quinta-feira, 24 de março de 2022

NENHUMA PERDA E NENHUMA MORTE SÃO DEFINITIVAS

Missa do 4. dom. da quaresma. Palavra de Deus: Josué 5,9a.10-12; 2Coríntios 5,17-21; Lucas 15,1-3.11-32. 

 

Deus não deseja que ninguém se perca (cf. Mt 18,14). No entanto, Ele criou o ser humano livre. Cada um de nós tem liberdade de escolher e decidir sobre sua própria vida, de seguir o caminho que achar melhor. Na verdade, a vida tem inúmeros caminhos, e muitos deles nos levam para longe de Deus, para longe da nossa verdade. Quem de nós nunca se enganou e nunca seguiu um caminho errado?

A parábola que Jesus nos conta começa com um pedido do filho mais novo: “Pai, dá-me a parte da herança que me cabe” (Lc 15,12). Ora, o momento de se repartir a herança é quando o pai morre. Muitas pessoas vivem como se Deus não existisse, como se estivesse morto. Esse filho mais novo retrata o nosso mundo, um mundo que rejeita a autoridade do Pai, que não aceita viver debaixo da orientação da Palavra de Deus. Muitas pessoas decidiram deixar a casa do Pai, deixar a Igreja, pois essa casa se tornou “pequena” demais para os seus sonhos de liberdade. Deus, por sua vez, respeita a nossa liberdade: “Israel não quis obedecer-me; então os entreguei ao seu coração endurecido: que sigam seus próprios caminhos!” (Sl 81,12-13).   

A escolha em sair da casa do Pai, a escolha de “matar” o Pai, leva o filho a viver como órfão: o filho mais novo “juntou o que era seu e partiu para um lugar distante. E ali esbanjou tudo numa vida desenfreada” (Lc 15,13). Às vezes queremos viver a nossa vida do nosso jeito, a partir da nossa cabeça, uma vida “desenfreada”, isto é, sem o “freio” da religião, sem o “freio” da Palavra de Deus em nossa consciência. Ora, uma vida “desenfreada” cedo ou tarde se transforma numa vida autodestrutiva, que destrói a si mesma. Não é à toa que o filho que tinha tudo na casa do pai agora se encontra passando fome, sem poder comer até mesmo a comida que ele dava aos porcos. Esse filho desceu ao mais profundo do poço, ao mais profundo do buraco que ele mesmo cavou.

Quando nós rejeitamos depender de Deus, passamos a sofrer uma dependência imposta pelo mundo. Quantas pessoas estão vivendo no meio de porcos? É a dependência química; a dívida com os traficantes; o ser explorado como mão de obra barata; o sobreviver dentro de um relacionamento doentio, onde se experimenta todos os dias agressão física ou psicológica. Conhecemos inúmeros adolescentes e jovens que estão nessa experiência do filho mais novo. Mas é preciso reconhecer também que inúmeros adolescentes e jovens não têm para onde voltar; não têm – e alguns nunca tiveram – um pai esperando por eles. Nas famílias, é cada vez maior a ausência do pai, e a nossa missão como Igreja, como cristãos, é ajudar as pessoas a voltarem a crer que a misericórdia de Deus tem o poder de fazer voltar à vida aquilo que morreu e de reencontrar aquilo que se perdeu.

Para que isso aconteça, é preciso que o ser humano se levante de sua queda e tome a decisão de voltar para o Pai. Deus tem esperança de que cada pessoa reflita em sua consciência, que “caia em si” e perceba que, por maior que seja a destruição que ela provocou em si mesma, sempre há possibilidade de fazer uma nova escolha e de tomar uma nova decisão: “Então caiu em si e disse: ‘(...) Vou-me embora, vou voltar para meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra Deus e contra ti’” (Lc 15,17-18). Se existe um caminho de distanciamento, existe também um caminho de reaproximação. Nada está perdido para sempre; nada está morto definitivamente! É possível voltar! Nós temos não apenas “para onde” voltar, mas para Quem voltar! Qualquer que seja o nosso pecado, qualquer que tenha sido o nosso erro de matar o Pai dentro de nós, Ele continua vivo e de braços abertos para nos receber de volta! 

Para quem crê, sempre existe uma páscoa, uma passagem, um caminho de volta. Para quem tem fé, sempre existe uma passagem da morte para a vida, da perda para o reencontro. Jesus nos lembra que a páscoa, a passagem da morte para a vida, acontece sempre que decidimos nos levantar e voltar ao Pai, assim como também acontece sempre que decidimos perdoar o irmão: “Quando ainda estava longe, seu pai o avistou e sentiu compaixão. Correu-lhe ao encontro, abraçou-o e cobriu-o de beijos... ‘Vamos fazer um banquete. Porque este meu filho estava morto e tornou a viver; estava perdido, e foi encontrado’” (Lc 15,20.23-24). Embora muitas pessoas desistam de si mesmas, Deus não desiste de nenhum ser humano.

“Deixai-vos reconciliar com Deus” (2Cor 5,20). Jesus nos convida a nos deixar abraçar pelo Pai: ‘Deixem-se abraçar pelo Pai! Deixem-se ressuscitar por Deus! Deixem-se ser encontradas por Ele!’ Talvez a nossa relação com Deus Pai seja tão fria quanto à do filho mais velho, que passou toda a sua vida trabalhando para o Pai, mas não se deixou amar por Ele, e nem aprendeu a amar como Ele. Todos nós precisamos nos deixar abraçar pelo Pai e permitir que Ele cure as nossas feridas paternas/maternas. Enfim, todos nós somos chamados a nos tornar filhos como o Filho, que dedicou sua vida em procurar e salvar o que estava perdido (cf. Lc 19,10).

“Filho, (...) era preciso festejar e alegrar-nos, porque esse teu irmão estava morto e tornou a viver; estava perdido e foi encontrado” (Lc 15,32). É preciso festejar! É preciso que cada celebração da Eucaristia seja verdadeiramente o momento em que todos nós, filhos mais novos e filhos mais velhos, nos deixamos abraçar pelo Pai, cujo nome é Misericórdia! Mas é preciso também que, depois de cada Eucaristia, cada um de nós volte para a sua casa e seja, no dia a dia, o próprio abraço do Pai a comunicar, a cada pessoa que encontramos em nosso caminho, que todo aquele que está morto pode voltar a viver, assim como todo aquele que está perdido pode voltar a ser encontrado, porque nossa fé é uma fé pascal!

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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