quinta-feira, 22 de abril de 2021

A QUEM VOCÊ SEGUE NAS REDES SOCIAIS?

 Missa do 4. dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 4,8-12; 1João 3,1-2; João 10,11-18.

 

            Nas redes sociais (Youtube, Instagram, Facebook, Twitter) existem SEGUIDORES. Por exemplo, o Youtuber Felipe Neto tem 40 milhões de seguidores no seu canal no Youtube; Bolsonaro tem 39,9 milhões de seguidores nas suas redes sociais; Leandro Karnal tem 5 milhões de seguidores; a cantora Anitta tem 50 milhões de seguidores no Instagram...

Quantos seguidores você tem? Quem você segue nas redes sociais? Essas duas perguntas são importantes para nos aproximarem do Evangelho de hoje, no qual Jesus se apresenta como bom Pastor e se refere a nós como ovelhas do seu rebanho. As imagens do Pastor e das ovelhas são estranhas para a maioria das pessoas do nosso tempo, que vive numa cultura urbana e tecnológica, e não mais rural.

Ninguém gosta de ser retratado como ovelha, porque o termo lembra alguém que é domesticado, controlado, mandado por outros. No entanto, como nos lembra o Pe. Adroaldo, são muitas as pessoas que hoje se comportam como “gado”. “Sem uma visão crítica, deixam-se levar e vão aonde todos vão: ‘pastam’ nos campos envenenados das ‘fake-news’, aceitam que ‘falsos messias’ (seja no campo político ou religioso) controlem suas vidas... As redes sociais estão aí para demonstrar as atitudes alienadas do ‘rebanho’ que se transforma em ‘massa de manobra’, onde é proibido ‘pensar, sentir e amar’ de maneira diferente”.

“Pastam em campos envenenados”; “seguem falsos messias”; admiram pessoas que têm atitudes contrárias ao Evangelho e propagam contravalores; acham-se pessoas que enxergam, quando, na verdade, são cegos que se deixam guiar por outros cegos. Por isso, é importante perguntar novamente: Quem você segue nas redes sociais? Quem seu filho segue? Quem são as pessoas que mais têm seguidores hoje nas redes sociais? Elas são exatamente os pastores dos tempos atuais e aqueles que as seguem são suas ovelhas; quando não, seu gado!

Se a humanidade é um imenso rebanho disperso, dentro do qual muitas pessoas vivem desorientadas, isso se deve, em primeiro lugar, a uma crise de liderança confiável, a um compreensível desencanto com os líderes do nosso tempo, sejam eles políticos ou religiosos. Quantos líderes aparentavam ser bons pastores, mas se revelaram com o tempo verdadeiros mercenários? Enquanto o bom pastor tem como centro de interesse o bem das suas ovelhas, o mercenário tem como centro de interesse o dinheiro, o lucro que ele pode ter, sacrificando algumas das suas ovelhas, se preciso for.  

O dinheiro e o poder corrompem toda e qualquer liderança. Mas não é só isso que faz com que o rebanho chamado “humanidade” esteja perdido como está, nos tempos atuais, sem referências confiáveis de líderes que sejam bons pastores. A degradação de um pastor em um mercenário também se dá conosco, ovelhas. Quem de nós resiste à sedução do dinheiro? Quem de nós aceita arriscar a vida para enfrentar os lobos do nosso tempo: os traficantes, as milícias, os juízes e os policiais corruptos, os políticos que não têm escrúpulos em mandar matar seus críticos?

Até mesmo dentro do “rebanho” católico, hoje encontramos uma nova modalidade de “ovelhas”: as ovelhas mercenárias! São ovelhas que acreditam terem o poder de “domesticar” a Igreja por meio do dinheiro. Se a Igreja diz algo com o qual elas não concordam ou se não celebra a missa conforme elas exigem, fazem campanha nas redes sociais para boicotar o dízimo e as ofertas. São ovelhas diabólicas, que exigem uma Igreja domesticada, pastores domesticados, um Evangelho domesticado, um Jesus domesticado para atender aos seus interesses de católicos “conservadores”, “tradicionalistas”, “de direita”, defensores da “tradição, família e propriedade”, a antiga (ou ainda atual?) TFP!

Jesus não é apenas um bom pastor e meio a outros bons pastores. “Em nenhum outro há salvação, pois não existe debaixo do céu outro nome dado aos homens pelo qual possamos ser salvos” (At 4,12). Para nós, cristãos, Jesus é o único bom Pastor. Todo pastor – líder – que não se configura a Ele não passa de um mercenário: lidera não por amor, mas por interesse financeiro. Assim sendo, é um líder incapaz de dar sua vida pelo rebanho. Seu bem-estar e sua sobrevivência falarão sempre mais alto nele do que as necessidades das suas ovelhas.

“Eu sou o bom pastor. Conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem” (Jo 10,14). Jesus conhece suas ovelhas porque escolheu viver onde elas vivem e se deixou afetar por aquilo que afeta diretamente a vida de suas ovelhas. A grande tragédia de muitas igrejas ou paróquias é o distanciamento entre o pastor e seu rebanho. O pastor mora no centro; suas ovelhas, na periferia. O pastor tem um nível de vida razoável; muitas das suas ovelhas não têm o básico para sobreviver. O pastor tem uma vida poupada de inúmeros sofrimentos; suas ovelhas vivem expostas à violência, à falta de dinheiro, lidando com conflitos em casa e no trabalho, angustiadas com seus filhos envolvidos com as drogas etc. Esse distanciamento faz com que as palavras do pastor nada tenham a dizer às suas ovelhas, de modo que, naturalmente, elas acabem indo atrás de outras referências de pastor...

“Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil: também a elas devo conduzir; escutarão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor” (Jo 10,16). Assim como no passado a missão de Jesus não se limitou ao povo judeu (cf. Jo 11,52.54), assim hoje ela não se limite à Igreja Católica, pois Jesus é o Salvador do mundo (cf. Jo 4,42)! Sua morte e ressurreição o constituiu fonte de vida única e perene para todos: “Quando eu for elevado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32). Jesus não é propriedade de nenhuma igreja e jamais se deixaria “domesticar” por alguma! Nossa responsabilidade como ovelhas do seu rebanho é torná-lo conhecido, de tal modo que as pessoas do nosso tempo se identifiquem com sua voz e encontrem nele a orientação que procuram. 

A pandemia provocou uma profunda fragmentação no rebanho que é a humanidade. Desde março do ano passado, os rebanhos das igrejas foram dispersos e muitas ovelhas (sobretudo crianças, adolescentes e jovens) não retornaram para o “redil” (rebanho). O mundo mudou e não voltará mais a ser o mesmo, depois da pandemia. Neste sentido, somos desafiados pelo Pai a encontrar formas de fazer com que a voz de seu Filho chegue àqueles que se habituaram a não frequentar mais nossas igrejas e que continuam a ser objeto de procura e de busca do bom Pastor, pois Ele mesmo afirmou: “também a elas devo conduzir”. Não esperemos pela volta espontânea dessas ovelhas. Isso não acontecerá. Somos nós que temos que encontrar formas de nos tornar próximos delas, por fidelidade ao Pastor que nos chamou não somente a segui-lo, mas a nos tornar seus discípulos e a nos configurar a Ele, o bom Pastor.  

 Oração (cf. Sl 119,169-176)

“Que meu grito chegue à tua presença, Senhor, dá-me discernimento nas minhas escolhas e decisões. Que minha súplica chegue à tua presença, liberta-me, conforme tua promessa! Que a tua mão venha socorrer-me, protegendo-me dos mercenários e dos lobos do mundo atual. Desejo tua salvação, Senhor! Que eu possa viver para te louvar e tua Palavra venha dar direção à minha vida. Eu me desvio como ovelha perdida: vem procurar o teu servo!”

Pe. Paulo Cezar Mazzi

 

sexta-feira, 16 de abril de 2021

TESTEMUNHAS FERIDAS PARA CURAR UM MUNDO FERIDO

 Missa do 3. dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 3,13-15.17-19; 1João 2,1-5a; Lucas 24,35-48.

 

            O Evangelho nos coloca diante da terceira aparição de Jesus ressuscitado a seus discípulos. Em todas as aparições há algo que se repete: Jesus se depara com a resistência dos seus discípulos em crer que Ele de fato ressuscitou. Quais são as nossas resistências? O quanto temos consciência das nossas resistências? Nós resistimos a tudo aquilo que é novo, a tudo aquilo que nos desafia; nós resistimos a tudo aquilo que diverge da nossa forma de entender a vida, a tudo aquilo que nos desacomoda e nos coloca em crise; nós resistimos a tudo aquilo que não cabe na nossa compreensão.

            Assim como os discípulos de Jesus, nós resistimos em acreditar que a vida possa ser diferente daquilo que está sendo. Nós nos acostumamos com a rotina das coisas e essa rotina nos torna de uma certa forma apáticos e céticos perante a vida. Nós nos acostumamos com as doenças, com as perdas, com as desigualdades e injustiças sociais, com o pessimismo e com a falta de entusiasmo. Deixamos de sonhar, de esperar, de desejar, de crer que a vida possa ser diferente do que é. Resumindo, todas essas resistências formam uma casca dura em nossa cabeça e em nosso coração, de modo que Jesus precisa bater, bater, até que essa casca se quebre e a novidade da ressurreição possa ser acolhida por nós.

            “Por que vocês estão preocupados, e por que têm dúvidas no coração?” (Lc 24,38). Por que vivemos tomados de ansiedade, de medo, de preocupação? Porque não rezamos o quanto e o como deveríamos rezar; porque não alimentamos nossa fé; porque desconhecemos as Escrituras; porque cremos somente naquilo que podemos ver e experimentar; porque desconhecemos o poder de Deus; porque damos mais ouvidos ao que as pessoas falam e pensam nas redes sociais do que à voz de Deus em nossa consciência; porque nossa vivência religiosa é superficial, sem profundidade, sem disciplina; porque nossos valores estão invertidos; enfim, porque nós assumimos o papel de pilotos do avião e damos a Deus o papel de copiloto.

            Como Jesus quebrou a resistência dos seus discípulos? Ele mostrou-lhes as suas mãos e os seus pés feridos: “Vejam minhas mãos e meus pés: sou eu mesmo! Toquem em mim e vejam!” (Lc 24,39). Jesus precisou fazer isso porque o seu corpo estava glorificado pela ressurreição e havia mudado de aparência; no entanto, era o mesmo corpo que havia sido crucificado! Tudo ficaria mais fácil para nós se Jesus fizesse o mesmo, se aparecesse visivelmente e pudéssemos tocar n’Ele, mas foi Ele mesmo quem disse a Tomé: “Você acreditou porque me viu; felizes os que creem em mim sem me ver!” (Jo 20,29).

            Sempre que aparece ressuscitado, Jesus mostra aos discípulos as feridas da cruz no seu corpo glorificado, como se dissesse: “É onde você toca o sofrimento humano, e talvez só ali que você entenderá que eu (Cristo) estou vivo, que ‘sou eu’. Você me encontrará onde quer que haja pessoas que sofrem. Não fuja de mim em nenhum desses encontros. Não tenha medo. Não seja incrédulo, mas tenha fé!”... Dizem que o próprio Satanás apareceu a São Martinho sob a aparência de Cristo. No entanto, o santo não foi enganado. Ele perguntou: ‘Onde estão as tuas feridas?’ Não acredito em ‘fé sem feridas’, em uma igreja sem feridas, em um Deus sem feridas. Somente o Deus ferido através de nossa fé ferida poderia curar o nosso mundo ferido (Tomás Halík, padre, professor e psicólogo).

            Além de mostrar suas feridas aos discípulos, Jesus comeu diante deles um pedaço de peixe assado, para ficar claro que ele não é um espírito desencarnado, mas um corpo ressuscitado (cf. Lc 24,42-43)! Nosso corpo está destinado a ressuscitar. É por isso que a ação pastoral da Igreja não se ocupa apenas com a alma da pessoa, mas também com o seu corpo, com a sua existência concreta. O próprio Jesus afirmou que Ele está presente no corpo faminto, doente, agredido, injustiçado, maltratado etc. (cf. Mt 25,31-46). 

Enfim, depois de comer o peixe, “Jesus abriu a inteligência dos discípulos para entenderem as Escrituras” (Lc 24,46). A Bíblia não é um livro de evidências, mas um livro escrito na fé de quem fez uma experiência de Deus para suscitar fé naquele que a lê. Além disso, ela não é somente letra a ser lida, mas palavra viva que fala conosco. Somente Jesus pode nos ajudar a interpretar a Bíblia corretamente; somente Ele pode transformar a palavra da Escritura em “espírito e vida” (Jo 6,63) dentro de nós! Necessitamos que Jesus abra a nossa inteligência; que Ele retire o véu dos nossos olhos para que possamos nos abrir à verdade de Deus, que nos prometeu a vida eterna em seu Filho Jesus Cristo, e Deus não mente (cf. Tt 1,2).

“Vós sereis testemunhas de tudo isso” (Lc 24,48). O nosso testemunho é necessário porque a tarefa de Jesus – salvar a humanidade – não terminou na cruz; ela continua na história da Igreja. Nossa tarefa é dar testemunho de que Jesus está vivo dentro de nós e que a conversão, a mudança de mentalidade, não só é possível como também necessária para a salvação. Nossa tarefa é dar testemunho do Evangelho, “força de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Rm 1,16), o que significa nos esforçar em viver segundo o Evangelho. Nossa tarefa é dar esperança para aqueles que se sentem condenados em seus próprios pecados, anunciando-lhes que “temos junto do Pai um Defensor: Jesus Cristo, o Justo. Ele é a vítima de expiação pelos nossos pecados, e não só pelos nossos, mas também pelos pecados do mundo inteiro” (1Jo 2,1-2). Aquele que foi ferido na cruz pode curar as feridas que o pecado abriu em nós e em nosso mundo. Aquele que ressuscitou pode abrir os nossos túmulos e nos dar vida nova.  

           

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 9 de abril de 2021

QUE A FÉ NÃO SEJA MUNDANA!

 Missa do 2. dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 4,32-35; 1João 5,1-6; João 20,19-31.

 

            “Esta é a vitória que venceu o mundo: a nossa fé” (1Jo 5,4). Toda pessoa tem seus combates, suas lutas. Neste mundo competitivo, injusto e desigual, são muitos os combates, são muitas as lutas que as pessoas enfrentam para poderem sobreviver. Mas para nós, cristãos, há uma outra questão em jogo: não se trata simplesmente da nossa sobrevivência, mas da nossa fé. O mundo em que vivemos é um mundo pagão, um mundo que tem fé apenas naquilo que ele vê e experimenta; um mundo que tem fé na força do dinheiro e do poder, na força das armas e da inteligência, na força da astúcia e da esperteza, na força da mentira e da trapaça. Esse mesmo mundo até tempos atrás combatia abertamente contra a nossa fé. Mas hoje sua estratégia mudou: ele finge valorizar a fé, mas a fé que defende é corrompida: é a fé como força para alcançar vitórias materiais, vitórias mundanas.

            O texto dos Atos dos Apóstolos nos fala da fé dos primeiros cristãos no Cristo ressuscitado. Por crerem na ressurreição e na vida eterna, “tudo entre eles era posto em comum” (At 4,32), de modo que “entre eles ninguém passava necessidade, pois aqueles que possuíam terras ou casas, vendiam-nas, levavam o dinheiro, e o colocavam aos pés dos apóstolos. Depois, era distribuído conforme a necessidade de cada um” (At 4,34-35). A fé na ressurreição e na vida eterna nos faz relativizar aquilo que o mundo nos apresenta como valores absolutos o dinheiro e os bens materiais. A fé não é estratégia para uma igreja, um pastor ou um fiel se enriquecer. A fé no Cristo ressuscitado me torna livre em relação aos bens materiais, de modo que eu disponho deles para ajudar as pessoas necessitadas. No centro de uma igreja que crê na ressurreição não está o sucesso ou a prosperidade dos seus membros, mas o cuidado com aqueles que passam necessidades. https://oglobo.globo.com/economia/fome-cresce-pela-1-vez-em-17-anos-mais-da-metade-da-populacao-nao-tem-garantia-de-comida-na-mesa-24956620

            Quanto mais pobreza, quanto mais miséria, quanto mais violência, quanto mais problemas sociais, mais se multiplicam as igrejas, sobretudo as de cunho neopentecostal. Essas igrejas revelam não um crescimento de fé nas pessoas, não uma procura por Deus, mas uma procura por salvação aqui e agora, uma procura por mudança na situação material. Nunca como hoje se pronunciou tanto o nome de Jesus, mas em qual Jesus as pessoas creem? O Jesus vitorioso, o Jesus que tira você da miséria e o faz prosperar, o Jesus sem cruz, sem sofrimento, sem sangue! No entanto, a Escritura afirma que o verdadeiro Jesus “não veio somente com a água, mas com a água e o sangue” (1Jo 5,6). Jamais devemos nos esquecer de que o Ressuscitado é o Crucificado!

            No dia da Páscoa, Jesus visita sua Igreja e a encontra de portas fechadas por medo do mundo. Apesar da insistência do Papa Francisco em querer a Igreja de portas abertas para dialogar com as pessoas do nosso tempo, existem grupos contrários a esse diálogo, grupos que desejam uma Igreja fechada em si mesma, uma Igreja que se defenda do mundo ao invés de trabalhar pela salvação no mundo; uma Igreja que dê as costas para a realidade das famílias, ao invés de se deixar questionar pelos dramas humanos.

            A essa Igreja dividida, que além de viver conflitos internos, se sente insegura em relação ao mundo – na verdade, uma Igreja cada vez mais insignificante para o mundo – o Cristo ressuscitado oferece a sua paz e mostra suas mãos e o seu lado, feridos na cruz. “A paz esteja convosco”. Quem nos diz isso é Aquele que na cruz derrubou o muro de inimizade que separava os povos. O Ressuscitado está no seio da sua Igreja para transformar muros em pontes, para restabelecer o diálogo entre os seus membros, para ajudá-la a não perder o foco, que é a sua missão. Por isso, ele diz: “Como o Pai me enviou, também eu vos envio... Recebei o Espírito Santo” (Jo 20,21-22). Nós, Igreja, somos enviados por Jesus ao mundo; recebemos o Espírito Santo não como privilégio espiritual pessoal para termos uma vida bem sucedida, mas como vento que sopra, que movimenta, que comunica vida, que impulsiona, que revitaliza, que faz viver a partir de dentro.      

            No entanto, a Igreja precisa lidar com um problema interno: a falta de fé. Tomé não pertence ao mundo, mas à Igreja! O maior problema da Igreja hoje não é evangelizar um mundo pagão, mas curar em si mesma a ferida da falta de fé. Essa ferida foi aberta no Corpo da Igreja primeiramente devido aos seus próprios escândalos. Mas essa falta de fé também é consequência do tempo em que estamos vivendo, um tempo de crise de fé, um tempo em que a fé morreu com os avós, e os pais de hoje não a têm para transmitir aos seus filhos. A crise de fé é atualmente vivenciada por não poucos padres, bispos e agentes de pastoral, cujas respostas de ontem nada mais dizem às perguntas de hoje. Desse modo, o diálogo entre Evangelho e humanidade está comprometido.

            Hoje, mais do que nunca, nós precisamos que Jesus atravesse as portas fechadas da nossa Igreja e fale conosco, fale com a nossa fé que vacila, que carrega consigo muitos questionamentos. Nós precisamos que Jesus nos corrija como corrigiu Tomé: “Não seja uma pessoa incrédula, mas tenha fé!”. ‘Não seja uma pessoa que precisa o tempo todo de evidências para crer; não seja uma pessoa que só aceita caminhar se houver luz; não seja uma pessoa que está mais preocupada em ser aceita do que em anunciar a verdade do Evangelho; não interprete a minha presença no meio do mundo a partir da quantidade de pessoas que invocam o meu Nome. Não é na hora de mergulhar na água, mas na hora de mergulhar no sangue que se comprova, de fato, quem tem fé em Mim!’.

            Você acreditou por que me viu! “Felizes os que acreditaram sem terem visto!” (Jo 20,29). ‘Felizes os que mantiveram a fé mesmo depois do fracasso, da perda e da dor. Felizes os que não reduziram sua fé ao aqui e ao agora. Felizes os que têm uma fé verdadeiramente espiritual e não mundana. Felizes os que têm uma fé que suporta o fogo da provação e que não se quebra com qualquer pancada que leva da vida. Felizes os que aceitam caminhar comigo sem que eu lhes informe claramente para onde estamos indo. Felizes os que permitem que sua fé passe por crises, por questionamentos, por dúvidas, de modo a se tornar mais humilde e também mais profunda. Felizes aqueles que não perderam sua fé por causa da cruz com a qual terão que lidar ao longo da vida’.

            Nós cremos, Senhor Jesus, mas aumentai a nossa fé!  

 

            Pe. Paulo Cezar Mazzi

sábado, 3 de abril de 2021

VIVOS OU MORTOS, PERTENCEMOS AO SENHOR RESSUSCITADO!

 Missa do domingo de Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 10,34a.37-43; Colossenses 3,1-4; João 20,1-9

 

A morte pode nos atingir de várias maneiras, a partir de fora, mas o problema é quando nós nos deixamos morrer a partir de dentro. Algumas pessoas, depois de serem atingidas por algum tipo de morte, reagiram e decidiram ressuscitar, enquanto outras se entregaram e se deixaram morrer. Ainda assim, existe uma palavra de esperança também para quem desistiu de viver: “Quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor, pois foi para isto que Cristo ressuscitou, para ser o Senhor dos mortos e dos vivos!” (Rm 14,8). Quer eu me sinta vivo, quer eu me sinta morto, eu pertenço ao Senhor Jesus, cujas mãos me amparam, me possibilitam fazer a Páscoa e me conduzem no caminho para a Vida.

A Vigília Pascal ontem nos lembrava de que “nunca houve noite que pudesse impedir o nascer do sol e a esperança”. Isso significa que não há situação que Deus não possa mudar. Crer em Deus não nos impede de morrer, nem de ficarmos doentes, ou de perdermos o emprego, de sofrermos um acidente, de perdermos alguém que amamos, de experimentarmos quedas, fraquezas ou fracassos em nossa trajetória de vida. Mas a nossa fé é chamada a se lançar para além desta vida terrena: “Se temos esperança em Cristo (ressuscitado) somente para esta vida, somos os mais dignos de compaixão de todos os homens” (1Cor 15,19). Se a nossa fé no Cristo ressuscitado serve de esperança somente para as coisas presentes nós não entendemos nada a respeito da ressurreição, uma vez que ela diz respeito à verdadeira Vida, à vida eterna.   

Justamente por isso, o apóstolo Paulo nos convida a nos esforçar por “alcançar as coisas do alto, onde Cristo está” (Cl 3,1-2). Viver como ressuscitados, ou como filhos destinados à ressurreição, exige de nós um esforço diário para não reduzir nossas esperanças às promessas mundanas de felicidade. Esse esforço se torna maior ainda quando tomamos consciência de que a nossa vida de ressuscitados “está escondida com Cristo, em Deus” (Cl 3,3). “Vida escondida” significa que a nossa fé na ressurreição de Cristo e na nossa própria ressurreição não vai retirar do caminho da nossa vida todas as dificuldades, mas vai nos dar a certeza de que nós seremos unidos ao triunfo de Cristo sobre todo tipo de dor, de fracasso e de morte. “Deus, que ressuscitou o Senhor, também nos ressuscitará a nós pelo seu poder” (1Cor 6,14). Ressuscitando Jesus, Deus nos deu a esperança da vida eterna, e Deus não mente (cf. Tt 1,1-2)!   

 A fé no Cristo ressuscitado nunca poderá se transformar em blindagem, isto é, em proteção absoluta contra a dor, o sofrimento e a morte, mas como garantia de vitória contra tudo aquilo que hoje fere a nossa vida e a vida da humanidade. Mais uma vez é o apóstolo Paulo quem nos ajuda a compreender isso: “conhecer o poder da sua ressurreição e a participação nos seus sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte, para ver se alcanço a ressurreição de entre os mortos” (Fl 3,10-11). O discípulo se configura primeiro ao Crucificado para depois se configurar ao Ressuscitado! Assim como a vida que está escondida dentro da semente só desabrocha quando ela morre, ou seja, é enterrada, assim também a nossa ressurreição só se dará a partir da nossa própria morte.

            Uma pessoa que crê no Cristo ressuscitado não está revestida de glória aqui e agora; pelo contrário, ela é chamada a não comungar, não compactuar com aquilo que no mundo produz injustiça e cruz, e saber que sua vida de pessoa ressuscitada está “escondida com Cristo em Deus”, da mesma forma que uma semente carrega escondida dentro de si a vida de uma grande árvore capaz de produzir inúmeros frutos. Como aconteceu com Cristo, assim acontecerá com aqueles que creem na Sua ressurreição: “semeado mortal, o corpo ressuscita imortal; semeado desprezível, ressuscita cheio de glória; semeado na fraqueza, ressuscita cheio de força; semeado corpo psíquico, ressuscita corpo espiritual” (1Cor 15,43-44).

O Tempo Pascal que se inicia hoje nos convida a fazer como Jesus: “ele andou por toda a parte fazendo o bem” (At 10,38). Onde quer que estejamos, devemos ter um comportamento pascal, como nos ensina o apóstolo João: “Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos. Quem não ama seu irmão permanece na morte” (1Jo 3,14). Amar não é um sentimento, mas uma atitude, uma decisão: fazer para o outro aquilo que você gostaria que ele fizesse para você. Como Jesus, tomemos a iniciativa de amar, de fazer o bem, de semear sementes de ressurreição onde quer que a vida nos coloque. Que a nossa vida se torne um anúncio vivo do Ressuscitado!

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 2 de abril de 2021

DEUS NOS FAZ PASSAR, ATRAVESSAR, RESSUSCITAR!

 Vigília Pascal. Palavra de Deus: Gênesis 1,1 – 2,2; Êxodo 14,15 – 15,1; Baruc 3,9-15.32 – 4,4; Romanos 6,3-11; Marcos 16,1-7.

 

Esta é uma noite de vigília. Vigília tem a ver com espera, com esperança: nós esperamos pela luz do amanhecer; nós esperamos porque acreditamos que “nunca houve noite que pudesse impedir o nascer do sol e a esperança”. Para nós, cristãos, a noite escura é também um símbolo da nossa fé: nós não vemos a Deus, mas cremos na Sua existência e no Seu amor por nós. Mesmo nas nossas noites escuras, e sobretudo nelas, nossa fé precisa se mover, pois, como diz a Escritura, “nós caminhamos pela fé, não pela visão clara” (2Cor 5,7).

Quando Israel estava no exílio da Babilônia (séc. VI a.C.), e não via mais como sair da desolação em que se encontrava, Deus dirigiu a sua Palavra àquele povo para lembrá-lo de que Ele é o Criador, Aquele que fez todas as coisas e as mantém com o poder da sua Palavra (cf. Gn 1,1–2,2), Aquele que iniciou sua obra em cada um de nós, e a quem nos dirigimos pedindo: “Senhor, eu vos peço: não deixeis inacabada esta obra que fizeram vossas mãos” (Sl 138,8). Por isso, a imagem do paraíso, descrita na primeira leitura, não é saudade de um passado que não voltará mais, mas esperança de um futuro que será criado por Deus, que tem por desígnio restaurar todas as coisas em seu Filho Jesus (cf. Ef 1, 9-10; Cl 1,19-20).

Na noite em que foi liberto do Egito, Israel não conseguia enxergar claramente o que estava acontecendo. Ele só conseguiu atravessar o Mar Vermelho porque era noite e, ao invés de ser amedrontado pelo mar, foi encorajado pela coluna de fogo, pela nuvem luminosa que o guiava, retirando-o do Egito e conduzindo-o para a Terra Prometida. Isso significa que só faz Páscoa, só faz a passagem da morte para a vida, quem aceita caminhar na noite escura da fé. A Páscoa exige que você caminhe também quando é noite; que você confie e se deixe guiar por Aquele que vê o caminho que você não consegue ver, pois Ele vê do alto e vê além!

A travessia do mar Vermelho nos recorda que todo processo de libertação enfrenta resistência. A Páscoa, a passagem que desejamos fazer, sempre enfrenta obstáculos. Mas o Senhor nos faz atravessar os obstáculos e prosseguir em nossa caminhada de libertação. A obra da salvação é d’Ele e não nossa. É Ele quem faz sair, faz entrar, faz caminhar, faz passar. Só existe Páscoa (passagem) porque o Senhor abre uma passagem onde ela não existe, e nos faz passar ali. Mas também é preciso que se diga que só existe passagem porque nós decidimos confiar no Senhor e passar. De que adiantaria Deus abrir o mar em dois, se nós insistíssemos em ficar na margem de cá, sem fazer a travessia tão necessária para a vida nova que o Senhor quer para nós?

Na noite da páscoa, Israel foi liberto pelo Senhor das correntes da escravidão do Egito. Mas a passagem mais difícil nem sempre é livrar-se das correntes externas e sim das internas. Mais difícil do que quebrar correntes é ter a coragem de cortar aquele pequeno fio de ouro que nos mantém amarrados aos nossos erros, às falsas compensações que o pecado nos oferece. Mesmo que Deus nos faça passar de uma situação de morte para uma situação de vida, quantas vezes nós retrocedemos, jogando fora o dom recebido e voltando a nos tornar escravos de coisas, pessoas ou situações que nos afastam da nossa “terra prometida”? Eis, portanto, a advertência do profeta: “Abandonaste a fonte da sabedoria! Se tivesses continuado no caminho de Deus, viverias em paz para sempre... Volta-te, Jacó, e abraça a sabedoria; marcha para o esplendor, à sua luz” (Br 3,12-13; 4,2).

Nesta noite de vigília pascal, São Paulo apóstolo nos lembra que, embora nenhum de nós tenha passado pelo mar Vermelho, todos nós passamos por uma outra água, muito mais salvífica: a água do batismo, a qual nos mergulhou na morte de Cristo para com Ele ressurgir numa vida nova. Cada vez que a Igreja nos oferece a oportunidade de renovar as promessas do nosso batismo, está nos convidando a atualizar a nossa identificação com Jesus Cristo por uma morte semelhante à sua, para que sejamos identificados com Ele por uma ressurreição semelhante à sua (cf. Rm 6,5). Assim, quando procuramos viver de maneira coerente com o nosso batismo, fazemos esse exercício cotidiano de nos considerar mortos para o pecado, mas vivos para Deus, semelhantes a seu Filho Jesus.

A narrativa da Paixão (ontem) terminou com a menção da grande quantidade de perfume que Nicodemos comprou para ungir o corpo de Jesus. Naquele momento, refletimos que, diante do mau cheiro da morte, precisamos espalhar o perfume da nossa fé na ressurreição, o perfume da nossa esperança de vida eterna, o perfume da nossa confiança de que toda situação de cruz se converterá em uma vida transformada, ressuscitada. Eis porque o Evangelho desta vigília pascal se inicia fazendo uma nova referência ao perfume que algumas mulheres levam, enquanto caminham para o túmulo de Jesus.    

Se a imagem do túmulo nos recorda que somos mortais, há um sinal que diz que a morte não é mais um ponto final na vida humana (a grande pedra que impedia o acesso ao corpo de Jesus foi retirada). Aquela pedra não foi retirada por alguém de fora, mas por Alguém de dentro do túmulo, Alguém que todos pensavam que estava morto para sempre!

A pedra que nos mantinha a todos fechados em nossos túmulos, aprisionados para sempre na morte, foi retirada! Dentro do túmulo não há mais uma vida que terminou na morte, um sonho de que desfez para sempre, uma luz que se apagou definitivamente. Dentro do túmulo há um jovem – imagem da vida que se renova – dizendo que Jesus de Nazaré, que foi crucificado, ressuscitou! Portanto, esta noite de Páscoa nos convida a retirar a pedra do túmulo do nosso desânimo, do nosso abatimento, túmulo que representa tantas atitudes nossas por meio das quais nos enterramos vivos, morremos antes da hora, abandonamos os nossos valores, pensando que ficar dentro de um túmulo seja melhor do que sair e enfrentar a vida e correr o risco de sermos machucados.

“Vós procurais Jesus de Nazaré, que foi crucificado? Ele ressuscitou. Não está aqui. Vede o lugar onde o puseram. Ide, dizei a seus discípulos e a Pedro que ele irá à vossa frente, na Galileia. Lá vós o vereis, como ele mesmo tinha dito” (Mc 15,6-7). O Evangelho da vigília Pascal poderia nos colocar em contato com Jesus Ressuscitado (o que será feito nos dois próximos domingos), mas ele nos coloca, primeiro, diante de um túmulo vazio, túmulo que nos lembra que crer na ressurreição não significa crer que não vamos morrer, ou que vamos ser poupados de sofrimento, mas significa crer que vamos vencer a morte e o sofrimento. O nosso sofrer e a nossa morte não são a negação da ressurreição, mas o lugar existencial onde experimentaremos a nossa própria ressurreição (cf. 2Cor 5,2-4).

“Ressuscitar é romper o próprio túmulo. É preciso sair do próprio túmulo. Ir removendo uma a uma as pedras que foram soterrando a vida que vive em nós. Deixar que a luz ilumine e dê brilho aos cantinhos mais obscuros e empoeirados da nossa história pessoal e social. Superar nossos medos, reconstruir nossos laços com a esperança. Minha Páscoa, nossa Páscoa, se realiza quando o túmulo fica no passado, esquecido e abandonado; quando o túmulo fica em minha história como o casulo fica na história de uma borboleta, uma fase, um tempo duro e difícil que passou, que foi vencido e superado” (Eduardo Machado).  

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi