quarta-feira, 24 de outubro de 2012

VOLTAR A VER


Missa do 30º. dom. comum. Palavra de Deus: Jeremias 31,7-9; Hebreus 5,1-6; Marcos 10,46-52.

Estamos diante do último milagre de Jesus no evangelho de Marcos: a cura do cego Bartimeu. Quem de nós sabe alguma coisa da experiência de não poder enxergar? Mas, ainda que você tenha a graça de poder ver, quantas vezes já se sentiu incapaz de enxergar uma saída, uma luz no fim do túnel? Muitas vezes, o nosso ver é marcado por um olhar míope, danificado pelo preconceito, ou então assumimos na vida a postura de quem não quer ver, de quem não quer enxergar, e aí vale o ditado que diz: “o pior cego é aquele que não quer enxergar”.
            Às vezes não queremos enxergar, não queremos ver aquilo que está mostrando que estamos errados, que precisamos mudar. Outras vezes, a experiência do sofrimento pode ser tão grande que tira de nós a capacidade de ver com clareza o que está acontecendo. Nessas horas, não conseguimos ver nem mesmo a presença de Deus junto a nós, como aconteceu com os discípulos de Emaús: a tristeza pela morte de Jesus era tão intensa que seus olhos foram incapazes de enxergar Jesus Ressuscitado que se pôs a caminhar com eles (cf. Lc 24,16).
            A tristeza, a depressão, o pessimismo, a sensação de que somos engolidos por algum problema podem nos tornar cegos, incapazes de enxergar Deus junto a nós; incapazes de enxergar algo de bom em nós, nas pessoas, na vida, no mundo. Mas é bom lembrar a experiência de Israel no exílio da Babilônia: “Os que lançam as sementes entre lágrimas, colherão com alegria” (Sl 126,5). As lágrimas nos impedem de ver com clareza, mas mesmo com a nossa visão comprometida pela tristeza ou pelo abatimento, a fé nos desafia a lançar as sementes. O agricultor pode não enxergar nenhuma nuvem de chuva no céu, mas ele lança as sementes na esperança de que a chuva virá. E quando a chuva vem, cai sobre todos os terrenos. Contudo, os frutos só surgirão no terreno onde as sementes foram lançadas, quando ainda era tempo de tristeza, de seca, de aridez.
            Nossa fé é sempre um caminhar sem ver. Nós não vemos Deus, mas caminhamos sustentados por sua Palavra que diz: “Eu os trarei... Eu os reunirei... Entre eles há cegos... Eles chegarão entre lágrimas e eu os receberei entre preces... Eu os conduzirei... Eles não tropeçarão, pois tornei-me um pai para eles” (Jr 31,8-9). Nas horas em que não conseguimos enxergar nada, a melhor coisa a fazer é estender a mão e pedir que o Pai nos conduza e nos ajude a atravessar esse trecho escuro da estrada. Mas, para isso, precisamos abrir mão do controle e confiar que estamos em boas mãos; Deus está no controle. Ele vê o que nós ainda não conseguimos enxergar.
            Bartimeu é a imagem da fé, uma fé que não pode ver Deus, mas consegue ouvir sua Palavra e tem a coragem de gritar, de suplicar a Deus mesmo sem vê-Lo. Ouvindo que Jesus passava por ali, Bartimeu gritou. E quando tentaram silenciá-lo, gritou mais ainda. Assim como o pior cego é aquele que não quer enxergar, a pior fé é aquela que se cala diante de qualquer obstáculo que encontra para tentar chegar mais perto de Deus. Quem não reage diante das dificuldades, passará toda a sua vida sentado à beira do caminho, vivendo de esmolas. Não é uma vida digna, mas há muitas pessoas que escolhem viver assim porque têm ganhos secundários: as esmolas.
            “Coragem, levanta-te, Jesus te chama!” (Mc 10,49). Bartimeu já havia manifestado sua coragem ao não se deixar silenciar pela multidão que o repreendia. Essa coragem contrasta com a resignação de tantos que insistem em não se levantar: são aqueles casos nos quais nem um guincho é capaz de fazer a pessoa se levantar, ainda que Jesus a chame. Por isso, a pergunta de Jesus a Bartimeu vale para qualquer um de nós: “O que você quer que eu te faça?” (Mc 10,51). Você quer esmolas ou quer caminhar com suas próprias pernas? Você quer realmente ver ou quer continuar a se guiar na vida pela visão dos outros, para se isentar de responsabilidades perante sua própria existência?
            “Que eu veja!” (Mc 10,51). Que eu não tenha medo de enxergar o que há dentro de mim! Que eu veja para além de mim e não tenha medo de me deixar afetar pela realidade que me cerca ou pelos que sofrem à minha volta! Que eu enxergue para além do aqui e do agora e lance minhas sementes, mesmo em meio a lágrimas! Que eu veja o que não tenho conseguido enxergar para melhorar meu relacionamento com as pessoas e com Deus!
            “Vai, a tua fé te curou” (Mc 10,52). A fé converte a nossa cegueira em visão. Desejando sinceramente ver, Bartimeu ampliou sua visão de mundo, e mesmo estando livre para seguir adiante com sua vida, escolheu seguir Jesus pelo caminho, tornando-se modelo para qualquer um de nós que escolha ser discípulo de Jesus Cristo, lembrando que seguir Jesus sempre será um “caminhar à luz da fé, não na visão clara” (2Cor 5,7), até que possamos vê-lo face a face, no céu (cf. 1Cor 13,12).
                                                                                                Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

SUAS ATITUDES EVANGELIZAM?


Missa do 29º. dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 53,10-11; Hebreus, 4,14-16; Marcos 10,35-45.

Diga-me como você se comporta no seu dia a dia e eu te direi no quê ou em quem você crê. Estamos no Ano da Fé. A fé vem da pregação, vem do anúncio da palavra de Cristo (cf. Rm 10,17). Mas, como muitas pessoas estão fora do alcance da pregação das diversas igrejas, a fé pode nascer ou morrer no coração das pessoas a partir daquilo que elas veem em nós, que nos dizemos “cristãos”. Por isso, é importante termos consciência de que as nossas atitudes no dia a dia comunicam para as pessoas em quem ou no quê nós cremos.
Olhemos para a atitude de Tiago e João. Jesus havia acabado de ser claro com os discípulos a respeito do sofrimento de cruz que o aguardava em Jerusalém (cf. Mc 10,32-34), sofrimento que também atingiria os discípulos. Em reação a isso, Tiago e João fazem o seguinte pedido a Jesus: “Deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda quando estiveres na tua glória!” (Mc 10,37).    
Assim como Tiago e João, nós queremos a glória, a vitória, o triunfo! Dentro das nossas igrejas, até podemos ter uma atitude de simplicidade, de humildade e de serviço, mas quando estamos fora, agimos a partir da nossa ambição, da nossa mesquinhez e do nosso egoísmo. Aqui se revela a nossa falta de fé: nós não cremos na força da cruz, não cremos no valor do serviço, nós cremos naquilo que o mundo crê: na glória dos homens.
Por isso, Jesus também diz a nós o que disse a Tiago e João: “Vocês não sabem o que estão pedindo” (Mc 10,38). Vocês estão caminhando na contramão do meu Evangelho. Vocês são chamados a trabalhar pela salvação da humanidade, mas a ambição pessoal e a disputa pelo poder distanciam vocês de quem sofre, de quem mais precisa ouvir o anúncio da minha salvação. Vocês se esquecem de que, antes de experimentarem a glória da ressurreição, precisam enfrentar a escuridão da cruz; antes de experimentarem a glória da exaltação, precisam se confrontar com a dor da humilhação; antes de experimentarem a alegria de serem reconhecidos por Deus, vocês precisam suportar ser ignorados e desprezados pelos homens
A atitude de Tiago e João teve repercussão nos demais discípulos: eles ficaram indignados, mas essa indignação tinha como pano de fundo a inveja. Cada um deles tinha a mesma ambição: estar à direita ou à esquerda de Jesus na sua glória. Sabendo disso, Jesus os reuniu todos e lembrou-lhes de como funciona o mundo do poder: dominação, trapaça, mentira, concorrência desleal, corrupção, difamação e até mesmo crimes encomendados. E o alerta que Jesus fez aos discípulos faz hoje para nós: “Mas, entre vocês não deve ser assim: quem quiser ser grande seja servo de vocês; e quem quiser ser o primeiro seja o escravo de todos. Porque o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate para muitos” (Mc 10,43-45).
Você ocupa um lugar na sociedade, por mais simples que seja esse lugar. Você convive diariamente com outras pessoas. Como é a sua postura diante dessas pessoas: a de alguém que está ali para servir, ou a de alguém que sempre busca ser servido? Você é alguém que faz tudo para “estar na glória”, para ser visto, elogiado, admirado e temido pelos outros, ou é alguém que faz tudo para se configurar a Jesus Cristo, que veio para servir e não ser servido? Suas atitudes são um anúncio vivo do Evangelho, favorecendo a fé na pessoa de Jesus Cristo, ou são uma espécie de anti-Evangelho, colaborando para que as pessoas à sua volta desacreditem de Jesus e da sua mensagem?  
            Hoje é o Dia Mundial das Missões. Nosso Papa nos lembra da urgência da missão, uma vez que aumenta cada vez mais o número dos que não conhecem Jesus Cristo. Por isso, todos devem trabalhar para que Cristo seja anunciado em toda parte, com atenção particular pelos que estão longe, que ainda não conhecem Cristo. O seu Evangelho, nos lembra o Papa, é sempre atual, penetra no coração e é capaz de dar respostas às inquietações mais profundas de cada homem.
Além de colaborarmos com a coleta para as missões, nas missas desse final de semana, rezemos pela África, um Continente ferido pela seca, pela AIDs, pelas epidemias, pelas guerras... Rezemos pela América, o Continente com o maior número de cristãos, mas também o mais desigual, o mais injusto, que agride a natureza, não respeita as pessoas e visa unicamente o lucro... Rezemos pela Oceania, um Continente marcado pelo desemprego, pela criminalidade e, pelo isolamento e pelas distâncias entre as comunidades cristãs... Rezemos pela Europa, o Continente envelhecido pela diminuição da natalidade, marcado por graves crises econômicas e que perde cada vez mais a sua fé em Deus... Rezemos, por fim, pela Ásia, o Continente mais povoado do planeta, onde os cristãos são apenas 9% da população e onde muitos se declaram ateus. 
                            Pe. Paulo Cezar Mazzi 

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

INTEIROS PARA DEUS, NÃO PELA METADE


Missa do 29º. dom. comum. Palavra de Deus: Sabedoria 7,7-11; Hebreus 4,12-13; Marcos 10,17-30.

            Um homem corre até Jesus, preocupado com a vida eterna. Atrás do quê as pessoas estão correndo? O que preocupa o coração das pessoas hoje? Para alguns, é a sobrevivência em meio à guerra entre a polícia e os traficantes; para outros, é a aquisição de novos bens de consumo; para alguns, se trata de arranjar um emprego; para outros, se trata de resolver os problemas da sua vida afetiva; para tantos, se trata de vencer sua doença... Sejamos sinceros: quem à nossa volta está preocupado com a vida eterna?
Este homem que procurou Jesus era muito rico. Diríamos, então, que ele poderia se dar ao “luxo” de preocupar-se com a vida eterna. Mas ao perguntar a Jesus sobre a vida eterna, este homem nos ensina que existe algo que inquieta o nosso coração: o desejo pela verdadeira vida, uma sede de sentido que não pode ser saciada com os nossos bens, como nos lembra o livro da Sabedoria: “Preferi a sabedoria... Diante dela, todo o ouro do mundo é um punhado de areia e a prata é como a lama” (citação livre de Sb 7,8-9).
Sempre que estamos diante de Jesus, estamos diante daquele que é a própria Palavra viva de Deus, uma Palavra que é “mais cortante do que qualquer espada de dois gumes”. Jesus, com o seu olhar, com a verdade da sua Palavra, penetra em nós “até dividir alma e espírito”. Sua Palavra “julga os pensamentos e as intenções do coração” de cada um de nós (cf. Hb 4,12). Porque nos conhece mais do que nós mesmos nos conhecemos e porque nos ama, Jesus tem a liberdade de nos desafiar: “Só uma coisa ter falta” (Mc 10,21). É como se Jesus dissesse: ‘Você tem se preocupado com muitas coisas na sua vida, mas falta você se preocupar com o essencial... Você já deu muitos passos no seu caminho de fé, mas falta dar o passo decisivo... Você tem feito muitas coisas para Deus, mas falta ainda uma coisa, para você ser totalmente um homem/uma mulher de Deus’.
Quando aquele homem ouviu de Jesus o que lhe faltava, “ficou abatido e foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico” (Mc 10,22). Quando a Palavra de Deus provocar em você abatimento e tristeza, não fuja disso. Esse abatimento e essa tristeza estão ali para dizer que alguma coisa precisa ser corrigida na sua vida, que há um desejo mais profundo dentro de você que precisa ser ouvido. Quando você sai desanimado(a) ou revoltado(a) da conversa com um médico, com um psicólogo ou com um diretor espiritual, veja isso como um bom sinal, sinal de que a palavra dele tocou na ferida que precisa ser reconhecida, para que a cura comece a se operar em você.
Jesus aproveitou a causa do abatimento e da tristeza daquele homem para dizer aos discípulos: “Como é difícil para os ricos entrar no reino de Deus!” (Mc 10,23). Os discípulos ficaram espantados, porque a riqueza era entendida como sinal de bênção divina. Jesus poderia ter amenizado a exigência da sua Palavra, mas ele a fez penetrar mais fundo ainda, atingindo o coração de qualquer pessoa, não só dos ricos: “Como é difícil entrar no reino de Deus!” (Mc 10,24). Numa época como a nossa, onde muitas pessoas buscam uma religião “light”, se comprometendo o mínimo com Deus, Jesus nos lembra que isso não preenche o desejo do nosso coração pela verdadeira vida. Enquanto não tivermos a coragem de reconhecer o que ainda nos falta para sermos autenticamente de Deus, nossa vida cristã continuará insossa, sem graça, perdendo o sentido inclusive para nós mesmos.
Eis a proposta de Jesus: tente passar um camelo pelo buraco de uma agulha! Isso não é apenas difícil; isso é impossível! Há coisas na vida de cada um de nós que são incompatíveis com o Evangelho e que precisam ser abandonadas se queremos ser verdadeiramente de Deus. Mas aí entram os nossos mecanismos de defesa, para não permitir que a Palavra penetre onde não queremos. Dizemos: ‘O camelo significa uma corda grossa... O buraco da agulha significa uma porta estreita’. Mas, como lembra José Lisboa M. de Oliveira, no seu livro Viver os votos (pp.99.101), “não dá para falar de corda, de cordão grosso, nem confundir o fundo da agulha com alguma porta estreita. Tanto o camelo como o buraco da agulha devem ser entendidos no sentido totalmente literal... Toda tentativa de emagrecer o camelo e alargar o buraco da agulha é uma violação da Palavra e como tal deve ser rejeitada”.  
Afinal, o que Jesus quer? Jesus quer você livre, não preso a fios de ouro invisíveis. Jesus quer você por inteiro, não uma parte sua, ainda que seja a melhor. Jesus não quer que você faça coisas boas em nome dele, de vez em quando, mas quer que você o siga e que se desprenda de tudo o que atrapalha esse seguimento. Jesus quer que você permita que a Sua Palavra penetre em você e corte onde tem que cortar, em vista da sua conversão e da sua santificação, e pare de tentar torná-la inofensiva, como se fosse apenas conselhos de auto-ajuda. Enfim, Jesus quer que, na sua oração diária, você não tenha medo de escutá-lo dizer o que ainda te falta para ser um autêntico discípulo Seu... 
Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

VOCÊ CONSERTA OU JOGA FORA?



Missa do 27º. dom. comum. Palavra de Deus: Gênesis 2,18-24; Hebreus 2,9-11; Marcos 10,2-16.

O que você faz com uma coisa que se quebrou? Joga fora ou procura consertá-la? Para a geração moderna, não existe dúvida: quebrou, jogo fora! Da mesma forma que o celular ou a televisão ou o computador quebrou ou começou a apresentar algum defeito, não se pensa duas vezes: joga-se fora e compra-se outro. Nem se pergunta pela possibilidade de haver conserto. Jogar fora e comprar outro é bem mais interessante do que consertar, pois o novo aparelho, além de prometer mais novidades, tem um designer mais moderno! É mais bonito!
Esta filosofia de vida – quebrou, joga-se fora – tem sido adotada por nós também nos nossos relacionamentos. Quando um relacionamento começa a apresentar problemas, ou quando algo que se quebra nele, achamos muitos mais fácil jogá-lo fora e ir atrás de um novo, do que nos debruçarmos sobre ele e nos esforçarmos por consertá-lo. Desse modo, no fundo do quintal da nossa vida emocional vai se formando uma espécie de “ferro velho”: todos os relacionamentos que não deram certo ficam ali, guardados dentro de nós e não podem ser jogados fora completamente porque, de uma forma ou de outra, eles nos marcaram, eles compõem a nossa história de vida.   
Assim como os fariseus no evangelho, nós vivemos à procura de brechas na Palavra de Deus que justifiquem a nossa atitude de jogar fora aquilo que se quebrou ou que começou a não funcionar bem como antes, sem que isso pese na nossa consciência, isto é, sem que nos sintamos culpados. Quem sabe não foi bem isso o que Deus disse. Quem sabe a afirmação de Jesus “O que Deus uniu, o homem não separe” (Mc 10,9), não poderia ser modificada para “Se o homem separou, foi porque Deus não uniu. Portanto, se Deus não uniu, o homem pode separar” – adaptação feita por alguns pastores evangélicos no atual mercado religioso.
Relacionamentos que se quebram ou que passam a não funcionar bem como antes produzem infelicidade nas pessoas. E aí vêm as falsas consolações: “Deus quer VOCÊ feliz!”, “EU tenho o direito de ser feliz!”, “VOU em busca da MINHA felicidade!”. O que está no centro dessas afirmações? VOCÊ, o seu EGOÍSMO. Os outros são apenas um detalhe, apenas peças que você pode usar, jogar fora e trocar por outras, na SUA busca de felicidade. É isso que Jesus chama de coração endurecido: “Foi por causa da dureza do vosso coração que Moisés permitiu escrever uma certidão de divórcio...” (Mc 10,4). Um coração endurecido pelo egoísmo não sabe amar; quando muito, só consegue se apaixonar. Mas a paixão é como fogo de palha: queima logo. Apaga com a mesma rapidez e intensidade com que foi acesa. Um coração endurecido se recusa a entender que “o amor tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais acabará” (1Cor 13,7-8).
           Muitas coisas hoje colaboram para o fim dos relacionamentos: a infantilização dos adultos, que deixam as suas emoções correrem livres e determinarem suas atitudes; a incapacidade de suportar a dor, o sofrimento, e a tentação de buscar soluções fáceis e rápidas para problemas que exigem tempo, dedicação e lágrimas para serem resolvidos; joelhos que não se dobram mais diante de Deus, cuja Presença é mantida sempre mais longe do cotidiano do casal, e buscada apenas quando tudo já desabou; a incompatibilidade de personalidades que teriam as mesmas chances de se manterem unidas quanto as chances de se manter ligados barro e ferro, ou seja, nenhuma.
O fato é que muitos relacionamentos não deram certo, muitos casais se separaram e muitos já estão em uma nova união. Muitos não se deram nem o tempo necessário para lidar com a própria solidão, e já procuraram alguém para “tapar o buraco” que sentiam dentro de si. Desse modo, uma ferida nem cicatrizou direito e outra já começou a se abrir. Antes de se perguntar se é possível uma nova união, deveria se perguntar pelos motivos que levaram ao fim da primeira união. Se esses motivos não forem trabalhados e corrigidos, não há futura união que faça a pessoa feliz.
A nós cabe o respeito e a acolhida para com os casais de segunda união. O mesmo Jesus que nos alerta para o perigo do adultério, é aquele que conhece o homem por dentro (cf. Jo 2,25). Só ele sabe o que há no coração humano, o que levou um relacionamento a terminar. Só ele pode julgar. Ele provou a morte em favor de todos nós (cf. Hb 2,9). A ele precisamos entregar a morte dos nossos relacionamentos. Ele chegou à consumação por meio de sofrimentos (cf. Hb 2,10). Imitando a sua maneira de lidar com os sofrimentos, nós podemos colaborar para que os nossos relacionamentos também cheguem à sua consumação.
Após a polêmica do fim dos relacionamentos e de novas uniões, Jesus “abraçava as crianças e as abençoava impondo-lhes as mãos” (Mc 10,16). As crianças nos lembram aqueles sobre os quais recaem os maiores danos da separação. Com esse gesto, Jesus nos mostra que “algo” precisa ser defendido nos nossos relacionamentos, “algo” que vai além da nossa felicidade pessoal. Com esse gesto, Jesus também nos convida a celebrar, no próximo dia 08, o dia do nascituro, a criança que ainda não nasceu e precisa ser abraçada e protegida por nós desde o ventre materno.
Façamo-nos crianças e deixemo-nos abraçar por Jesus, Aquele que pode curar as feridas dos nossos relacionamentos e nos ensinar a consertá-los: “Amor tão grande, amor tão forte, amor suave, amor sem fim, que a própria morte transforma em vida, abraço eterno de Deus em mim. Nem as torrentes das grandes águas conseguirão apagar esse amor! Pois suas chamas são fogo ardente. Mais do que a morte, é tão forte esse amor! De abraço esmagante, de ausência torturante, de noite e luz é feito esse amor. De dor incomparável, consolo inestimável, de vida e cruz é feito esse amor! (Música Abraço eterno).
                                                                       Pe. Paulo Cezar Mazzi