domingo, 24 de dezembro de 2023

O NATAL É UMA PALAVRA DO CÉU À TERRA (cf. Jo 1,14).

 Missa de Natal. Palavra de Deus: Isaías 9,1-6; Tito 2,11-14; Lucas 2,1-14; João 1,1-18.

 

            O contexto em que Jesus nasceu foi este: César Augusto, imperador de Roma, ordenou um recenseamento, o que obrigou José a ir com Maria, já no final da gravidez, a Belém. Não havia lugar para eles na hospedaria e Maria teve que dar à luz a Jesus numa estrebaria. O contexto em que nasceu Ezequias, filho do rei Acaz (sec. VIII aC), foi este: “botas de tropas de assalto, trajes manchados de sangue” (Is 9,4) – guerra. Exatamente quando a violência cobre o país com a sombra escura da morte, ouve-se o anúncio: “Nasceu para nós um menino, foi-nos dado um filho; ele traz aos ombros a marca da realeza; o nome que lhe foi dado é: Conselheiro admirável, Deus forte, Pai dos tempos futuros, Príncipe da Paz” (Is 9,5).

            O contexto em que hoje celebramos o Natal é este: guerra na Ucrânia, na Palestina e em tantas outras partes do mundo que a mídia não divulga; mudanças climáticas que castigam o Sul com excesso de chuva, o Norte com uma seca histórica nunca vista, e nós, aqui no Sudeste, com ondas insuportáveis de calor e falta de chuva. O contexto em que algumas famílias terão que vivenciar o Natal hoje é de tristeza: alguém não estará na ceia ou no almoço de Natal, porque morreu de acidente, se suicidou ou foi levado deste mundo por uma doença muito grave.

            Essa é a realidade: o nascimento de Jesus não eliminou o mal do mundo, nem cancelou a dor, o sofrimento e a morte da nossa vida, mesmo porque o menino que nasceu o filho que nos foi dado, se tornará um “homem sujeito à dor, familiarizado com o sofrimento” (Is 53,3). Seu nome é “Deus conosco”, conosco em nossa dor, em nosso sofrimento, em nossa morte. Ao nascer, Jesus participou da nossa mesma condição mortal, para “libertar os que passaram a vida toda em estado de servidão, pelo temor da morte. Pois ele não veio ocupar-se com anjos, mas sim com a descendência de Abraão” (Hb 2,15-16).

            O nascimento de Jesus se deu numa estrebaria, onde os animais costumavam dormir e se alimentar, porque “não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2,7). Isso nos leva a reconhecer que, embora hoje a maioria das pessoas celebre o Natal, ainda não há lugar para Deus nascer na vida delas, porque seus corações estão voltados para o Palácio e não para a manjedoura, para o Imperador e não para um menino, para a grandiosidade e não para a simplicidade. A graça do Natal pode passar despercebida na vida da maioria das pessoas, porque muitas delas estão perdidas no ativismo, na correria, no consumismo, na superficialidade, no vazio, distanciando seu coração de Belém.

“Nasceu para vós um Salvador, que é o Cristo Senhor” (Lc 2,11). Nasceu aquele que “veio procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19,10). Nasceu aquele a quem o Pai concedeu o poder sobre todo ser humano (cf. Jo 17,2). Por isso, nós celebramos o Natal na alegre certeza de que, ao nascer, Jesus é a “graça de Deus (que) se manifestou trazendo a salvação para todas as pessoas” (Tt 2,11). Ninguém está perdido para sempre. Ninguém está condenado para sempre. “Fiel é esta palavra(...): Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o primeiro” (1Tm 1,15). O Natal de Jesus aconteceu em favor da salvação de cada ser humano, sobretudo daquele que mais necessita ser salvo, qualquer que seja a situação.

            “Eu vos anuncio uma grande alegria” (Lc 2,10). “Alegrai-vos e exultai ao mesmo tempo, ó ruínas de Jerusalém, o Senhor consolou seu povo e resgatou Jerusalém” (Is 52,9). O anúncio do Natal precisa chegar às nossas ruínas. Quantas situações foram ou estão arruinadas em nossa vida ou na vida de pessoas que nós amamos? Nós não celebramos o Natal porque não temos ruínas em nossa vida, mas porque olhamos para as nossas ruínas como lugares de reconstrução, como situações perante as quais podemos ter atitudes diferentes, atitudes que transformem a lamentação pelo que perdemos em alegre esperança de que algo novo pode e deve ser construído ali.

O Natal é uma Palavra do céu à terra: “A Palavra se fez carne (pessoa humana) e veio habitar no meio de nós” (Jo 1,14). A existência de Jesus foi uma palavra de conforto a toda pessoa abatida; uma palavra de salvação a toda pessoa perdida; uma palavra de vida a toda pessoa que se sentia morta por dentro. Nós somos discípulos daquele que é “a Palavra que se fez carne”. Quanto mais o Natal perde o sentido para muitas pessoas, mais a nossa vida de discípulos precisa “dizer” o Evangelho – Palavra de Salvação – a todo ser humano que espera por essa Palavra.

Nesta noite de Natal, somos convidados a silenciar a nossa alma para acolher “a Palavra (que) se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). Deus tem uma palavra a dizer a cada ser humano: uma palavra de cura para o doente, de direção para o que se sente perdido, de libertação para o que se sente preso, de força para o enfraquecido, de consolo para o que está triste, e essa Palavra é seu próprio Filho feito homem (cf. Hb 1,1-2), pessoa humana, que conhece o chão da nossa história, nossas misérias, nossas lutas e nossas esperanças. E aqui se revela a nossa tarefa como cristãos: fazer ecoar em nossas atitudes o “Verbo de Deus”, colocando-nos junto das pessoas abatidas para levar-lhes uma palavra de conforto da parte de Deus, o Consolador de todo ser humano.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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