segunda-feira, 28 de junho de 2021

TOME CUIDADO AO COMEMORAR A MORTE DE UM CRIMINOSO!

 

As redes sociais estão cheias de pessoas que se julgam “do bem” comemorando a morte de Lázaro Barbosa, baleado e morto em Goiás no 20º. dia de buscas. Segundo o G1, “ele era procurado por uma força-tarefa policial desde o dia 9 de junho após matar uma família em Ceilândia, no DF. Aos 32 anos, Lázaro já tinha extensa ficha criminal, fugiu três vezes da prisão e era acusado de diversos crimes desde 2007”.

 

Muito antes de Lázaro ser morto pela polícia, não poucas pessoas que se jugam “do bem” aproveitaram do seu último crime para defenderem, em suas redes sociais, o armamento da população. São pessoas supostamente cristãs, que defendem três valores: Deus, Pátria e Família. No entanto, ou elas desconhecem ou se esquecem do que nos ensinam as Escrituras a respeito da defesa da violência como remédio contra o mal que sempre esteve presente na história humana.

 

Depois de ter matado seu soldado Urias com a espada dos amonitas, para ficar com sua mulher, Davi ouviu do profeta Natã a seguinte profecia: “Você assassinou Urias com a espada dos amonitas. Pois bem! A espada nunca mais se afastará de sua família...” (2 Samuel 12,9-10). A partir daí, a violência e a morte entraram na casa de Davi. Primeiro, um dos seus filhos (Ammon) estuprou a própria irmã (Tamar). Para vingar o estupro da irmã, um outro filho de Davi (Absalão) armou uma emboscada e matou Ammon (cf. 2 Samuel 13,28-39). Mais tarde, Absalão tomou o trono de seu pai, Davi, mas acabou sendo morto pelo exército do rei (cf. 2 Samuel 15,1 – 19,9), coisa que Davi jamais quis. Conclusão: Davi teve sua casa manchada de violência e de morte, com uma filha estuprada e dois filhos assassinados. 

 

Mais do que essa triste página da história do rei Davi, devemos ter em nossa memória a séria advertência de Jesus, no momento em que foi preso pelos guardas do templo e um dos seus discípulos puxou da espada e cortou a orelha do empregado do sumo sacerdote: “Guarde a espada na bainha. Pois, todos os que usam a espada, pela espada morrerão” (Mateus 26,52). Guardar a espada na bainha significa buscar outras formas de se lutar contra o mal que não seja usando seus mesmos métodos. Guardar a espada na bainha significa que, se os pagãos são pessoas que pagam o mal com o mal, os cristãos devem ser diferentes e terem plena consciência de que o Salvador deles jamais propagou a violência como solução para problemas sociais.

 

Portanto, antes de você levantar sua espada e comemorar nas redes sociais a morte de um criminoso, guarde-a na sua bainha e reflita o quanto o mal habita dentro de você, o quanto Lázaro mora dentro de você, o quanto você já se desumanizou, o quanto você tem se afastado do verdadeiro Messias e do verdadeiro Evangelho para se tornar discípulo(a) de falsos messias e de falsos evangelhos que defendem a violência como forma de acabar com a violência.  Não se esqueça: quem defende o extermínio de pessoas más, porque julga-se uma pessoa boa, experimentará o extermínio em sua própria vida, pois nenhum ser humano é totalmente bom ou totalmente mau. Todos nós estamos adoecidos e contaminados pelo ódio e pela violência.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

 


quarta-feira, 23 de junho de 2021

"MINHA FÉ É MINHA MÃO PARA TOCAR EM DEUS"

 Missa do 13. dom. comum. Palavra de Deus: Sabedoria 1,13-15; 2,23-24; 2Coríntios 8,7.9.13-15; Marcos 5,21-43.

 

A pandemia da Covid 19 impôs o distanciamento entre as pessoas. Enquanto a vacina não chegar a todos, o distanciamento e o uso de máscaras serão necessários para salvar vidas – a nossa e a dos outros. Essa imagem do distanciamento, do não poder aproximar-se e do não poder tocar nas pessoas, contrasta com a cena do Evangelho de hoje: Jesus se encontra comprimido por uma multidão, enquanto caminha para a casa de Jairo, a fim de curar sua filha que está gravemente enferma.

“Ora, achava-se ali (no meio daquela aglomeração onde era praticamente impossível chegar perto de Jesus) uma mulher que, há doze anos, estava com uma hemorragia” (Mc 5,25). Recorrendo às poucas forças que ainda possuía, ela conseguiu passar pelo meio da multidão e aproximar-se de Jesus, por trás. Seu gesto foi tocar na sua roupa: “Ela pensava: ‘Se eu ao menos tocar na roupa dele, ficarei curada’. A hemorragia parou imediatamente, e a mulher sentiu dentro de si que estava curada da doença” (Mc 5,28-29). Qual é a hemorragia que está fazendo morrer meu relacionamento, minha família, meu filho? Qual é a hemorragia que hoje tinge de vermelho (de sangue) a bandeira do Brasil? Qual é a hemorragia que está esgotando minha fé e minha esperança?

Há um contraste entre esta mulher e a multidão que comprime Jesus. Muitos conseguem chegar bem perto dele e tocá-lo, mas somente esta mulher é curada! Por que? Por causa da sua fé! Não se trata do toque físico. Não se trata de estar perto fisicamente de Jesus e de pedir que ele toque em nós. Quantos de nós não apenas temos o privilégio de estar “perto” de Jesus participando de uma celebração eucarística e, inclusive, de receber seu Corpo na Eucaristia!? Nem por isso somos curados! Não foi o tocar na roupa de Jesus que curou aquela mulher, mas sua fé! Podemos estar dentro da Igreja e não ter fé. Podemos ouvir o Evangelho e comungar Jesus na Eucaristia e não ter fé!

Quando aquela mulher tocou na roupa de Jesus, “Jesus logo percebeu que uma força tinha saído dele” (Mc 5,30) e quis saber quem o havia tocado. Os discípulos acharam a pergunta de Jesus absurda! Uma multidão o comprimia! Muitos estavam tocando nele! Sim, muitos, mas ninguém com aquela fé que levou a mulher a atravessar a multidão e tocar na roupa de Jesus com a certeza de bastava aquilo para que ficasse curada. Quanto, então, a mulher se revela, Jesus lhe diz: “Filha, a tua fé te curou. Vai em paz e fica curada dessa doença” (Mc 5,34). Não é Jesus quem nos cura, mas a nossa fé nele! “Minha fé é minha mão para tocar em Deus”. Sem fé, ainda que pudéssemos tocar fisicamente em Jesus, isso de nada nos valeria. Mas a fé, quando verdadeira, dispensa o toque físico; ela se torna uma mão que se estende o suficiente para alcançar Deus, e para receber d’Ele a vida!

Contudo, a morte não se dá por vencida! Ela insiste em se impor. Na mesma hora em que Jesus está falando com aquela mulher, chegam alguns trazendo a triste notícia a Jairo: “Tua filha morreu. Por que ainda incomodar o mestre?” (Mc 5,35). Também para nós, as notícias a respeito da morte não param de chegar. Tornou-se comum entrar em nossas redes sociais e vermos a palavra “Luto”: “luto pai”, “luto mãe”, “luto irmão”, “luto avó”, “luto amigo” etc. A morte não desiste de ser notícia diária em nosso País, causada pela Covid, pelo câncer, por acidentes, por suicídio, pela violência, por inúmeras outras doenças etc.

“Jesus ouviu a notícia e disse ao chefe da sinagoga: ‘Não tenhas medo. Basta ter fé!’” (Mc 5,36). A muitos de nós, tomados de angústia, de medo ou de pânico perante a morte que todos os dias se mostra muito perto de nós, Jesus aconselha: “Não se deixe morrer por dentro. Mantenha sua fé viva!”. Mas como podemos manter nossa fé viva quando a dor da morte nos atinge de tantas maneiras? Tendo em nosso coração uma certeza: “Deus não fez a morte, nem tem prazer com a destruição dos vivos” (Sb 1,13). Ainda que muitas mortes aconteçam em nosso País devido às injustiças sociais, devemos ter a certeza de que “a justiça (de Deus) é imortal” (Sb 1,15). Essa justiça se manifestará na ressurreição (cf. Dn 12,2; Jo 5,28-29), onde cada um será julgado se trabalhou em favor a vida ou em favor da morte, no mundo ao seu redor.  

Enfim, o livro da Sabedoria nos faz uma revelação importante: “Foi por inveja do diabo que a morte entrou no mundo, e experimentam-na os que a ele pertencem” (Sb 2,24). Muitas mortes não acontecem de maneira natural, mas são programadas e facilitadas para que aconteçam. Quando, num contexto de pandemia, pessoas incentivam a aglomeração, fazem campanha contra o uso de máscara, divulgam informações falsas e negam a ciência, elas estão colaborando com o diabo, autor da morte. Embora muitas delas se consideram cristãs, suas atitudes facilitam a disseminação da morte.   

Porque Deus ama a vida, enviou seu Filho ao mundo para que tenhamos vida em plenitude (cf. Jo 10,10). Cada milagre de Jesus testemunha que Ele veio não somente nos comunicar vida, mas, sobretudo, nos dar a vida eterna. Desse modo, ao entrar na casa de Jairo, Jesus se dirige ao quarto onde estava a criança morta, pega em sua mão e lhe diz: “Menina, levante-se!” (Mc 5,41). “Ela levantou-se imediatamente e começou a andar, pois tinha doze anos. E todos ficaram admirados” (Mc 5,42). Se é verdade que nossa fé é nossa mão para tocar em Deus, Jesus nos toma pela mão e nos diz: “Levante-se!” Levante-se do seu mundo fechado no individualismo e trabalhe pela vida; defenda a vida e não se dê por vencido(a) diante da morte. Busque-me com sua fé! Eu te levanto para que trabalhemos juntos pela defesa da vida!

 

            Oração: Senhor Jesus, eu me encontro em meio a uma multidão de pessoas feridas, desorientadas, cansadas, sedentas de vida. Há uma hemorragia em mim, adoecendo-me, sugando minhas forças e aproximando-me da morte. Não consigo estancar essa hemorragia que provoca anemia na minha família, na vida dos meus filhos, no meu ambiente de trabalho, na Igreja e na política de vários países do mundo. Eu preciso de fé, Senhor! Preciso que minha fé se fortaleça e me aproxime de Ti, do teu amor que tudo pode curar. Permita-me tocar em Ti com minha fé e receber a graça da cura, da libertação, da transformação que eu tanto necessito. Estende tua mão sobre nossas famílias, nossas cidades, nosso País e levanta-nos! Tira-nos da prostração diante da tristeza, do pessimismo e da morte e levanta-nos pela graça do teu Santo Espírito, para que possamos trabalhar em favor da vida e da esperança. Amém!

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

 

quinta-feira, 17 de junho de 2021

COMO LIDAR COM AS TEMPESTADES DA VIDA?

 Missa do 12. dom. comum. Jó 38,1.8-11; 2Coríntios 5,14-17; Marcos 4,35-41.

 

            A existência do mal questiona a existência de Deus. As diversas maneiras como o mal, o sofrimento e a dor se manifestam no mundo – acidentes, catástrofes, doenças, violência, guerras, injustiças, sofrimentos e, sobretudo, a pandemia do coronavírus – questionam a aparente ausência de Deus, Seu aparente silêncio, Sua aparente indiferença diante da tempestade que nos atinge neste momento. “Mestre, estamos perecendo e tu não te importas?” (Mc 4,38). Essa pergunta está dentro de muitos de nós. Crianças e jovens estão morrendo de câncer; inúmeras pessoas estão morrendo de Covid; nosso País é campeão em desigualdade social, violência e assassinatos; muitas crianças estão sofrendo abuso sexual dentro de casa; pessoas estão morrendo de fome, sobretudo no continente africano, e Deus não se importa???!!!

            Na Bíblia nós encontramos o livro de Jó, um livro escrito para desfazer uma lógica absurda, enganadora e perversa: o bem acontece para as pessoas boas e o mal acontece para as pessoas más. Em outras palavras, tudo o que acontece com você é porque você fez por merecer. Mas a história de Jó vem desmentir essa afirmação injusta e absurda. Nem sempre o sofrimento que passamos foi provocado por nós. Nem sempre a tempestade que nos atinge foi provocada por nossas atitudes. A verdade é que a vida não poupa ninguém de dor e de sofrimento. Todos sofrem, mas cada um escolhe a maneira de lidar com o sofrimento; cada um escolhe como vai enfrentar a tempestade que se abateu sobre sua vida.

            A leitura que ouvimos começa afirmando que “o Senhor respondeu a Jó, do meio da tempestade” (Jó 38,1). Deus fala conosco em nossos sofrimentos. Deus está falando conosco do meio das tempestades pelas quais estamos passando, mas quem de nós O está ouvindo? O que será que Deus está à humanidade neste momento de pandemia? Deus falou com Jó, afirmando que Ele colocou um limite para a violência da tempestade que o atingia: “Marquei seus limites e coloquei portas e trancas, e disse: ‘Até aqui chegarás, e não além’” (Jó 38,10-11). Deus conhece nossos limites e sabe até onde podemos suportar a dor, o sofrimento. Além disso, o livro de Jó nos ensina que o mal e o sofrimento não têm poderes ilimitados sobre nós: eles só nos atingirão até onde Deus permitir (cf. Jó 1,12; 2,6), e o Pai só permite que o filho sofra se aquele sofrimento for necessário para o seu amadurecimento, para a sua correção, para a fortalecimento do seu caráter.

            Voltemos ao Evangelho. O momento em que Jesus orienta os discípulos a irem para a outra margem é “ao cair da tarde”. A tarde caiu na existência de muitas pessoas, ou seja, se fez noite, escureceu; a face de Deus se escondeu da vida de muitas pessoas. Elas sentem que foram jogadas dentro de uma noite escura, uma noite que parece não terminar. E mesmo sendo noite, mesmo estando escuro, Jesus quer que façamos uma travessia, quer que passemos para a outra margem.

            Passar para a outra margem tem uma ampla gama de significados. Ela pode dizer respeito ao nosso crescimento, à superação de um desafio, ao enfrentamento de um problema, a uma nova compreensão a respeito de nós mesmos, de Deus ou da vida. Esse passar para a outra margem é um movimento que deverá ser feito muitas vezes ao longo da nossa existência. Toda crise e todo problema que enfrentamos têm por objetivo nos lançar para frente, nos direcionar para a outra margem, onde o horizonte da nossa vida se tornará mais amplo, mais claro, mais fecundo. E o mais importante é saber que Jesus está no mesmo barco que nós, fazendo a travessia conosco, enfrentando a mesma tempestade que enfrentamos.

            Mas, de onde veio essa tempestade? Que ventos contrários são esses que parecem surgirem do nada? Eles podem ser nossas próprias resistências interiores. Todos nós temos a tendência a nos acomodar na margem que estamos e não sentirmos disposição em fazer novas travessias. Achamos que já crescemos o suficiente, já temos os recursos que precisamos, já não somos tão jovens para nos aventurar em situações desconhecidas; a vida está boa como está. No entanto, Deus sabe que ainda temos o que crescer, o que aprender, o que amadurecer. E assim, Ele nos joga dentro do mar da vida e permite que tempestades venham acordar nossas forças adormecidas, ou venham nos fazer conhecer capacidades que pensávamos não termos dentro de nós. Quantas pessoas se tornaram “gigantes” só depois de terem sido jogadas dentro de uma tempestade?

            O grande problema das tempestades que enfrentamos na vida é que elas trazem consigo a tentação da perda de fé. “Por que Deus está permitindo isso na minha vida?” “Por que Ele não se manifesta e não Se levanta para me defender, para me salvar?” De fato, muitos salmistas questionaram Deus, que parece “dormir” enquanto estamos enfrentando situações muito difíceis: “Desperta e acorda para o meu julgamento, para a minha causa, Deus meu e Senhor meu!” (Sl 35,23). “Desperta! Por que dormes, Senhor? Levanta-te!” (Sl 44,24). “Desperta! Vem ao meu encontro e olha!” (Sl 59,5). “Despertai vosso poder, ó nosso Deus, e vinde logo nos trazer a salvação!” (Sl 80,3). 

            A atitude de Jesus de dormir durante a tempestade nos revela a sua confiança no Pai: “Não dorme nem cochila o guarda de Israel. O Senhor é o teu guarda... De dia o sol não te ferirá nem a lua de noite” (Sl 121,4.6). Diante do grito dos discípulos, Jesus “se levantou e ordenou ao vento e ao mar: ‘Silêncio! Cala-te!’ O ventou cessou e houve uma grande calmaria. Então Jesus perguntou aos discípulos: ‘Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?’” (Mc 4,39-40). Jesus sempre se levantará quando o invocarmos, quando gritarmos a ele em nossa oração! Mas ele questiona a nossa fé: ela não pode se traduzir numa constante fuga da realidade, num constante refugiar-nos ou retrocedermos diante dos ventos contrários. Nossa fé sempre será posta à prova. Por isso, Jesus deseja que ela aprenda a resistir e se transforme em persistência, em enfrentamento, em compromisso, em perseverança. “O vento pode soprar o quanto quiser; a montanha jamais de inclina diante dele” (provérbio chinês). Assim deve ser nossa fé. Como um bambu, nós até podemos envergar, mas jamais quebrar, diante dos ventos contrários!  

 

            Oração: Deus Pai, assim como o Senhor falou com Jó do meio da sua tempestade, fala comigo, neste momento em que enfrento também minhas tempestades. Quando a tarde cai e tudo fica escuro, guia-me por Tua voz. Desperta, Pai! Desperta a força do Teu braço e vem me salvar da falta de fé!

            Senhor Jesus, Tu me chamas a fazer a travessia, a ir para a outra margem. Desejas o meu crescimento; desejas ampliar o horizonte da minha vida. Sustenta-me diante dos ventos que sopram contrários. Não quero retroceder no meu caminho de fé. Quero resistir, perseverar, suportar, sem deixar de avançar na direção da outra margem. Torna-me capaz de avançar, apesar dos ventos contrários, confiando que Tu me farás chegar ao outro lado, pois navegas comigo no mar da vida, impulsionando-me com a força do teu Santo Espírito. Amém!

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 11 de junho de 2021

DA NOSSA ILUSÓRIA EFICIÊNCIA PARA A VERDADEIRA EFICÁCIA DE DEUS

 Missa do 11º. dom. comum. Ezequiel 17,22-24; 2Coríntios 5,6-10; Marcos 4,26-34

 

            Como você se encontra neste momento: animado (com ânimo, com alma, com esperança) ou desanimado (sem ânimo, sem alma, sem esperança)? Você se sente uma árvore verde ou uma árvore seca? Suas motivações dependem das condições externas (aquilo que se vê) ou da sua fé (aquilo que não se vê)?

            Jesus nos fala da maneira como Deus age em nossa vida: como uma semente que, ao ser enterrada, germina por si mesma. Na verdade, ela passa por um processo: germinar, crescer, tornar-se uma planta ou uma árvore e, por fim, produzir frutos. Esse processo supõe tempo. Esse tempo supõe confiança.

            O contrário da confiança é a ânsia em querer controlar, em achar que tudo depende do nosso esforço, da nossa eficiência, da nossa interferência no processo. Mas Jesus fala que, depois que o homem lança a semente na terra, ele não interfere no processo: “Ele vai dormir e acorda, noite e dia, e a semente vai germinando e crescendo” (Mc 4,27), sem que com o homem precisa interferir, controlar, provocar o crescimento. Depois de ter lançado a semente na terra, o homem dorme. Ele dorme porque confia no germinar da semente. Ele dorme porque sabe que não depende dele esse germinar.

            Muitos de nós não conseguem dormir sem tomar algum medicamento. Nossa ansiedade nos deixa em estado de alerta constante. Não nos permitimos desligar, desarmar, soltar as rédeas, confiar. Esquecemos de que nós não temos controle sobre tudo. Esquecemos de fazer como o salmista: “Em paz me deito e logo adormeço, porque só tu, Senhor, me fazes viver em segurança” (Sl 4,9). Esquecemos de nos confiar às mãos d’Aquele que não dorme, nem cochila, porque cuida de nós de dia e de noite (cf. Sl 121,4.6) e nos acompanha com Sua graça quer estejamos acordados, quer estejamos dormindo.

            Através dessa parábola, Jesus está nos questionando a respeito da confiança em Deus. Ele age em nós sem que possamos ver e controlar. Assim como uma semente enterrada no solo, assim o nosso Deus é um “Deus escondido” (Is 45,15), no sentido de que não podemos controlá-Lo, nem apressá-Lo. Ele tem Seu tempo para agir em nós e é nisso que temos que confiar. Sua Palavra é “viva e eficaz” (cf. Hb 4,12). A nós basta acolhê-la como a terra acolhe a semente; acolhê-la, confiar e esperar, até que o processo de cura, de mudança, de transformação aconteça em nós.

            Jesus nos desafia a substituir a nossa pretensa EFICIÊNCIA pela confiança na EFICÁCIA da graça de Deus em nós. Por nos esquecermos de que “se Deus não constrói a nossa casa, em vão nós trabalhamos” (SL 127,1), temos nos sobrecarregado de preocupações e esgotado nossas energias em querer manter tudo sob o nosso controle. Jesus nos convida a admitir a nossa insuficiência e a devolver a Deus o lugar que Ele deve ocupar em nossa vida. Ele é o Piloto do avião, e nós, quando muito, somos o copiloto. Quando invertemos esses papéis, a vida se torna pesada demais, nós nos esgotamos e não chegamos a lugar nenhum.     

            Neste mundo agitado e barulhento, cujas capitais se orgulham de serem cidades que não dormem, mas funcionam 24 horas por dia, precisamos parar e silenciar o coração na presença d’Aquele que habita no mais profundo de nós como uma semente no fundo da terra. Ele está agindo o tempo todo, de maneira oculta e silenciosa. Diante dessa verdade, proclamada por Jesus, precisamos nos lembrar de que “caminhamos na fé e não na visão clara” (2Cor 5,7). Nós cremos na presença de Deus escondida dentro de nós e confiamos na EFICÁCIA da sua graça em nossos corações, ainda que não possamos ver (controlar) o processo de transformação de nós mesmos em pessoas melhores.

            O Deus que “plantou” cada ser humano num determinado lugar da face da terra Se revela a nós dessa maneira: “Eu sou o Senhor, que abaixo a árvore alta e elevo a árvore baixa; faço secar a árvore verde e brotar a árvore seca. Eu, o Senhor, digo e faço” (Ez 17,24). Se por acaso nos tornamos pessoas altivas, arrogantes e autossuficientes, precisamos que o Senhor nos dê um corte e nos torne mais humildes e mais conscientes a respeito do nosso real tamanho. Se por acaso nos sentimos pequenos, diminuídos, humilhados por um mundo que só valoriza o que é grandioso, devemos entregar ao Senhor nossa situação de humilhação e esperar até que, no momento certo, Ele nos exalte (cf. 1Pd 5,6). Se nos julgamos uma árvore verde, cuja eficiência e cujo controle têm nos garantido uma vida bem sucedida, não nos esqueçamos de que essa árvore que somos pode vir a secar; nenhuma situação é definitiva neste mundo. Enfim, se estamos nos sentindo como uma árvore seca neste momento, confiemo-nos ao Senhor que pode fazê-la brotar novamente, pois nada Lhe é impossível!

 

            Oração: Pai, olho para o campo da minha vida. Quantas sementes já foram lançadas nele? Quantas vezes ouvi tua Palavra ao longo da minha vida? Confesso que algumas vezes perdi a confiança na tua graça, não respeitei o processo e deixei de confiar que os frutos viriam no tempo certo. Minha ansiedade e minha mania de querer controlar tudo só atrapalharam o meu sono e me esgotaram emocionalmente. Ensina-me a confiar absolutamente em ti. Tu és o Deus que se esconde dentro de mim, o Deus que eu não posso ver, nem controlar, mas em Quem devo confiar, entregando em tuas mãos o controle sobre a minha vida e o processo de transformação do meu coração. Visita a árvore que eu sou. Poda o que nela precisa ser podado; cura o que nela está doente; livra-a dos parasitas que sugam sua seiva e, sobretudo, torna verde aquilo que em mim secou, devolvendo-me confiança, serenidade, alegria e fé! Em nome de Jesus. Amém!

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi  

sexta-feira, 4 de junho de 2021

TRÊS INDICAÇÕES IMPORTANTES PARA A NOSSA VIDA

 Missa do 10. Dom. comum. Palavra de Deus: Gênesis 3,9-15; 2Cor 4,13-18 – 5,1; Marcos 3,20-35.

             Os textos bíblicos desta celebração nos trazem temas distintos, os quais contêm indicações importantes para a nossa vida. O primeiro tema – o pecado – nos oferece pistas sobre como podemos recuperar a nossa liberdade, de forma que o pecado não domine sobre nós. O segundo tema nos coloca diante de dois opostos: o visível e o invisível, o exterior e o interior, e nos recorda que “o essencial é invisível para os olhos” (Exupéry). O terceiro tema – a liberdade de Jesus diante das pessoas e a fidelidade à sua própria verdade – nos coloca uma pergunta: O que é mais importante: agradar as pessoas ou ser uma pessoa autêntica?

        1. A dinâmica do pecado e a compreensão errada de “liberdade” – Ao criar o ser humano, Deus lhe concedeu algo sagrado e precioso: a sua liberdade de escolha. No entanto, o ser humano tem a tendência de compreender a liberdade como: “Posso fazer tudo o que quero”. “Sim!”, responde o apóstolo Paulo, “Posso fazer tudo o que quero, mas nem tudo me convém. Posso fazer tudo o que quero, mas não me deixarei escravizar por coisa alguma” (1Cor 6,12). Em nome da liberdade, algumas pessoas prejudicam a si mesmas, ao meio ambiente e aos outros. Ao fazerem uso da sua liberdade, elas não se dão ao trabalho de refletir se aquilo “convém” à sua saúde, à sua alma, ao seu espírito, ao seu relacionamento, ao meio ambiente ou à humanidade. É uma liberdade separada da responsabilidade.

Todos querem ser livres, mas são poucos os que aceitam responsabilizar-se pelas escolhas que fazem na vida. Quando eu escolho algo, necessariamente tenho que rejeitar aquilo que é oposto ao que escolhi. Quando eu digo “sim” a alguma coisa, necessariamente tenho que dizer “não” àquilo que pode vir a destruir o que eu escolhi. E aí está o problema: pessoas imaturas não sabem dizer “não” a si mesmas e não aceitam que a vida lhes diga “não”. É próprio da geração moderna não escolher, não decidir, não assumir responsabilidades, mas a vida nos confronta o tempo todo com essa necessidade. A vida exige de nós escolhas, decisões, responsabilidade. São essas atitudes que nos fazem amadurecer como seres humanos e entender que não existe liberdade sem responsabilidade. Portanto, o pecado não consiste em simplesmente desobedecer a Deus, mas em sabotar-se como ser humano, em agir instintivamente, “reagindo” ao que lhe afeta e não se dando ao trabalho de refletir e de escolher que “resposta” você dará ao que está sentindo, ao que está afetando sua vida neste momento. 

2. Preocupa-nos mais como estamos por fora do que o que somos por dentro. Todos nós somos filhos do nosso tempo; todos sofremos as influências de uma sociedade onde a imagem é tudo e o conteúdo não importa. Não percebemos a grande contradição que é o nosso mundo: ao mesmo tempo em que se valoriza o corpo, os exercícios físicos, a alimentação saudável, o conforto e o bem-estar, nunca o ser humano esteve tão doente como hoje; doente no corpo, na alma e no espírito. Quantos de nós ainda estão conseguindo lidar com a vida sem tomar algum tipo de medicamento? Como afirmou o Papa Francisco, “não podemos pretender ser pessoas saudáveis num mundo doente como o nosso”.

A fonte do nosso adoecimento está na inversão de valores: cuidamos do externo e descuidamos do interno. Nos angustiamos com o fato de que exteriormente vamos declinando a cada dia – ninguém escapa disso! – ao invés de valorizarmos o nosso amadurecimento, a superação de atitudes infantis, a libertação de ideias, sentimentos e atitudes que nos atrapalham no responder ao que a vida está nos pedindo neste momento. Desperdiçamos energia lamentando aquilo que morre em nós a cada dia, ao invés de orientar essa mesma energia para gerar uma vida que tenha mais sentido, mais conteúdo, mais verdade, mais essência. Esquecemos de que, enquanto a nossa “tenda” (vida provisória) se desmancha com o passar do tempo, a nossa “casa” (vida eterna) está sendo preparada por Deus. É preciso colocar em ordem nossos valores, relativizando aquilo que é relativo e absolutizando aquilo que é absoluto.

3. O que é mais importante: agradar as pessoas ou ser autêntico(a)? Jesus era uma pessoa absolutamente livre das expectativas dos outros, das cobranças do mundo e das críticas que lhe faziam. Ele movia-se por convicções internas, não por pressões externas. Para Ele, ser um homem autêntico sempre foi muito mais importante do que agradar as pessoas que vinham procurá-Lo. O problema é que isso tem um preço: o preço do anonimato, o preço de uma certa solidão, o preço de ser ignorado pela maioria, o preço de não constar entre as 20 pessoas mais influentes do mundo, ou de nunca estar entre os 10 vídeos mais visualizados no Youtube.

Por ser uma pessoa autêntica, Jesus foi chamado de “louco” pelos seus próprios familiares, e de “possuído pelo demônio” pelos mestres da Lei religiosa de sua época. O quanto você é livre diante das expectativas das pessoas? O quanto você adoece e se anula para agradar as pessoas à sua volta? O quanto você se esgota e “se mata” na esperança de ganhar algum reconhecimento ou algum afeto de quem está à sua volta?

Muitas pessoas estão adoecendo por estarem sobrecarregadas, por carregarem fardos que não são delas, mas que aceitaram carregar para agradar os outros, para não dizerem “não” aos outros, com medo de perder o afeto deles. Jesus nos ensina que o mais importante na vida é você escutar a voz de Deus em seu interior e compreender qual tarefa a vida está lhe pedindo para realizar neste momento. Para ser fiel à tarefa que era sua, Jesus não teve receio de entrar em conflito com sua família e não permitiu ser rotulado pelos mestres da Lei de “homem possuído pelo demônio”. Aliás, é muito interessante constatar que o mesmo mundo que nos adoece tem a pretensão de nos dizer o que é ser saudável! O mesmo mundo que nos atormenta com os inúmeros demônios que inventa quer nos vender fórmulas mágicas de exorcismo!

Cada um de nós precisa aprender com Jesus a distanciar-se do barulho exterior e a ouvir o próprio interior. Cada um de nós pode aprender com Jesus a se desfazer de pesos que não nos cabem carregar e de tarefas que não nos competem, porque são responsabilidade dos outros. Cada um de nós pode aprender com Jesus a “fazer a vontade do Pai”, e a vontade do Pai não é que adoeçamos, que enlouqueçamos e nos desumanizemos; pelo contrário, o Pai quer que sejamos pessoas autênticas, verdadeiras consigo mesmas, pessoas que não se permitam ser adoecidas ou atormentadas por pressões e cobranças de um mundo que vive um estilo de vida doentio e escravo do espírito do mal.

 Pe. Paulo Cezar Mazzi