sexta-feira, 15 de abril de 2022

DEUS NOS FAZ PASSAR!

 Vigília Pascal. Palavra de Deus: Gn 1,1.26-31; Ex 14,15 – 15,1; Isaías 54,5-14; Ezequiel 36,16-17a.18-28; Romanos 6,3-11; Lucas 24,1-12.

 

Por que nesta noite de Páscoa nós recordamos fatos tão antigos, como a história da criação do ser humano, a história da libertação de Israel do país do Egito e a promessa da libertação do exílio na Babilônia? Porque, como disse o apóstolo Paulo, “essas coisas aconteceram com o povo de Israel para servir de exemplo e foram escritas para a nossa instrução, nós que fomos atingidos pelo fim dos tempos” (1Cor 10,11).    

A história da criação nos ensina que Deus fez do ser humano a sua obra mais perfeita. Ele não criou o ser humano com um gênero indefinido, mas os criou homem e mulher; criou o homem com a sua identidade masculina e a mulher com a sua identidade feminina. E os criou capazes de fecundidade. E lhes confiou a tarefa de cuidar (submeter e dominar) do planeta Terra. Para alimentar tanto aos homens como aos animais, Deus criou as plantas que dão semente, as árvores que dão fruto e os vegetais. Portanto, não era necessário derramar de sangue um ser vivo para homens e animais se alimentarem.

Pelo fato de a humanidade ter se afastado do seu Criador, muitas pessoas se sentem órfãs neste mundo, sem um Pai; muitos estão fragilizados na sua identidade; por medo do presente e pelo pessimismo em relação ao futuro, muitos substituíram a fecundidade pela esterilidade; o cuidado pelo Planeta se perverteu em consumismo e em desperdício dos recursos naturais, e o sangue se tornou presente não somente em nossa mesa, mas também na rotina do nosso dia a dia (agressividade, violência, intolerância).

Uma vez que a criação precisava ser redimida, resgatada da destruição e da morte, o Criador se tornou o Redentor da criação. Não abandonando a criação a si mesma, Deus decidiu intervir e libertar o seu povo, escravo no Egito: “Por que clamas a mim por socorro? Dize aos filhos de Israel que se ponham em marcha” (Ex 14,15). Diante das situações difíceis, onde costumamos nos entregar ao desânimo e ao pessimismo, Deus nos convida a nos colocar em marcha, a iniciar uma travessia, a deixar para trás o Egito da nossa aflição e caminhar com Ele na direção da sua promessa. Qual travessia Deus está nos convidando a fazer agora?

Deus nos convida a fazer a passagem da escravidão para a liberdade, da morte para a vida. No entanto, todo processo de libertação enfrenta resistência. Toda libertação envolve luta, esforço, sacrifício. Assim como Israel se deparou com o Mar Vermelho, nós sempre encontramos obstáculos em nosso caminho. Mas durante toda a noite o Senhor fez soprar um vento muito forte, e as águas se dividiram. Naquele dia, o Senhor livrou Israel da mão dos egípcios. Da mesma forma como é o Senhor quem nos faz sair da escravidão, é Ele quem nos faz atravessar os obstáculos e prosseguir em nossa caminhada de libertação. Confiando na força do seu Espírito, simbolizada no vento que abre as águas, nós podemos caminhar na direção daquilo que antes parecia intransponível, porque é o Senhor quem nos abre o caminho, é Ele quem nos faz passar!

Passaram-se alguns séculos, e Israel foi expulso da sua terra e levado para o cativeiro na Babilônia, por causa da sua infidelidade a Deus. Nessa experiência de exílio, Israel se sentia como uma mulher abandonada e de alma aflita, o retrato da humanidade hoje. Mas o profeta Isaías lembrou que Deus é “Esposo” e “Redentor” (cf. Is 54,5) do seu povo. Ele nos fez uma promessa: “Podem os montes recuar e as colinas abalar-se, mas minha misericórdia não se apartará de ti. Longe da opressão, nada terás a temer; serás livre do terror, porque ele não se aproximará de ti” (Is 54,10). Apesar da nossa infidelidade, Deus permanece fiel ao Seu amor por nós. Se as rápidas mudanças e os acontecimentos do mundo estão levando embora todas as nossas certezas e nos jogando na angústia, nosso coração precisa se firmar na promessa de Deus, de que o seu amor por nós não mudará.

A perda da terra e a nova escravidão que Israel vivenciou são um alerta para nós: aquilo que conquistamos com tanto sacrifício, aquela passagem que foi realizada com tanta luta e tanto sofrimento, pode ser cancelada por puro capricho nosso, porque descuidamos de manter nossa fidelidade diária a Deus e nossa obediência à sua Palavra. Mas porque o nosso Deus é rico em misericórdia, Ele nos promete uma nova Páscoa, uma nova passagem: “Eu vos tirarei... eu vos reunirei... eu vos conduzirei... Derramarei sobre vós... Eu vos purificarei... eu vos darei... eu porei em vós... Arrancarei o coração de pedra, darei um coração de carne... Porei o meu espírito em vós... Farei...” (cf. Ez 36). A Páscoa só acontece quando deixamos Deus fazer em nós a passagem, a travessia, a mudança, a transformação que não podemos fazer por nós mesmos.

Nesta noite de Páscoa, o apóstolo Paulo afirma que a força da Páscoa de Cristo nos foi concedida no momento do nosso Batismo. Graças ao Batismo, nós pudemos nos tornar semelhantes a Jesus Cristo na sua morte, para que um dia nos tornemos semelhantes a ele na sua ressurreição. Viver como batizados significa viver como pessoas ressuscitadas, isto é, como pessoas que a cada dia decidem morrer para o pecado e viver para Deus, a exemplo de seu Filho Jesus. Se queremos ressuscitar com Cristo para uma vida nova, primeiro é preciso morrer com Ele, crucificando o nosso pecado. Somente quando aceitamos nos identificar com Cristo por uma morte semelhante à sua é que podemos nos identificar com Ele por uma ressurreição semelhante à Sua. Sem a nossa disposição em fazer morrer o nosso pecado, não podemos experimentar a alegria da ressurreição de Cristo.

Enfim, nesta noite de Vigília Pascal, a Palavra do Senhor se pronuncia sobre a passagem mais difícil de todas, aquela que nenhuma pessoa pode fazer por si mesma: a passagem da morte para a vida. Quando nossas esperanças são sepultadas e uma pedra é colocada sobre elas, para dizer que ali se encerra a nossa busca, a nossa luta, a nossa tentativa de passar; quando precisamos admitir que chegou o fim e é o momento de aceitá-lo, a Palavra do Senhor se pronuncia sobre a nossa morte, também sobre a morte da nossa fé, para remover a pedra e dizer que não devemos procurar entre os mortos aquele que está vivo (cf. Lc 24,5-6), da mesma forma como nunca podemos dar por morta a nossa fé, porque para Deus nenhuma passagem é impossível.

Sim! A passagem mais difícil de todas foi aberta por Deus: a pedra, que nos mantinha a todos fechados em nossos túmulos, aprisionados para sempre na morte, foi retirada. Dentro do túmulo não há mais uma vida que terminou na morte, um sonho de que desfez para sempre, uma luz que se apagou definitivamente, um projeto que não teve como ser concretizado. Dentro do túmulo estão dois homens com roupas brilhantes – símbolo da ressurreição – dizendo que Jesus de Nazaré, que foi crucificado, ressuscitou! Se o Evangelho nos coloca diante de um túmulo vazio é para nos lembrar que crer na ressurreição não significa crer que não vamos morrer, ou que vamos ser poupados de sofrimento, mas significa crer que vamos vencer a morte e o sofrimento. O nosso sofrer e a nossa morte não são a negação da ressurreição, mas o lugar existencial onde experimentaremos a nossa própria ressurreição (cf. 2Cor 5,2-4).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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