quarta-feira, 31 de março de 2021

FORTALECER O CORAÇÃO E TER CORAGEM DIANTE DA CRUZ

 Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Palavra de Deus: Isaías 52,13 – 53,12, Hebreus 4,14-16; 5,7-9; João 18,1 – 19,42.

 

            Desde que o mundo é mundo, o sofrimento e a morte sempre existiram, sempre se fizeram presentes na história humana. Mas, devido à pandemia do novo coronavírus, o sofrimento e a morte se impuseram sobre nós de uma maneira muito mais intensa e abrangente, de modo que nós, influenciados pela cultura do bem estar, da negação do sofrimento e da fuga da dor, estamos sendo obrigados a lidar com a cruz, exatamente com a cruz em relação à qual fazemos questão de nos manter distantes.

            “Olharão para aquele que transpassaram” (Jo 19,37). Nesta tarde não olhamos apenas para a cruz, mas para o Crucificado, para Aquele que nela foi pregado: um homem “tão desfigurado que não parecia ter aspecto humano” (Is 52,14); um homem que “não tinha aparência que nos agradasse” (Is 53,2); um “homem coberto de dores, cheio de sofrimentos” (Is 53,3). Através de seu Filho crucificado, o Pai nos convida a enxergar o que acontece à nossa volta, a não negarmos a realidade só porque ela não nos agrada, só porque ela escapa das nossas respostas.

O alto número de pessoas que têm morrido diariamente em nosso País deveria nos fazer repensar a nossa vida e os nossos valores. No entanto, muitos assumiram uma postura de indiferença e de negação da realidade, como se essas mortes fossem notícias falsas, inventadas pela imprensa. No fundo, nós não aceitamos reconhecer que somos responsáveis direta ou indiretamente pela dor do outro, como nos revela o profeta: “ele foi ferido por causa de nossos pecados, esmagado por causa de nossos crimes” (Is 53,5). A morte não é provocada somente quando se faz o mal, mas também quando não se faz o bem que se pode fazer. Quando colocamos nosso bem estar e nossos interesses financeiros acima da vida das outras pessoas, nós as expomos a situações de morte.

Consideremos o salmo dessa sexta-feira santa: “Em vossas mãos, Senhor, entrego o meu espírito” (Sl 31,6). Nessa oração aparece uma palavra que traduz a vida de Jesus: “entrega”. Ele fez de sua vida uma constante entrega aos homens, especialmente às pessoas necessitadas de salvação. Antes de ser entregue à cruz, ele entregou seu Corpo e seu Sangue em alimento para os seus discípulos. No momento em que está crucificado, ele se entrega ao Pai com toda a confiança: “Em vossas mãos, Senhor, entrego o meu espírito, porque vós me salvareis, ó Deus fiel! (...) Eu entrego em vossas mãos o meu destino; libertai-me do inimigo e do opressor!” (Sl 31,6.16). Desse modo, Jesus nos ensina a confiar ao Pai tudo aquilo que nos atinge e a nos entregar a cada instante em Suas mãos. “Fortalecei os corações, tende coragem, todos vós que ao Senhor vos confiais!” (Sl 31,25).

Não são poucos os ventos contrários que têm soprado em nossa direção. Por isso, precisamos lançar nossas raízes nesta Palavra: “Fortaleça seu coração! Tenha coragem!” Quanto mais o vento sopra contrário, mais a árvore aprofunda suas raízes para se manter em pé e não tombar. Esse aprofundar as raízes se traduz na carta aos Hebreus com essas palavras: “Permaneçamos firmes na fé que professamos. Com efeito, temos um sumo sacerdote capaz de se compadecer de nossas fraquezas, pois ele mesmo foi provado em tudo como nós, com exceção do pecado. Aproximemo-nos então, com toda a confiança, do trono da graça, para conseguirmos misericórdia e alcançarmos a graça de um auxílio no momento oportuno” (Hb 4,14-16). O Crucificado é o Ressuscitado! Aquele que esteve na cruz está agora vivo e ressuscitado diante do Pai. Nós nos agarramos à sua cruz sabendo que ela se transformou no trono da graça, onde podemos alcançar misericórdia e salvação. Fazendo nossa própria experiência de cruz, nós permanecemos firmes na fé que professamos, pois sabemos em quem depositamos a nossa fé: n’Aquele que se compadece da nossa fraqueza. Ele se tornou “causa de salvação eterna para todos os que lhe obedecem” (Hb 5,9).

A narrativa da Paixão nos recorda que nós não somos discípulos somente do Ressuscitado, mas do Ressuscitado que foi Crucificado. Com Ele queremos aprender a beber o cálice que o Pai nos dá (cf. Jo 18,12), isto é, enfrentar o sofrimento e a cruz que nos cabem enfrentar neste momento da história. Por mais que seja difícil lidar com a nossa cruz, não queremos negar a nossa fé; não queremos deixar de ser discípulos do Crucificado (cf. Jo 18,18). Pelo contrário, suplicamos ao Pai que se estabeleça na face da terra o Reino de seu Filho, Reino que não é deste mundo e que não se apoia na força da violência, mas do amor que se faz serviço em favor da vida (cf. Jo 18,36).

Vivendo num país infectado por fake news e por uma política proposital de desinformação, nós confiamos na força da verdade que é o próprio Jesus (Jo 18,37). A sua verdade fará cair as máscaras dos falsos messias do nosso tempo, de todos aqueles que usam da religião unicamente para seus interesses políticos. Se são muitas as pessoas que são indiferentes à cruz do seu semelhante, nós nos colocamos junto à cruz daqueles que estão à nossa volta como o discípulo amado junto à cruz de Jesus (cf. Jo 19,26-27). Ali está também Maria Santíssima, que nos ensina a ser uma presença solidária junto de quem sofre.       

Enfim, como Nicodemos, queremos espalhar perfume onde existe o mau cheiro da morte: o perfume da esperança onde há o mau cheiro do desespero; o perfume da consolação onde há o mau cheiro da desolação; o perfume da solidariedade onde há o mau cheiro da indiferença; o perfume do alimento onde há o mau cheiro da fome; o perfume da palavra de conforto onde há o mau cheiro do abatimento; o perfume do diálogo onde há o mau cheiro do confronto; o perfume da reconciliação onde há o mau cheiro da inimizade...

A enorme quantidade de perfume que Nicodemos trouxe para ungir o corpo de Jesus (30 kg!), revela o quanto Jesus significava para ele (cf. Jo 19,39). De uma certa forma, esse perfume aponta para a ressurreição, para a vitória da vida sobre a morte. Se o mau cheiro da morte está espalhado por todos os lugares do nosso Brasil, espalhemos nesses lugares o perfume da nossa fé na ressurreição, o perfume da nossa esperança de vida eterna, o perfume da nossa confiança de que toda situação de cruz se converterá em uma vida transformada, ressuscitada.  

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

Nenhum comentário:

Postar um comentário