sexta-feira, 8 de setembro de 2023

SE O OUTRO SE PERDER, DE QUEM É O PROBLEMA?

 Missa do 23º dom. comum. Palavra de Deus: Ezequiel 33,7-9; Romanos 13,8-10; Mateus 18,15-20.

 

            “Meu filho, não desprezes a correção do Senhor, não desanimes quanto ele te repreende; pois o Senhor educa a quem ama” (Hb 12,5-6). Essas palavras da carta aos Hebreus nos falam da necessidade que todos nós temos de sermos corrigidos por Deus. Somos humanos, e por isso mesmo, falhos; erramos, nos enganamos e necessitamos ser corrigidos. O problema é que a correção representa um golpe em nosso narcisismo ou perfeccionismo: não admitimos que nos apontem falhas, nem em nossa imagem, nem em nossa conduta. Por isso, quando somos corrigidos, nos sentimos humilhados, nos esquecendo de que a correção é fruto do amor: quem ama, educa; quem ama, corrige.

            Quando Deus ordena ao profeta Ezequiel corrigir o seu povo, deixa claro que tal correção é em vista da salvação da pessoa, isto é, de evitar que a pessoa destrua a si mesma com o seu comportamento errado. O problema é que nós vivemos num tempo de forte individualismo, onde cada um faz o que quer e não admite a intromissão de outrem em sua vida. Se, porventura, tentamos alertar uma pessoa a respeito da sua conduta injusta ou destrutiva, podemos receber como resposta: “Da minha vida cuido eu!”. Normalmente, a não aceitação da correção está ligada à não aceitação de limites: a pessoa cresceu achando-se o centro do mundo, tendo todas as suas vontades satisfeitas e sendo poupada de todo tipo de frustração.

            Quer encontremos abertura na pessoa para corrigi-la, quer não, Deus nos incentiva a exercer a tarefa da correção, conscientes de que o que está em jogo não é somente a salvação da pessoa, mas a nossa também: se estamos vendo uma pessoa se destruir e não fazemos nada para torná-la consciente disso, ela morrerá por suas próprias atitudes erradas, mas Deus nos pedirá contas da morte dela. Cada pessoa não corrigida torna o mundo pior, e nós estamos dentro do mesmo mundo que ela; cedo ou tarde, o comportamento destrutivo do outro nos atingirá. Como afirma o Papa Francisco, “ninguém se salva sozinho” (FT, 54); “Precisamos fazer crescer a consciência de que, hoje, ou nos salvamos todos ou não se salva ninguém” (FT, 137).

            Se a correção é necessária em vista da salvação da pessoa e do mundo, ela o é também em relação à salvação da própria Igreja. Jesus entende que não só no mundo, mas também na Igreja é impossível que não haja escândalos (cf. Mt 18,7); é impossível que não haja pessoas que pequem, que cometam erros que ferem a elas mesmas, aos irmãos e à própria Igreja. Diante do erro ou do pecado do irmão, é necessário exercer a correção fraterna. Essa correção começa com um falar em particular com o irmão, na tentativa de torná-lo consciente de que suas atitudes erradas estão prejudicando a vida da comunidade.

Caso o irmão não admita enxergar seu erro, deve-se encontrar na comunidade uma ou duas pessoas que possam auxiliar na conscientização do erro, na esperança de que a pessoa se convença de que precisa mudar suas atitudes. Se essa segunda tentativa falar, o líder da comunidade deve ser comunicado do fato e chamar a pessoa para conversar. Se nem ele conseguir convencer a pessoa a rever suas atitudes, a mesma deve ser afastada da comunidade, como um remédio amargo para si mesma e para se evitar que a mancha de óleo se espalhe e cause estragos ainda maiores.

Um detalhe importante: todo esse processo de correção do irmão que erra e da tentativa de recuperá-lo deve ser acompanhado pela oração comunitária (cf. Mt 18,19), pois Deus não quer que ninguém se perca (cf. Mt 18,14). Aquilo que nossas palavras não conseguem, a Sua graça pode conseguir, tocando no mais profundo da consciência da pessoa. Portanto, Jesus nos ensina que a Igreja não é uma comunidade de perfeitos, de pessoas isentas de erros, mas lugar onde os erros são corrigidos e as pessoas incentivadas a se tornarem melhores. E se a tentação de deixar a Igreja porque ela tem falhas humanas começar a falar alto dentro de nós, Jesus reforça a consciência de que sua presença será sempre maior na vida em comunidade do que numa fé vivida no âmbito estritamente individual: “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles” (Mt 18,20). 

Neste segundo domingo do mês da Bíblia, A Palavra de Deus nos coloca alguns questionamentos: 1) Eu me deixo corrigir pelo Senhor? 2) Sei reconhecer meus erros e me disponho a modificar minhas atitudes? 3) Tenho consciência de que faço parte de um corpo – família, Igreja, sociedade humana – e que minhas atitudes refletem positiva ou negativamente nesse corpo? 4) Eu tomo a coragem de corrigir o irmão que, com suas atitudes, está ferindo ou mesmo destruindo a comunidade/Igreja? 5) Eu acolho minha Igreja como uma comunidade imperfeita, que através da constante correção fraterna busca se tornar melhor e mais configurada ao seu Fundador? 6) Vivo minha fé com os olhos fixos na perfeição e na santidade de Jesus Cristo ou nos erros e na imperfeição dos meus irmãos de comunidade? 7) A tentação de viver minha religiosidade em casa para não me decepcionar com as pessoas tem sido mais forte do que o meu esforço em me manter na comunidade, no seio da qual se faz presente o Senhor Jesus ressuscitado?    

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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