terça-feira, 11 de outubro de 2022

O MARIDO REENCONTRA A ESPOSA. A ÁGUA É TRANSFORMADA EM VINHO.

 Missa de Nossa Senhora Aparecida. Palavra de Deus: Ester 5,1b-2; 7,2b-3; Apocalipse 12,1.5.13a.15-16a; João 2,1-11.

 

1. A força da mulher – Tanto a sensibilidade de Ester (1ª. leitura) quanto a de Maria (Evangelho) nos falam da força do feminino que se coloca em diálogo com o masculino para dar um outro rumo à história humana, até mesmo no sentido de ampliar o horizonte de visão do masculino e lembrá-lo de que ele não é somente razão, mas também sentimento. Ao mesmo tempo, as figuras de Ester e de Maria nos remetem a inúmeras mulheres que hoje lutam por aquilo em que acreditam, mulheres que não entregam os pontos diante das dificuldades e dos problemas, que mantêm a casa em pé onde a presença masculina é fraca ou totalmente ausente.

Quando observamos a presença da mulher na sociedade atual, percebemos uma ambiguidade: enquanto algumas são agredidas, humilhadas e “usadas” por seus parceiros, mulheres sem autoestima, que vivem como um elefante amarrado por uma perna a uma pequena estaca – imagem de quem desconhece a força e o valor que carrega dentro de si, por outro lado vemos o feminino se travestindo de masculino, medindo forças e imitando o masculino naquilo que ele tem de pior, de doentio e de perverso; mulheres que perderam o senso do ridículo, que sentem a estranha necessidade de marcar sua presença em público de maneira extravagante, bebendo, fumando e usando palavreado vulgar. São mulheres cujo vinho se corrompeu em vinagre.

 

2. Da mulher abandonada para a esposa amada – O Evangelho nos coloca numa cena de casamento, imagem do desejo de Deus de unir-se a cada ser humano e de lhe conceder a verdadeira alegria, simbolizada pelo vinho (cf. Os 2,21-22). A imagem do casamento expressa o amor de Deus (Esposo) por seu povo – a humanidade (Esposa). O livro do Apocalipse se encerra com a imagem de um casamento: a Igreja (Esposa) casa-se com o Cordeiro (Esposo). Em toda Eucaristia, nós recebemos esse convite: “Felizes os convidados para a ceia do Senhor”, inspirado em Ap 19,9.

Todo ser humano carrega em si o desejo de ser amado. No entanto, é cada vez maior o número de pessoas em nosso mundo que se sentem não-amadas nem pelos homens, nem por Deus. O sentimento de solidão é cada vez mais frequente, além do fato de que nem toda pessoa casada se sente feliz, da mesma forma como nem toda pessoa não casada se sente infeliz. No caminho da busca por amor há muitos desencontros, feridas, decepção e até mesmo descrédito em relação ao próprio amor. Contudo, desde os primeiros profetas, a imagem do casamento sempre foi utilizada como símbolo da união do ser humano com Deus, símbolo não só do amor de Deus por todo ser humano, mas também da Sua dedicação incansável em fazer com que a vida de cada ser humano seja abraçada pela justiça e pela salvação.

Nas bodas de Caná temos dois casais: o esposo e a esposa do casamento, mas também Jesus e sua mãe, que Ele propositalmente chama de “Mulher”, não de mãe, porque ela representa a Igreja. Enquanto o casal das bodas de Caná celebra sua felicidade, o “casal” Jesus e Maria trabalham no sentido de devolver a felicidade à humanidade, que “não tem mais vinho”.

A falta de vinho nas bodas de Caná remete para a falta de Deus no coração de inúmeras pessoas hoje, a falta de alegria e paz em muitas famílias, a falta de saúde e proteção para inúmeras crianças e adolescentes, a falta de respeito para com a vida humana, a falta de fé e de esperança em nosso próprio coração. A falta do vinho também expressa a falta de compaixão para com quem sofre, a falta de indignação para com as injustiças, a falta de interesse em defender o meio ambiente, a falta de um olhar que enxergue a vida para além do próprio umbigo.

 

3. A intercessão de Nossa SenhoraMaria intercede junto a Jesus, mas ele a coloca no seu lugar: “Minha hora ainda não chegou” (Jo 2,4). A hora de Jesus derramar o sangue da nova e eterna aliança entre o Pai e a humanidade será a hora da cruz. Mas Maria, com a sua intercessão, antecipa esta hora, aconselhando aos servos: “Fazei o que ele vos disser” (Jo 2,5). Se não há alegria em nós, se o vinho acabou, precisamos nos perguntar: Estamos vivendo a nossa vida segundo o que Jesus nos diz no Evangelho? Jesus nos manda encher as talhas de água, isto é, cuidar daquilo que caiu no descuido, voltar a encher aquilo que se esvaziou, tendo a certeza de que o vinho melhor, a alegria maior, sempre poderá nascer depois de uma crise ou de um sério desgaste. 

“Fazei o que ele vos disser” (Jo 2,5). A atitude de Maria nos questiona: nós viemos ao mundo para servir ou para sermos servidos? Nós nos deixamos afetar pela realidade que nos cerca, pelo que acontece à nossa volta? Não precisamos fazer muito esforço para lamentar a falta de vinho novo em nossa vida, mas quantos de nós nos dispomos a ter uma atitude proativa e encher nossas talhas de água? Além de lamentarmos a nossa falta de vinho, nós também fazemos algo para modificar isso? A maioria reclama, a minoria se dispõe a arregaçar as mangas e fazer alguma coisa para mudar a situação. O vinho novo jamais poderá ser produzido por nós, mas seu surgimento certamente depende da nossa colaboração: obedecer à orientação de Jesus e encher nossas talhas de água (cf. Jo 2,7-8).  

 

4. O vinho melhor surgiu depois da crise – “O mestre-sala experimentou a água, que se tinha transformado em vinho... ‘Tu guardaste o vinho melhor até agora!’” (Jo 2,10-11). O vinho melhor chegou quando não se esperava mais nada, a não ser o fim da festa. Muitos de nós estamos convencidos de que a vida é assim mesmo: as coisas começam bem e terminam mal; com o tempo, nossos sonhos se desgastam, nossos ideais perdem o sentido; tudo vai aos poucos perdendo a graça e a razão de ser. É assim com os nossos relacionamentos, com os nossos sonhos e projetos, com a nossa vida profissional, com a nossa fé e até mesmo com a nossa própria vocação!

No entanto, Jesus faz acontecer algo surpreendente: o melhor veio depois! O vinho que surgiu depois foi infinitamente melhor do que o vinho que havia antes! A alegria depois da crise foi infinitamente melhor e mais significativa do que a alegria antes da crise. E é assim porque o vinho novo é símbolo do Espírito Santo, cuja graça tudo transforma e tudo renova.

Nós sempre poderemos experimentar a alegria do vinho novo na medida em que formos como Nossa Senhora, pessoas que enfrentam as situações, que não fogem dos problemas, que não abandonam seus sonhos porque estão vivendo um momento de pesadelo, pessoas que se posicionam diante daquilo que as faz sofrer. Nós poderemos experimentar a alegria do vinho novo sempre que fizermos tudo o que Jesus nos disser, enchendo nossas talhas de água na certeza de que o milagre da transformação é e sempre será um trabalho conjunto entre a graça de Deus e as nossas atitudes.

Confiemos na força intercessora de Nossa Senhora Aparecida. Acolhamos a sua orientação de conduzir a nossa vida sempre buscando ouvir o seu Filho, buscando na palavra do Evangelho uma direção para aqueles momentos onde para nós acabou o vinho. Façamos a nossa parte, enchamos nossas talhas de água, e confiemos que Jesus tem o poder de transformar nossas crises em oportunidade de crescimento, fazendo-nos experimentar uma alegria e um sentido sempre novos e mais significativos, depois de termos passado por situações difíceis.

 

Oração: Senhor Jesus, és o Esposo não somente da Igreja, mas da alma humana, alma que tem sede de sentido, de alegria e de salvação. Olha para a falta de vinho que existe no coração da humanidade, em nossas famílias e comunidades, e em tua própria Igreja. São inúmeras as pessoas que se sentem abandonadas e não-amadas. Derrama sobre o coração de cada uma delas o dom do teu Espírito, pois somente Ele pode nos fazer experimentar verdadeiramente o amor de Deus e a alegria da Sua salvação.

Seguindo o conselho de Tua Mãe, Maria Santíssima, a exemplo dos servos daquele casamento, queremos aprender a fazer tudo o que o Senhor nos disser. Nos comprometemos a encher nossas talhas de água, a fazer a nossa parte para que, onde o vinho antigo acabou, onde quer que exista ausência de alegria e de esperança, de justiça e de fraternidade, nós possamos colaborar para o surgimento do vinho novo, da transformação que o próprio Deus quer para o bem e a salvação de cada ser humano.

Enfim, Senhor, que nenhuma crise, nenhum desencontro, nenhuma ferida ou dificuldade nos faça perder a esperança de que o vinho novo sempre surgirá e sua alegria será abundantemente superior a tudo aquilo que até hoje experimentamos, pois o Teu Espírito continua a renovar a face de terra e nós cremos no Seu poder de reavivar a nossa Igreja, curar nossas feridas e transformar nossas tristezas em verdadeira e profunda alegria. Amém!

Pe. Paulo Cezar Mazzi

 

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