Missa do 2º dom. Quaresma. Palavra de Deus: Gênesis 15,5-12.17-18; Filipenses 3,17 – 4,1; Lucas 9,28-36.
“Jesus levou consigo Pedro, João e
Tiago, e subiu à montanha para rezar” (Lc 9,28). Quando foi a última vez que
você subiu à montanha para rezar? São Paulo afirmou que nós somos cidadãos do
céu. Só a oração nos coloca em contato com o céu, com Aquele que é fonte da
nossa origem. Um cidadão do céu que não reza tem o seu espírito desnutrido,
definha na sua fé e na sua esperança. Um cristão que não reza é vencido pelas
diversas situações que não só o desfiguram por fora, mas sobretudo por dentro. Quando
diariamente não separamos um tempo para a oração, para estarmos na presença de
Deus, as preocupações da vida e as cobranças do mundo vão nos desfigurando e
nos enchendo de angústia. Só a oração pode nos transfigurar, como também transfigurar
a realidade à nossa volta: “Enquanto rezava, seu rosto mudou de aparência e sua
roupa ficou muito branca e brilhante” (Lc 9,29).
A desfiguração pode ser vista por
toda a parte: casamentos / relacionamentos desfigurados pelo distanciamento,
pelo desencanto e pelo ressentimento; crianças, adolescentes e jovens
desfigurados pelo vício das telas; pessoas desfiguradas por algum tipo de
vício, pela cobrança no trabalho, pelas pressões do mundo, pela sobrevivência
da família; cidades desfiguradas pela violência, pelo tráfico e pelo fechamento
das pessoas em seus próprios interesses; um mundo desfigurado pela guerra, pela
fome; igrejas desfiguradas por escândalos; um fé desfigurada pela incapacidade
de esperar em Deus... Jesus se
deparou inúmeras vezes com pessoas desfiguradas, e ele mesmo sofreu a
desfiguração da cruz. No entanto, sua experiência de transfiguração nos revela
que por trás da sombra da cruz há a luz da ressurreição; por trás da dor do
sacrifício há a alegria da salvação. É por isso que o evangelista Lucas, ao
narrar a transfiguração de Jesus, menciona a Sua glória. “Glória” é um termo
bíblico usado para falar da presença de Deus. Na carne humana e frágil de
Jesus, que como a nossa se desfigura dia a dia, habita a presença de Deus, que
tudo transfigura. Se o passar do tempo nos traz a consciência da nossa
finitude, na oração tomamos consciência de que “somos cidadãos do céu. De lá
aguardamos o nosso Salvador, o Senhor, Jesus Cristo. Ele transformará o
nosso corpo humilhado e o tornará semelhante ao seu corpo glorioso, com o poder
que tem de sujeitar a si todas as coisas” (Fl 3,20-21).
Estamos no ano do Jubileu da
Esperança. “A esperança não decepciona, porque o amor de Deus foi derramado em
nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5). A Esperança é a
força divina capaz de transfigurar a nossa vida. Ela nos recorda que o nosso
corpo humilhado, que carrega em si a fragilidade da natureza humana, um corpo
que morre um pouco a cada dia, está destinado a se tornar “corpo glorioso”,
pleno de vida, transfigurado definitivamente pela nossa ressurreição futura. Portanto,
qualquer que seja a nossa experiência de desfiguração, ela é temporária, e não
definitiva.
Há um detalhe importante na
experiência da transfiguração de Jesus: embora Ele se encontrasse na glória de
Deus, onde estavam Moisés e Elias, os três conversavam sobre a morte que Jesus
iria sofrer em Jerusalém (cf. v.31). Isso nos revela que a verdadeira oração
nunca é fuga da vida, mas coragem para enfrentar aquilo que faz parte do nosso
caminho de vida. A oração não é o momento em que Deus nos tira do mundo e nos
blinda contra a dor e o sofrimento, mas o momento em que Ele nos dá o Seu
Espírito, para que possamos nos manter fiéis à nossa missão, enfrentando nossa
experiência de cruz na certeza de que ela terá como desdobramento a nossa
participação na glória de Deus. Por isso, a nossa oração nunca pode se tornar
fuga da realidade, mas lugar onde a nossa realidade desfigurada recebe a
garantia da transfiguração que Deus opera na história de quem a Ele se confia
na oração.
Presenciando a oração de Jesus,
Pedro Tiago e João foram envolvidos por uma nuvem, símbolo bíblico da presença
de Deus, e ouviram a Sua voz: “Este é o meu Filho, o Escolhido. Escutai o que
ele diz!” (Lc 9,35). Nós reclamamos que não ouvimos a voz de Deus em nossa
oração, mas essa voz está na pessoa de Seu Filho Jesus. “Escutar” Jesus
significa aprender com Ele como lidar com nossas experiências de desfiguração,
como tomar consciência da realidade que nos cabe enfrentar e, sobretudo, como
rezar, entendendo a oração como o momento em que Deus nos conduz para fora do
nosso medo, da nossa angústia, da nossa falta de fé, e alarga o horizonte da
nossa compreensão, como fez com Abrão: “o Senhor conduziu Abrão para fora e
disse-lhe: ‘Olha para o céu e conta as estrelas, se fores capaz!’ E
acrescentou: ‘Assim será a tua descendência’ (Gn 15,5).
Eis a importância da Esperança em
nossa vida! Ela nos conduz para fora da estreiteza do nosso olhar e nos faz
enxergar a amplitude do horizonte da nossa vida. A vida não é somente aquilo
que estamos conseguindo enxergar neste momento. Deus vê de cima, vê do alto, e
por isso nos convida a olhar para o céu e tentar contar as estrelas: elas são
tão numerosas quanto a areia das praias! Em outras palavras, ainda que nos
sintamos envelhecidos e enfraquecidos como Abrão, ainda que carreguemos em
nosso corpo as marcas da morte de Jesus, estamos destinados a carregar em nosso
corpo as marcas da sua vida (cf. 2Cor 4,10).
A Campanha da Fraternidade – “Ecologia integral”
– quer nos conduzir para fora da indiferença quanto ao sofrimento da Terra e
também para fora dos desejos desordenados do consumismo e do materialismo que
atentam contra os recursos da natureza. Ela nos convida a “cuidar da casa”: da
casa interior de cada um de nós (espiritualidade), da casa em que habitamos
(família), da casa em que passamos grande parte do nosso tempo (escola,
trabalho), da casa em que nos relacionamos (redes sociais) e da Casa Comum
(Terra), pois nela tudo está interligado (Texto Base da Campanha da
Fraternidade 2025, n.16).
Rezemos juntos: “Ó Deus, nosso
Pai, ao contemplar o trabalho de tuas mãos, viste que tudo era muito bom!
O nosso pecado, porém, feriu a beleza de tua obra, e hoje experimentamos suas
consequências. Por Jesus, teu Filho e nosso irmão,
humildemente te pedimos: dá-nos, nesta Quaresma, a graça do sincero
arrependimento e da conversão de nossas atitudes. Que o teu Espírito Santo reacenda
em nós a consciência da missão que de ti recebemos: cultivar e
guardar a Criação, no cuidado e no respeito à vida. Faz de nós, ó
Deus, promotores da solidariedade e da justiça. Enquanto peregrinos,
habitamos e construímos nossa Casa Comum, na esperança de um dia sermos
acolhidos na Casa que preparaste para nós no Céu. Amém!” (Oração da CF 2025).
Pe. Paulo Cezar Mazzi
Nenhum comentário:
Postar um comentário