na misericórdia de Deus, e pessoas para as quais os fins – ser feliz – justificam os meios – pecar, fazendo o que é mau aos olhos de Deus. E se alguém lembrar essas pessoas de que o pecado não é uma interpretação subjetiva – o que eu vejo ou não como errado – mas sim “fazer o que é mau aos olhos de Deus” (Sl 51,6), elas ouvirão de muitos: “Deus quer você feliz”, justificando, assim, suas atitudes erradas.

            A única forma de verificarmos se um ambiente está limpo ou sujo é abrir as janelas e portas para a luz do sol entrar ou então, no caso de ser noite, acender as luzes do respectivo ambiente. O próprio Jesus deixou claro que somente a luz do Espírito Santo, que é o “Espírito da Verdade”, pode “convencer” uma pessoa a respeito do seu pecado, isto é, pode tornar a pessoa consciente de que sua atitude está trazendo prejuízos para si e/ou para os outros (cf. Jo 16,8.13). Sem essa tomada de consciência, nós continuamos a fazer mal a nós mesmos e aos outros, justificando nossos erros com a desculpa de que estamos apenas procurando ser felizes.

            Diante dos acusadores daquela mulher, que exigiam de Jesus uma tomada de posição – autorizar ou não o apedrejamento da pecadora –, Jesus abaixou-se e começou a escrever no chão com o dedo. Esse gesto de Jesus pode nos lembrar as palavras do profeta Jeremias: “Todos os que te abandonam... os que se afastam de ti serão escritos na terra, porque abandonaram a fonte de água viva, Senhor” (Jr 17,13). Talvez Jesus tivesse escrito no chão os nomes dos pecados dos acusadores da mulher, ou, quem sabe, as coisas boas que a mulher fez na vida, para lembrar que nenhum pecado resume a história de vida de uma pessoa.

            O que mais importa é a resposta de Jesus aos acusadores: “Quem dentre vós não tiver pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra” (Jo 8,7). Não quem não tenha errado na vida. Não há quem não tenha escrito alguma página na sua história de vida da qual se arrependa profundamente. Não há quem, na busca de se sentir amado e de ser feliz, não tenha machucado a si mesmo ou aos outros. Todos somos pecadores, e as pedras que porventura temos em nossas mãos para serem atiradas nos outros têm como alvo principal a nós mesmos! Os olhos que enxergam o pecado dos outros deveriam enxergar seus próprios pecados e buscar corrigi-los.  

            O único que poderia condenar aquela mulher pecadora era Jesus, que nunca pecou. No entanto, ele disse à mulher: “Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?” Ela respondeu: “Ninguém, Senhor”. Então Jesus lhe disse: “Eu também não te condeno. Podes ir, e de agora em diante não peques mais” (Jo 8,10-11). O Pai enviou seu Filho para salvar o ser humano, não para condená-lo (cf. Jo 3,17). Jesus veio nos ensinar a virar a página do livro da nossa vida e a escrever uma nova página, um novo capítulo – desta vez, sem o pecado, sem o erro de fazer o mal a si ou aos outros com a desculpa de que se está buscando ser feliz.  

            Se são muitas as pessoas que não enxergam saída para sua situação de pecado, Jesus veio “abrir a estrada no deserto e fazer correr rios na terra seca” (cf. Is 43,19). Ele veio nos retirar do sentimento de culpa e de autocondenação, e nos convidar a fazer como o apóstolo Paulo: “Esquecendo o que fica para trás, eu me lanço para o que está na frente. Corro direto para a meta, rumo ao prêmio, que, do alto, Deus me chama a receber em Cristo Jesus” (Fl 3,13-14). Todos nós somos chamados a alcançar a meta que o Pai nos propôs: a salvação em seu Filho Jesus. Correndo para essa meta, nós às vezes tropeçamos e caímos. Esses tropeços ou essas quedas não anulam o caminho que já percorremos, não nos fazem voltar para a estaca zero. Só é preciso que nos levantemos do ponto em que tropeçamos e caímos e retomemos o caminho, tendo a certeza de que “os que lançam as sementes entre lágrimas, ceifarão com alegria” (Sl 126,5).

            O maior erro não é pecar, mas não acreditar no perdão de Deus. O maior pecado é não aceitar a correção que o Espírito da Verdade está nos fazendo, em vista de não errarmos o alvo, a meta, que é a nossa salvação em Cristo Jesus. O maior erro é desistir de si mesmo(a) e da vida, fechando-se no círculo vicioso da autocondenação. Viremos a página e comecemos a escrever um novo capítulo em nossa história de vida, libertos de toda culpa e de toda condenação.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 24 de março de 2022

NENHUMA PERDA E NENHUMA MORTE SÃO DEFINITIVAS

Missa do 4. dom. da quaresma. Palavra de Deus: Josué 5,9a.10-12; 2Coríntios 5,17-21; Lucas 15,1-3.11-32. 

 

Deus não deseja que ninguém se perca (cf. Mt 18,14). No entanto, Ele criou o ser humano livre. Cada um de nós tem liberdade de escolher e decidir sobre sua própria vida, de seguir o caminho que achar melhor. Na verdade, a vida tem inúmeros caminhos, e muitos deles nos levam para longe de Deus, para longe da nossa verdade. Quem de nós nunca se enganou e nunca seguiu um caminho errado?

A parábola que Jesus nos conta começa com um pedido do filho mais novo: “Pai, dá-me a parte da herança que me cabe” (Lc 15,12). Ora, o momento de se repartir a herança é quando o pai morre. Muitas pessoas vivem como se Deus não existisse, como se estivesse morto. Esse filho mais novo retrata o nosso mundo, um mundo que rejeita a autoridade do Pai, que não aceita viver debaixo da orientação da Palavra de Deus. Muitas pessoas decidiram deixar a casa do Pai, deixar a Igreja, pois essa casa se tornou “pequena” demais para os seus sonhos de liberdade. Deus, por sua vez, respeita a nossa liberdade: “Israel não quis obedecer-me; então os entreguei ao seu coração endurecido: que sigam seus próprios caminhos!” (Sl 81,12-13).   

A escolha em sair da casa do Pai, a escolha de “matar” o Pai, leva o filho a viver como órfão: o filho mais novo “juntou o que era seu e partiu para um lugar distante. E ali esbanjou tudo numa vida desenfreada” (Lc 15,13). Às vezes queremos viver a nossa vida do nosso jeito, a partir da nossa cabeça, uma vida “desenfreada”, isto é, sem o “freio” da religião, sem o “freio” da Palavra de Deus em nossa consciência. Ora, uma vida “desenfreada” cedo ou tarde se transforma numa vida autodestrutiva, que destrói a si mesma. Não é à toa que o filho que tinha tudo na casa do pai agora se encontra passando fome, sem poder comer até mesmo a comida que ele dava aos porcos. Esse filho desceu ao mais profundo do poço, ao mais profundo do buraco que ele mesmo cavou.

Quando nós rejeitamos depender de Deus, passamos a sofrer uma dependência imposta pelo mundo. Quantas pessoas estão vivendo no meio de porcos? É a dependência química; a dívida com os traficantes; o ser explorado como mão de obra barata; o sobreviver dentro de um relacionamento doentio, onde se experimenta todos os dias agressão física ou psicológica. Conhecemos inúmeros adolescentes e jovens que estão nessa experiência do filho mais novo. Mas é preciso reconhecer também que inúmeros adolescentes e jovens não têm para onde voltar; não têm – e alguns nunca tiveram – um pai esperando por eles. Nas famílias, é cada vez maior a ausência do pai, e a nossa missão como Igreja, como cristãos, é ajudar as pessoas a voltarem a crer que a misericórdia de Deus tem o poder de fazer voltar à vida aquilo que morreu e de reencontrar aquilo que se perdeu.

Para que isso aconteça, é preciso que o ser humano se levante de sua queda e tome a decisão de voltar para o Pai. Deus tem esperança de que cada pessoa reflita em sua consciência, que “caia em si” e perceba que, por maior que seja a destruição que ela provocou em si mesma, sempre há possibilidade de fazer uma nova escolha e de tomar uma nova decisão: “Então caiu em si e disse: ‘(...) Vou-me embora, vou voltar para meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra Deus e contra ti’” (Lc 15,17-18). Se existe um caminho de distanciamento, existe também um caminho de reaproximação. Nada está perdido para sempre; nada está morto definitivamente! É possível voltar! Nós temos não apenas “para onde” voltar, mas para Quem voltar! Qualquer que seja o nosso pecado, qualquer que tenha sido o nosso erro de matar o Pai dentro de nós, Ele continua vivo e de braços abertos para nos receber de volta! 

Para quem crê, sempre existe uma páscoa, uma passagem, um caminho de volta. Para quem tem fé, sempre existe uma passagem da morte para a vida, da perda para o reencontro. Jesus nos lembra que a páscoa, a passagem da morte para a vida, acontece sempre que decidimos nos levantar e voltar ao Pai, assim como também acontece sempre que decidimos perdoar o irmão: “Quando ainda estava longe, seu pai o avistou e sentiu compaixão. Correu-lhe ao encontro, abraçou-o e cobriu-o de beijos... ‘Vamos fazer um banquete. Porque este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido, e foi encontrado’” (Lc 15,20.23-24). Embora muitas pessoas desistam de si mesmas, Deus não desiste de nenhum ser humano.

“Deixai-vos reconciliar com Deus” (2Cor 5,20). Jesus nos convida a nos deixar abraçar pelo Pai: ‘Deixem-se abraçar pelo Pai! Deixem-se ressuscitar por Deus! Deixem-se ser encontradas por Ele!’ Talvez a nossa relação com Deus Pai seja tão fria quanto à do filho mais velho, que passou toda a sua vida trabalhando para o Pai, mas não se deixou amar por Ele, e nem aprendeu a amar como Ele. Todos nós precisamos nos deixar abraçar pelo Pai e permitir que Ele cure as nossas feridas paternas/maternas. Enfim, todos nós somos chamados a nos tornar filhos como o Filho, que dedicou sua vida em procurar e salvar o que estava perdido (cf. Lc 19,10).

“Filho, (...) era preciso festejar e alegrar-nos, porque esse teu irmão estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi encontrado” (Lc 15,32). É preciso festejar! É preciso que cada celebração da Eucaristia seja verdadeiramente o momento em que todos nós, filhos mais novos e filhos mais velhos, nos deixamos abraçar pelo Pai, cujo nome é Misericórdia! Mas é preciso também que, depois de cada Eucaristia, cada um de nós volte para a sua casa e seja, no dia a dia, o próprio abraço do Pai a comunicar, a cada pessoa que encontramos em nosso caminho, que todo aquele que está morto pode voltar a viver, assim como todo aquele que está perdido pode voltar a ser encontrado, porque nossa fé é uma fé pascal!

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 18 de março de 2022

A VERDADEIRA TRAGÉDIA

 Missa do 3º. Dom. quaresma. Palavra de Deus: Êxodo 3,1-8a.13-15; 1Coríntios 10,1-6.10-12; Lucas 13,1-9.

 

            Vez ou outra, nós ficamos sabendo de alguma tragédia: um acidente de carro ou de avião, que causou a morte de diversas pessoas; uma catástrofe natural (terremoto, por exemplo, ou chuvas intensas numa determinada região) que levou à morte muitas pessoas; um ataque terrorista em uma escola, em um templo ou em uma rua movimentada, que também provocou a morte de diversas pessoas etc. As tragédias não apenas estão presentes na história da humanidade, mas, sobretudo em nossa época, elas são uma espécie de combustível da mídia: noticiar tragédias faz subir a audiência dos meios de comunicação.

            Como nós interpretamos as tragédias? Por se tornarem até “comuns”, elas parecem ter perdido a força de nos fazer refletir sobre a nossa existência. No máximo, elas despertam em nós algum sentimento de compaixão com quem morreu, sentimento que precisa “passar logo”; afinal de contas, “a vida continua” e há uma porção de tarefas nos esperando, exigindo a nossa atenção. Desse modo, nós perdemos a oportunidade de refletir para onde a nossa vida está caminhando. Vivemos como se nunca fôssemos morrer. Continuamos a fazer as coisas sem ter a coragem de nos perguntar se precisamos fazer aquilo que fazemos; se os valores que estamos perseguindo são realmente valores; se as nossas energias estão sendo gastas em algo que é passageiro ou em algo que é eterno.

            Jesus aproveitou de duas notícias trágicas na sua época para chamar a atenção sobre a maneira como as pessoas vivem: “Se vocês não se converterem, morrerão todos do mesmo modo” (Lc 13,3.5). Na época de Jesus, existia uma mentalidade perigosa que associava a tragédia ao “merecimento”: pessoas que morreram de forma trágica eram “pecadoras”. A morte súbita delas foi um castigo, por causa dos pecados que cometeram. Jesus jamais concordou com essa interpretação míope frente a uma tragédia. A vida não está enquadrada numa lógica estreita, segundo a qual o bem acontece para quem é bom e o mal acontece para quem é mau. Toda notícia que chega a nós falando da morte de uma pessoa deve nos questionar: “O que morreu em mim?”. “O que está morrendo em mim?”. Todo tipo de destruição que acontece em nossa época deveria nos questionar: “Por que eu tenho o hábito de destruir a mim mesmo?”. “Por que eu permito que pessoas ou situações doentias, tóxicas, destruam a minha vida?”.

“A tragédia não é quando um homem morre. A tragédia é o que morre dentro de um homem quando ele está vivo” (Albert Schweitzer). Se a quaresma é um tempo espiritual propício para a conversão, para a mudança de mentalidade e de atitude, nós precisamos voltar a nos perguntar se nós acreditamos em nossa possibilidade de conversão, de mudança; se nós não apenas desejamos mudar, mas se temos atitudes que efetivamente possibilitam ou favorecem a mudança que queremos em nossa vida.

Ao nos contar a parábola da figueira que não está produzindo frutos Jesus está dizendo que aquilo que morre em nós enquanto ainda estamos vivos deveria nos incomodar profundamente, ao invés de ser visto como “normal”. Quando foi que a minha vida afetiva, profissional, comunitária ou espiritual começou a morrer, a não produzir mais fruto? Que tipo de doença começou a se desenvolver em mim, de modo a me tornar uma pessoa estéril, morta por dentro? Quando foi que eu deixei morrer dentro de mim o amor, a fé, a esperança, o sentido de vida? Por que eu me permiti me tornar uma pessoa pessimista, fatalista, assumindo o papel de vítima diante da vida?

Cada um de nós é essa figueira da parábola contada por Jesus. Deus Pai, o agricultor, nos plantou no chão desta vida, para produzirmos frutos de que somos capazes. Porém, ao se dar conta da nossa esterilidade, dos nossos galhos sem frutos, Ele decidiu enviar o seu Filho para dialogar conosco, para questionar os motivos pelos quais nos deixamos morrer, ao invés de desejarmos viver e promover a vida à nossa volta. Jesus está diante da figueira que somos, intercedendo junto ao Pai: “Senhor, deixa a figueira ainda este ano. Vou cavar em volta dela e colocar adubo. Pode ser que venha a dar fruto. Se não der, então tu a cortarás” (Lc 13,8-9). A Palavra de Jesus está aí para cavar em volta de nós e adubar as nossas raízes, em vista de curar-nos de todo tipo de esterilidade, de fatalismo, de suicídio existencial, de perda de sentido de vida. Se não houver colaboração da nossa parte, se não houver um sincero desejo e uma sincera disposição em mudar nossa maneira de pensar e nossas atitudes, seremos “cortados” da face da terra. Isso, sim, seria uma tragédia: termos sido criados para dar certo, mas neutralizarmos nossas capacidades, trabalhando contra a graça de Deus e morrendo antes da hora.

Repensemos a nossa vida, os nossos valores, onde estamos gastando o nosso tempo, o nosso dinheiro, as nossas energias. Tenhamos a coragem de visitar a figueira da nossa vida afetiva, familiar, relacional, comunitária e espiritual. Desfaçamo-nos das desculpas mentirosas que damos a nós mesmos para continuar nos enterrando vivos a cada dia. Saiamos do pessimismo, do derrotismo, do vitimismo, e assumamos a responsabilidade por nós mesmos, não esperando que os outros façam por nós aquilo que somente nós podemos fazer: voltar a desejar viver; sanar as nossas raízes e desobstruir internamente os nossos galhos, para que eles voltam a produzir os frutos de que são capazes, segundo a fecundidade do Espírito Santo que nos habita.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 10 de março de 2022

DEIXAR-SE EDUCAR POR DEUS É PERMITIR QUE ELE "CONDUZA" VOCÊ "PARA FORA"

 Missa do 2. dom. quaresma. Palavra de Deus: Gênesis 15,5-12.17-18; Filipenses 3,17 – 4,1; Lucas 9,28b-36.  

             

            Neste início de quaresma, a liturgia da Palavra nos falou da importância da oração em três momentos: 1) Antes de nos ensinar o Pai Nosso, Jesus disse que, quando oramos, precisamos saber que o Pai do céu conhece nossas necessidades antes que lhe peçamos alguma coisa (cf. Mt 6,8). 2) Fundamental na oração é a nossa persistência, a nossa perseverança: devemos pedir até receber, procurar até encontrar, bater até que a porta seja aberta (cf. Mt 7,7-8). 3) O fruto principal da oração é a nossa transfiguração, ou seja, é quando as nossas noites escuras são iluminadas por Deus, de modo a compreendermos que o nosso corpo, sujeito à morte, está destinado a se tornar um corpo glorioso, como o de Jesus.

            Como anda a nossa disposição para orar? A primeira coisa necessária para orar não é ter tempo, mas ter fé: “Aquele que se aproxima de Deus deve crer que ele existe e que recompensa os que o procuram” (Hb 11,6). Olhemos para a oração de Abraão. Ele estava vivendo uma crise de fé. Já fazia cerca de dez anos que estava caminhando com Deus, mas continuava sem filho e sem terra: “Meu Senhor, que me darás? Continuo sem filho...” (Gn 15,2). Assim como Abraão, nós também experimentamos dúvida, inquietação... Há quanto tempo caminhamos com Deus, sem receber aquilo que achamos que necessitamos; sobretudo, aquilo que Ele mesmo prometeu nos dar!? Abraão estava vivendo aquilo que na oração se chama de “noite escura”; o sentimento de ausência de Deus; a sensação de que tudo não passa de um grande engano, uma grande ilusão. Abraão estava começando a se decepcionar com Deus...

            Eis o fruto da oração de Abraão: “o Senhor conduziu Abraão para fora e disse-lhe: ‘Olha para o céu e conta as estrelas, se fores capaz!’ E acrescentou: ‘Assim será a tua descendência’” (Gn 15,5). Quando oramos com sinceridade e profundidade, nossa oração nos conduz “para fora” da nossa angústia, do nosso medo, da nossa noite escura. Ela abre nossos olhos, ampliando nosso horizonte de compreensão da vida. Quem não enxergava nada, agora vê no céu escuro da sua vida estrelas incontáveis, e compreende que a sua vida, pequena e aparentemente insignificante, está inserida num plano maior: ser pai de uma multidão, isto é, concretizar uma missão que nos foi confiada.

            “Abraão teve fé no Senhor” (Gn 15,6). “É por isso que, de um só homem, já marcado pela morte, nasceu a multidão comparável às estrelas do céu” (Hb 11,12). Ainda que nós estejamos “já marcados pela morte”, de nós pode nascer vida, tão abundante e intensa quanto as estrelas do céu, porque isso não depende de nós, mas de Deus, que na oração converte a nossa esterilidade em fecundidade, a nossa pequenez em grandeza, a nossa morte em vida. A oração se apoia na fé: Deus pode realizar aquilo que nos promete; Ele pode, da morte, fazer nascer vida.  

            Muito parecido com Abraão, Jesus também se coloca em oração. Ele havia acabado de dizer aos seus discípulos estar ciente da aproximação da sua morte. Com essa inquietação no coração, “Jesus levou consigo Pedro, João e Tiago, e subiu à montanha para rezar” (Lc 9,28). Quanto mais nossa oração nascer a partir daquilo que estamos experimentando, melhor. Não se trata rezar orações “prontas”, mas de procurar levar para a oração aquilo que temos em nossa alma, em nosso coração: preocupações, medos, angústias, inquietações, assim como também alegria, gratidão, paz, louvor... E ao falar com o Pai sobre seu estado de alma perante a consciência de que sua morte estava se aproximando, Jesus foi transfigurado: “Enquanto rezava, seu rosto mudou de aparência e sua roupa ficou muito branca e brilhante” (Lc 9,29).

            A oração não é o momento em que fugimos da vida e daquilo que temos que enfrentar, mas o momento em que falamos com o Pai sobre aquilo que estamos enfrentando, deixando-nos educar por Ele. A mudança no rosto e na roupa de Jesus refletiu a mudança no seu coração: o Pai ensinou ao Filho que sua morte de cruz tinha um sentido redentor. Além disso, sua vida não terminaria na cruz, mas se abriria para a ressurreição, cuja garantia já estava lhe sendo dada naquela oração. O brilho que resplandeceu na face e na roupa de Jesus era o brilho antecipado da ressurreição.

            Onde nós ficamos em tudo isso? “Deus fez brilhar em nossos corações a sua glória, glória que resplandece na face de Cristo. Trazemos, porém, este tesouro em vasos de barro” (2Cor 4,6-7). Ainda que sejamos vasos de barro – pessoas frágeis, expostas a diversos sofrimentos e à própria morte – carregamos dentro de nós a luz da glória de Deus que resplandeceu na face de Cristo, o que significa que estamos destinados à transfiguração: “Somos cidadãos do céu. De lá aguardamos o nosso Salvador, o Senhor, Jesus Cristo. Ele transformará o nosso corpo humilhado e o tornará semelhante ao seu corpo glorioso, com o poder que tem de sujeitar a si todas as coisas” (Fl 3,20-21). Enquanto nosso mundo inventa diversas formas de maquiar a desfiguração que a morte diariamente provoca em nós, somos convidados a não viver como pessoas mundanas, meramente terrenas – “cujo deus é o estômago” (Fl 3,19) – mas a cuidarmos do tesouro que carregamos dentro do nosso vaso de barro, que é a nossa cidadania celeste.

            A educação é um processo de transfiguração. “Educar” vem do latim “educere”, que significa literalmente “conduzir para fora” ou “direcionar para fora”. Ao “conduzir” Abraão “para fora”, Deus o educou a confiar nas Suas promessas. Ao transfigurar Jesus diante dos discípulos, o Pai educou tanto o Filho quanto seus discípulos a enfrentarem a desfiguração da cruz. Educar uma pessoa significa “conduzi-la para fora” da sua ignorância e de tudo aquilo que a desfigura. Muitas famílias precisam ser “direcionadas para fora” da sua situação de desfiguração. Cada um de nós, assim como a nossa comunidade, deve abraçar a missão de educar, de ajudar cada pessoa a tornar-se consciente dos valores que a habitam e que precisam ser “direcionados para fora”, para que ela realize sua missão no mundo.

Enfim, não nos enganemos: a transfiguração é um processo lento. Assim como a desfiguração não acontece de uma hora para outra, assim a transfiguração precisa de tempo, de paciência, de perseverança; acima de tudo, de constante oração ao Pai, fonte de transfiguração para todo filho Seu.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 4 de março de 2022

ENFRENTAR NOSSAS RESISTÊNCIAS À MUDANÇA

 Missa do 1º. dom. da quaresma. Palavra de Deus: Deuteronômio 26,4-10; Romanos 10,8-13; Lucas 4,1-13.

 

Na quarta-feira iniciamos o tempo da Quaresma, tempo em que a Palavra de Deus nos chama de maneira mais intensa à conversão, à mudança de pensamento e de atitude, à mudança de vida. Deus acredita na possibilidade que todo ser humano tem de mudar. No entanto, essa mudança leva tempo (simbolicamente, 40 dias!) e exige de nós perseverança.

O Evangelho que narra as tentações de Jesus durante a Sua quaresma está aí para nos tornar conscientes de que a nossa busca por mudança vai se confrontar com a força do maligno, o qual não deseja de modo algum a nossa conversão. Ele fará de tudo para ativar as nossas resistências à mudança e tentará nos convencer de que a volta para Deus é perda de tempo. Portanto, essa volta só se dará se estivermos convencidos interiormente de que ela não é somente possível, mas principalmente necessária para a nossa vida, para a nossa salvação: “Voltai-vos para mim e sereis salvos, homens todos dos confins de toda a terra” (Is 45,22).  

Jesus “foi tentado pelo diabo durante quarenta dias” (Lc 4,2), uma indicação simbólica para falar que Jesus, assim como qualquer ser humano, foi tentado durante toda a sua vida. Enquanto estivermos sobre esta terra, seremos tentados. Além de sermos tentados por nossa própria natureza humana, que tem as suas manhas e que busca se mover pela lei do menor esforço, também somos tentados por um mundo que rejeita o compromisso, a fidelidade, a constância, a santidade e, sobretudo, a cruz, o sofrimento.   E o maligno sabe a hora certa de nos tentar: a hora em que nos sentimos carentes, em que não estamos bem, em que sentimos falta de algo. E sua proposta é muito concreta: “Manda que esta pedra se transforme em pão” (Lc 4,3).

Por trás desta primeira tentação está a proposta enganadora de que você não precisa sentir fome, não precisa sofrer carência alguma. Sua fome é legítima e você tem o direito de satisfazê-la, não importa como: os fins justificam os meios. Desse modo, nós nos tornamos pessoas meramente instintivas. Nossa fome “manda” em nós. Nossa carência “determina” nossas atitudes. Tudo o que existe e todas as pessoas à nossa volta se tornam “pães” a serem comidos, devorados, consumidos por nós. Na verdade, a proposta do maligno – “não ter que sentir fome” – significa “não ter que sofrer”. Para um mundo como o nosso, que centra tudo no prazer, no bem-estar, não ter que sofrer é tudo o que as pessoas mais desejam.

No entanto, Jesus nos ensina a dialogar com essa tentação: “Não só de pão vive o homem” (Lc 4,4). O sentido da vida não está em não sofrer, mas em permanecer fiel àquilo que é verdadeiro, justo e bom, – permanecer fiel à nossa própria missão – ainda que essa fidelidade nos cause algum sofrimento. Além disso, existe uma fome em nós que nem a comida, nem o dinheiro, nem o sexo podem saciar. Nós somos muito mais do que o nosso estômago, dos que os nossos instintos. Satisfazer todas as nossas necessidades não significa ser feliz, nem estar em paz, muito menos ter um sentido para viver. “Cada vez mais as pessoas têm um ‘como’ viver, mas elas não têm um ‘porque’ viver” (Victor Frankl).

Para não sermos arrastados por nossas carências, pela desordem dos nossos afetos, precisamos fazer como Jesus: dialogar com a nossa fome e escolher a melhor forma de lidar com ela, de modo que não seja ela a determinar as nossas atitudes, mas a nossa consciência, o nosso desejo de nos mantermos fiéis à missão que nos foi confiada. 

Na segunda tentação, “o diabo levou Jesus para o alto, mostrou-lhe por um instante todos os reinos do mundo e lhe disse: ‘Eu te darei todo este poder e toda a sua glória (...). Portanto, se te prostrares diante de mim em adoração, tudo isso será teu’” (Lc 4,5-7). Nós não gostamos de nos sentir fracos, pequenos, assim como não gostamos de ser ignorados pelo mundo. Sabendo disso, o tentador nos promete força, poder, grandeza, glória, projeção social; ele nos promete tirar do lugar baixo e insignificante em que julgamos estar e nos colocar no topo, no lugar mais alto, onde seremos vistos e aplaudidos pelo mundo. O problema é que, além de nos tornarmos escravos de uma competição desumana, fazendo dos outros degraus para subirmos na vida, destruindo todos aqueles que nos ameaçam nessa “subida”, nós nos tornamos escravos do maligno: “Se te prostrares diante de mim em adoração, tudo isso será teu” (Lc 4,7). Quem não conhece os escravos do trabalho, escravos do dinheiro, escravos do sucesso e da fama, escravos dos likes e do número de seguidores nas redes sociais?

Jesus desmascarou a mentira do tentador: “Adorarás o Senhor teu Deus, e só a ele servirás” (Lc 4,8). A chave para não cairmos nessa tentação está em ordenar os nossos afetos, colocando Deus em primeiro lugar em nossa vida e procurando usar das coisas tanto quanto elas nos aproximam de Deus, ao mesmo tempo em que nos afastamos delas tanto quanto elas nos afastam d’Ele. Quando fazemos isso, nossa vida se torna mais leve, mais simples. Deixamos de ser adoecidos por falsas urgências e mantemos o foco naquilo que é essencial e onde está a nossa paz.

A terceira tentação de Jesus tem um caráter fortemente religioso: “O diabo levou Jesus a Jerusalém, colocou-o sobre a parte mais alta do Templo, e lhe disse: ‘Se és Filho de Deus, atira-te daqui abaixo! Porque a Escritura diz: Deus ordenará aos seus anjos a teu respeito, que te guardem com cuidado!’” (Lc 4,9-10). Nós caímos nessa tentação sempre que procuramos colocar Deus a serviço dos nossos caprichos; sempre que nos consideramos inatingíveis, acima do bem e do mal; sempre que vivemos de maneira irresponsável, esquecendo-nos de que tudo na vida tem consequências.

Eis a resposta de Jesus: “Não tentarás o Senhor teu Deus” (Lc 4,12). Deus nos deu inteligência e liberdade. Não podemos usar delas para ter atitudes inconsequentes e depois nos fazermos de vítimas diante do sofrimento que provocamos a nós mesmos. Trata-se de viver a vida como uma pessoa adulta, madura e responsável, e não como um adulto infantilizado, que vive responsabilizando os outros pela sua infelicidade. Por mais que Deus nos ame e seja misericordioso, Ele nos confrontará com as consequências das nossas atitudes, pois isso é uma questão de justiça e de lógica: sempre colheremos aquilo que plantarmos.

Enfim, depois que Jesus venceu as tentações, o Evangelho nos diz que “o diabo afastou-se de Jesus, para retornar no tempo oportuno” (Lc 4,13). A mesma coisa acontece conosco: sempre há um tempo oportuno para a tentação voltar, porque nós sempre estamos lidando com a nossa liberdade, fazendo escolhas e tomando decisões. Por isso, nossa luta contra o mal tem a exata duração da nossa existência, e certamente se intensificará quando estivermos perto do momento da nossa morte, como aconteceu com Jesus. Ali será a última chance de o tentador procurar nos fazer renegar a fé. Portanto, sejamos humildes e realistas. Peçamos diariamente a graça de não cairmos em tentação.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quarta-feira, 2 de março de 2022

QUAIS POSSIBILIDADES EXISTEM DE VOCÊ MUDAR?

 Missa de Cinzas. Palavra de Deus: Joel 2,12-18; 2Corpintios 5,20 – 6,2; Mateus 6 1-6.16-18.

 

Há um ditado popular muito perigoso, quando usado para justificar a descrença na possiblidade de as pessoas mudarem: “Pau que nasce torto, morre torto”. A questão é que nenhum ser humano nasce “torto”, mas pode tornar-se “torto” a partir de atitudes erradas.

Hoje estamos iniciando nosso tempo de Quaresma, tempo em que a Palavra de Deus nos chama de maneira mais intensa à conversão, à mudança de pensamento e de atitude, à mudança de vida. Mas, que chance tem uma pessoa de mudar? Nós acreditamos que podemos mudar? Essa mudança depende de fatores externos ou de convicções internas?

Deus acredita na possibilidade que todo ser humano tem de mudar. Se não fosse assim, Ele não nos chamaria à conversão: “Voltai para mim com todo o vosso coração” (Jl 2,12). Concretamente, voltar-se para o Senhor significa ser salvo: “Voltai-vos para mim e sereis salvos, homens todos dos confins de toda a terra” (Is 45,22). A questão é saber se a pessoa que está se perdendo ou que se perdeu têm consciência de que precisa ser salva, e se ela tem convicção interior de que pode mudar, de que pode iniciar um caminho de volta para Deus e para a Sua salvação.

A conversão, a volta para o Senhor, não se dá de maneira imediata, de um dia para outro ou de uma semana para outra. O caminho da volta será tão longo quanto foi o caminho da ida. Quem está há 100km de distância da outra pessoa não tem como voltar para ela imediatamente, mas precisa percorrer um caminho de 100Km, até reencontrar-se com a pessoa de quem havia se distanciado. Biblicamente, o percurso da volta é simbolizado pelo número 40. Quarenta dias simboliza o tempo que precisamos para mudar nossos hábitos, para aprendermos a ver a vida de outra maneira, para fortalecer a nossa convicção de que viver segundo a vontade de Deus é muito melhor para nós do que viver segundo a vontade do nosso egoísmo.

A chance da mudança e de salvação em quarenta dias foi dada aos ninivitas, e eles souberam aproveitá-la muito bem! “Dentro de quarenta dias, Nínive será destruída” (Jn 3,4). Para surpresa de Jonas, a cidade acolheu suas palavras e se converteu, mudando o seu destino de destruição em destino de salvação. Quantas vezes a vida nos faz a mesma advertência? “Se você não mudar de atitude, sua vida continuará a caminha na direção do abismo da destruição”. Apesar dessa advertência, muitos desperdiçam sua chance de mudança, jogam fora sua possibilidade de renascimento, tornam inútil esse período sagrado de quarenta dias! Daí o conselho do apóstolo Paulo: “Como colaboradores de Cristo, nós vos exortamos a não receberdes em vão a graça de Deus, pois ele diz: ‘No momento favorável, eu te ouvi e no dia da salvação, eu te socorri’. É agora o momento favorável, é agora o dia da salvação” (2Cor 6,2).

Jesus também viveu sua quaresma. Antes de iniciar sua missão, ele ficou no deserto quarenta dias, jejuando e orando. Como veremos domingo, ali ele também foi tentado pelo diabo (cf. Lc 4,1-13). Recordar esse fato é importante no início da nossa quaresma. Precisamos estar cientes de que a nossa busca por mudança, o nosso desejo de chegarmos à Páscoa como homens e mulheres renovados pela graça de Deus vai se confrontar com a força do maligno, o qual não deseja de modo algum a nossa conversão. Ele fará de tudo para ativar as nossas resistências à mudança e tentará nos convencer de que a volta para Deus é perda de tempo. Portanto, essa volta só se dará se estivermos convencidos interiormente que ela não é somente possível, mas principalmente necessária para a nossa vida, para a nossa salvação.

No Evangelho de hoje, Jesus nos convida à mudança na forma como nos relacionamos com o próximo (esmola), conosco mesmos (jejum) e com Deus (oração). Em relação ao próximo, é preciso evitar o individualismo e a indiferença e nos abrir às suas necessidades. Em relação a nós mesmos, é preciso passar do “eu quero” para o “eu devo” – quem faz só aquilo que lhe dá prazer não chega a lugar nenhum; quem faz aquilo que deve, mesmo quando isso não lhe dá prazer, atinge sua meta de crescimento humano e espiritual. Por fim, em relação a Deus, é preciso exercitarmos nossa vida de oração. Não se reza porque se tem vontade. Se reza porque se tem a convicção de quem, sem Deus, nada podemos. Se reza porque o barro só pode se tornar um vaso novo se se colocar diariamente nas mãos do Oleiro.

Durante a Quaresma, a Campanha da Fraternidade nos convidará a refletir sobre a educação. Deus nos educa como um pai a seu filho (cf. Dt 8,5). Jesus veio nos ensinar, por meio de suas palavras (cf. Mc 2,21; 4,1; 6,2.6; 8,31; 10,1 etc.). O Espírito Santo é o educador (cf. Sb 1,5). Educar é acreditar na possibilidade que todo ser humano tem de sair da ignorância, de humanizar-se, de tornar-se melhor e mais capaz, de descobrir suas potencialidades, de aprender a fazer o bem e deixar de fazer o mal...

“A realidade da educação nos interpela e exige de nós uma profunda conversão. Temos que mudar nossa mentalidade, reorientando nossa vida, revendo nossas atitudes e buscando caminhos que promovam o desenvolvimento pessoal integral, a formação para a vida e para a cidadania. Educação é um indispensável serviço à vida. É preciso aprender a amar, a perdoar, a cuidar, a curar, a dialogar e a servir a todos. Educar é construir a verdadeira fraternidade alicerçada na justiça e na paz, e isso será possível à medida em que Cristo, que nos libertou do egoísmo, for tudo em todos” (Texto base da CF 2022).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi