quinta-feira, 21 de setembro de 2023

NA SUA JUSTIÇA TAMBÉM CABE BONDADE?

 Missa do 25. dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 55,6-9; Filipenses 1,20c-24.27a; Mateus 20,1-16a.  

 

            Justiça e bondade: dois valores importantes. É possível ser justo e também ser bom, ou será que esses dois valores se excluem mutuamente? Em outras palavras, quando uma pessoa precisa exercer a justiça, precisa deixar a bondade de lado?

Conciliar justiça e bondade é um desafio porque, enquanto a justiça tem como base o mérito, a bondade tem como base a gratuidade. E aqui entra o problema: mérito e gratuidade são coisas totalmente opostas. Para o mérito, a pessoa deve ser tratada segundo os seus esforços, o que, na prática, significa: ela colhe o que planta; para a bondade, a pessoa pode receber não só o fruto do seu esforço, mas até mesmo algo pelo qual não se esforçou, o que não tem direito a receber, e isso é tremendamente injusto!   

Por trás da parábola dos trabalhadores da vinha está uma pergunta: Deus é justo? Os líderes religiosos da época de Jesus – sumos sacerdotes, doutores da Lei de Moisés e fariseus – se consideravam homens justos. Eles aparecem na parábola representados pelos trabalhadores que foram contratados às 6h da manhã e que, portanto, trabalharam o dia inteiro na vinha. Com eles foi feito um acordo: o salário de uma moeda de prata ao final do dia. E foi precisamente o que receberam! Portanto, o patrão foi justo: cumpriu o que havia prometido a esses trabalhadores.

O problema está nos demais trabalhadores, aqueles que foram contratados às 9h, às 12h, às 15h e às 17h (!!!). Na hora de se pagar a diária, o patrão propositalmente começou pelos últimos, até chegar aos primeiros. Ao decidir dar aos últimos a mesma quantia que havia combinado com os primeiros – uma moeda de prata –, tal atitude gerou nestes a expectativa enganadora de que receberiam mais, pois trabalharam o dia inteiro! Obviamente, aos nossos olhos o protesto deles é mais do que justo! Ninguém duvida que pagar a mesma diária a quem trabalhou o dia inteiro e a quem trabalhou apenas meio período ou, mais absurdo ainda, apenas uma hora, seja totalmente injusto!!!

Para entendermos a parábola, precisamos levar em conta que o patrão representa Deus; os primeiros trabalhadores representam os judeus, chamados à salvação desde Abraão (1.850 aC), enquanto que os últimos trabalhadores representam os pagãos, que passaram a conhecer Deus somente a partir do anúncio do Evangelho, depois da ressurreição de Jesus. Portanto, o protesto dos primeiros trabalhadores pode ser entendido da seguinte maneira: não é justo que Deus ofereça a salvação também aos pagãos, uma vez que somente “na última hora” eles se converteram!

O objetivo de Jesus, com essa parábola, é revelar que Deus não é somente justo, mas também bom: Ele decidiu salvar os pagãos não pelos méritos deles – porque tivessem trabalharam “o dia inteiro” –, mas pela gratuidade do Seu coração, que “faz nascer o sol sobre bons e maus e cair a chuva sobre justos e injustos” (Mt 5,45): “Eu quero dar a este que foi contratado por último o mesmo que dei a ti” (Mt 20,14), e decidi fazer isso porque, além de ser justo, quero e posso também ser bom (cf. Mt 20,15).

Como nós nos sentimos diante desse evangelho? Com quais personagens nos identificamos: com os trabalhadores das 6h da manhã ou com os da 17h? Talvez muitos de nós tenham no coração a mesma impressão que alguns tinham, na época do profeta Malaquias: “É inútil servir a Deus; que lucro temos por observado os seus preceitos? Vamos felicitar os arrogantes: aqueles que praticam o mal prosperam; eles tentam a Deus e saem ilesos!” (Ml 3,14-15). No entanto, Jesus não contou essa parábola para nos falar que, no fim, tudo acabará em pizza (no fim, todos serão salvos). O que Jesus quer é que nosso relacionamento com o Pai não seja pautado pela ideia do mérito – eu sirvo a Deus unicamente porque estou de olho na moeda de prata que Ele me prometeu –, mas num amor bondoso e gratuito, que se alegra com cada pecador que se converte, ainda que seja “na última hora” da sua história de vida.

Um outro ensinamento importantíssimo neste evangelho é este: Deus não me salva porque eu mereço, mas porque eu preciso. E é assim com todas as outras pessoas. Tomemos cuidado com a nossa exigência cega por justiça, que condena antecipadamente tantas pessoas ao inferno. Não nos esqueçamos das palavras do Sl 143,2: “Não entres em julgamento com ter servo, pois frente a ti nenhum vivente é justo!”. Em outras palavras, se no coração de Deus só houvesse espaço para a justiça e não para a bondade, ninguém seria salvo!

Jesus, vivendo sempre segundo a justiça do coração do Pai, nos fez um alerta: “Se a justiça de vocês não for maior do que a justiça dos doutores da Lei e a dos fariseus, vocês não entrarão no Reino dos Céus” (Mt 5,20). Se o nosso coração for habitado por uma justiça legalista, moralista, fria e cega, uma justiça que não tem espaço para a bondade e a misericórdia, nós não entendemos quem é Deus e não aprendemos nada com o Evangelho de Jesus.

Uma última palavra. Estamos no Ano Vocacional. Deus nos chama a trabalhar na sua vinha; Ele nos chama a trabalhar pela salvação de todo ser humano. Eu desenvolvo algum trabalho neste sentido, ou o meu trabalho está unicamente em função da minha sobrevivência (pior ainda, da minha busca individualista de enriquecimento)?   

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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