quinta-feira, 28 de junho de 2012

LIGADO OU DESLIGADO?

Missa de São Pedro e São Paulo. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 12,1-11; 2Timóteo 4,6-8.17-18; Mateus 16,13-19.

            “Tudo o que você ligar na terra, será ligado nos céus; tudo o que você desligar na terra, será desligado nos céus” (Mt 16,19). São as palavras finais de Jesus a Pedro, no evangelho de hoje. Jesus quis, a partir de Pedro e dos demais apóstolos, construir aquilo que ele chamou de “minha Igreja”, para ligar a terra ao céu, para ligar o ser humano a Deus. No entanto, muitos hoje estão escolhendo desligar-se da Igreja. Alguns, por não se sentirem acolhidos por ela; outros, por ela não se moldar aos seus caprichos pessoais; alguns, por serem questionados pela Igreja em suas atitudes contrárias ao Evangelho; outros, por verem incoerência naqueles que anunciam esse mesmo Evangelho; alguns, por não encontrarem uma resposta rápida de Deus para seus problemas; outros, por concluírem que não precisam estar ligados à Igreja para estar ligados a Deus. E você, ainda continua ligado(a) à Igreja? Por quanto tempo?    
            As leituras que nós ouvimos revelam a estreita ligação entre a vida de Jesus e a vida de quem aceitou unir-se a ele por meio da sua Igreja. Tiago é morto. Pedro é preso. Paulo, também na prisão, afirma que sua vida já está para ser derramada em sacrifício. Como Jesus mesmo disse: “Se eles perseguiram a mim, perseguirão a vocês também” (Jo 15,20). “Se chamaram Beelzebu ao chefe da casa, que não dirão de seus familiares!” (Mt 10,25). Quem se liga a Jesus e à sua Igreja experimenta, mais do que os outros, o ódio, o desprezo, a crítica e a indiferença do mundo, como o próprio Jesus afirmou: “Se vocês fossem do mundo, o mundo amaria o que é seu; mas, porque vocês não são do mundo e minha escolha os separou do mundo, por isso o mundo os odeia” (Jo 15,19).
            Embora exista uma rejeição “natural” do mundo em relação a Jesus e à sua Igreja, precisamos ter a humildade de reconhecer que muito da rejeição do mundo em relação a nós se deve ao fato de dizermos, mas não fazermos o que dizemos (cf. Mt 23,3); de filtrarmos um mosquito na vida dos outros, mas engolirmos um camelo na nossa (cf. Mt 23,24); de acolhermos a Palavra de Deus no domingo, mas de vivermos o contrário do que ela nos ensina durante a semana. A indiferença do mundo perante a Igreja hoje é um remédio amargo que a própria Igreja precisa tomar, a fim de curar-se das suas feridas internas...
            Ao se referir à sua Igreja, Jesus disse: “o poder do inferno nunca poderá vencê-la” (Mt 16,18). Essas palavras de Jesus revelam que há um poder contrário à Igreja, não tanto contrário à Igreja enquanto Instituição, mas contrário à Igreja em cada um de seus membros. Em outras palavras, na vida de cada cristão há um combate espiritual, uma tentativa do Maligno em destruir a fé dos que procuram manter-se unidos a Cristo. Mas aqui lembramos as palavras dos Atos dos Apóstolos: “Enquanto Pedro era mantido na prisão, a Igreja orava continuamente a Deus por ele” (At 12,5). Da mesma forma, devemos orar uns pelos outros, sabendo que a mesma espécie de sofrimento, de combate espiritual, atinge os cristãos espalhados pelo mundo todo (cf. 1Pd 5,9). 
            Assim como o apóstolo Paulo, cada um de nós é desafiado a combater o bom combate, completar a corrida, guardar a fé, sabendo que o Senhor dará a coroa da justiça a todos os que esperam com amor a sua manifestação gloriosa (cf. 2Tm 4,7-8). A fé é um combate, uma luta, antes de mais nada conosco mesmos, e depois com tudo aquilo que no mundo se opõe à nossa opção por Deus. Certamente, você já deu muitos passos nesse caminho, mas é preciso completar a corrida. Por mais cansado que esteja, por mais quedas que tenha tido ao longo do percurso, precisa se levantar, retomar o caminho, guardar, proteger a sua fé, para chegar à meta da sua salvação.
            Que as palavras da música “Viver pra mim é Cristo” sirvam de motivação para a sua oração diante da Palavra da festa de hoje: “Se os bons combates eu não combater minha coroa não conquistarei. Se minha carreira eu não completar, de que vale a minha fé tanto guardar? Se perseguido aqui eu não for, sinceramente um cristão não sou. A Tua glória quero conhecer. Viver a experiência de sobreviver... Viver pra mim é Cristo, morrer pra mim é ganho. Não há outra questão, quando se é cristão não se para de lutar. Triunfarei sobre o mal, conquistarei troféus. Não há outra questão, quando se é cristão não se para de lutar... até chegar ao céu!
                                                                          Pe. Paulo Cezar Mazzi

domingo, 24 de junho de 2012

QUERES FICAR CURADO? (Jo 5,6)

            Jesus dirige esta pergunta a um paralítico que havia 38 anos permanecia deitado junto à piscina, esperando um milagre para poder andar. Em tais circunstâncias, poderia ter parecido algo retórico e até cruel perguntar a esse homem se queria recuperar a saúde. Seu desejo era evidente: ele aguardava com ansiedade o agitar-se das águas e a ajuda de uma mão salvadora.
            Jesus, porém, sabia o que há no íntimo do coração humano. Ele conhecia em profundidade nossas estranhas maneiras de proceder. Curiosamente, entre as raras coisas de que somos capazes, está o fato que muitos de nós, no fundo da alma, preferimos continuar prostrados para sempre, antes que nos levantar. É custoso, para nós, aproximar-nos de quem pode nos ajudar. Temos medo de que nosso mal seja diagnosticado; nós o negamos, o escondemos e permitimos que continue a avançar. Esta é a constatação feita por psicólogos, médicos e diretores espirituais. Rejeitamos o uso dos meios que nos fazem andar. Queremos apenas aliviar os sintomas; aprender alguma receita fácil... deixando claro, porém, que o mal é tão profundo que não tem remédio.
            Isto vale também nas crises de fé, nas rupturas que extirpam o sentido de nossa vida. E nos fechamos aí, sem procurar as saídas. Pareceria que ninguém quer sofrer; dir-se-ia que todos buscamos a felicidade, mas estranhamente, e com frequência, colocamos essa felicidade em compadecer-nos de nós mesmos, ou em que outros se preocupem conosco, tenham pena e se aproximem de nós.
            Parece agradar-nos o fato de que nos olhem com compaixão. Não é raro encontrar pessoas que narram em detalhes suas doenças e as incompreensões e maus-tratos que recebem injustamente.
            Os rancores, as raivas profundas que nos ferem por dentro, os remorsos doentios estão escondidos em nosso interior, agarram-se em nós como carrapatos... e nós nos agarramos a eles como se fossem nossa identidade. Eles nos paralisam como ao enfermo da piscina.
            O verdadeiro mal não está tanto na dor física ou no sofrimento que nos aflige quanto no modo como procedemos em relação a eles. Cedo ou tarde, todos temos de enfrentar a dor; o drama está em que alguns de nós preferimos ficar empacados, paralisados para sempre no mal.
            Isso explica o fato de que Jesus, antes de empreender a aventura do milagre e da fé, nos pergunte: “Queres ficar curado?”
            Para andar, para superar nossas doenças, é indispensável colocar algo de nossa parte. Tudo é graça, porém nada se realiza sem a humilde e livre colaboração humana. A vida e a salvação são uma dádiva, um dom de Deus. A própria aceitação desse dom é também um presente, mas supõe a cooperação do homem: “Queres ficar curado?”
            Em face de tantas dores, dúvidas de fé, incompreensões, faltas de sentido, é necessário que nos façamos com honestidade a pergunta formulada por Jesus ao paralítico: “Queres ficar curado?” Queres levantar-te e andar? Queres ajudar-te e deixar que te ajudem? És realmente capaz de confiar nos outros e no Senhor? És capaz de encarar com honradez a verdadeira causa do que te acontece? Tens audácia suficiente para utilizar os meios eficazes para sair da paralisia? Se não quiseres participar, no mínimo, com esse desejo de tua parte, todos os teus males são incuráveis... mas não te esqueças de que o Senhor veio para convidar-te a andar.
 
  Fernando Montes, As perguntas de Jesus, pp.29-31, ed. Loyola.   

sexta-feira, 22 de junho de 2012

PARA QUE VOCÊ NASCEU?

Missa da Natividade de São João Batista – Palavra de Deus: Isaías 49,1-6; Atos dos Apóstolos 13,22-26; Lucas 1,57-66.80     
           
            Ao longo da nossa vida, alguns acontecimentos nos fazem perguntar: “por que?”. Por que isso está acontecendo? Por que eu me encontro neste lugar? Por que eu nasci e vim ao mundo? E muitas vezes não encontramos resposta para esse tipo de pergunta. Mas, aos poucos, vamos compreendendo que a pergunta mais importante não é “por que?”, mas “para que?”. Para que isso está acontecendo? Para que eu estou me comportando dessa maneira, agindo dessa forma? Para que eu me encontro aqui agora? Para que eu nasci e vim ao mundo? Enquanto a pergunta “por que?” me coloca no papel de vítima dos acontecimentos, a pergunta “para que?” me faz ocupar o lugar para o qual eu nasci, o lugar de uma pessoa responsável por sua própria história de vida.
            Para que a Palavra de Deus nos coloca hoje diante do nascimento de João Batista? Para que cada um de nós redescubra a finalidade da sua existência, tornando-nos mais conscientes de que não nascemos e não existimos por acaso, mas por um desígnio de Deus: “O Senhor chamou-me antes de eu nascer, desde o ventre de minha mãe ele tinha na mente o meu nome” (Is 49,1). Se queremos compreender o sentido da nossa existência, o “para que” nascemos, precisamos nos colocar diante dessa Palavra: “O Senhor chamou-me antes de eu nascer”. A sua existência não foi uma escolha sua, nem de seus pais, muito menos de um destino cego, mas uma escolha de Deus.
            Deus pronunciou o nome de cada um de nós antes mesmo de nossa mãe se dar conta de que estava grávida de nós, e o nosso nascimento foi em vista de uma missão, de um “para que”: “Que eu recupere Jacó para ele e faça Israel unir-se a ele” (Is 49,5). Sua presença em qualquer ambiente em que você se encontre precisa ser vivida nessa consciência: ‘eu não estou aqui por acaso; se a mão de Deus me colocou aqui, é porque há algo que eu devo fazer para recuperar alguém para Ele, para reaproximar alguém d’Ele’. E ainda que você chegue à conclusão de que tem trabalhado em vão e gasto as suas forças inutilmente (cf. Is 49,4), deve se lembrar de que o Senhor te sustentará, para que a salvação dele chegue, por meio de você, aos confins da terra, ou seja, ao coração de outras pessoas (cf. Is 49,6).
            João Batista foi gerado num ventre idoso, e apesar disso nasceu porque Isabel permitiu que o tempo da gravidez se completasse (cf. Lc 1,57). Como você se posiciona em relação ao aborto? Você também acolhe as promessas de Deus e permite o tempo necessário até que elas amadureçam e você possa dar à luz aquilo que você permitiu que Deus gerasse na sua vida?
            Todos os que ficaram sabendo do nascimento de João Batista e percebendo que aquele nascimento tinha a intervenção de Deus, pois Isabel era idosa e estéril, se perguntavam: “O que virá a ser este menino?” (Lc 1,66). O que o seu filho virá a ser depende, por um lado, daquilo que ele está recebendo agora de você, pai/mãe, e do ambiente em que ele vive e, por outro, da maneira como ele vai lidar com aquilo que está recebendo. Se o seu filho virá a ser alguém que ganha muito dinheiro e se dá bem na vida; se a sua filha virá a ser uma garota de programa ou alguém famosa; se os seus filhos serão pessoas de caráter, íntegras e tementes a Deus, depende em boa parte do tipo de valores que vocês cultivam em casa.
            O que virá a ser uma criança que desde cedo é exposta aos programas de televisão, que tem acesso livre à internet, que tem todas as sua vontades satisfeitas, que é defendida por seus pais com unhas e dentes diante dos outros, mesmo quando os pais sabem que ela está errada, que desde pequena cresceu longe de qualquer religião etc.? O que virá a ser essa criança? Ninguém precisa ter bola de cristal para responder a essa pergunta...
            O evangelho faz duas afirmações finais a respeito de João Batista: “De fato, a mão do Senhor estava com ele. E o menino crescia e se fortalecia em espírito” (Lc 1,79-80). Para que a mão do Senhor esteja com seu filho, é preciso que você, pai/mãe, se coloque debaixo dessa mesma mão, caminhando na obediência à Palavra do Senhor. A mão do Senhor está conosco na medida em que caminhamos de acordo com a Sua vontade. Se você quer que a mão de Deus esteja com seu filho, eduque-o segundo o coração de Deus e ensine-o a fazer em tudo a vontade de Deus, como o próprio Deus se expressou a respeito de Davi: “Encontrei Davi, filho de Jessé, homem segundo o meu coração, que vai fazer em tudo a minha vontade” (At 13,22).     
            “E o menino crescia e se fortalecia em espírito” (Lc 1,80). Cada vez mais, os pais se admiram como seus filhos crescem rápido, tanto fisicamente quanto na inteligência, na esperteza e na agilidade. Pergunta: eles também têm crescido e se fortalecido “em espírito”? Concretamente, como você, pai/mãe, está cuidando do crescimento espiritual de seu filho? De volta ao início dessa reflexão, a sua presença hoje na vida de seu filho tem um para que: para recuperá-lo para Deus e para fazê-lo unir-se a Deus, mais do que com as suas palavras, com as suas atitudes.

Pe. Paulo Cezar Mazzi



























quinta-feira, 14 de junho de 2012

NÃO PELO QUE VEMOS, MAS PELO QUE CREMOS

Missa do 11º. dom. comum. Palavra de Deus: Ezequiel 17,22-24; 2 Coríntios 5,6-10; Marcos 4,26-34.
           
            No mundo do trabalho, a palavra-chave é “resultado”. Quando os investimentos não têm o retorno esperado, mudam-se as estratégias, trocam-se os sistemas, demitem-se as pessoas, tudo em vista do “resultado” e de um “resultado” que seja rápido. No campo espiritual tem acontecido algo parecido. Cada vez mais pessoas estão buscando uma “religião de resultados”, estabelecendo com Deus um relacionamento onde o mais importante não é dispor-se ao querer de Deus, mas dispor dele para que a sua vida espiritual dê resultados, e resultados que, na prática, nada têm de espirituais.
            Jesus, ao nos falar de como Deus “funciona” na vida de quem nele crê, usa a imagem da semente. Essa imagem por si só derruba a nossa fome de resultados imediatos, rápidos, a curto prazo. A semente, depois que cai na terra, tem o seu tempo próprio de germinar e crescer. Aliás, Jesus deixa claro que esse processo não é controlado por nós: “Ele vai dormir e acorda, noite e dia, e a semente vai germinando e crescendo, mas ele não sabe como isso acontece” (Mc 4,27).
Você já pensou em desistir de fazer suas orações, de frequentar a Igreja, de meditar sobre a Palavra de Deus, de participar de alguma atividade pastoral, de fazer o bem aos outros porque não tem visto em sua vida os “resultados” que esperava? A você está sendo pedido confiança. A semente, que você pode interpretar como sendo a Palavra de Deus ou a presença do Espírito Santo em sua vida, é eficaz. Ela germina e cresce em você sem que você lhe dite as regras. Basta que a terra do seu coração seja boa, acolha a semente e dê a ela o tempo necessário para que germine.
O contrário da confiança é o medo, a pressa, o desânimo de quem não vê nada despontar na superfície da terra e acaba deixando de regar o próprio solo, esquecendo-se de que a nossa relação com Deus deve ter por base a fé, não a visão: “caminhamos na fé e não na visão clara” (2Cor 5,7). Qual fé? A fé de que “um é o que planta, outro é o que rega, mas é Deus quem dá o crescimento” (1Cor 3,6).   
É Deus quem dá o crescimento. Como Ele mesmo disse: “Eu sou o Senhor, que abaixo a árvore alta e elevo a árvore baixa; faço secar a árvore verde e brotar a árvore seca. Eu, o Senhor, digo e faço” (Ez 17,24). Há coisas em nossa vida que dependem absolutamente da graça de Deus, mas há coisas que dependem de nós, como o lançar a semente. É aí que Jesus menciona o grão de mostarda, a menor de todas as sementes. Muitas coisas boas foram jogadas fora da nossa vida porque, aos nossos olhos, eram apenas “sementes de mostarda”. Muitas transformações foram abortadas em nós porque, quando começaram a nascer, nós as julgamos insignificantes, desprezíveis, não era aquilo que estávamos esperando, e por isso interrompemos a sua gestação em nós. 
Mais uma vez, aqui entra o alerta do apóstolo: “caminhamos na fé e não na visão clara” (2Cor 5,7). Como estamos mal-acostumados a enxergar e a valorizar somente aquilo que é grande, não vemos e não valorizamos as pequenas atitudes, os pequenos gestos. Como Deus escolheu manifestar-Se no chão da vida do nosso mundo como a menor de todas as sementes, nós julgamos que Ele não existe, porque Sua presença passa cada vez mais despercebida aos nossos olhos.  
            Mas o grão de mostarda não fala somente de Deus, fala também de nós. Quanto bem deixamos de semear com as nossas atitudes, porque achamos que era pequeno demais, insignificante. Não é à toa que os nossos relacionamentos estejam se tornando incapazes de produzir sombra e não consigam abrigar neles os pássaros do céu (cf. Mc 4,32), ou seja, as bênçãos que o céu poderia enviar sobre nós e sobre aqueles que nós amamos. Se queremos reaproveitar o grão de mostarda que todos os dias a vida coloca em nossas mãos, precisamos mudar a nossa maneira de julgar o nosso dia a dia: ele vale a pena ser vivido não por causa dos frutos que conseguimos colher, mas por causa das sementes que conseguimos lançar.
            Numa época onde as pessoas estão em busca de “resultados”, não se dando ao trabalho de lançar sementes e de respeitar o tempo necessário de germinação e crescimento das mesmas; numa época em que tantos abortam as transformações mais importantes que poderiam se dar em suas vidas porque elas se apresentaram em forma de “grãos de mostarda”, interpretados como “coisas insignificantes”, a Palavra de Deus nos convida à confiança e à esperança: a nós cabe lançar a semente – e em outros casos, acolhê-la; a Deus cabe a germinação e o crescimento dela em nós.
Lembremo-nos, mais uma vez: “caminhamos na fé e não na visão clara” (2Cor 5,7). “O que Deus quer é que ‘andemos pela fé’. Quantos de nós ‘encostamos’, por assim dizer, e afirmamos: ‘Nada mais posso fazer, enquanto Deus não se revelar a mim’. Ele não o fará. E, sem a inspiração e nenhum toque de Deus, teremos de nos erguer sozinhos... Deus nos dará toques de inspiração quando perceber que não há o risco de sermos desviados por eles. Não devemos fazer nunca desses momentos de inspiração o nosso padrão. Nosso dever é que é o nosso padrão” (Oswald Chambers, Tudo para Ele), o dever de acolher em nós a semente do Reino e de também lançá-la no coração dos outros, com o nosso testemunho de fé.   
                                                                                                                                                Pe. Paulo Cezar Mazzi

segunda-feira, 11 de junho de 2012

RECONCILIAR-ME COMIGO MESMO

O nosso maior desafio é nos reconciliar com nossa história de vida, o que significa nos reconciliar com o nosso passado. Muitas pessoas reclamam de terem nascido numa determinada época ou de terem tido determinados pais. Ora, não existe uma época ideal para nascer, assim como não existem pais ideais. Por mais que a época seja favorável ou os pais sejam ótimas pessoas, todo mundo carrega consigo algumas feridas do passado. Porém, toda ferida pode ser curada. Nós não podemos escolher a nossa infância, mas podemos fazer um trabalho de reconciliação com ela. Algum dia teremos que nos reconciliar com tudo o que vivemos e sofremos. O que pode nos ajudar nessa tarefa de reconciliação com a nossa história de vida é saber que nós até podemos não ser responsáveis pelas coisas que nos aconteceram no passado, mas somos responsáveis pela maneira como nos posicionamos diante delas hoje.
Eu preciso olhar com carinho para aquilo que não gosto, para aquilo que contrasta com a imagem que faço de mim mesmo, para minha impaciência, para minha angústia, para minha pouca autoestima. Este é um processo que se prolonga por toda a vida. Pois mesmo quando pensamos há muito nos ter reconciliado conosco, sempre aparecerão fraquezas que nos aborrecerão, que preferiríamos negar. Então, é preciso recomeçar a aceitar mais uma vez tudo o que existe em nós.
            Reconciliar-me com meu próprio eu significa reconciliar-me com as minhas sombras. Para C.G.Jung a sombra é constituída por tudo aquilo que nós não permitimos, que excluímos de nossa vida por não corresponder à nossa autoimagem. O ser humano, segundo Jung, tem duas polaridades: a razão e os sentimentos, o amor e o ódio, a disciplina e o deixar-se levar.  É bastante natural que nós, durante a primeira metade da vida, desenvolvamos principalmente um destes pólos, e com isto negligenciemos o outro. A parte negligenciada é então jogada na zona sombria. Mas ela não morre. No mais tardar, na metade da vida, seremos desafiados a enfrentar a sombra e a nos reconciliar com ela. Senão, adoecemos; senão surgirá em nós um conflito e seremos dilacerados interiormente.
            Precisamos aceitar que em nós não existe apenas amor, mas também ódio, não existem apenas anseios espirituais, mas também áreas onde não queremos que Deus habite. Aquele que não enfrenta a própria sombra acaba por projetá-la inconscientemente no outro. Admitir a existência da sombra em nós exige humildade. Humildade vem de húmus, terra, e significa que devemos aceitar nossa própria natureza terrena, aceitar o húmus que existe em nós.

Anselm Grün, Perdoa a ti mesmo, pp.39-41

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Estar na vontade de Deus

Missa do 10º. dom. comum

        “Onde você está?” (Gn 3,9). Foi com esta pergunta que Deus convidou Adão a reconhecer a situação em que se encontrava, e Adão reconheceu que, depois de ter pecado, passou a sentir medo de Deus e a ter necessidade de se esconder d’Ele, assim como passou a sentir vergonha de si mesmo, da sua própria nudez. Hoje Deus dirige a mesma pergunta a cada um de nós: “Onde você está?” (Gn 3,9).    
Para nos ajudar a reconhecer onde nós estamos, o Evangelho nos mostra Jesus sendo julgado de maneira errada pelos de dentro (sua família) e pelos de fora (mestres da lei). Enquanto a família de Jesus dizia que ele “estava fora de si” (Mc 3,21), os mestres da lei diziam que “ele estava possuído pelo príncipe dos demônios” (Mc 3,22). Primeiro, Jesus responde aos de fora, depois aos de dentro.
Aos de fora, Jesus diz que se ele estivesse possuído pelo príncipe dos demônios, o demônio estaria em luta contra si mesmo, como se o mal tentasse expulsar a si mesmo dos outros. A expressão que Jesus usa – “um reino dividido contra si mesmo” (Mc 3,24) – tem algo importante a nos dizer. Quando nós permitimos que os nossos desejos, as nossas paixões e as nossas emoções corram livres dentro de nós e assumam o controle da nossa vida, nós nos tornamos divididos contra nós mesmos (porque eles são ambíguos e muitas vezes contraditórios) e essa divisão nos adoece física, emocional e espiritualmente. Quando nos tornamos “um reino dividido contra si mesmo”, o mal sempre encontra a porta aberta para entrar e se apossar de nós.
O contrário disso aparece nas palavras de Jesus: “Ninguém pode entrar na casa de um homem forte, para roubar seus bens, sem antes o amarrar. Só depois poderá saquear sua casa” (Mc 3,27). Jesus é esse homem forte, que nunca se deixou “amarrar” pelo maligno. Ele nos alerta que, se muitas vezes os bens da nossa casa são roubados, é porque nós nos deixamos amarrar (seduzir) pelo maligno, entregando em suas mãos as chaves da nossa casa. Portanto, aqui volta a pergunta: “Onde você está?” (Gn 3,9). Sua situação hoje é a de um reino dividido contra si mesmo ou a de um homem forte, que não se deixa amarrar por aquele que vem saquear sua casa (sua alma, seus valores etc.)?    
O que levava Jesus a expulsar o mal da vida das pessoas era o poder do Espírito Santo. Diante da acusação de que estava possuído pelo príncipe dos demônios, Jesus faz um outro alerta: “Tudo será perdoado aos homens..., mas quem blasfemar contra o Espírito Santo nunca será perdoado” (Mc 3,28-29). Como diz o salmo 130,7-8, “no Senhor se encontra toda graça e copiosa redenção. Ele vem libertar Israel de toda a sua culpa”. Deus sempre nos perdoa porque agimos por ignorância. Mas quando o Espírito da Verdade nos convence a respeito do pecado (cf. Jo 16,8), e mesmo assim nós insistimos em fazer aquilo que é mal aos olhos de Deus, não aceitando a sua correção, estamos nos colocando fora do seu perdão.
         Depois de ter respondido aos de fora, Jesus agora responde aos de dentro, à sua família, que o acusava de “estar fora de si”. Diante do desejo da família de Jesus em querer controlá-lo, Jesus diz que o centro da vida dele é fazer a vontade do Pai e quem quiser ser reconhecido como sua família precisa fazer o mesmo: “Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mc 3,35). Jesus sempre se moveu dentro da vontade do Pai, rejeitando todas as propostas, inclusive as mais atraentes, que não estavam de acordo com essa vontade.
         Aqui, mais uma vez, cabe a pergunta: “Onde você está?” (Gn 3,9). Você está na vontade de Deus? Diante da força do nosso ego, que sempre procura satisfazer sua própria vontade, seguir seus próprios instintos, você é capaz de dizer ‘não’ a si mesmo para dizer ‘sim’ a Deus? Jesus nunca foi um reino dividido contra si mesmo, porque quem ocupava o centro da vida dele não era a ambiguidade ou a contradição dos seus desejos humanos, mas a vontade do Pai. Era isso que unificava Jesus como pessoa e lhe dava condições de expulsar da vida das pessoas a influência diabólica do mal (“diabo” significa “aquele que divide”).     
 Quem aprende a viver na vontade de Deus não sente medo dele, não precisa se esconder da Sua presença e não se envergonha da própria nudez. Quem busca viver na vontade de Deus não se condena por sentir desejos contrários a essa vontade, mas se alegra em ter a liberdade de administrá-los de acordo com essa mesma vontade. Quem está na vontade de Deus torna-se senhor da sua própria casa, uma pessoa com o coração unificado, cujas palavras, cujas atitudes e cuja presença fazem com que as outras pessoas possam responder por si mesmas “onde estão”, e queiram estar onde está a vontade de Deus para elas, e não mais onde o príncipe dos demônios as arrasta, adoecendo-lhes e causando divisões e fraturas dentro e fora de si mesmas. Aprendamos com Jesus a buscar, todos os dias, viver na vontade de Deus.  
                       Pe. Paulo Cezar Mazzi

segunda-feira, 4 de junho de 2012

QUEM ESTÁ NO CENTRO?

            Quando você passa por um longo período de aridez espiritual; quando se sente profundamente inquieto(a) na sua oração; quando seus pensamentos e sentimentos não dão trégua e você não consegue silenciar diante de Deus; quando o tempo da sua oração é totalmente preenchido por suas preocupações, seus medos, suas reclamações e seus pedidos, sem dar espaço para Deus falar; quando, enfim, você começa a concluir que é uma perda de tempo se colocar em oração, pergunte-se: quem está no centro da minha oração? Eu ou Deus?
            Quem estava no centro da oração de Jesus? O Pai. Todos os dias, Jesus buscava a face do Pai, como diz o Salmo 27,8-9: “É tua face, Senhor, que eu procuro, não me escondas a tua face!” Sempre que Jesus se colocava em oração, era para buscar compreender qual era a vontade do Pai para a sua vida. Tanto que ele disse: “Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’ entrará no Reino dos Céus, mas sim aquele que pratica a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mt 7,21).
            Muitas vezes, o que torna a nossa oração desgastante é a briga, a medição de forças entre nós e Deus, entre a nossa vontade e a d’Ele. Nos esquecemos das palavras do apóstolo Paulo: “(...) não sabemos o que pedir como convém; mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis, e aquele que perscruta os corações sabe qual o desejo do Espírito; pois é segundo Deus que ele intercede pelos cristãos” (Rm 8,26-27).
A melhor coisa que temos a fazer na oração é deixar com que o Espírito Santo ore em nós. Ele sabe quais são os desígnios de Deus a nosso respeito. Quando ele intercede por nós, sua intercessão não tem em mira a nossa vontade, mas aquilo que Deus sabe ser o melhor para nós, aquilo que vai realizar o Seu propósito de salvação em nossa vida. Precisamos da presença do Espírito Santo junto a nós, para que ele recoloque Deus no centro da nossa oração. 
Até mesmo quando oramos pelos outros, precisamos nos perguntar o quê está no centro da nossa oração, se é a nossa vontade ou se é a vontade de Deus. Quantas vezes nos decepcionamos com Deus porque oramos por determinada pessoa, e achamos que a nossa oração não foi atendida, porque aquilo que esperávamos não aconteceu. Nos esquecemos de que, quando colocamos uma pessoa em nossa oração, devemos pedir por ela como o Espírito Santo pede por nós, segundo Deus, não segundo aquilo que achamos ser o melhor para ela. Como não conhecemos quais são os desígnios de Deus para a pessoa, o melhor a fazer é orar por ela no sentido de que as coisas concorram para que o propósito de salvação de Deus se realize na vida dela.
              Quando Deus está no centro da nossa oração, já não nos preocupamos se saímos dela consolados ou desolados, mais tranquilos ou mais angustiados. Basta saber que estamos na presença de Deus e permitimos que o Seu Espírito perscrute o nosso coração, intercedendo não para que sejamos atendidos nisso ou naquilo, mas para que o desígnio de salvação de Deus se cumpra em nós, confiando na Palavra que diz: “Deus coopera em tudo para o bem daqueles que o amam, daqueles que são chamados segundo o seu desígnio” (Rm 8,28).   
                                                         Pe. Paulo Cezar Mazzi