quarta-feira, 24 de março de 2021

DISCÍPULOS DE JESUS OU DE BARRABÁS?

 Missa do domingo de ramos: Palavra de Deus: Isaías 50,4-7; Filipenses 2,6-11; Marcos 15,1-39

 

            Final de março de 2020: os casos de infecção pela Covid 19 começaram a se alastrar em nosso País e fomos obrigados a nos isolar em casa, para ajudar a diminuir a velocidade da contaminação pelo vírus. Esperava-se que a pandemia nos tornasse pessoas melhores, mas, em muitos casos, não foi o que aconteceu. A pandemia fez vir para fora o que as pessoas têm de pior: o egoísmo, a ignorância, o pouco caso com a vida dos outros, o “dane-se!”. Desse modo, chegamos ao final de março de 2021 vendo o nosso País caído, de joelhos no chão, não porque está orando a Deus, mas porque está sendo vencido pelo novo coronavírus, uma vitória que foi programada ao se negar a gravidade da doença, ao se opor à ciência, ao se combater o uso de máscaras e o distanciamento social e ao se fazer campanha contra as vacinas.  

            “Quem vocês querem que eu solte: Jesus ou Barrabás?”, perguntou Pilatos à multidão. E a multidão, instigada por seus líderes religiosos, gritou: “Barrabás!”. Esta é também a inversão de valores que o Brasil vive atualmente. Uma parcela de líderes religiosos e de brasileiros que se consideram cristãos, defendem a facilitação do porte de armas ao mesmo tempo em que combatem as vacinas; defendem a economia e não se importam com a preservação da vida das pessoas, vida que, neste momento, está exigindo o sacrifício da economia como única forma de ser salva. Triste inversão de valores! Era de se esperar que as religiões tornassem as pessoas mais conscientes e mais comprometidas com a vida que Deus quer para todo ser humano, mas, no Brasil, em muitos casos, alguns líderes religiosos trabalham para manter as pessoas na ignorância, de modo que elas não percebam a contradição entre afirmarem teoricamente que creem em Jesus Cristo, quando, na prática, elas se identificam com Barrabás, um assassino.

            O Evangelho deste domingo de ramos está nos perguntando de quem somos discípulos: de Jesus ou de Barrabás? Somos discípulos d’Aquele que oferece sua vida para que outros tenham vida, ou daquele que não se importa com a vida alheia? O Evangelho deste domingo nos pergunta como estamos respondendo ao mal e ao sofrimento que existem à nossa volta. Como Jesus respondeu ao mal e ao sofrimento que ele encontrou na humanidade? Sendo verdadeiro Servo de Deus, ele não fechou o seu ouvido, nem virou o seu rosto (cf. Is 50,4-7). Pelo contrário, ele abriu seus ouvidos para ouvir o que o Pai tinha a dizer ao ser humano que sofre. No meio de tantas pessoas desoladas, Jesus nos convida a manter nossos ouvidos abertos ao Pai, para que Ele coloque em nossa boca palavras de conforto para as pessoas que estão abatidas à nossa volta. Uma pessoa que serve a Deus não pode ficar calada diante do sofrimento do seu semelhante. Da boca de uma pessoa que sabe que sua vida é uma missão, como foi a de Jesus, jamais deve sair a expressão “dane-se!”, em relação ao que está acontecendo à sua volta.

            Durante todo o seu julgamento, Jesus permaneceu calado. Aquele que passou sua vida toda levando uma palavra de conforto à pessoa abatida não disse uma palavra para se defender, porque colocou sua defesa nas mãos de Deus: “O Senhor Deus é o meu auxiliador” (Is 50,7). Além disso, o silêncio de Jesus é o silêncio de quem sabe que aquele sofrimento deve ser enfrentado, e não combatido, muito menos negado. O que Jesus tinha para falar já havia falado na oração ao Pai: “Abbá, meu querido Pai! Tudo é possível para ti: afasta de mim este cálice; porém, não o que eu quero, mas o que tu queres” (Mc 14,36). Se agora ele é condenado à morte, abraça esta hora com dor, mas na mais profunda obediência ao Pai que está permitindo sua condenação e sua morte.

            Há um detalhe importante na hora em que Jesus vai ser crucificado: “Deram-lhe vinho misturado com mirra, mas ele não o tomou” (Mc 15,23). Essa bebida servia como anestésico, para que o que fosse crucificado não sentisse toda a intensidade da dor da crucificação. Jesus rejeita esse anestésico; quer sofrer conscientemente. Como nós nos portamos diante da nossa ou da dor dos outros? Usamos de meios para manter nossa consciência anestesiada? Todos nós somos influenciados por um mundo que não aceita a dor e que oferece uma porção de subterfúgios para não senti-la. As drogas que o digam! Jesus nos desafia a encarar a vida nos olhos e a não fugir daquilo que nos cabe enfrentar. A pandemia está aí para ser enfrentada, não negada. A crise financeira, consequência natural da pandemia, está aí para ser enfrentada, e não para nos jogar nos braços do suicídio, que acaba sendo uma recusa a sofrer “além da conta”.

            Enfim, chega o momento em que Jesus rompe o seu silêncio. Tendo sido crucificado às nove horas da manhã (cf. Mc 15,25), Jesus suporta sua agonia por seis horas, até às três da tarde. Se ele não tivesse sido flagelado com tanta violência, teria suportado por mais tempo, até por dias, como era comum acontecer com alguns condenados. Mas ele já havia sofrido demais! Suas forças haviam se esgotado. Foi então que ele rompeu seu silêncio e gritou: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15,34). Esse grito de Jesus certamente escandaliza muitas pessoas! Como é possível que aquele que a vida toda confiou no Pai morra sentindo-se abandonado por Ele? Como é possível que o Filho não sinta o Pai junto de si no momento de maior sofrimento?* Certamente, nunca o Pai esteve tão junto do seu Filho como neste momento de cruz, mas Jesus expressa no seu grito a verdade mais profunda que nos habita: na hora mais intensa da dor, nós não sentimos Deus. Ele está ali, nos sustentando nos Seus braços, mas, naquele momento, nós nos sentimos completamente sozinhos, literalmente abandonados!

“Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15,34). Quantas pessoas que morreram de câncer ou de Covid fizeram essa pergunta na hora da morte? Quantas famílias, esposas, maridos, filhos, pais, fizeram essa mesma pergunta, ao perderam alguém que eles amavam? Essa pergunta precisa ser levada a sério! Ela não pode ser ignorada, não pode ser escondida para não nos escandalizar, porque ela nos habita: para cada ser humano que crê, sempre chegará o momento de questionar Deus. A fé nunca será blindada contra a dúvida, contra o sentimento de abandono por parte de Deus. Então, o melhor que temos a fazer é nos jogar nos braços do Pai dizendo o quanto estamos nos sentindo sozinhos, abandonados, esquecidos, ignorados por Ele!

Se muitas pessoas se escandalizam com o questionamento que o Filho faz do Pai na hora da morte, um homem não se escandaliza; pelo contrário, se abre à fé, ao ver como Jesus morre: “Quando o oficial do exército, que estava bem em frente dele, viu como Jesus havia expirado, disse: 'Na verdade, este homem era Filho de Deus!’” (Mc 15,39). A maneira como lidamos com a nossa cruz, com a dor que atravessa o nosso caminho, com o sofrimento que atinge pessoas à nossa volta, pode levar outros à fé. Quem dera as pessoas, ao nos virem sofrer e até mesmo morrer, dissessem a nosso respeito: “Verdadeiramente, essa pessoa era uma filha de Deus!”. A experiência de cruz não se dá em nossa vida para destruir a nossa fé, mas para comprová-la! O Pai permite que a cruz atravesse o nosso caminho não para nos fazer desistir de sermos discípulos de seu Filho, mas para nos confirmar como tais.

A experiência de cruz sempre será o lugar existencial onde nos definiremos ou como discípulos de Barrabás, ou como discípulos de Jesus; ou como pessoas que se importam com a vida do seu semelhante ou como pessoas que, com suas atitudes inconsequentes, favorecem com que a morte se dissemine e ceife a vida de pessoas antes do tempo previsto pelo Pai.

 

            * O grito de Jesus é o grito “de todos os homens que sofrem neste mundo pela ocultação de Deus. Ele leva perante o coração do próprio Deus o brado de angústia do mundo atormentado pela ausência de Deus” (Bento XVI).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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