quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

O NECESSÁRIO DIÁLOGO ENTRE NOSSO LOBO E NOSSO CORDEIRO

 Missa do 2. dom. advento. Palavra de Deus: Isaías 11,1-10; Romanos 15,4-9; Mateus 3,1-12.  

 

            Polarização. Brasil partido. Mundo e Igreja divididos. Oriente e Ocidente. Norte e Sul. Direita e Esquerda. Inimizade. Ódio. Pensamento único – eliminar quem pensa diferente de mim. Incapacidade de dialogar. No lugar de pontes que unem, muros que separam. Todas essas formas de divisão, de oposição, nos desumanizam, nos adoecem e nos levam para a morte.

              Qual é a possiblidade de mudança, de transformação, seja do mundo, seja de nós mesmos? “Convertam-se, porque o Reino dos Céus está próximo” (Mt 3,2). Tanto João Batista quanto Jesus (cf. Mc 1,15) estavam convencidos de que nós podemos mudar, ser melhores, modificando nossa maneira de pensar e de agir. O tempo do Advento sempre nos recorda de que nunca é tarde para mudar a si mesmo, independentemente da idade que se tenha. Conversão é o contrário de perversão. Precisamos nos perguntar se, ao longo da nossa existência, estamos nos convertendo a Deus ou nos pervertendo na direção de caminhos de perdição e de destruição.

Foi a uma humanidade dividida, fragmentada, partida, que Deus enviou o seu Filho, para derrubar o muro da separação, para eliminar a inimizade, para reconciliar o ser humano consigo mesmo, com Deus e com o seu semelhante (cf. Ef 2,14-16). A imagem dessa humanidade reconciliada, pacificada, aparece na profecia de Isaías: “O lobo e o cordeiro viverão juntos”; “o bezerro e o leão comerão juntos” (Is 11,6); “o leão comerá palha como o boi” (Is 11,7). Em outras palavras, não haverá agressão, nem derramamento de sangue sobre a terra. Até mesmo os inimigos “naturais” deixarão de ser inimigos e conviverão juntos. Isso significa que o processo de conversão, de busca de mudança, precisa descer ao mais profundo de cada um de nós e atingir os nossos afetos, os nossos instintos, de forma que o nosso “natural” transcenda e se torne “espiritual”.

            Em cada um de nós existe bondade e maldade, mansidão e agressividade, natural e espiritual. Não podemos eliminar um e ficar somente com o outro. Nossa principal tarefa é colocar os dois para dialogar. O cordeiro tem algo a ensinar ao lobo, assim como o lobo ao cordeiro. Há momentos em que a situação pede que sejamos cordeiros, assim como há momentos em que precisamos deixar o lobo que nos habita se manifestar. Mas esse diálogo entre lobo e cordeiro precisa ser realizado também no âmbito familiar, comunitário e social. Quantos muros precisam ser derrubados e convertidos em pontes, em nossas famílias, em nossas igrejas, em nossos ambientes de trabalho e no mundo ao nosso redor? Cada palavra e cada atitude nossa podem ser um tijolo a mais no muro da separação ou uma tábua a mais na ponte da reconciliação.

            Advento é tempo de deixar brotar algo novo no tronco da nossa vida; é tempo de permitir que o Espírito do Senhor repouse sobre nós e oriente nossas atitudes (cf. Is 11,1-2). Se o tempo do Advento nos prepara para o Natal, precisamos ter consciência de que “o Natal é uma mentira quando você crê que Deus quis compartilhar a nossa vida para restaurar o humano e, ao mesmo tempo, você colabora com a desumanização da nossa sociedade. O Natal é uma mentira quando você crê no Deus que se entregou até à morte para defender e salvar o ser humano, mas você passa a vida sem fazer nada por ninguém” (Pe. José A. Pagola). Eis porque o apóstolo Paulo nos recorda da necessidade de nos acolhermos uns aos outros e de trabalharmos em vista da harmonia e da concórdia uns com os outros (cf. Rm 14,5.7).

            A primeira vinda de Jesus foi preparada por João Batista. É ele a figura central no Evangelho de hoje. Diferente de Jesus, cuja pregação era marcada pela misericórdia, João Batista tinha uma pregação mais agressiva: “Raça de cobras venenosas, quem ensinou vocês a fugirem da ira que vai chegar? Produzam frutos que provem a conversão de vocês” (Mt 3,7-8). João Batista se refere a pessoas religiosas como “raça de cobras venenosas”. Por que há tanto veneno dentro das nossas igrejas? Quantas das nossas comunidades estão envenenadas pela fofoca, pela competição, pela busca de poder, pela disputa por cargos, pela divisão e mesmo pelo ódio? Como é possível que dos mesmos lábios que recebem o Corpo de Cristo saia o veneno do mal, das palavras que causam discórdia e divisão?

            “Produzam frutos que provem a conversão de vocês”. Ninguém de nós já concluiu seu processo de conversão. Ninguém de nós é uma pessoa totalmente convertida. A conversão é um processo contínuo em nossa vida, com avanços e retrocessos. No entanto, o mínimo que se espera de nós, pessoas “de Igreja”, é que sejamos melhores seres humanos do que aqueles que julgamos serem pessoas “do mundo”. É inaceitável que um cristão seja pior ser humano do que um pagão. Eis porque o Evangelho nos fala do machado posto junto à raiz da árvore: “O machado já está na raiz das árvores, e toda árvore que não der bom fruto será cortada e jogada no fogo” (Mt 3,10). Um cristão que nada faz para tornar o mundo um pouco melhor será cortado do mundo.

            Não nos esqueçamos de que Jesus Cristo virá uma segunda vez, e virá como Juiz (cf. Mt 25,31-33). Julgar, no sentido bíblico, significa separar. Ele terá na sua mão uma pá: com ela, recolherá o trigo – as pessoas que fazem o bem – no celeiro de Deus, e também com ela recolherá a palha e a jogará no fogo que não se apaga, símbolo bíblico do tormento eterno dos que fazem o mal. Revisemos, portanto, nossas atitudes. Verifiquemos se a nossa presença no seio da humanidade a tem tornado melhor ou pior.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi   

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