quinta-feira, 28 de julho de 2022

A ILUSÃO DO AMPARO MATERIAL

 Missa do 18. dom. comum. Palavra de Deus: Eclesiastes 1,2; 2,21-23; Colossenses 3,1-5.9-11; Lucas 12,13-21.

            Nós, seres humanos, buscamos por uma segurança, por uma garantia perante a vida, sobretudo em relação ao futuro, ao amanhã. Queremos nos garantir contra uma eventual doença ou velhice que exija que sejamos cuidados, e que, portanto, não fiquemos desamparados. Por vivermos numa sociedade capitalista, entendemos que somente o dinheiro pode nos garantir um futuro em não fiquemos desamparados.        

“Alguém, do meio da multidão, disse a Jesus: ‘Mestre, dize ao meu irmão que reparta a herança comigo’” (Lc 12,13). Aqui a herança aparece como garantia de um futuro tranquilo, amparado, seguro. Na verdade, independente de “herança”, era para todos nós, brasileiros, termos o nosso futuro amparado por uma aposentadoria digna. Contudo, a corrupção, que está presente tanto no topo da pirâmide social (política) quanto na base dela (povo), tem sinalizado que, no futuro, não haverá mais aposentadoria (a não ser privada), contemplando apenas aqueles que dela sempre usufruíram com grande abundância: políticos, juízes e grandes empresários. O resto da população terá que sobreviver como conseguir, sem nenhum tipo de amparo do Estado.

Conhecendo o coração humano e sua busca pela enganadora garantia de amparo financeiro, Jesus afirma: “Tomai cuidado contra todo tipo de ganância, porque, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a vida de um homem não consiste na abundância de bens” (Lc 12,15). Por acreditar que o futuro está garantido pela abundância de bens, pessoas têm recorrido ao tráfico de drogas, à venda de medicamentos roubados, ao tráfico de pessoas e de órgãos, à destruição da verdade e da justiça diante dos tribunais, à manipulação do Evangelho e das consciências religiosas, à propagação ou manutenção da violência para manter aquecida a indústria das armas etc.

Na sua Encíclica Social “Fratelli tutti”, o Papa Francisco, afirmou: “Precisamos fazer crescer a consciência de que, hoje, ou nos salvamos todos ou não se salva ninguém” (n.137). Foi por isso que Jesus nos contou a parábola do homem que, fechado no seu individualismo, quis garantir seu futuro sem se importar com ninguém mais que não fosse ele mesmo: “Meu caro, tu tens uma boa reserva para muitos anos. Descansa, come, bebe, aproveita!” (Lc 12,19). Para esse homem, as outras pessoas não existem; antes, se existem, é para que ele possa lucrar com elas de alguma maneira. Obcecado por garantir sua sobrevivência a partir do acúmulo de dinheiro, ele se esqueceu de que “ninguém se livra de sua morte por dinheiro nem a Deus pode pagar o seu resgate. A isenção da própria morte não tem preço; não há riqueza que a possa adquirir, nem dar ao homem uma vida sem limites e garantir-lhe uma existência imortal” (Sl 49,8-10).

Nós conhecemos não poucas pessoas ricas cuja fortuna foi incapaz de impedi-las de morrer. Mas o alerta de Jesus não é somente para os que fazem da sua riqueza seu porto seguro. Ele é válido para todos! Nós todos necessitamos de dinheiro para sobreviver no mundo atual, cujo deus é o mercado. Mas o problema nem está na sobrevivência, e, sim, na atitude insana de quem “gasta sua saúde para ganhar dinheiro; depois gasta seu dinheiro para tentar recuperar sua saúde, o que faz com que a pessoa viva como se nunca fosse morrer, e morre como se nunca tivesse vivido”, parafraseando Dalai Lama. O problema está em gastar tempo, saúde e dinheiro correndo atrás do que é vazio.

Nessa sociedade de valores invertidos, alimentar a própria vaidade tornou-se mais importante do que alimentar o próprio caráter. Para uma pessoa escrava da vaidade, “toda a sua vida é sofrimento, sua ocupação, um tormento. Nem mesmo de noite repousa o seu coração” (Ecl 2,23). É alguém constantemente insatisfeito, porque passa seu tempo tentando preencher vazio com vazio, pois vaidade significa exatamente isso: vazio. O contrário de uma vida vazia é uma vida com sentido, e o sentido da vida está em manter a consciência de que a nossa existência neste mundo é extremamente breve, como a “erva verde pelos campos: De manhã ela floresce vicejante, mas à tarde é cortada e logo seca” (Sl 90,11). Manter a consciência de que vamos morrer nos ajuda a viver com responsabilidade esta vida que nunca mais voltaremos a ter, pedindo diariamente ao Senhor: “Ensinai-nos a contar os nossos dias, e dai ao nosso coração sabedoria! Que a bondade do Senhor e nosso Deus repouse sobre nós e nos conduza! Tornai fecundo, ó Senhor, nosso trabalho” (Sl 90,12.16-17). 

            Enfim, que possamos nos deixar provocar pelo convite do apóstolo Paulo: “Esforçai-vos por alcançar as coisas do alto... aspirai às coisas celestes e não às coisas terrestres... Fazei morrer o que em vós pertence à terra: imoralidade, impureza, paixão, maus desejos e a cobiça, que é idolatria” (Cl 3,1.2.5). Se há algo pelo qual devemos trabalhar para nos garantir não é quanto a um futuro financeiramente tranquilo, mas quanto à vida eterna junto a Deus. Perdê-la, significa ter perdido tudo, e a vida eterna “se adquire” não ajuntando tesouros para si mesmo, mas socorrendo os que à nossa volta estão necessitados. São eles que nos receberão “nas moradas eternas” (Lc 16,9).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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