terça-feira, 14 de junho de 2022

QUEM COMUNGA O CORPO DE CRISTO DEVE "VIVER PARA"

 Missa do Corpo e Sangue do Senhor. Palavra de Deus: Gênesis 14,18-20; 1Coríntios 11,23-26; Lucas 9,11b-17.

 

Antes de falarmos da Eucaristia como sacramento, devemos falar dela como alimento. Ela é o sinal mais claro de que Deus não apenas criou o ser humano, mas que também lhe deu os meios de sobrevivência, através do alimento. “Em Ti esperam os olhos de todos e no tempo certo Tu lhes dás o alimento: abres a Tua mão e sacias todo ser vivo com fartura” (Sl 145,15-16).

O Evangelho nos mostra que Jesus nunca ignorou a necessidade das pessoas que procuravam por Ele: “Acolheu as multidões, falava-lhes sobre o Reino de Deus e curava todos os que precisavam”. Os discípulos, por sua vez, quiseram se livrar do problema da fome das multidões: “Despede a multidão, para que possa ir aos povoados e campos vizinhos procurar hospedagem e comida, pois estamos num lugar deserto”. Mas Jesus disse: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. A fome não é apenas um problema econômico, político ou social, mas também religioso. Ela não é “natural”, mas “produzida”, “fabricada”. Ela nasce da ganância do coração de alguns: "Na terra há o suficiente para satisfazer as necessidades de todos, mas não para satisfazer a ganância de alguns" (Ghandi).

Enquanto cristãos, não podemos celebrar a Eucaristia sem levar em conta a fome que está à nossa volta. Hoje, no Brasil, apenas quatro entre dez famílias tem acesso pleno à alimentação. 33 milhões de brasileiros estão com fome diariamente! Essa fome não é acidental, mas fruto de uma política econômica que favorece quem tem muito e prejudica quem tem pouco ou quase nada. O que nós, cristãos, temos a ver com isso? A resposta está em Atos 4,32.34: “Ninguém considerava exclusivamente seu o que possuía, mas tudo entre eles (os primeiros cristãos) era comum... Não havia entre eles necessitado algum”.  A nossa postura diante da fome à nossa volta revela o que a Eucaristia significa para nós; revela se nós nos recordamos que Aquele que comungamos é o mesmo que nos dirá no julgamento: “Vinde, benditos de Deus Pai, (...) porque tive fome e me destes de comer...”, ou então “Afastai-vos de mim, malditos, (...) porque tive fome e não me destes de comer” (Mt 25,34.35.41.42).

Quando os discípulos quiseram fugir da responsabilidade de lidar com a fome da multidão, Jesus lhes disse: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. Eles responderam: “Só temos cinco pães e dois peixes”. Quando estamos diante de situações difíceis, costumamos nos desesperar ou desanimar, dizendo: “Não temos”, “isto é pouco”, “despede-os”, “que vão eles próprios comprar”. Diante de qualquer imprevisto, olhamos para nós mesmos, medimos nossas próprias forças e nos angustiamos, ao invés de olharmos para o Pai do céu, que é a fonte inesgotável de todo dom.

Ao tomar os pães e os peixes em suas mãos, Jesus elevou os olhos ao céu, para orientar o nosso olhar para o Pai, de quem tudo recebemos. A seguir, pronunciou a bênção, para devolver aquele alimento à sua verdadeira natureza, que é o de circular, dividir-se, gerar vida, energia, convivialidade. A carência foi vencida pela generosidade e pela gratuidade. O olhar de Jesus para o céu nos lembra que “o pouco com Deus é muito, e o muito sem Deus é nada”.

Consideremos agora a Eucaristia como sacramento. O apóstolo Paulo nos fala de Jesus como “corpo doado” e “sangue derramado”. Antes de ser entregue por Judas (cf. Jo 13,11), Jesus tomou a iniciativa de ele mesmo se entregar a nós, no pão e no vinho, para que todas as vezes que comermos desse pão e bebermos desse cálice possamos proclamar que ele morreu porque nos amou até o fim. Uma vez que sua morte foi uma Páscoa, a passagem dele deste mundo para o Pai, em cada Eucaristia proclamamos a morte e a ressurreição de Jesus “até que ele venha” (1Cor 11,26) para nos fazer assentar com ele à mesa do banquete no Reino de Deus. 

Hoje, em nossas igrejas, não são poucas as pessoas que não comungam. Isso nos preocupa? O apóstolo Paulo afirma que a decisão de comungar ou não deve partir da consciência da pessoa (cf. 1Cor 11,28-29). A nós, Igreja, cabe formar bem a consciência das pessoas quanto ao significado do Corpo e do Sangue do Senhor. São corajosas e questionadoras essas palavras do Papa Francisco: “A Eucaristia... não é um prêmio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos” (A Alegria do Evangelho, n.47). Na última ceia, Jesus se entregou como “remédio generoso” e como “alimento para os fracos” também a Judas e a Pedro, mesmo sabendo que, após a ceia, o primeiro iria traí-lo e o segundo iria negá-lo...

Sendo “corpo doado” e “sangue derramado”, Jesus sempre entendeu sua vida como vida doada aos outros, uma vida que se inclinou sobre as feridas e sobre os sofrimentos dos outros. Assim devemos fazer se queremos ser reconhecidos como discípulos de Jesus Cristo. Muitos de nós comungamos o Corpo e Sangue d’Aquele que veio para servir, mas não nos dispomos a assumir nenhum tipo de serviço em favor do Evangelho e do bem comum da sociedade. Devemos reconhecer que somos pessoas que comungam do sacrifício de Cristo, mas que às vezes achamos que não vale a pena nos sacrificar pela sociedade humana, pela verdade e pela justiça.

A existência de Jesus foi uma “existência para”. Nós, que comungamos o seu Corpo e Sangue na Eucaristia, somos chamados a “viver para”. O sentido da nossa vida não está em viver para nós mesmos, mas para aquela realidade ou para aquelas pessoas que precisam de nós.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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