quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

QUAIS SÃO OS SEUS VALORES?

 Missa do 4º dom. comum. Palavra de Deus: Sofonias 2,3;3,12-13; 1Coríntios 1,26-31; Mateus 5,1-12a

 

            As leituras bíblicas de hoje nos falam de valores – aquilo que é importante em si mesmo, aquilo que é importante para a vida, segundo Deus. Ao mesmo tempo, elas denunciam a inversão de valores em que vive o nosso mundo. Enquanto Deus entende o valor como algo que é importante em si mesmo, o mundo entende o valor como algo que é importante para mim, para os meus interesses, ainda que isso prejudique os outros.

São valores para o mundo atual ter dinheiro, ter um corpo atraente, ter sucesso, vencer, ficar famoso, ser visto, tornar-se grande, ser forte, ter ascensão social; mais do que tudo, ser feliz, ainda que tal felicidade seja alcançada à custa da infelicidade de outros. Em contraposição a tudo isso, Deus nos fala de valores como: “praticar a justiça”, “procurar a humildade” (Sf 2,3). Quais pessoas você conhece que tem como meta de vida tornar-se justa, viver de maneira justa, agir segundo o coração (a vontade) de Deus? Como “procurar a humildade” num mundo onde “quem pode mais, chora menos”, onde a ganância é o motor do sucesso, onde é preciso ser visto como uma pessoa de sucesso?

Aqui precisamos ter claro que humildade não significa desprezar-se ou considerar-se inferior aos outros, mas simplesmente ser do tamanho que se é – nem mais e nem menos. Humildade tem a ver com húmus – terra. Uma pessoa humilde cultiva suas raízes. Por isso, não tomba diante dos ventos contrários. Por substituírem a humildade pela vaidade, muitas pessoas ostentam uma aparência de fortaleza e de sucesso, mas tombam facilmente diante de qualquer contrariedade da vida.  

            A forte contraposição entre os valores de Deus e os contravalores do mundo aparece nas palavras do apóstolo Paulo: “Deus escolheu o que o mundo considera como fraco, para assim confundir o que é forte; Deus escolheu o que para o mundo é sem importância e desprezado, o que não tem nenhuma serventia, para assim mostrar a inutilidade do que é considerado importante” (1Cor 1,27-28). Enquanto o ser humano aposta na força, Deus aposta na fraqueza; enquanto nós buscamos nos afastar de tudo aquilo que em nós é fraco, feio, limitado e imperfeito, Deus nos diz que é na aceitação e na reconciliação com tudo isso que está o nosso crescimento, a nossa cura e a nossa transformação.

            Um outro exemplo claro de como Deus vê a vida a partir de uma outra perspectiva está nas bem-aventuranças do Evangelho, as quais retratam a maneira como Jesus entende a vida. Para nós, o valor mais importante na vida é a felicidade; para Jesus, o valor mais importante é o sentido, o qual, por sua vez, é consequência de uma causa, de uma missão. Muito mais importante do que você ser feliz é que sua vida tenha um sentido, uma razão de ser. Muito mais importante do que você viver girando em torno dos seus interesses, os quais nunca poderão ser totalmente satisfeitos, é que você olhe ao seu lado e faça algo para que o mundo à sua volta se torne melhor, confiando no que Jesus disse: “Há mais felicidade em dar do que em receber” (At 20,35).    

             Enquanto o mundo propõe a você tornar-se forte e autossuficiente, Jesus te propõe tornar-se “pobre em espírito”, isto é, uma pessoa totalmente dependente de Deus. Enquanto o mundo propõe a você afastar-se de todo tipo de dor, Jesus convida você a deixar-se afetar pela “aflição” dos que sofrem, pois é isso que mantém você humano. Enquanto o mundo ensina você a querer tudo pronto e funcionando aqui e agora, Jesus te propõe exercitar a “mansidão”, compreendendo que as mudanças mais importantes só são alcançadas mediante um processo, e não impostas à força, artificialmente. Enquanto o mundo ensina você a buscar uma felicidade egoísta, Jesus desafia você a sentir “fome e sede de justiça”, isto é, a não se conformar com as injustiças que fazem tantas pessoas sofrerem neste mundo. Enquanto o mundo envenena o seu coração com a intolerância, Jesus convida você a cultivar a “misericórdia” na sua relação com as pessoas. Enquanto o mundo profana tudo e banaliza o sagrado, Jesus te desafia manter o seu “coração puro”, tendo como regra de vida essa verdade: “Posso fazer tudo o que quero, mas nem tudo me convém. Posso fazer tudo o que quero, mas não me deixarei escravizar por coisa alguma” (1Cor 6,12). Enquanto o mundo te provoca a ser uma pessoa agressiva e reativa (bateu, levou), Jesus te propõe exercitar a “paz” interior, não deixando-se determinar a partir de fora. Enquanto o mundo te distrai de mil maneiras, para que você não se envolva em causas sociais, Jesus te desafia a se opor firmemente diante das injustiças, sofrendo, inclusive, “perseguição” por causa disso. Enfim, enquanto o mundo te seduz com uma falsa proposta de vida feliz, Jesus te convida a se comprometer com os valores do Evangelho, sofrendo, consequentemente, o ódio do mundo.     

            Em resumo, a Palavra de Deus nos coloca diante de duas propostas: buscar aquilo que interessa para nós ou buscar aquilo que tornará o nosso mundo melhor; ser feliz de maneira egoísta ou viver uma vida com sentido; usufruir tudo o que a vida tem para nos dar ou vivê-la como uma missão. A escolha é nossa, lembrando que tal escolha repercutirá na eternidade.

 

            Pe. Paulo Cezar Mazzi   

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

NOSSA MISSÃO: RESGATAR PESSOAS

 Missa do 3º. Dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 8,23b – 9,3; 1Coríntios 1,10-13.17; Mateus 4,12-23


            O Evangelho de hoje nos coloca diante do início da vida pública de Jesus. Até então, Jesus vivia de forma anônima, em Nazaré. O que faz com que Jesus deixe Nazaré e passe a morar em Cafarnaum é a prisão de João Batista, prisão que tinha por objetivo silenciar a voz de João, a qual incomodou Herodes. Se a voz de João é silenciada com sua prisão, Jesus entende que é hora de ele, Palavra de Deus encarnada na realidade humana, sair do seu anonimato e se pronunciar. Essa atitude de Jesus nos lembra aquilo que o Papa Francisco ensina: a existência de cada um de nós contém uma palavra única de Deus para a humanidade. Essa palavra deve ser pronunciada, ou seja, cada um de nós é chamado a ocupar o nosso lugar na história da salvação; cada um de nós deve deixar sua Nazaré e mudar-se para Cafarnaum; cada um de nós precisa abraçar a tarefa, a missão, a vocação para a qual nascemos e na qual se encontra a razão de ser da nossa existência.     

            O que nos chama a atenção no Evangelho é que Jesus não se muda de Nazaré para Jerusalém, a capital do país, mas para uma região desprezível e mal afamada, chamada pejorativamente de “Galileia dos pagãos”. Habituados com as redes sociais, que alimentam o nosso narcisismo – a nossa necessidade de sermos vistos – , nós fugimos das periferias e fazemos de tudo para brilhar no centro, na “capital”, onde teremos visibilidade. Aliás, a busca pela visibilidade tem escravizado, adoecido e desumanizado muitas pessoas. Em nome de serem vistas, percebidas, notadas, elas abrem mão dos seus valores, dos seus princípios, e aceitam se tornar vulgares, vazias e fúteis, sujeitando-se a serem meros produtos de consumo da mídia, que tem o pode de transformar príncipes em sapos e sapos em príncipes.

            Diferente da nossa sociedade narcisista, Jesus nunca buscou fama, nem visibilidade. Ele nunca aceitou se tornar vazio e fútil para ganhar a simpatia das pessoas. Pelo contrário, rejeitando aparecer e ter fama, Jesus escolheu iniciar sua vida pública no meio de pessoas tidas como sujas, mestiças, impuras, desprezíveis. Enquanto a região da Judeia era habitada por judeus “puros”, a Galileia era chamada exatamente de “Galileia dos pagãos”, por ser habitadas por pessoas pobres, simples, analfabetas, trabalhadores braçais, cuja vivência religiosa era desprezada pelo judaísmo ortodoxo. O que isso diz para a sua vida? Você já encontrou o seu lugar nesse mundo? Você está florescendo aonde a mão de Deus lhe plantou, ou vive lamentando por estar na periferia e não ocupar o centro das atenções do mundo?

            Escolhendo colocar-se junto das pessoas que habitavam uma região desprezível do seu país, Jesus cumpriu a profecia que diz: “O povo que vivia nas trevas viu uma grande luz e para os que viviam na região escura da morte brilhou uma luz” (Is 9,1; Mt 4,16). A luz que você é está sendo levada para os idosos que vivem na região escura da tristeza, da solidão, do abandono? A luz que você é está sendo levada às crianças e adolescentes de famílias desestruturadas, que vivem no meio da violência e do tráfico de drogas? A luz que você é está sendo levada às famílias que sofrem com problemas financeiros, com doenças, com brigas e separações? A luz que você é disputa lugar com os ambientes luxuosos, iluminados com lustres caríssimos, ou você se alegra por levar sua luz aos ambientes mais escuros, onde há pessoas sem fé, sem esperança, sem sentido de vida?

            A missão de Jesus sempre foi “procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19,10). Mas ele não se pôs a fazer isso sozinho. Pelo contrário, quis formar um grupo de discípulos. Os quatro primeiros discípulos foram escolhidos por Jesus entre pescadores do mar da Galileia: Pedro e André, Tiago e João. A eles Jesus lançou um desafio: “Sigam-me, e eu farei de vocês pescadores de homens” (Mt 4,19). Jesus aproveitou a experiência daqueles pescadores e os desafiou a aplicar tal experiência de forma nova, resgatando pessoas do mar da destruição, do pecado e da morte. Cada um de nós tem sua profissão. Jesus nos convida a vivê-la não simplesmente em função de ganhar dinheiro, mas em função de fazer o bem à humanidade e de ajudar a salvar as pessoas que estão à nossa volta e que talvez estejam se afogando no mar da destruição.

            “Pescar homens” significa resgatar pessoas das inúmeras situações de morte. O sentido da nossa vida não está em nos dar bem neste mundo materialista, mas em ajudar a resgatar pessoas para Deus, para a vida, para a esperança, para a fé e o amor. Nosso mundo é um imenso mar no qual inúmeras pessoas estão sendo destruídas, mortas. Não basta que nós tenhamos a nossa consciência tranquila pelo fato de não fazermos o mal aos outros. É preciso muito mais do que isso: é preciso fazer o bem de que somos capazes, de que temos condições de fazer, lembrando de que não existe acaso: se a vida nos coloca junto de determinadas pessoas, é porque podemos e devemos ser para elas uma “rede” de salvação, que as resgata do mal e da morte.

            Uma última palavra. Se existe um resgate a ser feito fora da Igreja – ela existe para resgatar as pessoas que estão se perdendo, no mundo –, existe também um resgate a ser feito dentro da Igreja: o resgate da unidade: “entrem em acordo uns com os outros e não admitam divisões entre vocês” (1Cor 1,10). O apóstolo Paulo encontrou a Igreja de Corinto dividida: “Eu sou de Paulo”; “Eu sou de Apolo”; “Eu sou de Pedro”; “Eu sou de Cristo!” (1Cor 1,12). Diante dessa divisão, Paulo fez uma pergunta: “Será que Cristo está dividido?” (1Cor 1,13). Hoje, a principal divisão dentro da Igreja é a mesma que se encontra fora dela, causada pela polarização: “Eu sou de direita”; “Eu sou de esquerda”. Ora, a Igreja é o Corpo de Cristo (cf. 1Cor 12,12-27). Assim como o nosso corpo tem o lado direito e o lado esquerdo, e ambos são necessários para a saúde e o bom funcionamento do corpo, assim aqueles que se identificam com a “direita” como aqueles que se identificam com a “esquerda” devem trabalhar pelo bem comum. Não sejamos cristãos diabólicos – o diabo é o divisor –, alimentando brigas e divisões entre nós, mas cristãos fraternos, trabalhando pela concórdia e pela unidade, conforme Jesus orou: “que todos sejam um, (...) para que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17,20-21).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

 

 

 

 

 

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

EXISTE UMA RAZÃO PARA VOCÊ VIVER?

 Missa do 2º dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 49,3.5-6; 1Coríntios 1,1-3; João 1,29-34.

           

Se nós perguntarmos para as pessoas a respeito do que elas mais desejam na vida, não será difícil saber a resposta: elas desejam ser felizes. Para o mundo em que vivemos, a única coisa que importa é ser feliz. O problema é que a felicidade não é algo que deve ser buscado diretamente, como um fim em si mesmo. Ela só pode surgir em nós como consequência de quem sabe que tem um propósito para viver e é fiel a esse propósito. Portanto, a questão principal da vida não é ser feliz, mas ter um sentido para viver.

Mas, como encontrar o sentido da vida? Escutando as perguntas que ela nos faz. Diante de cada situação, a vida está nos pedindo algo, nos perguntando como queremos nos posicionar, como desejamos lidar com aquilo que está nos acontecendo. Além disso, ninguém pode dar a você o sentido da sua própria vida; é você quem deve descobri-lo, a partir da sua vocação, da sua missão, da razão de ser da sua existência. Essa é a questão principal: compreender que a nossa existência tem um porquê, um para quê, uma razão de ser, uma finalidade.

Para nós, que temos fé em Deus, a nossa existência não é algo acidental, nem mesmo fruto do acaso, mas fruto de um chamado, de uma escolha: “ele que me preparou desde o nascimento para ser seu Servo” (Is 49,5). “Tu és o meu Servo, Israel... Eu te farei luz das nações, para que minha salvação chegue até aos confins da terra” (Is 49,3.6). Deus nos chamou à vida para abraçarmos uma missão em favor do bem e da salvação de outras pessoas. Nós não existimos em função de nós mesmos. Como costuma dizer o Papa Francisco: “Eu sou uma missão nesta terra, e para isso estou neste mundo” (EG, n.273). Quanto mais somos fiéis à missão que somos, mais a nossa existência ganha sentido; quanto mais nos afastamos dessa missão, mais vazios e infelizes nos sentimos.

Por desconhecerem a missão que são e não ouvirem as perguntas da vida, muitas pessoas tentam preencher o próprio vazio através do consumismo, da constante busca pelo prazer (sexo), da competitividade no campo profissional, da autoafirmação da própria imagem (redes sociais) etc., mas nada disso funciona, porque o único objetivo delas é serem felizes fechadas em seu próprio individualismo, sem se importarem com o que acontece à sua volta e sem abraçarem a tarefa que a vida está lhes pedindo.

A razão de ser da existência do Servo de Deus era fazer o povo de Israel voltar-se para o seu Deus, assim como a razão de ser da existência do apóstolo Paulo era anunciar a pessoa de Jesus Cristo como Salvador de todo ser humano: Paulo, chamado a ser apóstolo de Jesus Cristo, por vontade de Deus” (1Cor 1,1). A razão de ser da existência de cada um de nós está nisso: “por vontade de Deus”. A maioria das pessoas passa pelo mundo sem ser percebida, muito menos valorizada, mas nós sabemos que existimos por vontade de Deus, chamados por Ele a abraçar uma missão específica. Essa consciência também está presente no Salmo de hoje: “Sacrifício e oblação não quisestes, mas abristes, Senhor, meus ouvidos... E então eu vos disse: ‘Eis que venho! (...) Com prazer faço a vossa vontade” (Sl 40,8.9).

Ao iniciarmos o que liturgicamente se chama de “tempo comum”, o Evangelho nos coloca diante da pessoa de Jesus Cristo, assim designado por João Batista: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29). Jesus vem ao mundo consciente da sua missão de ser o Cordeiro de Deus. Essa imagem só pode ser compreendida quando olhamos para a páscoa do Antigo Testamento, ocasião em que o povo hebreu sacrificou cordeiros e passou seu sangue nas portas das suas casas, para que a praga exterminadora que feriu o Egito poupasse suas famílias (cf. Ex 12,1-14). A grande diferença entre Jesus e os cordeiros pascais está exatamente no sangue: enquanto os cordeiros eram sacrificados sem saberem a razão do próprio sacrifício, Jesus livre e conscientemente se deixa sacrificar na cruz, derramando o seu sangue para o perdão dos pecados (cf. Hb 9,15-28).

Jesus entendeu a sua existência como vida doada, como entrega e sacrifício, para o bem da humanidade. Por isso, diversas vezes ele dizia: “Foi para isso que eu vim”, ou “Eu devo”, ou ainda “Eu vim para fazer a vontade daquele que me enviou”. Por isso, hoje devemos revisar a nossa identidade de discípulos do Cordeiro de Deus. Nós não somos seguidores de uma pessoa cujo objetivo principal era ser feliz de maneira egoísta, mas de uma pessoa cujo sentido de vida foi doar-se, sacrificar-se, passar pelo mundo fazendo o bem, amando até o fim, isto é, sendo fiel até o fim à missão que o Pai lhe confiou.

A pergunta que fica é esta: quem precisa do sacrifício do Cordeiro de Deus? Somente aquelas pessoas que têm consciência de que necessitam ser salvas; aquelas que sabem que não podem salvar-se por sua própria força: “Um rei não vence pela força do exército, nem o guerreiro escapará por seu vigor... Ninguém se salvará por sua força” (Sl 33,16). O nosso relacionamento com Jesus é, portanto, absolutamente necessário para a nossa libertação e nossa salvação. Ele mesmo afirmou isso: “Quem comete o pecado, é escravo. Ora, o escravo não permanece sempre na casa, mas o filho aí permanece para sempre. Se, pois, o Filho vos libertar, vós sereis, realmente, livres” (Jo 8,34-36).

O pecado é como que uma “tendência natural” em nós, levando em conta que o nosso ego sempre busca aquilo que é vantajoso para si mesmo. Em outras palavras, o nosso ego não se importa com aquilo que é importante em si (valor), mas somente com aquilo que é importante para ele (egoísmo). Só a graça de Cristo nos faz transcender essa tendência e nos abrir a uma vida liberta, buscando não aquilo que é importante apenas para nós, mas aquilo que é importante em si mesmo, especialmente aquilo que contribui para o bem comum, para o bem da humanidade.

Não nos esqueçamos: “A salvação pertence ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao Cordeiro!” (Ap 7,10). Retomemos com alegria e esperança o nosso seguimento de discípulos do Cordeiro de Deus. Somente nele temos libertação e salvação! Somente abraçando a missão que Ele nos confia é que a nossa vida tem sentido!

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi     

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

BUSCAR AQUELE QUE DESEJA NOS ENCONTRAR

 Missa da Epifania do Senhor. Palavra de Deus: Isaías 60,1-6; Efésios 3,2-3a.5-6; Mateus 2,1-12. 

 

A celebração de hoje – Epifania, manifestação de Deus – deve nos fazer pensar no seu oposto: o fato de muitas pessoas sentirem Deus ausente de suas vidas. Não são poucas as pessoas que não experimentam a presença de Deus em suas vidas. Na verdade, alguns teólogos afirmam que existe hoje um certo “eclipse de Deus”: por causa de uma doença, de uma perda, de um grande sofrimento, do vazio existencial ou da perda de sentido das coisas, do excesso de materialismo, das guerras e, sobretudo, da maldade humana, a luz de Deus – a experiência da Sua presença – tem se apagado dentro de muitas pessoas. Elas não conseguem perceber nenhum tipo de manifestação de Deus em suas vidas.

Na verdade, o próprio Jesus – luz que ilumina todo ser humano que vem a esse mundo (cf. Jo 1,9) – nasceu num momento de grande escuridão, quando o povo de Israel estava subjugado ao domínio opressor do Império Romano. Esse contraste entre escuridão e luz, descrito na liturgia do Natal – “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz” (Is 9,1); “E a luz brilha nas trevas, mas as trevas não a apreenderam” (Jo 1,5) – reaparece na liturgia de hoje. Mas nós não estamos aqui para lamentar a escuridão que existe em nosso mundo e, sim, para valorizar a presença da luz em nosso meio e dentro de nós mesmos!

Uma estrela guiou os magos do Oriente até Jesus. Quem ou o quê guia você na vida? Por quem ou pelo quê você se orienta na sua vida afetiva, profissional, espiritual? Embora muitas vezes nós caminhemos na vida desorientados ou seguindo mecanicamente “o fluxo”, fazendo o que todo mundo faz e vivendo como todo mundo vive, é importante cada um se perguntar: quem ou o quê está me guiando interiormente? Eu me oriento a partir de fora ou a partir de dentro? Minha orientação vem da voz de Deus em minha consciência ou da pressão do mundo externo?

Assim como uma estrela guiou os magos até Jesus, assim Deus nos chama a ser uma luz para os que vivem na escuridão. Se existe hoje um certo eclipse de Deus, um certo apagamento da Sua presença no meio do mundo, esse apagamento também se deve ao esfriamento da nossa fé, seja porque não estamos convictos a respeito daquilo que dizemos crer, seja porque não queremos ser criticados por uma sociedade avessa à fé. Desse modo, “escondemos” a nossa fé, ao invés de vivermos a partir dela.     

Este é o apelo do profeta Isaías para cada um de nós: “Levanta-te, acende as luzes... porque chegou a tua luz... A terra está envolvida em trevas e nuvens escuras cobrem os povos, mas sobre ti apareceu o Senhor... Os povos caminham à tua luz” (Is 60,1-3). Levantar-se significa sair da prostração, do desânimo, reagir ao “eclipse de Deus”. Convivendo com pessoas cuja fé se apagou ou está se apagando, você deve manter firme a sua luz. Justamente porque estamos rodeados por nuvens escuras, como as guerras, o tráfico de drogas, o individualismo, a indiferença para com o sofrimento alheio, a ganância, o consumismo, a desorientação, a falta de sentido para a vida etc., justamente por isso Deus nos desafia a sermos uma estrela, um ponto de luz para as pessoas do nosso tempo.      

Uma das frases mais conhecidas de Santa Teresa de Calcutá é esta: “Talvez você seja o único evangelho que seu irmão lê”. Neste mundo que cada vez mais rejeita as instituições e rejeita a Igreja como mediadora da luz de Deus; neste mundo relativista, onde muitas pessoas rejeitam a verdade e cada um costura a sua própria “verdade” com retalhos de mentiras, de crendices ou de superstições, talvez você seja o único ponto de luz para aquela pessoa com que você convive. Por isso, é preciso que você cuide e valorize a pequena luz que há em você: a luz da fé, da bondade, da retidão de comportamento, da fidelidade, do serviço em favor da justiça, da humildade, aquela luz que, de alguma forma, faz com que a pessoa que convive com você sinta o desejo de se voltar para Deus.

A busca dos magos do Oriente por Jesus foi uma busca sofrida. Nada estava totalmente claro para eles. Tiveram que fazer perguntas; tiveram que se deparar com a falsidade e a malignidade de Herodes; tiveram que lidar com a indiferença de tantos habitantes de Jerusalém. Mas eles não desistiram: caminharam no meio da noite, até encontrarem Jesus. Se nós quisermos experimentar a alegria que os magos experimentaram, precisamos aceitar conviver com perguntas, sem exigir logo respostas; precisamos nos desacomodar e nos dispor a caminhar ao encontro de Deus: “Procurem o Senhor enquanto ele se deixa encontrar, invoquem-no enquanto ele está perto” (Is 55,6).

Quando encontraram Jesus, os magos tiveram duas atitudes: o adoraram e lhe ofereceram presentes. Adorar: na prática, nós adoramos aquilo que o nosso dinheiro pode comprar e a nossa capacidade pode conquistar. No entanto, adorar é reconhecer Deus como Deus e nos reconhecer como totalmente dependentes dele. Adorar é também jogar fora os nossos ídolos, nossas falsas seguranças, e reconhecer que a nossa cura, a nossa salvação não vem de nós mesmos, mas do Deus vivo e verdadeiro. Adorar significa colocar-nos humildemente diante da sua presença misteriosa, não nos apropriarmos d’Ele como se fosse um objeto sagrado que pudéssemos usar a nosso favor.

Esta cena dos magos ajoelhados diante de Jesus também é questionadora: diante de quem ou do quê estamos ajoelhados? Seus joelhos ainda se dobram diante de Deus? Com que frequência? Nós nunca estamos tão perto de Deus quando nos ajoelhamos, embora esse ajoelhar-se também deve ser acompanhado de uma submissão interna do coração a Deus, um dobrar-se diante da Sua vontade. Quem diariamente dobra seus joelhos diante de Deus encontra forças para não se dobrar diante das dificuldades e desafios da vida.

Depois de adorar Jesus, os magos “abriram seus cofres e lhe ofereceram presentes: ouro, incenso e mirra” (Mt 2,11). O ouro simboliza a realeza de Jesus; o incenso, a sua divindade, e a mirra, a sua humanidade. Quais são as coisas mais secretas e preciosas que você tem mantido guardadas no seu cofre, e ainda não teve a coragem de oferecê-las a Deus? Abrir o cofre significa abrir o coração. Deus entra, cura e restaura onde nós permitimos que Ele o faça. Em seu Filho Jesus, o Pai não nos recusou nada, mas nos deu tudo o que precisávamos para a nossa salvação (cf. Rm 8,32). Diante dessa verdade, que cada um de nós possa lhe oferecer seus presentes: o presente do seu tempo para a oração diária, o presente do seu esforço em viver na justiça e na santidade; o presente da sua renúncia a tudo aquilo que desagrada a Deus e do seu sacrifício em viver segundo o Evangelho de seu Filho Jesus.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi