quarta-feira, 16 de abril de 2025

SOMENTE UM DEUS FERIDO PODE SALVAR UMA HUMANIDADE FERIDA

Paixão de nosso Senhor Jesus Cristo. Palavra de Deus: Isaías 52,13 – 53,12; Hebreus 4,14-16; 5,7-9; João 18,1 – 19,42.

      Qual a causa do sofrimento em nossa vida? Ele pode ser consequência de atitudes erradas que tomamos, consequência não daquilo que nos acontece, mas da maneira como lidamos com isso, ou ainda, consequência da nossa fidelidade a Deus, quando procuramos levar uma vida coerente, pautada na retidão e na justiça. Por isso, quando estamos vivenciando uma experiência de dor, precisamos nos perguntar o quanto aquela dor é responsabilidade nossa, o quanto é consequência de injustiças que existem em nossa sociedade e o quanto ela é consequência da nossa fidelidade a Deus.

A atitude mais comum de qualquer ser humano é buscar uma situação de bem-estar e afastar-se de toda situação de dor. Mas hoje a Palavra do Senhor nos confronta com a realidade da dor, presente de alguma forma na vida de todo ser humano. O salmista afirma que, algumas vezes, a dor e o sofrimento nos despedaçam como um vaso – “tornei-me como um vaso espedaçado” (Sl 31,13) – quebrando não somente a nós, mas também a imagem que até então tínhamos de Deus. Por isso, hoje precisamos trazer para a cruz de Cristo esses pedaços: os nossos próprios pedaços e também os pedaços que sobraram da nossa fé, da imagem que tínhamos de Deus e que agora não conseguimos mais reconstruir.

A verdadeira imagem de Deus está na cruz de seu Filho: “não tinha beleza nem atrativo para o olharmos, não tinha aparência que nos agradasse” (Is 53,2). É aqui que a nossa imagem de Deus começa a se quebrar. Nós gostaríamos que Ele sempre se manifestasse em nossa vida como beleza, saúde, força, vitória, sucesso, prosperidade... Mas, às vezes, Deus vem a nós por meio de uma experiência que não nos agrada: a doença, a dificuldade financeira, a perda, o fracasso, o conflito, a crise, a dor. É a hora do confronto com uma verdade que precisamos encarar.

“A verdade é que ele tomava sobre si as nossas enfermidades e sofria, ele mesmo, nossas dores... Ele foi ferido por causa de nossos pecados, esmagado por causa de nossos crimes” (Is 53,4.5). A verdade é que, apesar de sermos filhos de Deus, não nascemos blindados contra a dor, nem vamos passar por este mundo sendo constantemente poupados de sofrimento. A verdade é que nós cometemos pecados, e esses pecados produzem dor e sofrimento na sociedade. A verdade é que a religião existe não para nos manter o mais distante possível da dor, mas para nos capacitar a enfrentar a dor e também a estar junto de quem se encontra hoje crucificado, seja pelos seus próprios erros, seja pelos erros de outros.            

Jesus nos dá o exemplo de como podemos nos posicionar diante de uma dor que não é escolha nossa, mas que nos cabe enfrentar. Quando Pedro tentou evitar a sua prisão, Jesus o questionou: “Não vou beber o cálice que o Pai me deu?” (Jo 18,11). Jesus nos ensina que a cruz nem sempre é uma opção; opção é a nossa liberdade de escolher como queremos lidar com a cruz que atravessou o caminho da nossa vida. Não é prudente ter tanta pressa em passar adiante o cálice que o Pai nos dá para beber. Apesar de amargo, esse cálice pode conter o único e verdadeiro remédio para nos curar da ferida do egoísmo, do vício, do pecado, de atitudes nossas que estão destruindo a nossa vida pessoal, familiar, profissional ou espiritual.

A carta aos Hebreus nos ensina que Jesus não “tirou de letra” a experiência terrível de ser crucificado! Ele “dirigiu preces e súplicas, com forte clamor e lágrimas, àquele que era capaz de salvá-lo da morte. E foi atendido, por causa da sua entrega a Deus. Mesmo sento Filho, aprendeu o que significa a obediência a Deus por aquilo que sofreu” (Hb 5,7-8). Jesus jamais negou sua repulsa humana diante da dor, do sofrimento e da morte, mas ele transformou essa repulsa em oração, uma oração tão profunda e sincera que foi atendida pelo Pai; não atendida livrando-o de passar pela cruz, mas atendida enquanto ressuscitando-o após a morte de cruz. Deus tem outra forma de responder à nossa oração, e só a fé no Seu amor por nós pode nos livrar de enlouquecermos ou de perdermos o sentido da vida por causa da cruz que atravessou o nosso caminho. Aquilo que sofremos pode ser vivido como uma redescoberta da presença do Pai em nossa vida, se estivermos abertos a aprender o que Ele está querendo nos ensinar.

Se é verdade que o nosso mundo está infectado pelo mau cheiro da morte, somos chamados a fazer como Nicodemos: espalhar perfume onde existe mau cheiro; espalhar o perfume da esperança onde há o mau cheiro do desespero; espalhar o perfume da consolação onde há o mau cheiro da desolação; espalhar o perfume da solidariedade onde há o mau cheiro da indiferença; espalhar o perfume da palavra de conforto onde há o mau cheiro do abatimento; espalhar o perfume do diálogo e da reconciliação, onde há o mau cheiro da inimizade.

Especialmente neste dia, meditemos sobre este alerta tão significativo: “Eu sei que um dia alguém vai ter que me enterrar, mas eu não vou fazer isso comigo mesma” (Cora Coralina).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário