sexta-feira, 29 de novembro de 2019

APRENDER A LIDAR COM O "AINDA NÃO"


Missa do 1º dom. do advento. Palavra de Deus: Isaías 2,1-5; Romanos 13,11-14a; Mateus 24,37-44.

            Na vida de cada um de nós existe um “ainda não”. Ainda não aconteceu a cura, mas eu espero por ela! Ainda não atingi meu objetivo, mas tenho esperança de atingi-lo! Ainda não foi respondida a pergunta mais profunda da minha alma, mas eu espero pela resposta que está vindo!
            Todo “ainda não” pulsa dentro de nós como um desejo não saciado. Apesar da nossa geração querer saciar seus desejos imediatamente, precisamos aceitar o fato de que existem desejos em nós que precisam ser suportados, porque não são desejos pequenos, mas grandes; não são superficiais, mas profundos; não desejamos algo passageiro, mas algo eterno. Esses desejos apontam para o sentido do tempo do Advento. Advento significa “esperar por Aquele que vem”. A Igreja deseja e espera pelo seu Esposo, e esse desejo/espera nos traz questionamentos importantes: O que eu desejo e espero em relação à minha vida? O que eu desejo e espero de Deus? Desejo e espero algo apenas para esta vida presente, ou desejo e espero algo em relação à minha “vida futura”, isto é, em relação à minha salvação?
            O desejo e a espera nos dizem que existe algo infinitamente maior e melhor, e nenhuma realidade presente pode preencher ou substituir aquilo que Deus tem para nos dar. Porém, suportar o desejo e a espera é algo que nos coloca em contato com o sofrimento, um sofrimento que só aceitamos abraçar quando nos convencemos de que verdadeiramente há uma recompensa para a dor da espera, há uma esperança para o presente de toda pessoa que se abre para o futuro de Deus.
            Muitos desistiram de esperar, por não suportarem lidar com o seu “ainda não”. Muitos cristãos cansaram de esperar pelo seu Esposo e tentarem saciar o seu desejo de sentido de vida com uma resposta que não responde. Muitos deixarem de regar o seu desejo com a água da esperança porque disseram: “cansei de esperar” – cansei de desejar e de esperar mudanças em mim, em determinada pessoa, numa determinada situação... Cansei de desejar e de esperar em Deus. São pessoas que se esqueceram desta verdade bíblica: “Os que esperam em ti não ficam envergonhados, ficam envergonhados os que por um nada negam sua fé” (Sl 25,3).
            Apesar do nosso cansaço e de todos os motivos que teríamos para abandonar a esperança, Jesus nos convida a esperar por sua vinda, uma vinda que se dará exatamente como se deu o dilúvio no tempo de Noé: nada de extraordinário aconteceu; todos estavam vivendo seu dia a dia mergulhados em suas ilusões e preocupações; “eles nada perceberam, até que veio o dilúvio e arrastou a todos...” (Mt 24,39). “Eles nada perceberam”. A vida fala conosco a todo momento, mas quem de nós está ouvindo? Os acontecimentos estão nos dizendo coisas importantes a respeito das nossas atitudes, mas quem de nós tem não somente a coragem, mas também a firme decisão de rever e de mudar suas atitudes? De que maneira nós temos anestesiado a nossa consciência a ponto de não aceitarmos reconhecer para onde a nossa vida está indo?    
            Eis, portanto, a advertência do apóstolo Paulo a todos nós, neste início de Advento: “Já é hora de despertar...” (Rm 13,11). Já é hora de deixarmos de viver distraídos, anestesiados, hipnotizados com a tecnologia que cada vez mais nos mergulha no mundo virtual e nos torna ausentes do mundo real. Já é hora de voltarmos a sintonizar com o nosso desejo mais profundo, e permitir que o nosso “ainda não” nos torne abertos para acolher aquilo que o nosso Esposo, o nosso Salvador e Redentor, quer verdadeiramente nos dar.  
            A vinda de Jesus diz respeito a todos, e não apenas àqueles que esperam por ela. É por isso que, quando Ele vier, “um será levado e o outro será deixado” (Mt 24,40). “Ser levado” significa atingir o objetivo do seu desejo de ser salvo; “ser deixado” significa ser entregue definitivamente a uma existência desprovida de desejo e de sentido, uma vida sem qualquer esperança. Portanto, a melhor forma de nos preparar para a vinda de Jesus é reeducando nosso desejo, orientando-o para aquilo que de fato buscamos como resposta de sentido à nossa vida.
            Jesus nos adverte: “Ficai preparados! Porque, na hora em que menos pensais, o Filho do Homem virá” (Mt 24,44). Estar preparado significa viver na consciência de que, na hora em que menos imaginarmos, seremos convidados a deixar o provisório e abraçar o definitivo. Enquanto isso, o nosso presente é chamado a se abrir ao futuro de Deus por meio da sua Palavra, pois ela tem o poder de transformar nossas espadas e lanças – nossas atitudes que ferem, que prejudicam os outros, que causam injustiça e sofrimento em nossa sociedade – em arados e foices – em atitudes que promovem a vida por meio da solidariedade, da compaixão, do perdão e da reconciliação (cf. Is 2,4).
            Enfim, o profeta Isaías nos faz este convite: “Vinde... deixemo-nos guiar pela luz do Senhor” (Is 2,5). Deixemos com que a luz do Senhor alargue o horizonte da nossa vida, e encha o nosso coração de alegria, assim como o coração do vigia se enche de alegria quando chega a aurora de um novo dia. Deixemos com que a luz do Senhor desperte nosso desejo adormecido, não mais cultivado devido ao cansaço ou ao desencanto da nossa esperança. Sejamos portadores dessa luz do Senhor a todas as pessoas que precisam ter sua guerra transformada em paz, seu ressentimento transformado em perdão, seu distanciamento transformado em comunhão, sua tristeza transformada em alegria, seu desespero transformado em esperança.

            Pe. Paulo Cezar Mazzi


quinta-feira, 21 de novembro de 2019

NOSSA FONTE, FUNDAMENTO, CONSISTÊNCIA E META FINAL


Missa de Cristo Rei do Universo. Palavra de Deus: 2Samuel 5,1-3; Colossenses 1,12-20; Lucas 23,35-43.

A figura de um rei tem quase nada a dizer ao nosso mundo moderno, mas no mundo bíblico ela se reveste de uma grande importância. O rei é o defensor do seu povo; é aquele que vai à frente do exército para lutar e proteger o seu povo. Neste sentido, ele é o promotor da paz. Além disso, o rei é responsável por garantir a justiça e o direito, o que significa não permitir que no seu reino haja injustiças que levem pessoas inocentes a sofrerem e a morrerem. Enfim, como nos ensina o Salmo 72, o rei é o defensor dos mais fracos: só ele pode salvar a vida dos indigentes, esmagar os opressores, libertar os prisioneiros e ter compaixão dos fracos. Este sentido bíblico da figura do rei deve iluminar a nossa celebração de hoje, dia em que a Igreja proclama Jesus Cristo, Rei do universo.  
Pode parecer muita pretensão nossa afirmar que Jesus Cristo é Rei “do universo”, uma vez que nós, cristãos, somos apenas um terço da humanidade. Por isso, precisamos entender essa verdade a respeito de Jesus a partir da Sagrada Escritura, quando o apóstolo Paulo afirma: “Tudo foi criado por meio dele e para ele. Ele existe antes de todas as coisas, e todas têm nele a sua consistência” (Cl 1,16-17). Em relação ao mundo, em relação a tudo o que foi criado, Jesus Cristo desempenha o papel de fonte, fundamento, consistência e meta final. Portanto, só em Jesus Cristo é que nós encontramos a razão de ser da nossa existência, pois nele o Pai nos escolheu antes da criação do mundo (cf. Ef 1,4). Quando Jesus Cristo não ocupa o centro da nossa existência, perdemos o nosso fundamento, como uma construção que, por perder seu próprio alicerce, desaba. Nele ainda está também a nossa consistência, o nosso humano curado, redimido, integrado. Por fim, Ele é a nossa meta final, que é a comunhão definitiva com o Pai.
Apesar dessa verdade profunda da nossa fé, não apenas a maior parte da humanidade desconhece Jesus Cristo como muitos de nós, que supostamente já O conhecemos, não vivemos sob o seu domínio salvífico, no sentido de que não nos submetemos à sua verdade, não pautamos a nossa conduta segundo o seu Evangelho e não aceitamos sua “interferência” em diversos âmbitos da nossa vida. Quando muito, Jesus se tornou para não poucos cristãos, apenas um pronto-socorro nas horas críticas da vida. Portanto, há uma distância muito grande entre a declaração de que Jesus Cristo é rei do universo e o fato de que muitos cristãos não aceitam viver sob o domínio desse rei, sofrendo, em contrapartida, a dominação imposta pelo maligno ou por um mundo especializado em guiar cegos para o mesmo buraco em que ele se encontra.
A boa notícia é que todos nós, seres humanos, podemos dizer em relação a Jesus Cristo o que todas as tribos de Israel disseram em relação ao rei Davi: “Aqui estamos. Somos teus ossos e tua carne” (2Sm 5,1). Sendo verdadeiro Deus e verdadeiro homem, Jesus Cristo assumiu em tudo a nossa condição humana, sofrendo ele mesmo nossas fraquezas e escolhendo livremente se submeter ao Pai, para nos livrar do círculo vicioso da desobediência que nos leva para a destruição e a morte. É por isso que Paulo afirma: “Deus quis habitar nele com toda a sua plenitude e por ele reconciliar consigo todos os seres, os que estão na terra e os que estão no céu, realizando a paz pelo sangue da sua cruz” (Cl 1,19-20).  
Da mesma forma como todas as coisas foram afetadas pelo pecado e pela morte, a partir das pessoas que se deixaram dominar pelo mal, Deus Pai confiou ao seu Filho o poder de restaurar todas as coisas, reconciliando-as com sua própria verdade, devolvendo a cada uma delas o seu próprio fundamento e a sua consistência, realizando a paz pelo sangue da cruz de seu Filho. Desse modo, toda pessoa que escolhe livremente colocar-se sob o domínio espiritual de Cristo é como um enfermo que se deixa curar, um perdido que se deixa encontrar, um coração conflito que se deixa pacificar ou um condenado que se deixa absolver e salvar.
Eis, portanto, a cena central do Evangelho de hoje: dois homens estão condenados, junto com Jesus, à morte de cruz. Enquanto um deles ridiculariza o senhorio de Jesus, dizendo: “Tu não és o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós!” (Lc 23,39), o outro reconhece tanto a necessidade de ambos serem salvos como também Aquele que é o único que tem o poder de realizar tal salvação: “Jesus, lembra-te de mim quando entrares no teu reinado” (Lc 23,42), ao que Jesus lhe respondeu: “Em verdade eu te digo, ainda hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43).
Essas palavras de Jesus revelam o verdadeiro sentido do seu reinado, do seu domínio salvífico sobre todo ser humano que escolhe livremente se submeter a ele: este Rei nos abre o caminho de volta ao paraíso, devolvendo-nos o estado psíquico e espiritual de pessoas reconciliadas, pacificadas pelo sangue de sua cruz. Essa é a realeza escandalosa de Jesus: em um mundo cheio de pessoas injustiçadas, Ele aceitou morrer como um injusto, mas a sua morte derramou sobre toda a humanidade o sangue da justificação, isto é, a graça de sermos declarados justos não devido à nossa vitória sobre o pecado, mas devido às palavras daquele que nos absolve das nossas culpas e nos livra das nossas condenações.  
            Eis, portanto, o nosso Rei! Um homem pacífico, não violento, que morreu experimentando a violência deste mundo, mas que ressuscitou e se assentou à direita do trono de Deus Pai, para restaurar todas as coisas, para reconciliar e pacificar todas as criaturas no céu e na terra. A Ele suplicamos: Senhor Jesus Cristo, tu és a minha fonte, o meu fundamento, a minha consistência e a meta final da minha vida. Olha para o nosso mundo, ferido pelas injustiças praticadas por inúmeros ‘reis’ terrenos dominados pela ganância, corrompidos pelo poder e submissos à escravidão do dinheiro. Estende sobre todos nós o teu senhorio, o teu domínio salvífico, libertando-nos do domínio destrutivo do mal, absolvendo-nos de todo tipo de condenação, reconciliando-nos com a nossa própria verdade e pacificando-nos interiormente. Enfim, restabelece o direito, a justiça e a paz sobre a face da terra; defende os mais fracos, salva a vida dos indigentes, esmaga os opressores e restaura toda a criação de Deus, conduzindo-nos todos ao teu Reino eterno. Amém!

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

A TAREFA DIÁRIA DE CONSTRUIR-SE COMO PESSOA

Missa do 33º dom. comum. Palavra de Deus: Malaquias 3,19-20a; 2Tessalonicenses 3,7-12; Lucas 21,5-19.

            Nenhum ser humano nasce pronto. Por isso, a vida confia uma tarefa a cada um de nós: construir-se como pessoa. Essa construção é diária e só estará terminada no momento da nossa ressurreição, quando Deus completar a obra que começou em cada um de nós.
            Diante da tarefa existencial de construir-se como pessoa, alguns se dispõem a arregaçar as mangas e a trabalhar. São pessoas que não se conformam com aquilo que o mundo lhes oferece, mas procuram separar aquilo que convém ao seu crescimento daquilo que não convém. Essas pessoas se dão ao trabalho de cavar fundo, dentro de si mesmas, até encontrar a rocha, o fundamento firme e seguro, sobre o qual devem realizar a construção de si. Mas há muitas outras pessoas que acham mais fácil levar a vida na base do “copiar e colar”: elas preferem viver como parasitas, encostando nos outros e se alimentando daquilo que é alheio, ao invés de lançarem suas próprias raízes e produzirem o alimento de que são capazes. São pessoas que, por medo ou por pura acomodação, não querem cavar fundo, mas improvisar a vida na base da artificialidade e da superficialidade.
            Seja para aqueles que se dão ao trabalho de se construir, seja para aqueles que não querem assumir tal tarefa, Jesus hoje faz um alerta: “Vós admirais estas coisas? Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído” (Lc 21,6). Alguns poderiam perguntar: ‘Se tudo será destruído, então para quê construir alguma coisa?’. Essas palavras de Jesus se referiam ao Templo de Jerusalém, construção imponente e admirável, símbolo da “eternidade” de Deus no meio do seu povo. Mas Jesus profetiza a destruição daquele Templo de pedras, ocorrida no ano 70 d.C., justamente porque Jerusalém rejeitou Jesus, aquele que poderia salvá-la da destruição.
            Essa profecia de Jesus precisa falar também conosco. Existem situações em nossa vida que consideramos “garantidas”, como que “eternas”, em relação às quais depositamos toda a nossa confiança e segurança. Isso pode se referir a um relacionamento, a uma conquista profissional, à aquisição de um bem material, à modelagem ou à saúde do próprio corpo ou até mesmo a algum crescimento na vida espiritual. Tudo isso pode ser destruído, mas não por Deus, e sim por nós mesmos! A destruição daquilo que hoje consideramos importante pode já estar acontecendo ou sendo preparada, seja devido a atitudes erradas da nossa parte, seja também devido à falta de atitude!  
            Deus permitiu a destruição do Templo de Jerusalém para nos dizer que tudo aquilo que construímos tendo por base a mentira, a injustiça ou o prejuízo a outras pessoas será destruído. “Não ficará pedra sobre pedra”. Mas a destruição do Templo também indicava outra coisa na época de Jesus: o início do fim dos tempos. Nosso tempo neste mundo é finito, e temos de tomar consciência disso. Tanto a nossa história pessoal como a história da humanidade caminha para um desfecho, que a Sagrada Escritura chama de “Dia do Senhor”, o dia do Julgamento, dia em que Deus separará os bons dos maus, os justos dos injustos, e retribuirá a cada um segundo as suas obras, dia em que o fogo de Deus passará pela construção de cada um de nós, comprovando a sua verdade ou desmascarando a sua mentira (cf. 1Cor 3,11-15). Esse fogo do Julgamento de Deus é chamado pelo profeta Malaquias de “sol da justiça”: ele queimará a palha – imagem bíblica das pessoas injustas, que secaram por não estarem enraizadas em Deus, na Sua verdade e na Sua justiça –, mas para os que vivem segundo essa verdade e essa justiça, esse Dia trará a salvação definitiva.  
            Jesus nos orienta como nos preparar para esse Dia: 1) tomando cuidado para não sermos enganados por pessoas que, com suas palavras, tentarão nos desviar do verdadeiro Evangelho (v.8); 2) não nos desesperando diante de guerras e revoluções – “É preciso que estas coisas aconteçam primeiro, mas não será logo o fim” (Lc 21,9); 3) aprendendo a suportar perseguições que visam enfraquecer a nossa fé e a nossa esperança em Cristo (v.12) – segundo Jesus, “esta será a ocasião em que testemunhareis a vossa fé” (Lc 21,13); 4) por fim, desenvolvendo em nós a capacidade de resistir ao ódio do mundo, pois ele rejeita o que não é seu. Essa resistência será possível se confiarmos nas palavras de Jesus: “Mas vós não perdereis um só fio de cabelo da vossa cabeça. É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida!” (Lc 21,18-19). O mesmo Deus quer permitirá que as construções fundadas na mentira e na injustiça desabem, cuidará até das coisas mínimas daqueles que fizeram d’Ele o fundamento de suas vidas.  
            Eis, portanto, a atitude que nos é pedida em nossa construção diária como pessoas e como discípulos de Jesus, como homens e mulheres destinados ao Reino de Deus: permanecer firmes; perseverar! Perseverar significa ser paciente, ter fortaleza interior; apesar de tudo, seguir com firmeza, seguir em frente; tornar-se capaz de manter-se firme diante das dificuldades. Perseverar significa suportar a tensão própria da vida, não afrouxando, nem arrebentando diante das provações. O arco deve manter a sua tensão natural para que a flecha seja lançada e atinja o alvo, e o nosso alvo é a salvação em Cristo. Por isso, enquanto nos construímos como pessoas em meio às inseguranças e incertezas desse mundo, dizemos como Paulo: “Sei em quem depositei a minha fé, e estou certo de que ele tem poder para guardar o meu depósito, até aquele Dia” (2Tm 1,12).
            Enfim, não sejamos como alguns cristãos da Igreja em Tessalônica, que abandonaram a construção de si mesmos para viverem na ociosidade, na preguiça existencial, no comodismo e na resignação, pois, segundo o apóstolo Paulo, a vida tem uma regra: “Quem não quer trabalhar, também não deve comer” (2Ts 3,10): quem não aprofunda sua fé em Cristo não deve reclamar, quando for derrubado pela força dos ventos contrários; quem permite que a árvore da sua vida seja sugada diariamente por parasitas não deve chorar e se lamentar, quando essa mesma árvore secar definitivamente; enfim, quem não defende e não valoriza a construção de si mesmo não deve se revoltar, quando dela não sobrar mais pedra sobre pedra.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

CRER NA VIDA ETERNA FAZ TODA A DIFERENÇA NA VIDA TERRENA


Missa do 32º dom comum. Palavra de Deus: 2Macabeus 7,1-2.9-14; 2Tessalonicenses 2,16 – 3,5; Lucas 20,27-38.

No mundo em que vivemos, marcado por um forte materialismo, a maioria das pessoas busca apenas sobreviver. São poucos aqueles que pensam na vida para além do aqui e do agora. Aliás, as inseguranças e as incertezas são tão grandes hoje em dia que muitos já não fazem planos para o amanhã: vive-se apenas o hoje. No entanto, Jesus nos convida a lançar o olhar para além do aqui e do agora, e a verificar se a nossa esperança nele está reduzida somente à nossa sobrevivência neste mundo, ou se cremos e esperamos pela Vida eterna. “Se temos esperança em Cristo somente para esta vida, somos os mais dignos de compaixão de todos os homens” (1Cor 15,19). Se a nossa esperança não se apoia na verdade da ressurreição, nós nada entendemos a respeito da Vida que Jesus veio nos trazer.
Enquanto os saduceus ridicularizavam a fé na ressurreição, Jesus explicou que a ressurreição não é o reavivamento de um cadáver nem o prolongamento da existência presente. A vida eterna jamais será um perpetuar as desigualdades e injustiças desse mundo. Portanto, a vida dos ressuscitados não é um prolongamento da vida terrena, mas uma total transformação dela. Se nesta vida terrena nascemos corpo mortal, fraco e desprezível, ressuscitaremos corpo imortal, cheio da força e da glória de Deus (cf. 1Cor 15,43). Se nesta vida terrena cada um nasceu num lugar, numa cidade terrena, nós, cristãos, sabemos que “a nossa cidade está nos céus, de onde também esperamos ansiosamente como Salvador o Senhor Jesus Cristo, que transfigurará nosso corpo humilhado, conformando-o ao seu corpo glorioso” (Fl 3,20-21).
            Segundo o profeta Daniel, a fé na ressurreição é a fé na justiça de Deus. Se em nosso mundo terreno, muitas pessoas morreram injustamente enquanto outras, que fazem o mal e escapam constantemente das mãos da justiça, continuam impunes, desfrutando de uma vida boa, a ressurreição é o momento onde Deus separará os bons dos maus, os justos dos injustos, e retribuirá a cada um de acordo com a sua conduta: “Muitos que dormem no pó da terra despertarão, uns para a vida eterna e outros para o horror eterno” (Dn 12,2). O próprio Jesus nos garantiu essa verdade, ao dizer: “Vem a hora em que todos os que repousam no sepulcro ouvirão a minha voz e sairão: os que tiverem feito o bem, para uma ressurreição de vida; os que tiverem praticado o mal, para uma ressurreição de julgamento” (Jo 5,28-29).
            Todos nós já perdemos pessoas – parentes ou amigos – na morte. Além disso, conhecemos pessoas que, após a morte de um ente querido, deixaram de sorrir, de sonhar, de crer e de esperar, tornando-se amargas; algumas até romperam com Deus e com a Igreja. Mas Jesus, ao nos falar sobre a verdade da ressurreição, lembra algo essencial: “Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos, pois todos vivem para ele” (Lc 20,38). Para nós, essa ou aquela pessoa morreu, mas para Deus ninguém está morto: todos vivem porque Ele é o Senhor da vida e destinou cada ser humano à ressurreição e à Vida eterna. O apóstolo Paulo afirma também que “a esperança da vida eterna” nos foi “prometida pelo Deus que não mente” (Tt 1,2).
            A fé na ressurreição e na Vida eterna é algo que muda a nossa maneira de viver o tempo presente. Como os Macabeus, nós nos tornamos capazes de enfrentar e suportar injustiças porque cremos na justiça de Deus, que ressuscitará todos os Seus justos para a Vida. Além de relativizarmos situações de dor e de sofrimento, nós não nos enganamos com engadoras promessas de felicidade veiculadas pela propaganda de consumo e incentivadas pela concorrência desumana, sobretudo nos ambientes de trabalho, pois aspiramos “a uma pátria melhor, isto é, a uma pátria celeste” (Hb 11,16). Pelo fato de crermos na ressurreição e na Vida eterna, nós nos tornamos como Abraão que, ao entregar seu filho Isaac, dizia: “Deus é capaz também de ressuscitar os mortos”. Por isso, recuperou seu filho, como um símbolo (Hb 11,19).
            Isaac, o filho a quem Abraão tanto amava, foi poupado do sacrifício para dizer que nós não fomos apenas criados por Deus para esta vida terrena, mas que Ele, no momento da nossa morte, intervirá e nos destinará à ressurreição e à verdadeira Vida. O Deus que nos criou é também o Deus que nos salva da morte definitiva, ressuscitando-nos. Portanto, a nossa vida presente, apesar de estar marcada por situações de injustiça e sofrimento, deve ser vivida como uma caminhada confiante e alegre em direção à Vida eterna. O horizonte da ressurreição deve influenciar as nossas escolhas e decisões, os nossos valores e as nossas atitudes, dando-nos a coragem de enfrentar as forças da morte que dominam o mundo, pois “o que nós esperamos, conforme sua promessa, são novos céus e uma nova terra, onde habitará a justiça” (2Pd 3,13).

            ORAÇÃO: Creio em Deus Pai, que não apenas nos chamou à existência, mas também nos prometeu a Vida eterna em seu Filho Jesus Cristo, e Deus não mente. Creio na justiça de Deus, justiça que significa separar os bons dos maus, os justos dos injustos, e retribuir a cada pessoa segundo a sua conduta, ressuscitando os que fizeram o bem para a Vida eterna e os que fizeram o mal para o julgamento.
            Creio em Jesus Cristo, morto pelos nossos pecados e ressuscitado para realizar a nossa justificação diante de Deus, ele cuja Palavra já nos faz passar da morte para a Vida e nos ensina a não temer o julgamento, pois não existe mais condenação para aqueles que creem no sacrifício redentor da Sua cruz. Cremos que Jesus virá, no momento da nossa morte, e nos levará para o seu Reino, transformando o nosso corpo fraco e mortal num corpo cheio da força e da glória de Deus.
             Creio no Espírito Santo, que ressuscitou Jesus dentre os mortos e também dará vida ao nosso corpo mortal. Creio na força do Espírito de Deus, de penetrar em nossos ossos secos e reavivar a nossa fé e a nossa esperança na ressurreição e na Vida eterna. Creio que o Espírito Santo renova a face da terra e é a garantia segura não somente de novos céus e de uma nova terra, onde habitará a justiça, mas garantia também da nossa própria ressurreição. Amém!

Pe. Paulo Cezar Mazzi