sexta-feira, 9 de abril de 2021

QUE A FÉ NÃO SEJA MUNDANA!

 Missa do 2. dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 4,32-35; 1João 5,1-6; João 20,19-31.

 

            “Esta é a vitória que venceu o mundo: a nossa fé” (1Jo 5,4). Toda pessoa tem seus combates, suas lutas. Neste mundo competitivo, injusto e desigual, são muitos os combates, são muitas as lutas que as pessoas enfrentam para poderem sobreviver. Mas para nós, cristãos, há uma outra questão em jogo: não se trata simplesmente da nossa sobrevivência, mas da nossa fé. O mundo em que vivemos é um mundo pagão, um mundo que tem fé apenas naquilo que ele vê e experimenta; um mundo que tem fé na força do dinheiro e do poder, na força das armas e da inteligência, na força da astúcia e da esperteza, na força da mentira e da trapaça. Esse mesmo mundo até tempos atrás combatia abertamente contra a nossa fé. Mas hoje sua estratégia mudou: ele finge valorizar a fé, mas a fé que defende é corrompida: é a fé como força para alcançar vitórias materiais, vitórias mundanas.

            O texto dos Atos dos Apóstolos nos fala da fé dos primeiros cristãos no Cristo ressuscitado. Por crerem na ressurreição e na vida eterna, “tudo entre eles era posto em comum” (At 4,32), de modo que “entre eles ninguém passava necessidade, pois aqueles que possuíam terras ou casas, vendiam-nas, levavam o dinheiro, e o colocavam aos pés dos apóstolos. Depois, era distribuído conforme a necessidade de cada um” (At 4,34-35). A fé na ressurreição e na vida eterna nos faz relativizar aquilo que o mundo nos apresenta como valores absolutos o dinheiro e os bens materiais. A fé não é estratégia para uma igreja, um pastor ou um fiel se enriquecer. A fé no Cristo ressuscitado me torna livre em relação aos bens materiais, de modo que eu disponho deles para ajudar as pessoas necessitadas. No centro de uma igreja que crê na ressurreição não está o sucesso ou a prosperidade dos seus membros, mas o cuidado com aqueles que passam necessidades. https://oglobo.globo.com/economia/fome-cresce-pela-1-vez-em-17-anos-mais-da-metade-da-populacao-nao-tem-garantia-de-comida-na-mesa-24956620

            Quanto mais pobreza, quanto mais miséria, quanto mais violência, quanto mais problemas sociais, mais se multiplicam as igrejas, sobretudo as de cunho neopentecostal. Essas igrejas revelam não um crescimento de fé nas pessoas, não uma procura por Deus, mas uma procura por salvação aqui e agora, uma procura por mudança na situação material. Nunca como hoje se pronunciou tanto o nome de Jesus, mas em qual Jesus as pessoas creem? O Jesus vitorioso, o Jesus que tira você da miséria e o faz prosperar, o Jesus sem cruz, sem sofrimento, sem sangue! No entanto, a Escritura afirma que o verdadeiro Jesus “não veio somente com a água, mas com a água e o sangue” (1Jo 5,6). Jamais devemos nos esquecer de que o Ressuscitado é o Crucificado!

            No dia da Páscoa, Jesus visita sua Igreja e a encontra de portas fechadas por medo do mundo. Apesar da insistência do Papa Francisco em querer a Igreja de portas abertas para dialogar com as pessoas do nosso tempo, existem grupos contrários a esse diálogo, grupos que desejam uma Igreja fechada em si mesma, uma Igreja que se defenda do mundo ao invés de trabalhar pela salvação no mundo; uma Igreja que dê as costas para a realidade das famílias, ao invés de se deixar questionar pelos dramas humanos.

            A essa Igreja dividida, que além de viver conflitos internos, se sente insegura em relação ao mundo – na verdade, uma Igreja cada vez mais insignificante para o mundo – o Cristo ressuscitado oferece a sua paz e mostra suas mãos e o seu lado, feridos na cruz. “A paz esteja convosco”. Quem nos diz isso é Aquele que na cruz derrubou o muro de inimizade que separava os povos. O Ressuscitado está no seio da sua Igreja para transformar muros em pontes, para restabelecer o diálogo entre os seus membros, para ajudá-la a não perder o foco, que é a sua missão. Por isso, ele diz: “Como o Pai me enviou, também eu vos envio... Recebei o Espírito Santo” (Jo 20,21-22). Nós, Igreja, somos enviados por Jesus ao mundo; recebemos o Espírito Santo não como privilégio espiritual pessoal para termos uma vida bem sucedida, mas como vento que sopra, que movimenta, que comunica vida, que impulsiona, que revitaliza, que faz viver a partir de dentro.      

            No entanto, a Igreja precisa lidar com um problema interno: a falta de fé. Tomé não pertence ao mundo, mas à Igreja! O maior problema da Igreja hoje não é evangelizar um mundo pagão, mas curar em si mesma a ferida da falta de fé. Essa ferida foi aberta no Corpo da Igreja primeiramente devido aos seus próprios escândalos. Mas essa falta de fé também é consequência do tempo em que estamos vivendo, um tempo de crise de fé, um tempo em que a fé morreu com os avós, e os pais de hoje não a têm para transmitir aos seus filhos. A crise de fé é atualmente vivenciada por não poucos padres, bispos e agentes de pastoral, cujas respostas de ontem nada mais dizem às perguntas de hoje. Desse modo, o diálogo entre Evangelho e humanidade está comprometido.

            Hoje, mais do que nunca, nós precisamos que Jesus atravesse as portas fechadas da nossa Igreja e fale conosco, fale com a nossa fé que vacila, que carrega consigo muitos questionamentos. Nós precisamos que Jesus nos corrija como corrigiu Tomé: “Não seja uma pessoa incrédula, mas tenha fé!”. ‘Não seja uma pessoa que precisa o tempo todo de evidências para crer; não seja uma pessoa que só aceita caminhar se houver luz; não seja uma pessoa que está mais preocupada em ser aceita do que em anunciar a verdade do Evangelho; não interprete a minha presença no meio do mundo a partir da quantidade de pessoas que invocam o meu Nome. Não é na hora de mergulhar na água, mas na hora de mergulhar no sangue que se comprova, de fato, quem tem fé em Mim!’.

            Você acreditou por que me viu! “Felizes os que acreditaram sem terem visto!” (Jo 20,29). ‘Felizes os que mantiveram a fé mesmo depois do fracasso, da perda e da dor. Felizes os que não reduziram sua fé ao aqui e ao agora. Felizes os que têm uma fé verdadeiramente espiritual e não mundana. Felizes os que têm uma fé que suporta o fogo da provação e que não se quebra com qualquer pancada que leva da vida. Felizes os que aceitam caminhar comigo sem que eu lhes informe claramente para onde estamos indo. Felizes os que permitem que sua fé passe por crises, por questionamentos, por dúvidas, de modo a se tornar mais humilde e também mais profunda. Felizes aqueles que não perderam sua fé por causa da cruz com a qual terão que lidar ao longo da vida’.

            Nós cremos, Senhor Jesus, mas aumentai a nossa fé!  

 

            Pe. Paulo Cezar Mazzi

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