quinta-feira, 30 de agosto de 2018

É VOCÊ QUEM ESCOLHE E DECIDE, OU É O MUNDO QUE O FAZ POR VOCÊ?

Missa do 22º. dom. comum. Palavra de Deus: Deuteronômio 4,1-2.6-8; Tiago 1,17-18.21b-22.27; Marcos 7,1-8.14-15.21-23

            No tempo de Jesus havia uma separação religiosa considerada fundamental: as pessoas puras não deveriam se misturar com as pessoas impuras. No caso, os fariseus, que se consideravam puros, não se misturavam com os pagãos, considerados por eles como impuros. No entanto, Jesus nunca se preocupou com essa separação. Pelo contrário, ele quebrou propositalmente essa tradição por entender que quem precisa de médico são os doentes (cf. Mt 9,12), quem precisa de salvação são os perdidos (cf. Lc 19,10). Portanto, o lugar da Igreja, o lugar de todo discípulo de Jesus, é no meio das pessoas impuras, pessoas que são sistematicamente feitas impuras por uma sociedade injusta, que joga inúmeras pessoas na impureza da violência, do desemprego, da prostituição, da falta de acesso à saúde e à educação de qualidade.
            Essa distinção bíblica entre puro e impuro serve como alerta para nós, que vivemos numa época de inversão de valores, uma época onde tudo é propositalmente misturado para gerar confusão e embaralhar a consciência das pessoas, incentivando-as a ver tudo como “normal”, como “bom” e “válido”. Desse modo, aquilo que é doente deixa de sê-lo, e passa a ser visto apenas como “diferente”. Aquilo que é errado, mentiroso, injusto e destrutivo deixa de sê-lo, e passa a ser visto apenas como “diferente”. Se isso não bastasse, nessa sociedade de valores invertidos está proibido diagnosticar e tratar o doente! Está proibido corrigir o errado! Está proibido purificar o impuro! Quem se atrever a fazer isso será processado como preconceituoso.
            Mas, afinal de contas, como começou essa discussão de Jesus com os fariseus, a respeito do puro e do impuro? Ela começou com o fato de que alguns dos discípulos de Jesus “comiam o pão com as mãos impuras, isto é, sem as terem lavado” (Mc 7,2). Então, os fariseus foram questionar Jesus: “Por que os teus discípulos não seguem a tradição dos antigos, mas comem o pão sem lavar as mãos?” (Mc 7,5). A questão hoje é: o que suja as nossas mãos? Você tem trabalhadores que sujam as mãos na roça ou na indústria, mas cujo pão que comem em casa é um pão limpo, ganho com honestidade, e você também tem trabalhadores que estão com as mãos limpas, mas cujo pão que comem em casa é um pão sujo, ganho não à custa do suor do rosto, mas do roubo, da mentira, da trapaça, da corrupção. E se perguntarmos a Jesus quando é que nossas mãos são limpas e quando são sujas, ele certamente nos responderá: ‘Suas mãos são limpas quando, depois de terem recebido nelas o meu Corpo na Igreja (Eucaristia), essas mesmas mãos se estendem para tocar o meu Corpo na pessoa dos necessitados. Mas suas mãos são sujas quando, mesmo tendo recebido o meu Corpo na Igreja (Eucaristia), vocês desviam o olhar, recolhem as mãos e deixam de ser presença cristã junto aos que sofrem’.
            De fato, o apóstolo Tiago disse: “a religião pura e sem mancha diante de Deus Pai é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas tribulações e não se deixar contaminar pelo mundo” (Tg 1,27). Hoje nós vivemos um momento crítico em nossa Igreja: o fascínio pelo tradicionalismo. Não poucos jovens, seminaristas e padres rejeitam a Igreja do Papa Francisco – a Igreja segundo o Evangelho – e sonham com o retorno da Igreja da época da cristandade, uma Igreja reverenciada pelo mundo, uma Igreja ornada de ouro, onde seus ministros se revestem de paramentos caros e luxuosos na mesma proporção em que são vazios e se mantém distantes dos pobres e dos que sofrem. Diferente de Jesus e do Papa Francisco, que entendem a missão da Igreja como presença de salvação junto aos impuros desse mundo, a geração tradicionalista quer a volta de uma Igreja separada do mundo, distante dos conflitos da humanidade, fechada em si mesma, sentada no trono da sua arrogância e na sua presunção de se achar uma instituição “pura” no meio de um mundo “impuro”. Esse tipo de Igreja, além de ser uma traição ao Evangelho, é um desserviço à humanidade.
            Jesus, após rejeitar o tradicionalismo religioso dos fariseus, disse: “Escutai todos e compreendei: o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior” (Mc 7,20). Há uma verdade importantíssima aqui: nós não somos o que o mundo faz de nós; nós somos aquilo que decidimos fazer com o que o mundo nos oferece. Por uma questão de comodismo, muitas pessoas assumiram diante da vida uma postura de vítimas: a responsabilidade por elas serem impuras (infelizes, fracas, doentes, fracassadas) vem de fora: dos pais que as criaram, do ambiente em que cresceram, da escola em que estudam, do lugar em que trabalham, do país em que vivem. A teoria delas é essa: se o mundo fosse melhor, elas também seriam melhores.
Jesus, ao rejeitar esse tipo de desculpa esfarrapada, nos lembra que existe um espaço dentro de nós habitado pela liberdade e pela responsabilidade. Esse espaço se chama “coração” (ou “consciência”). Pelo fato de Deus nos ter dotado de liberdade e de responsabilidade, cabe a nós decidir não só o que “entra” em nós (influências externas), mas também o que “sai” de nós (atitudes, comportamentos). Sem dúvida, todos nós recebemos uma forte influência do mundo, principalmente da mídia e da tecnologia. Mas Jesus faz duas perguntas a cada um de nós: ‘O que há dentro de você: um filtro ou um esgoto? Sua consciência/seu coração funciona como um filtro ou como um esgoto?’ Enquanto o esgoto engole tudo (a ideia de que “tudo é válido”), o filtro separa o que presta do que não presta, o que convém daquilo que não convém, o que condiz com a sua condição de cristão e o que não condiz.
Muitas pessoas acham mais fácil “funcionar” como esgoto do que como filtro. Dá menos trabalho; no entanto, isso nos faz um mal imenso. Há muita coisa tóxica que tem se instalado dentro de nós porque pervertemos nosso filtro em esgoto. Neste sentido, a pior corrupção não é aquela que se encontra fora de nós, mas dentro: a corrupção dos nossos valores, a desorientação da nossa bússola interna, o seguir pela vida esperando que os outros, o destino ou a própria vida escolha e decida por nós, o deixar-se levar pela onda do momento, pelo “politicamente correto”. Jesus convida cada um de nós a assumir a responsabilidade por suas escolhas e por suas decisões. Ele nos convida a cuidar desse espaço sagrado em nós chamado coração/consciência, um espaço que precisa estar constantemente iluminado pela Palavra da verdade (cf. Tg 1,18), para poder discernir, separar o puro do impuro, o que presta do que não presta, o que convém daquilo que não convém a nós como seres humanos, como cristãos, como pessoas destinadas à vida eterna.                 

Oração: Senhor Jesus, andando pelo jardim da minha consciência e do meu coração, percebo a presença de ervas daninhas e de plantas tóxicas, que têm adoecido a minha alma e trazido confusão aos meus valores. Essas plantas nasceram em mim porque deixei de cultivar o meu jardim interior, deixei de fazer a limpeza do filtro da minha consciência, deixei de distinguir o certo do errado, o justo do injusto, o saudável do doentio.
Hoje quero agradecer a Palavra da verdade contida no teu Evangelho, Palavra que sou chamado(a) não só a ouvir, mas a colocar em prática (cf. Tg 1,22). Quero assumir o compromisso de me posicionar criticamente diante de tudo aquilo que o mundo me oferece. Quero, sobretudo, reassumir a direção da minha liberdade e da minha responsabilidade, fazendo as escolhas e tomando as decisões necessárias para a minha vida, sem esperar e, muito menos, permitir que o mundo escolha ou decida por mim.
Purifica minhas mãos, Senhor! Que o meu trabalho e as minhas atitudes sejam pautados pela honestidade. Que o meu comportamento seja justo. Que a minha vivência religiosa me leve para perto daqueles que sofrem e que precisam do meu sal e da minha luz. Enfim, que a minha presença neste mundo o ajude a se tornar menos impuro, menos injusto, menos corrompido, menos doente, mais fraterno, mais pacífico, mais saudável e mais digno para todos os seres humanos. Amém!

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

DIANTE DA VERDADE NÃO HÁ NEGOCIAÇÃO

Missa do 21º. dom. comum. Palavra de Deus: Josué 24,1-2a.15-17.18b; Efésios 5,21-32; João 6,60-69.

            “Muitos dos discípulos de Jesus que o escutaram, disseram: ‘Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?’ (...) A partir daquele momento, muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele” (Jo 6,60.66). Fale o que as pessoas gostam de ouvir, e você terá muita gente ao seu redor; fale o que as pessoas precisam ouvir, e você ficará com pouca gente perto de você.
            Nós somos pessoas melindrosas: basta que alguém diga algo que contrarie nossas ideias, que frustre nossas expectativas ou questione uma conduta errada da nossa parte e, pronto! A guerra está declarada, o relacionamento está abalado, a antipatia está criada, a pessoa é “deletada” dos nossos contatos... É assim que muitos de nós agimos hoje: nos rodeamos de pessoas que pensam como nós e nos distanciamos de quem pensa diferente de nós, inclusive dentro da Igreja. Mas, no caso da Palavra de Deus, Palavra encarnada em Jesus Cristo, a situação é muito mais séria, pois não se trata de nos distanciarmos de alguém que pensa diferente de nós; trata-se de nos distanciarmos d’Aquele é “a Verdade” (Jo 14,6), e recusar orientar-se pela verdade é algo desastroso para qualquer ser humano. Toda pessoa que rejeita a verdade de Deus a respeito de si e da vida acaba por destruir-se com as próprias mãos.
            Os muitos discípulos que deixaram de seguir Jesus o fizeram dizendo: “Esta palavra é dura”. É a Palavra que Deus que é dura, ou somos nós que somos “moles”, pessoas que não admitem ser questionadas e despertadas do seu estilo de vida doentio? É a Palavra de Deus que é dura, ou somos nós que temos a mania de “adaptá-La” forçadamente aos nossos interesses ao invés de nos convertermos à sua verdade? No mundo atual há um “mercado” religioso gigantesco. Você não precisa mais ficar preso a uma única igreja ou religião. Sempre que você escuta ou lê algo que fere seu ego, que o tira da fantasia e o coloca em contato com a realidade, você pode deixar aquela igreja ou religião e ir em busca de outra, que fale aquilo que confirma seu estilo de vida e sua maneira de pensar, ainda que você esteja construindo sua vida sobre a areia da mentira e não sobre a rocha da verdade.
            Os discípulos que deixaram de caminhar com Jesus não suportaram enfrentar a crise que a sua Palavra provocou neles. Nós, seres humanos, temos aversão a crises. Detestamos quando alguém nos fale algo que abala nossas certezas e enche nossa fé de questionamentos. No entanto, a melhor coisa que pode nos acontecer é passar por uma séria crise. É na crise que nos damos conta de que chegou a hora de deixarmos de ser infantis e passarmos a enfrentar a vida como adultos. É na crise, palavra ligada ao crisol, lugar onde se purifica o ouro e a prata, que o nosso olhar é purificado e nós passamos a enxergar de maneira mais límpida Deus, a vida e a nós mesmos. Toda fé que não aceita passar por crises é uma fé infantil, mimada, egocêntrica, uma fé que só mantém o relacionamento com Deus na medida em que não é frustrada por Ele.
            No entanto, Deus não está preocupado em não nos frustrar, mas em nos curar e nos fazer crescer, e não há cura nem crescimento sem crise. Por entender isso, Jesus não “negociou” com os muitos discípulos que reclamaram da “dureza” da sua Palavra; ele não modificou o conteúdo do seu ensinamento para que se tornasse mais adaptado à “preguiça espiritual” dos discípulos, mas os advertiu: “O Espírito é que dá vida, a carne não adianta nada. As palavras que vos falei são espírito e vida” (Jo 6,63). O sentido da nossa vida não está na “carne”, isto é, não está em reduzirmos os nossos sonhos e os nossos desejos aos caprichos e às manhas do nosso egoísmo. O sentido da nossa vida está em nos abrirmos ao Espírito, ao que Deus nos chamou a ser, ao que o seu Espírito quer realizar em nós por meio da Verdade, isto é, da Palavra que é espírito e vida, da Palavra que nos vivifica a partir de dentro.
            “Mas entre vós há alguns que não creem” (Jo 6,64). Entre o clero, entre os pregadores do Evangelho, há alguns que não creem, alguns que, apesar de terem perdido a fé e o sentido da vida presbiteral, se mantêm como padres ou bispos por status e, sobretudo, por sobrevivência econômica. Entre o clero também há aqueles que reduzem a pregação da Palavra a sermões moralistas, cuja exigência moral eles próprios não tocam nem com um dedo (cf. Mt 23,4). Entre nós, fiéis, também há alguns que não creem, alguns que não se deixam interpelar pela Palavra de Deus, alguns que, ao serem questionados pela Palavra, reagem dizendo: “Eu estou certo! Errada está a Palavra, errada está a Igreja”.
            Muito interessante a reação de Jesus, ao ver muitos dos seus discípulos o abandonarem. Serenamente, ele se volta para os doze apóstolos e lhes pergunta: “Vós também vos quereis ir embora?” (Jo 6,67). Muitas pessoas já se desencantaram com Deus, com Jesus e, sobretudo, com a Igreja; por que nós ainda estamos nela? Quase duas semanas depois de o Senado argentino rejeitar a proposta de legalização do aborto, centenas de argentinos pró-aborto fizeram uma renúncia coletiva ao catolicismo (https://g1.globo.com/mundo/noticia/2018/08/20/centenas-de-argentinos-fazem-renuncia-coletiva-ao-catolicismo.ghtml). Você também quer deixar de ser católico?
A pergunta de Jesus: “Vós também vos quereis ir embora?” (Jo 6,67) nos lembra que a fé, cada vez mais, é uma escolha pessoal, e não uma tradição familiar. Do mesmo modo, Josué havia proposto ao povo de Israel: “Se vos parece mal servir ao Senhor, escolhei hoje a quem quereis servir (...) Quanto a mim e à minha família, nós serviremos ao Senhor” (Js 24,15). Por mais intragável que seja, a verdade é que todo ser humano escolhe a quem servir; todo ser humano está debaixo de uma autoridade: quem não escolhe livremente colocar-se sob a autoridade de Cristo e da sua Palavra, acaba por sofrer uma autoridade imposta pelo maligno (cf. Rm 6,15-19).
            Pedro, representando os doze apóstolos, fez a sua escolha: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68). Assim como Pedro, nós, convivendo com inúmeras pessoas que escolheram sair da Igreja, motivadas inclusive por escândalos praticados por alguns representantes dessa mesma Igreja, dizemos: ‘Nós continuamos na Igreja porque ela nasceu de Jesus e dos apóstolos, e a ela foi confiada a Palavra de vida eterna. Estamos na Igreja por causa da Palavra de Jesus, e não por causa do esforço dos seus pregadores em viver segundo a Palavra, esforço, aliás, nitidamente perceptível como cada vez menor. Não continuamos na Igreja porque ela é uma instituição santa, impecável, mas porque ela é continuamente santificada por Cristo com a sua Palavra (cf. Ef 5,26), a mesma Palavra que irá julgá-la primeiramente, antes de julgar o mundo (cf. 1Pd 4,17)!’       

            Oração: Aqui estou, Senhor, diante da tua Palavra, Palavra dura, exigente, profunda, mas verdadeira. Sei das minhas resistências à tua Palavra. Tenho consciência do quanto procuro adaptá-La aos meus caprichos, ao invés de me deixar curar, libertar e transformar por sua Verdade. Não quero deixar de te seguir, Senhor. Não quero fugir do confronto com a verdade da tua Palavra. Não quero viver reduzido(a) à “carne”, mas aberto(a) ao Espírito que dá vida. Quero aprender a suportar a crise que a tua Palavra provoca em mim sempre que direciono minha vida para a ilusão e a mentira.
Olha por tua Igreja, Senhor, e santifica-a por meio da tua Palavra. Afasta de nós os pregadores desautorizados a falarem de Ti, porque não se esforçam em viver segundo o teu Evangelho. Suscita em tua Igreja homens e mulheres que aceitem ser confrontados com a dureza da tua Palavra, ao mesmo tempo em que a anunciam aos outros. Enfim, abençoa todos os catequistas, para que sejam portadores da Palavra que é espírito e vida para as novas gerações. Amém!

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

O CORPO: LUGAR DE MORTE, MAS TAMBÉM LUGAR DE VIDA

Missa da Assunção de Nossa Senhora. Palavra de Deus: Apocalipse 11,19a; 12,1-6a.10ab; 1Coríntios 15,20-26.28; Lucas 1,39-56.  

            Quanto vale um corpo? Depende como é esse corpo: se é um corpo que corresponde aos padrões estéticos (beleza), vale muito; se está fora desses padrões, é um corpo visto com desprezo, ou mesmo ignorado. Para os traficantes de órgãos, para a indústria da pornografia e para o mercado da prostituição, um corpo vale muito dinheiro. Para uma mulher favorável ao aborto, o corpo que ela pode vir a gerar no seu ventre é visto apenas como um órgão que ela tem a liberdade de retirar e jogar fora, mas para uma mulher contrária ao aborto, o corpo que ela pode vir a gerar no seu ventre é uma vida sagrada, confiada aos seus cuidados.
            Para a Bíblia, o corpo não é “algo”, não é uma “coisa” que nós possuímos; nós “somos” corpo. É a partir do corpo que nós entramos em contato com a realidade; é a partir dele que nós amamos ou odiamos, fazemos o bem ou fazemos o mal. Além disso, a Bíblia nos ensina que Deus, que é Espírito (cf. Jo 4,24), se fez corpo humano na pessoa de seu Filho Jesus Cristo (cf. Jo 1,14). Neste sentido, Maria entra na história da salvação como a virgem que gerou o Filho de Deus. Consequentemente, nós podemos entender que, da mesma forma como o corpo do Filho de Deus carregava em si o tecido do corpo de sua mãe, assim também o corpo de Maria foi o primeiro altar que gerou e o primeiro sacrário que guardou em si o corpo do Filho de Deus.
            Para a nossa Igreja, essa comunhão íntima e profunda entre o corpo do Filho e o corpo da Mãe confere a nós a possibilidade de crer e de afirmar que Maria, após sua morte, foi elevada em corpo e alma ao céu – o que chamamos de “Assunção”. A mesma força de ressurreição que envolveu o corpo do Filho de Deus após sua morte envolveu também o corpo que O gerou, o corpo de Maria, e um dia envolverá também o nosso! (cf. 1Cor 15,20.22-23; Fl 3,20-21). Por isso, ao celebrarmos a Assunção de Nossa Senhora, sua elevação em corpo e alma ao céu, celebramos a esperança que há para o nosso futuro; celebramos a fé na salvação do ser humano, a certeza de que, se o nosso corpo, assim como o de Maria, carrega em si as marcas da morte de Jesus, por meio das tribulações que enfrentamos neste mundo, esse mesmo corpo carregará consigo as marcas da sua ressurreição (cf. 2Cor 4,10).
            Aquela que foi elevada ao céu em corpo e alma não foi poupada de sofrimentos na terra. Maria jamais foi uma mulher “privilegiada”, no sentido de ter sido blindada por Deus contra os sofrimentos e as injustiças deste mundo. Pelo contrário, ela comungou da pobreza e da humilhação de inúmeras pessoas, pois ela mesma disse: “o Senhor olhou a pequenez/humilhação de sua serva” (Lc 1,48). Essas palavras de Maria nos convidam a acolher a nossa pequenez, a nos reconciliar com aquilo que em nós é fraco e imperfeito – a nos reconciliar inclusive com o nosso corpo, sobretudo naquilo que ele não corresponde às nossas expectativas ou aos padrões de estética da sociedade atual – e a não nos deixar enganar pelos contra-valores do mundo moderno, pois Deus subverte a (des)ordem das coisas que o mundo considera importante, “derrubando os poderosos de seus tronos e exaltando os humildes, saciando de bens saciou os famintos e despedindo os ricos de mãos vazias” (cf. Lc 1,52-53).
            Assim como Maria, são inúmeras as pessoas em nosso país que lutam pela vida sendo constantemente ameaçadas pelo dragão da violência, filha de um outro dragão chamado desigualdade social. Muitas famílias estão ameaçadas pelo dragão das drogas, do desemprego, da infidelidade conjugal, dos desentendimentos e da falta de fé. A nossa mãe “pátria amada Brasil” se encontra hoje diante de um enorme dragão chamado corrupção, um dragão criado e alimentado por pessoas que se encontram nos três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário. Quanto a isso, não nos iludamos: não há um canditato a presidente que tenha força para destruir esse dragão. Ele só pode ser destruído na medida em que cada um de nós deixarmos de alimentá-lo com nossas atitudes corruptas cotidianas e quando voltarmos a nossa consciência para Deus, o único que pode nos resgatar do poder do mal.     
            A cena do Apocalipse nos impressiona: um dragão que se coloca diante de uma mulher que está para dar à luz, pronto para lhe devorar o filho. O que pode essa mulher contra o dragão? O que podem as nossas famílias contra as drogas e a violência? O que pode o nosso país contra os políticos e juízes corruptos? O que pode uma pessoa contra uma doença grave? O que pode a formação da identidade sexual das novas gerações contra a cultura gay? O que pode o ideal de amar até o fim contra a cultura do descartável? “(...) o Filho foi levado para junto de Deus e do seu trono. A mulher fugiu para o deserto, onde Deus lhe tinha preparado um lugar... ‘Agora realizou-se a salvação, a força e a realeza do nosso Deus, e o poder do seu Cristo’” (Ap 12,5-6.10). Nós, sozinhos, não podemos vencer o dragão, mas o Senhor nosso Deus pode. É d’Ele que nos vem a salvação. É d’Ele que vem a salvação para as nossas famílias.
Por isso, hoje nos unimos a Nossa Senhora da Assunção para proclamar: “A minha alma engrandece o Senhor, e se alegrou o meu espírito em Deus, meu Salvador” (Lc 1,46-47). Nós hoje também nos alegramos em Deus por Ele ter gerado vida onde ela era impossível: no ventre de uma mulher idosa e estéril (Isabel) e no ventre de uma jovem e virgem (Maria). Nós exultamos de alegria no Senhor que elevou Maria em corpo e alma ao céu, como sinal de que todo corpo que gera a vida e luta em defesa da vida, terá a vida eterna como recompensa. Nós confiamos às mãos do Senhor todas as mulheres, especialmente aquelas que se encontram expostas a situações de morte, bem como todas as famílias, especialmente aquelas atacadas por algum tipo de dragão.       
           
            Oração: Senhor, oramos a Ti pelo corpo: o corpo doente e envelhecido, o corpo agredido e violentado, o corpo solitário e necessitado de afeto, o corpo desrespeitado e injustiçado. Oramos a Ti que, sendo Espírito, quiseste fazer-Te corpo humano na pessoa de Teu Filho Jesus, o Corpo que entrou em comunhão com aquilo que temos de mais humano, frágil e necessitado de salvação, o Corpo que se fez oferenda na Cruz para redimir o nosso corpo da morte eterna. Assim como todos nós, seres humanos, carregamos em nosso corpo as marcas da morte de Teu Filho, temos a firme certeza de, como Maria, carregar também em nosso corpo as marcas da Sua ressurreição. Visita-nos em nossa humilhação! Eleva-nos, Senhor! Recolhe nossas lutas em favor da vida e da esperança de cada família. Defende-nos do Dragão da cultura de morte, tão presente em nosso mundo, acolhido ingenuamente como um “bicho de estimação” por muitas famílias. Abençoa o ventre de cada família, como abençoaste o ventre de Maria e de Isabel. Que nossas famílias não desistam de gerar fé, esperança e amor em nossa sociedade, colaborando para que haja uma nova terra onde habitará a justiça. Por Teu Filho Jesus, nascido de Maria por obra do Espírito Santo. Amém!

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

VOCÊ NÃO PRECISA MORRER NO DESERTO

Missa do 19º. dom. comum. Palavra de Deus: 1Reis 19,4-8; Efésios 4,30–5,2; João 6,41-51

            Por que algumas pessoas escolhem praticar uma religião e outras não? Por que algumas pessoas têm fé e outras não? A ciência já tentou responder a essas perguntas com a teoria de que existiria na genética das pessoas religiosas, isto é, das pessoas que têm fé, uma predisposição para Deus. Portanto, abrir-se para Deus, abrir-se para a fé, segundo alguns cientistas, é uma questão genética: alguns nascem biologicamente predispostos a isso e outros não.
            Jesus tem uma outra resposta para essa questão: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrai” (Jo 6,44). A expressão “vir a mim” significa “crer em mim”. Diante da resistência de alguns judeus em crer n’Ele, Jesus entende que a fé não é um simples querer humano; ela não é uma invenção da mente humana, mas um dom de Deus. A fé carrega consigo um mistério chamado Deus. Misteriosamente, Deus tem caminhos que não conhecemos para falar à consciência e ao coração humano. Embora seja verdade que Deus queira salvar todos os seres humanos (cf. 1Tm 2,4), nem todos foram visitados por Sua graça insondável, que age no coração humano de uma maneira que não podemos controlar, entender ou explicar. Portanto, diante da fé nós só podemos ter uma atitude de humildade e gratidão: ela não é conquista nossa, não é mérito nosso, mas puro dom, pura graça de Deus.    
            Mas há uma outra verdade importante revelada por Jesus no Evangelho de hoje: “Está escrito nos Profetas: ‘Todos serão discípulos de Deus’. Ora, todo aquele que escutou o Pai e por ele foi instruído, vem a mim” (Jo 6,45). Toda pessoa que escuta a voz de Deus em sua consciência e em seu coração abre-se para a fé em Jesus, isto é, sente-se atraída para Ele. Mas quem hoje escuta a voz de Deus? Quem hoje escuta seu próprio interior? Nós vivemos mergulhados no barulho; estamos cheios de barulhos: barulhos externos e também internos, e os piores são os internos! Portanto, o problema não é que Deus tenha deixado de falar com a humanidade, mas nós, humanidade, ou não queremos ouvi-Lo, ou não estamos compreendendo o que Ele está nos falando por meio da vida, por meio dos acontecimentos.  
            Quem se deixa instruir, ensinar, orientar pelo Pai, acolhe a verdade de que é uma pessoa que carrega em si uma profunda fome de salvação e essa fome só pode ser saciada por Jesus, o pão vivo descido do céu: “Eu sou o pão da vida... Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente” (Jo 6,48.51). Jesus não é apenas pão, mas “pão vivo”. Ele é fonte de vida e só Ele pode responder à nossa fome de paz, de justiça, de alegria, de amor e de salvação. A vida que Jesus transmite aos discípulos através do Evangelho e da Eucaristia é a mesma que Ele recebe do Pai, que é a fonte inesgotável de vida plena; uma vida que não se extingue com nossa morte biológica. Por isso Jesus afirma: “Quem comer deste pão viverá eternamente”; ‘Quem se alimentar de mim jamais morrerá interiormente’.
            Assim como o profeta Elias, nós passamos por momentos em que “entramos deserto adentro”, nos jogamos no chão e pedimos a morte (cf. 1Rs 19,4). Além de ser a imagem de cada um de nós, Elias é especialmente a imagem do pai que se cansou de lutar – lutar por sua família, por seu casamento, por seus filhos, por sua sobrevivência, por sua fé, por sua santidade, lutar por um mundo mais justo. Assim como Elias, muitos pais se tornaram homens abatidos, deprimidos e solitários, consumidos pelo medo e pelo desespero, tendo apenas uma vontade: morrer. Assim como Elias, muitos pais hoje se jogaram no chão e adormeceram, entrando num sono que funciona como fuga da realidade, um sono que ajuda a manter a consciência anestesiada, para não ter que se angustiarem com perguntas que não têm como responder (cf. 1Rs 19,5).   
            Mas Deus visita o pai no seu deserto, tomado pelo desejo de morrer. Deus fala à consciência e ao coração do pai: “Levante-se e coma!” ‘Alimente-se da Palavra e da Eucaristia do meu Filho! Não se entregue ao desânimo e ao fracasso. Você ainda não terminou sua missão’. “Levante-se e coma! Você ainda tem um caminho longo a percorrer” (1Rs 19,7). ‘Seu caminho não termina nesse fracasso, nessa queda, nessa derrota. Há algo que você ainda tem que realizar. Você não morrerá nesse deserto, mas chegará à meta para a qual aceitou caminhar comigo’.
“Elias levantou-se, comeu e bebeu, e, com a força desse alimento, andou quarenta dias e quarenta noites, até chegar ao Horeb, o monte de Deus” (1Rs 19,8). Sem a nossa comunhão com Jesus Cristo, nós não chegaremos à montanha de Deus. Sem nos alimentar com o “pão vivo” que Jesus nos oferece na sua Palavra e na sua Eucaristia, nós corremos o risco de ser consumidos pelo desânimo e morremos no deserto do nosso desespero. Só com a força do alimento espiritual que é Jesus, “o pão vivo descido do céu” (Jo 6,48) é que podemos reagir ao desânimo, nos levantar do nosso sentimento de fracasso e retomar nossos ideais, dirigindo a nossa vida para a meta que fomos chamados alcançar: a nossa salvação.
“Chegar ao Horeb, o monte de Deus” (1Rs 19,8) significa chegar à meta a que fomos chamados, seja como pessoas, seja como filhos de Deus; significa também chegar à realização da nossa vida familiar, afetiva e profissional. Elias só chegou ao monte de Deus “com a força” daquele alimento que o próprio Deus lhe providenciou. Como temos alimentado nossos sonhos, nossos ideais? Nós temos alimentado nossos relacionamentos? Com o quê? Temos alimentado nossa esperança, nossa fé, nossa espiritualidade? De que forma? “Você ainda tem um caminho longo a percorrer” (1Rs 19,7). Não nos entreguemos ao desânimo, muito menos ao pessimismo ou ao derrotismo. Retomemos a cada dia o nosso caminho. Alimentemo-nos diariamente do Senhor, por meio da nossa oração pessoal, e deixemos com que a força da Sua graça nos levante do chão e recoloque nossos pés no caminho rumo ao Seu monte, onde se dará a nossa comunhão definitiva com Seu Filho, no qual temos a vida plena e a salvação.   

            Oração: Pai, peço-Te a graça da fé, a graça de sentir-me atraído(a) para o Teu Filho Jesus, a graça de crer n’Ele com toda a minha alma. Quero deixar-me instruir por Ti; quero orientar-me por Tua verdade, e nela encontrar o sentido para a minha vida. Hoje eu renuncio a todo barulho que há em mim e silencio o meu interior para ouvir Tua voz. Preciso Te ouvir, Senhor! Preciso da Tua Palavra tanto quanto preciso de pão para viver. “Mostrai-me, ó Senhor, vossos caminhos, e fazei-me conhecer a vossa estrada. Vossa verdade me oriente e me conduza, porque sois o Deus da minha salvação” (Sl 25,4-5).
            Assim como Elias, algumas vezes eu fujo para o deserto e me entrego ao desânimo; algumas vezes eu desisto de lutar, desisto de crer e de esperar em Ti, desisto de viver. Visita-me, Senhor! Desperta-me do sono do pessimismo e do desespero. Fala à minha consciência e ao meu coração. Devolve-me a fé, a esperança, o ânimo, o sentido da vida! Quero levantar-me e retomar o meu caminho. Quero retomar a missão para a qual o Senhor me chamou. Alimenta-me com a Tua Palavra. Sustenta-me com o Teu Espírito. Fortalece meus passos para que eu continue a caminhar até chegar ao Teu monte, à Tua presença, à meta para a qual o Senhor me chamou, que é a salvação em Teu Filho Jesus, o pão vivo descido do céu. Amém!

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

EXISTE A ÁGUIA E EXISTE A GALINHA: COM QUAL DESSAS AVES VOCÊ SE IDENTIFICA?

Missa do 18º. dom. comum. Palavra de Deus: Êxodo 16,2-4.12-15; Efésios 4,17.20-24; João 6,24-35.

            Existe um alimento que se estraga e um alimento que permanece para a vida eterna: qual deles desejamos? Existe uma roupa inteiramente nova e existe um remendo novo numa roupa velha: qual deles queremos vestir? Existem tratamentos lentos e dolorosos para se curar uma doença e existem tratamentos rápidos e superficiais, apenas para aliviar a dor: qual deles preferimos? Existem as coisas do alto e existem as coisas da terra: quais delas são mais importantes para nós? Existe a galinha, que vive ciscando no chão, e existe a águia, que voa alto: com qual dessas aves nos identificamos?
            No dia seguinte após ter sido saciada por Jesus (evangelho de domingo passado), a multidão sai à procura d’Ele, e, quando o encontra, Jesus lhe diz abertamente: “Estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos. Esforçai-vos não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna, e que o Filho do Homem vos dará” (Jo 6,26-27). Lamentavelmente, a maioria das pessoas que procura por Deus o faz movida por necessidades momentâneas, urgentes, passageiras. Na verdade, a maioria de nós não procura por Deus, mas por algo que Ele possa nos fazer ou conceder. Isso significa que a maneira como muitos de nós vivem sua fé tem muito de terreno, de carnal, e pouco de espiritual.
            “Esforçai-vos não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna” (Jo 6,27). Essas palavras de Jesus poderiam ser traduzidas – grosseiramente – dessa forma: ‘Não se comportem na vida como galinhas, como pessoas que vivem de cabeça baixa, se alimentando das migalhas que encontram pelo chão; aceitem o desafio de se tornarem águias; desejem voar alto; abram-se a um horizonte maior, para o qual cada um de vocês foi criado’. No entanto, a nossa geração é uma geração acomodada e preguiçosa – também e, sobretudo, espiritualmente. Deixar de viver como galinha e passar a viver como águia tem um custo, dá trabalho, exige esforço e disciplina, exige a coragem de abandonar nossas muletas e caminhar com nossas próprias pernas, e são poucas as pessoas dispostas a isso.          
            Vejamos o exemplo de Israel. Para se libertar da escravidão do Egito e chegar à Terra Prometida, houve um custo chamado “deserto” – e junto com ele, o enfrentamento da fome. Mas Israel chegou ao cúmulo de dizer a Moisés: “Quem dera que tivéssemos morrido pela mão do Senhor no Egito, quando nos sentávamos junto às panelas de carne e comíamos pão com fartura! Por que nos trouxestes a este deserto para matar de fome a toda esta gente?” (Ex 16,3). Assim como Israel, muitas pessoas hoje não se importam de viverem presas a uma situação de violência, exploração ou injustiça, porque, pelo menos ali, elas recebem migalhas para se alimentar: migalhas de afeto, migalhas de compensação, migalhas de sobrevivência. Assim como Israel, nós, brasileiros, não nos importamos em trocar justiça, saúde e educação por futebol, cerveja e internet.
            No momento em que Jesus desafiou a multidão a não reduzir a sua fé a mera sobrevivência, mas a alargar o horizonte da própria vida e a abrir-se ao que a fé pode realizar no ser humano em termos de crescimento, de amadurecimento e de libertação, o povo perguntou: “Que sinal realizas, para que possamos ver e crer em ti? (...) Nossos pais comeram o maná no deserto, como está na Escritura: ‘Pão do céu deu-lhes a comer’” (Jo 6,30-31). Sendo filha daqueles hebreus que caminharam com Moisés pelo deserto e se alimentaram com o maná (cf. Ex 16,5), a multidão que dialoga com Jesus quer que as coisas caiam prontas do céu. Nossa fé às vezes se torna assim também: mesquinha, interesseira, preguiçosa, apelativa. Se Jesus nos der um espetáculo à parte e nos convencer de que vale a pena percorrer o caminho da fé, estamos prontos a caminhar com Ele e passar dos interesses materiais para os interesses espirituais; caso contrário, continuaremos a viver como pessoas carnais.            Mas Jesus nos provoca a ampliar a nossa compreensão a respeito da vida e das nossas próprias necessidades: “(...) o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo” (Jo 6,33). ‘Eu não vim para te carregar ao colo, mas para lembrá-lo de que você tem duas pernas e pode parar em pé sobre elas. Eu não vim para colocar remendos na sua vida, mas para fazer de você uma pessoa nova. Eu não vim te oferecer alguma droga para mantê-lo(a) distante da sua realidade, mas para te confrontar com aquela verdade que, embora doa profundamente, é a única capaz de curá-lo(a) e libertá-lo(a). Eu não estou aqui para manter você resignado(a) a uma vida medíocre, mas para lhe oferecer uma vida com sentido. Cabe a você escolher como quer viver sua vida: como um “homem velho”, uma pessoa fútil, corrompida, escrava de desejos enganadores (cf. Ef 4,22), ou como um “homem novo”, uma pessoa que pauta sua vida por aquilo que é verdadeiro, justo e santo (cf. Ef 4,23-24)’.   
            Diante dessa proposta de Jesus, a multidão pediu: “Senhor, dá-nos sempre desse pão” (Jo 6,34). Toda verdadeira oração nasce da necessidade de salvação. Se nós pedimos algo a Deus, é porque somos seres necessitados: algo precisa ser preenchido e respondido dentro de nós. Temos fome, estamos enfermos, sentimos medo, desejamos ser amados, queremos ser salvos. Todos nós somos necessitados e pedimos ajuda. No entanto, temos consciência de que, muito mais do que de “coisas”, o que nós necessitamos verdadeiramente é de salvação. O verdadeiro orante não pede a Deus “coisas”, mas busca a Deus por Ele mesmo, por quem Ele é e não por algo que Ele possa dar. Assim hoje queremos nos aproximar de Jesus, o pão que o Pai do céu nos dá para saciar a nossa fome de salvação; queremos passar da fome material para a fome espiritual, do pão que acalma a fome do estômago para o verdadeiro Pão que sacia todas as nossas fomes.
            Hoje, primeiro domingo de agosto, mês vocacional, rezamos pelos padres e pela necessidade urgente que nossa Igreja tem de vocações sacerdotais. São inúmeras as comunidades em nosso país, especialmente no centro-oeste, no norte e no nordeste, que não têm padres. “Poucos os operários, poucos trabalhadores e a fome do povo aumenta mais e mais”, diz a música do Pe. Zezinho. Rezemos pela perseverança dos nossos padres e dos nossos seminaristas, e trabalhemos para que muitos outros jovens se abram ao chamado de Deus e, configurados a Jesus, se tornem “pães vivos”, capazes de alimentar nas pessoas a fé, a esperança e o amor, jovens que se ofereçam como pães vivos para saciar a fome de Deus que há no coração de todo ser humano.

Pe. Paulo Cezar Mazzi