quinta-feira, 29 de outubro de 2020

A DIFERENÇA ENTRE "REAGIR" E "RESPONDER"

 Missa de todos os Santos. Palavra de Deus: Apocalipse 7,2-4.9-14; 1João 3,1-3; Mateus 5,1-12.

 

            Diante da vida, nós sempre assumimos uma atitude, ou ativa, ou passiva. Alguns encaram a vida com otimismo; outros, com pessimismo. Alguns ficam paralisados ou retrocedem diante dos problemas; outros, enfrentam os problemas com coragem e esperança. Alguns não permitem que lhes roubem a esperança; outros, facilmente se entregam ao desespero. Diante da vida, alguns apenas “reagem” ao que lhes acontece, enquanto outros “respondem” àquilo que os atinge naquele momento.

            Enquanto “reagir” seja algo próprio dos animais – e também das pessoas que abrem mão da sua liberdade e da sua responsabilidade com a desculpa de que a realidade à sua volta não colabora para o seu crescimento ou a sua felicidade – “responder” é próprio do ser humano. Enquanto “reagir” é uma atitude que não exige de mim consciência, liberdade e responsabilidade, “responder” chama em causa as três coisas: diante daquilo que me acontece, eu consulto minha consciência, faço uso da minha liberdade e respondo de acordo com os meus valores, com a minha vocação, com a missão que eu sou.   

            Neste dia em que celebramos todos os Santos, lembramos que todos nós somos chamados à santidade. O Deus que é Santo e nos chama a sermos santos nos chama a sair do piloto automático da “reação” para assumirmos a tarefa de orientar a nossa existência a partir da “resposta” que escolhemos dar diante das situações que nos atingem. Desse modo, enquanto a pessoa “mundana” apenas “reage” ao que lhe acontece, a pessoa chamada à santidade “responde” ao que lhe acontece, e responde – dizendo mais uma vez – a partir da sua consciência e da sua liberdade de filha de Deus.

                A imagem do homem santo e da mulher santa foi colocada diante dos nossos olhos pelo Evangelho que acabamos de ouvir, o Evangelho das bem-aventuranças. Segundo o Papa Francisco, a santidade consiste em: ter um coração inquieto, insatisfeito, no sentido de estar aberto ao crescimento; agir com humildade e mansidão; saber chorar com os que choram; buscar a justiça com fome e com sede; olhar e agir com misericórdia; ter intenções retas no coração; semear a paz ao seu redor; questionar e incomodar a sociedade com sua própria vida de santidade (Gaudete et Exsultate, nn. 67-94). E Francisco brilhantemente conclui afirmando: “Para viver o Evangelho, não podemos esperar que tudo à nossa volta seja favorável” (GE, n.91). E ainda: “Abraçar diariamente o caminho do Evangelho mesmo que nos acarrete problemas: isto é santidade” (GE, n.94).

            Segundo o Pe. Adroaldo, s.j, o cristão que vive a partir da sua vocação à santidade, “se sente sereno, livre, pensa positivamente, está próximo dos pobres, acolhe as adversidades, integra suas contradições, ama sem pôr condições, (...) introduz amor onde há ódio, revela a paciência onde existe intransigência, manifesta compreensão onde existe revolta, comunica paz onde existe a violência, deixa transparecer uma presença alegre onde impera a tristeza”.

            Além do Evangelho, também o livro do Apocalipse dirigiu o nosso olhar para os “Santos”. Antes de serem encontrados no céu, diante do trono de Deus e do Cordeiro (Cristo ressuscitado), essas pessoas viveram na terra em meio aos outros seres humanos. Enfrentando as diversas situações do cotidiano, elas permitiram que suas frontes fossem marcadas por Deus, isto é, abriram a consciência para Deus e aceitaram fazer com Ele um caminho de santificação, passando da atitude da mera reação para a atitude de responder diante da realidade segundo os valores do Evangelho.

            O Apocalipse afirma que essas pessoas compõem “uma multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas, e que ninguém podia contar”, imagem do desejo de Deus de salvar todas as pessoas; “estavam de pé”, imagem da ressurreição; estavam “vestidas com roupas brancas e traziam palmas na mão”, imagem de quem venceu a tentação, a provação e a morte; e “todos proclamavam com voz forte: ‘A salvação pertence ao nosso Deus, que está sentado no trono, e ao Cordeiro’”, porque, de fato, “a santidade não é o fruto do esforço humano, que procura alcançar Deus com suas forças, e até com heroísmo; ela é dom do amor de Deus resposta do homem à iniciativa divina” (missal dominical, p.1367).

            Os Santos são pessoas que “vieram da grande tribulação. Lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro” (Ap 7,14). Portanto, “os santos, de hoje e de sempre, não são encontrados nos pacíficos ambientes dos templos ou dentro dos limites da instituição eclesial, mas nas encruzilhadas da pobreza e da injustiça, nas ‘periferias existenciais’, em perigosa proximidade com o mundo da violência e da marginalidade, em situações de risco, onde a luz do amor brilhará mais do que nunca. São pessoas anônimas que estão presentes em todos os lugares, como fermento na massa, despertando esperança em tempos difíceis” (Pe. Adroaldo, s.j.).

            Ao celebrarmos todos os Santos, abracemos nossa vocação à santidade, nos abrindo ao chamado do Senhor, que “nos quer santos e espera que não nos resignemos com uma vida medíocre, superficial e indecisa... Todos somos chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra” (Papa Francisco, GE n.14). Enfim, lembremo-nos de que a santidade consiste em “morrer e ressuscitar continuamente” com Cristo (Papa Francisco, GE, n.20).

 

ORAÇÃO: Pai Santo, marca-me na fronte com o sinal de que pertenço a Ti. Concede-me a sabedoria do Espírito Santo para que eu não simplesmente reaja diante dos acontecimentos, mas responda-lhes segundo a liberdade e a responsabilidade que me foram dadas enquanto pessoa chamada à santificação. Sei que não devo esperar que tudo me seja favorável só para então viver segundo o Evangelho de Teu Filho.

Quero, com a Tua graça, trilhar o caminho da minha santificação diária, mesmo que isso me traga sofrimentos e tribulações. Livra-me de uma vida medíocre, superficial e indecisa. Que eu saiba oferecer diariamente e com amor o meu sacrifício pela santificação da Igreja e da humanidade. Resgata todo ser humano do erro, do pecado e da autodestruição, pelo sangue de Teu Filho, no qual todos nós encontramos redenção e santificação. Amém!

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi 

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

ENCONTRAR-SE COM DEUS É ENCONTRAR-SE TAMBÉM COM TODO SER HUMANO QUE ELE AMA E QUER SALVAR

Missa do 30º dom. comum. Palavra de Deus: Êxodo 22,20-26; 1Tessalonicenses 1,5c-10; Mateus 22,34-40.

 

            Quando foi que você fez a experiência de amar e de ser amado? Ali você fez uma experiência de Deus. “Deus é amor” (1Jo 4,8). Quem nunca fez a experiência de amar e ser amado nunca experimentou Deus. O grande problema do mundo moderno não é o ateísmo, não é a falta de fé em Deus, em Sua existência, mas a não experiência de sentir-se amado por Deus. Inúmeras crianças nasceram e cresceram no seio de famílias desestruturadas, sem uma experiência genuína de amor, nem por parte da mãe, nem por parte do pai. Além disso, inúmeras famílias estão expostas à violência, às guerras, às perseguições religiosas, a muitas injustiças sociais, e isso faz com que elas não experimentem que são amadas por Deus.

            Segundo Jesus, existe um centro, um núcleo dentro de cada um de nós e dentro da história humana. Quanto mais nos afastamos desse centro, desse núcleo, mais adoecemos, nos desumanizamos e destruímos a nós mesmos, aos outros e ao próprio mundo. Quanto mais nos voltamos para esse centro, quanto mais vivemos a partir desse núcleo, dessa essência, mais nos tornamos saudáveis, humanos e capazes de construir relacionamentos que salvem a humanidade da destruição. Esse centro, esse núcleo, essa essência é o amor.

            Durante a história de Israel, as autoridades religiosas afastaram-se da essência da fé e multiplicaram os mandamentos da Lei de Deus em 613 normas e prescrições. É por isso que fazem a pergunta a Jesus: “Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?” (Mt 22,36), ao que Jesus responde: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento!” e também “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,37.39). Portanto, “amarás!”.

            A essência da fé, a essência da religião cristã, é o amor, amor que supõe estabelecer um relacionamento com Aquele que é amor. Não fomos nós que “inventamos” Deus e “inventamos” a obrigação de amá-Lo e de amar o próximo, mas foi Deus que Se revelou a nós como amor e nos desafiou a amar: “Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou” (1Jo 4,10). Antes que o ser humano existisse, ele foi amado e querido por Deus. O amor de Deus pelo ser humano é gratuito e incondicional: Seu amor por nós existe antes e continua a existir depois de qualquer fraqueza, pecado, injustiça, escândalo e maldade que possam surgir ao longo da nossa existência e “manchar” a nossa imagem perante Deus.

            Se Jesus afirma que a essência da nossa fé consiste em amar o Pai com todo o nosso coração, com toda a nossa alma e com todo o nosso entendimento é porque deseja que nós mergulhemos de cabeça no coração do Pai, experimentemos a verdade do Seu amor por nós e nos relacionemos com Ele não porque “precisamos” d’Ele, mas porque O amamos. Quando nosso relacionamento com Deus é marcado pelo medo, pelo temor, ou pelos nossos interesses e necessidades, significa que estamos distantes do núcleo, da essência da nossa religião. Muitos de nós, que cremos em Deus, não O buscamos porque O amamos, mas porque precisamos d’Ele. Jesus quer que vivamos nosso relacionamento com o Pai para além dessa superficialidade e desse utilitarismo.

            Deus conhece o nosso coração e a imperfeição do nosso amor para com Ele: “O amor de vocês é como a neblina da manhã, como o orvalho que cedo desaparece... É amor que eu quero e não sacrifícios” (Os 6,4.6). O nosso amor por Deus é condicionado ao que nos acontece: se tudo vai bem transcorre como nós planejamos, se estamos com saúde e estáveis financeira e afetivamente, nosso amor para com Deus se mantém. Mas se Ele permite que algo desestabilize a nossa vida, nosso amor por Ele se esvai como a neblina, diante dos primeiros raios do sol, se evapora como o orvalho diante do calor. No entanto, Deus continua nos amar: “Os montes podem mudar de lugar e as colinas podem abalar-se, porém o meu amor não mudará, diz o Senhor” (Is 54,10).

“Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento!” (Mt 22,37). Jesus não quer que entendamos isso como uma imposição a partir de fora, mas como nossa resposta pessoal e diária Àquele que habita em nós por meio do Seu amor.

E o próximo, como fica? Ignorado pelo mercado, ele também tem sido sistematicamente banido das igrejas cristãs, as quais favorecem sempre mais um culto individualista, onde o mais importante é o bem estar espiritual do fiel, independente da forma como ele trata o seu semelhante. Deus protesta contra esse individualismo que falseia a religião cristã, nos questionando como está sendo a nossa forma de tratar o próximo (cf. Ex 22,20.21.24). A tendência atual de reduzir a fé ao “sentir-se bem” é uma traição ao Evangelho: “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,39).

Muitos cristãos estão concluindo que, para se encontrar com Deus, é melhor afastar-se das pessoas, quando, na verdade, a Escritura jamais permitiu ao homem de fé desinteressar-se do seu semelhante com a desculpa de interessar-se unicamente por Deus. Quem, na vivência diária da sua fé, se encontra verdadeiramente com Deus, “encontra inevitavelmente os homens que Deus ama e quer salvar” (missal dominical, p.841). Cada homem que existe na face da terra é um irmão que Deus colocou ao nosso lado e que temos de cuidar, proteger e amar, sobretudo os mais frágeis, os mais expostos ao sofrimento e às injustiças do nosso tempo. “Quem não ama seu irmão, a quem vê, a Deus, a quem não vê, não poderá amar” (1Jo 4,20).   

           

 

            ORAÇÃO: Deus, Pai de amor, reconheço que me distanciei do núcleo da minha fé, da essência da minha relação contigo. Tenho buscado a Ti não porque Te amo, mas porque preciso de Ti. Além disso, meu amor por Ti é inconsistente como a neblina da manhã: basta que algo ruim me aconteça para que eu duvide do Teu amor. Perdoa-me, Pai! Dá-me o amor que Tu me pedes. Quero aprender a me relacionar contigo por um sincero e profundo amor.

            Livra-me do individualismo. Acolho o desafio de amar o meu semelhante. Em nome do Teu amor, quero enxergar cada ser humano como um irmão a quem amar, proteger e defender. Quero ser fiel à missão de ser um sinal concreto do Teu amor para com toda pessoa que cruza o meu caminho. Torna fecunda a minha espiritualidade, de modo que, ao Te buscar diariamente, eu encontre não somente a Ti, mas também o ser humano, meu irmão, a quem Tu amas e desejas salvar. Por Jesus Cristo, na unidade do Espírito Santo. Amém!

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

NENNUM CÉSAR DEVE SER CULTUADO COMO MESSIAS

 

Missa do 29. dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 45,1.4-6; 1Tessalonicenses 1,1-5b; Mateus 22,15-21

 

            César e Deus: o primeiro representa o poder político; o segundo, o poder religioso. A grande maioria das pessoas afirma que não se deve misturar política com religião. No entanto, no Brasil atual, diversos líderes religiosos estão se submetendo aos interesses da má política. Com o falso discurso de defenderem Deus, a família, a moral e os valores conservadores, esses líderes têm usado da religião para o seu projeto pessoal de poder; usam o nome de Deus com o objetivo de se tornarem César. “As eleições deste ano terão pelo menos 5.500 religiosos concorrendo às prefeituras e às Câmaras Municipais. Os nomes mais populares usados na urna são ‘pastor’ e ‘irmão’” (UOL, 26/09/2020).

            Devido à forte ignorância política e religiosa que caracteriza o nosso País, existe hoje uma manipulação do termo “Ungido” (Messias). Enquanto alguns líderes religiosos se presumem “ungidos por Deus” para fundarem igrejas, sendo que algumas delas são literalmente “negócios de mercado”, alguns líderes políticos se presumem “ungidos por Deus”, afirmando que a mão de Deus está sobre eles para governarem. Eles fingem ignorar que o fato de que, dos inúmeros reis que governaram o povo de Israel - Reino do norte e Reino do sul –, somente quatro foram aprovados por Deus; somente quatro honraram a unção que receberam. Todos os demais foram reprovados, segundo as palavras: “(tal rei) fez o que era mau aos olhos de Deus”, uma afirmação que você se cansará de ler nos dois livros de Reis.  

            No Evangelho de hoje, Jesus nos dá pistas sobre como podemos nos posicionar diante da política e da religião em nosso dia a dia. Vivendo numa época onde o Império Romano dominava seu país, Jesus foi questionado se concordava ou não com o fato de o povo ter que pagar o imposto a César. Havia ali uma armadilha: concordar com o pagamento do imposto era concordar com a dominação romana; discordar era assumir o papel de revolucionário político. Sendo livre diante das pessoas e verdadeiro diante de Deus, Jesus questionou a respeito da figura e da inscrição impressas na moeda do imposto. Eram de César. Sabiamente, ele então respondeu: “Deem, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus” (Mt 22,21).

            Com a sua resposta, Jesus nos ensina a não confundir César e Deus. Nenhum César é Deus! Nenhum César pode usar da religião para seus interesses de poder! Na verdade, existem diferenças sérias e profundas entre César e Deus: Todo César está a serviço dos interesses do mercado; Deus está a serviço da vida e da dignidade de cada ser humano; Todo César é um homem passível de corrupção; Deus é incorruptível; Todo César é um homem seduzido pelo poder; Deus escolheu servir e dar a vida pela salvação do ser humano; Todo César usa da mentira para sustentar-se no poder; Deus ama a verdade e odeia a mentira. Portanto, o bom senso nos pede para desconfiar de todo discurso político travestido de linguagem religiosa.

            Depois de fazer uma clara separação entre César e Deus, Jesus fez questão de nos orientar a “dar a Deus o que é de Deus”. Se na moeda do imposto estava a impressa a imagem de César, a imagem de Deus foi impressa em cada ser humano. Todo ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,26). Todo ser humano é sagrado, inclusive aquele que não tem a mesma cor de pele ou a mesma identidade sexual que eu; aquele que não tem religião ou que segue uma religião ou igreja diferente da minha, que defende um partido político diferente do meu, que não pertence à mesma classe social que eu.

É preocupante o retrocesso que o nosso mundo está vivendo em termos de humanização e fraternidade, como denuncia o Papa Francisco na sua Encíclica Fratelli Tutti: “(...) nega-se a outros o direito de existir e pensar... Não se acolhe a sua parte da verdade, os seus valores, e assim a sociedade empobrece-se e acaba reduzida à prepotência do mais forte. Nesta luta de interesses que nos coloca todos contra todos, onde vencer se torna sinônimo de destruir..., aumentam as distâncias entre nós, e a dura e lenta marcha rumo a um mundo unido e mais justo sofre um novo e drástico revés” (nn.15-17).  

            Jesus veio restituir a imagem de Deus em cada ser humano; Ele veio ajudar o ser humano a se libertar de uma injusta, sofrida e desnecessária submissão a César para escolher livremente colocar-se nas mãos de Deus. Jesus deseja despertar em nós a consciência do valor de cada pessoa humana e do valor da criação, muitas vezes atacada por César para favorecer os interesses do mercado. Jesus quer nos tornar conscientes de que “não se pode sacrificar a vida e a dignidade dos indefesos a nenhum poder político, financeiro, econômico ou religioso... O ser humano não é moeda de circulação, que se compra ou se vende. Por isso, o ser humano não pode ser ‘produto’ que é vendido aos interesses humanos” (Pe. Adroaldo, sj).

            Diante da resposta de Jesus, precisamos nos perguntar se estamos dando a Deus o que é de Deus. Isso supõe manter a nossa consciência voltada para Ele, orientada diariamente por sua Palavra; supõe também cuidar da criação, preservar o meio ambiente, perante o qual Deus nos constituiu cuidadores e não predadores. Dar a Deus o que é de Deus significa defender cada ser humano que esteja sendo ferido, descuidado ou simplesmente descartado por todo César deste mundo. Como muito bem nos ensina o Papa Francisco, “enquanto o nosso sistema econômico-social ainda produzir uma só vítima que seja e enquanto houver uma pessoa descartada, não poderá haver a festa da fraternidade universal” (FT, 110).

 

 

            ORAÇÃO: Senhor, Tu és o nosso único Deus. Toca com Tua mão na consciência de todo César do nosso tempo, para que use do seu poder para cuidar do meio ambiente e protegê-lo dos interesses gananciosos do mercado. Concede sabedoria a todo César para que se afaste da mentira e exerça seu governo segundo a justiça, sempre visando a dignidade e o bem de cada ser humano.

            Livra-nos dos líderes religiosos que usam do Teu nome unicamente para seus próprios projetos de poder. Torna-nos conscientes de que o papel da religião é acompanhar criticamente a política, e não se colocar a serviço dela em vista da manutenção das estruturas injustas de poder que aprofundam sempre mais a desigualdade em nosso País.

            Ensina-nos a dar a Ti aquilo que é Teu, fazendo da nossa oração diária o momento em que nos deixamos amar e cuidar por Ti, orientando a nossa consciência diariamente por Tua palavra, não nos corrompendo diante do poder mundano e cuidando da vida de cada ser humano e do meio ambiente, a fim de promover a fraternidade universal. Por Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém!  

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

AJUDAR A HUMANIDADE A MANTER SEU PRESENTE ABERTO AO FUTURO E À ESPERANÇA

Missa do 28. dom. comum. Isaías 25,6-10a; Filipenses 4,12-14.19-20; Mateus 22,1-14.

 

            Como você está vivendo seu momento presente? Ele está fechado em si mesmo ou está aberto a um futuro, a uma esperança? Normalmente, vivemos o tempo presente como um tempo fechado em si mesmo. Se estamos felizes, corremos o risco de nos encher de orgulho e presunção, achando que aquela situação de felicidade não mudará jamais; mas ela muda. Se estamos tristes, corremos o risco de nos deprimir e nos tornar pessimistas, achando que aquela tristeza jamais passará; mas ela passa.

            O profeta Isaías nos convida a compreender o tempo presente não como algo estático, mas dinâmico, porque aberto a um futuro e a uma esperança. Esse futuro e essa esperança são traduzidos biblicamente pela imagem do banquete. Isaías eleva o nosso olhar para o horizonte e nos faz ver que nele está sendo preparado um banquete: Deus prepara “para todos os povos, um banquete” (Is 25,6). Por que para todos os povos? Por que Deus salvar a todos.

Sendo Pai de todos os seres humanos, Deus tem um sonho: Ele deseja reunir todos os povos no seu Reino e realizar um banquete para celebrar o fim definitivo do sofrimento, da maldade, das injustiças e da morte. Depois que Ele próprio eliminar para sempre da face da terra a morte e enxugar as lágrimas de “todos os rostos” – mais uma vez, a certeza de que Deus é Pai de todo ser humano e deseja salvar a todos –, dará um banquete como recompensa a todas as pessoas que mantiveram seu presente aberto ao futuro e à esperança:  “Este é o nosso Deus, esperamos nele, até que nos salvou; este é o Senhor, nele temos confiado: vamos alegrar-nos e exultar por nos ter salvo” (Is 25,9).

            Deus é banquete! Deus é festa! Por mais que nós, seres humanos, construamos muros que nos separem uns dos outros, Deus deseja que todos nos sentemos à Sua mesa, celebrando o fim das separações e das inimizades, o fim das brigas e discussões. Deus deseja que a sala do Seu reino fique repleta de pessoas e que todos encontrem o seu lugar à mesa: aqueles que foram fortes, mas também aqueles que foram fracos; aqueles que corresponderam ao Seu amor, mas também aqueles que não corresponderam; aqueles que se abriram aos Seus apelos desde cedo, mas também aqueles que se abriram somente no último instante de vida.

            Jesus abraçou esse sonho de Deus em sua vida. Por isso, ele sempre se sentou à mesa com muitas pessoas, sempre fez refeição com elas, para expressar que Ele acredita no futuro e na esperança que Deus tem para a humanidade. Jesus dedicou sua vida a convidar para o banquete do Reino especialmente as pessoas que sempre foram excluídas dos banquetes, excluídas por serem pobres, pecadoras, vistas como pessoas perdidas e indignas de salvação, pessoas sem nenhuma importância para a economia, para a política e para a religião do seu tempo.

            Apesar do desejo do Pai e do Filho em reunir na mesa do Reino todas as pessoas, todos os povos, eles se depararam com o surpreendente desinteresse de muitos: “Os convidados não deram a menor atenção” (Mt 22,5); cada um escolheu viver sua vida cuidando dos seus interesses, da sua sobrevivência, fechados no próprio egoísmo. Essa rejeição é retratada por Jesus como expressão da má vontade de muitas pessoas. São pessoas que vivem uma vida egoísta e individualista, onde o outro não tem lugar e onde o banquete que Deus oferece não é desejado porque elas estão sempre ocupadas em preparar seus próprios banquetes particulares.   

“O rei ficou indignado e mandou suas tropas para matar aqueles assassinos e incendiar a cidade deles” (Mt 22,7). Essas palavras se referem aos judeus da época de Jesus e à cidade de Jerusalém: ambos rejeitaram Jesus com violência, e essa violência se voltou contra eles. Também nós precisamos estar cientes disso: apesar de participarmos da Igreja e de nos sentarmos à mesa da Eucaristia, isso não significa que estejamos acolhendo Jesus e as exigências do seu Evangelho. Eis porque Jesus nos coloca diante dessa cena: “Quando o rei entrou para ver os convidados, observou ali um homem que não estava usando traje de festa e perguntou-lhe: ‘Amigo, como entraste aqui sem o traje de festa?’” (Mt 22,11-12). A melhor forma de entendermos o que é esse traje de festa é olhar para o banquete do Cordeiro, no livro do Apocalipse: “concederam-lhe vestir-se com linho puro, resplandecente – pois o linho puro representa a conduta justa dos santos (cristãos)” (Ap 19,8).

No Sermão da Montanha, Jesus já havia nos aconselhado a buscar “o Reino de Deus e a sua justiça” (Mt 6,33). Se o banquete é a imagem do Reino de Deus, a nossa participação nesse banquete está condicionada ao nosso traje de festa, ou seja, ao nosso esforço em termos um comportamento justo no dia a dia. Quem pratica injustiças, assim como quem não se importa com as injustiças praticadas à sua volta e não defende aqueles que são injustiçados, não permanecerá na sala do banquete do Reino.

Eis, portanto, como Jesus termina o Evangelho: “muitos são chamados, e poucos são escolhidos” (Mt 22,14). Ter sido chamado por Deus e ter respondido ao seu chamado não significa estar salvo. A questão é saber se nós estamos fazendo um caminho de configuração ao Filho, isto é, se estamos nos tornando pessoas justas, vivendo segundo a vontade do Pai. Se eu aceito o convite de Deus para o banquete, mas me recuso a mudar de vida, a melhorar minha conduta, a me ajustar ao que Ele me pede na sua Palavra, estou provocando a minha própria expulsão da sala do banquete.

 

ORAÇÃO:  Senhor, quero aprender a manter o meu presente aberto ao futuro e à esperança no banquete do teu Reino. Hoje apresento a Ti as lágrimas de todos os rostos, a sombra escura da violência, da injustiça e da morte que se estende sobre todos os povos. Confio no teu sonho e na tua promessa de criar “novos céus e uma nova terra, onde habitará a justiça” (2Pd 3,13).

Respondendo ao teu desejo de salvar todas as pessoas, abraço a missão que me é confiada de ser um sinal de tua salvação para as pessoas à minha volta. Quero me fazer presente junto a todas as pessoas excluídas dos banquetes terrenos. Proponho-me a trabalhar por um mundo mais justo, por uma sociedade mais justa, por uma política e por uma religião mais justas.  

Concede-me a graça de me vestir de linho puro, a graça de desenvolver um comportamento justo no meu dia a dia, adequado à tua santa vontade, jamais reproduzindo injustiças e jamais sendo indiferente a todos os injustiçados à minha volta, para os quais o teu banquete é especialmente oferecido. Em nome de Jesus, na força do Espírito Santo. Amém.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi