quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

COMPAIXÃO: UM CORAÇÃO QUE TEM MÃOS PARA TOCAR EM QUEM SOFRE

 Missa do 6. dom. comum. Palavra de Deus: Levítico 13,1-2.44-46; 1Coríntios 10,31 – 11,1; Marcos 1,40-45.

 

            Na época de Jesus, a doença mais temida era a lepra, porque podia contaminar outras pessoas. O medo da contaminação era tão grande que se estabeleceu uma norma, desde a época de Moisés: “O homem atingido por este mal andará com as vestes rasgadas, os cabelos em desordem e a barba coberta, gritando: ‘Impuro! Impuro!’ Durante todo o tempo em que estiver leproso será impuro; e, sendo impuro, deve ficar isolado e morar fora do acampamento’” (Lv 13,45-46). “Fora do acampamento” pode hoje ser entendido como fora da família, fora da Igreja, fora da cidade, para se evitar o convívio com outras pessoas.

Nós já vimos na semana passada que, na época de Jesus, a pessoa enferma, atingida por qualquer doença e não só pela lepra, era vista pelos outros como uma pessoa amaldiçoada por Deus. Se não bastasse estar sofrendo com a doença, a pessoa enferma se sentia não amada por Deus; até mesmo, esquecida e abandonada por Ele. Mas, ao curar cada pessoa enferma, Jesus lhe restituía sua confiança em Deus e a convidava a sair do seu desespero.

Na época em que estamos vivendo, o grande risco de contaminação não vem mais da lepra, mas do novo coronavírus. Para evitar a contaminação e ajudar a salvar vidas, a ciência prudentemente aconselhou o distanciamento social e o uso de máscaras, até que se tenha uma vacina segura que imunize as pessoas diante desse vírus. Quando padres e bispos da nossa Igreja, na fase crítica de contaminação, fecharam suas igrejas por ordem do governo municipal ou estadual, foram acusados nas redes sociais por alguns católicos de terem uma fé materialista e de não verem os serviços religiosos como essenciais. Na prática, esses católicos se distanciam de Jesus e se aproximam dos fariseus, para os quais as leis religiosas tinham que ser obedecidas ainda que ignorando a situação da vida das pessoas. Exemplo concreto: a necessidade de uma pessoa ser curada em dia de sábado.

O Evangelho de hoje nos coloca diante de dois homens que, para evitarem o risco de contaminação, não poderiam de maneira alguma se aproximar: Jesus e o leproso. O primeiro a romper com o distanciamento foi o leproso que, no seu desespero – e, sobretudo, na sua fé –, “chegou perto de Jesus, e de joelhos pediu: ‘Se queres tens o poder de curar-me’” (Mc 1,40). Por ser livre em relação às próprias leis religiosas do seu tempo e por entender que no centro do coração de Deus não está uma norma religiosa, mas o cuidado para com a vida de todo ser humano, “Jesus, cheio de compaixão, estendeu a mão, tocou nele, e disse: ‘Eu quero: fica curado!’” (Mc 1,41).

Aqui aparece a “marca” principal de Jesus, aquilo que explica cada uma das suas atitudes para com aqueles que sofrem, sua essência enquanto verdadeiro Deus e verdadeiro homem: a compaixão. Lembremos mais uma vez o significado de “compaixão”: deixar-se afetar pelo sofrimento do outro, sentir a dor que o outro sente. Mas a compaixão nunca foi e não é apenas um sentimento; mais do que isso, ela é uma atitude perante aquele que está sofrendo. “Ter compaixão é ter um coração que tem mãos” (Pe. Adroaldo, sj), um coração que se estende e toca na dor dos outros.

Há algo muito importante no Evangelho de hoje! Jesus poderia ter curado aquele leproso apenas com uma palavra, sem tocar nele. No entanto, além de dizer: “Eu quero: fica curado!”, Jesus “estendeu a mão” e “tocou nele”. Jesus não fez apenas algo que era expressamente proibido, mas até mesmo desnecessário. Repito: para curar o leproso, Jesus não precisava tocar nele, mas ele quis. Ao dizer: “Eu quero”, Jesus não disse apenas que queria curar aquele leproso, mas queria também tocar na sua pele, no seu corpo, no seu sentimento de solidão e de ser rejeitado por todas as pessoas por ter lepra.

Diante dessa atitude de Jesus de estender a mão e tocar no leproso, você pode se perguntar: A quem Deus está me pedindo neste momento para eu estender a mão e me reaproximar? Quem Deus está pedindo que eu toque com o meu afeto, com a minha solidariedade, com o meu perdão, com a minha acolhida, fazendo-me próximo? Esse “tocar” de Jesus no leproso também pode nos lembrar de que, infelizmente, existem “toques” que ferem profundamente o outro, como é o caso do abuso sexual, praticado por alguns médicos em seus consultórios, por alguns homens religiosos em suas igrejas e por não poucos homens dentro de suas casas ou da casa de seus parentes. Pessoas que abusam sexualmente de menores estão doentes e precisam ser tratadas.

O gesto de Jesus de “tocar” no leproso também nos lembra algo que algumas pessoas mais velhas afirmam: “os médicos de hoje perderam as mãos”. Alguns médicos, não todos obviamente, atendem pessoas enfermas “a toque de caixa”, sem olhar nos olhos delas e sem tocar no local da enfermidade. Mas não só alguns médicos agem assim! Também alguns líderes religiosos parecem que “perderam as mãos”, porque se mantêm distantes da dor das pessoas que foram confiadas ao cuidado pastoral de suas igrejas; alguns pais também parecem que “perderam as mãos”, porque não se esforçam em diminuir a distância que existe entre eles e seus filhos; alguns netos também parecem que “perderam as mãos” porque não estão sendo educados por seus pais a “tocarem” nos seus avós, que sofrem com a solidão.    

 

Oração: Senhor Jesus, são muitas as lepras que nos contaminam. Podemos estar contaminados com a lepra do ódio, da intolerância ou da indiferença, lepras que adoecem o corpo da nossa família, do nosso ambiente de trabalho e da nossa comunidade de fé. Podemos estar contaminados com a lepra do consumismo, da pornografia, da depressão, do individualismo. Podemos estar contaminados pela lepra da polarização política e religiosa em nosso País, lepra que impede o diálogo e a busca humilde e sincera da verdade. Livra-nos da contaminação! Limpa-nos! Purifica-nos! Estende tua mão e toca onde precisamos ser libertos e curados. Concede ao nosso coração a atitude da compaixão. Que nossa mão se estenda para tocar nas pessoas que necessitam da nossa presença, do nosso afeto, da nossa solidariedade. Assim como o leproso do Evangelho, nos colocamos diante da tua presença com a nossa fé: “Se queres, tens o poder de nos curar”. Amém!  

 

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

Nenhum comentário:

Postar um comentário