Missa do 3º dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 5,27b-32.40b-41; Apocalipse 5,11-14; João 20,1-14.
Quando Jesus chamou seus dois primeiros
discípulos, Simão Pedro e André, disse-lhes: “Sigam-me, e eu farei de vocês
pescadores de homens” (Mt 4,19). “Pescar homens” significa resgatar pessoas de
toda situação de morte, pois o mar, na Sagrada Escritura, representa as forças
do mal que investem contra os seres humanos. Mas há algo estranho acontecendo
no coração de Simão Pedro: “Eu vou pescar” (Jo 21,3). Ao que tudo indica, Pedro
decidiu voltar à sua antiga vida de pescador de peixes. Por qual motivo? Apesar
de já ter visto Cristo ressuscitado duas vezes (cf. Jo 20,19.26), Simão Pedro não
sente a presença do Ressuscitado junto dele e da Igreja, representada aqui
pelos sete discípulos. Portanto, a decisão de ir pescar peixes aponta para o abandono
da missão de pescar homens.
Essa decisão – “Eu vou pescar” (Jo
21,3) – tem sido tomada por muitos cristãos que, apesar de ouvirem a Igreja
proclamar que Cristo ressuscitou, não o sentem junto a si, na luta cotidiana da
vida. “Eu vou pescar” é o abandono do casamento e da família, é o dizer “pra
mim, já deu!”, é o retorno à vida antiga, é a desistência de continuar a buscar
a meta para a qual fomos chamados, é o voltar ao vício, ao pecado, a uma vida
mundana, a uma vida segundo a carne (nosso egoísmo) e não mais segundo o
Espírito (a vontade de Deus). Todos nós corremos esse risco de nos tornar
pessimistas e desanimar da missão que nos foi confiada. O pior é que a nossa
decisão de abandonar tudo acaba por arrastar outras pessoas conosco: “Também
vamos contigo” (Jo 21,3).
Qual foi o resultado da desistência
dos discípulos em deixar de pescar homens e tentar pescar peixes novamente? O fracasso:
“Saíram e entraram na barca, mas não pescaram nada naquela noite” (Jo 21,3).
Quando abandonamos a missão que somos e nos distanciamos da verdade de Deus, a
única coisa que conseguir colher é o fracasso. Por isso, quando não estamos
pescando mais nada, precisamos nos perguntar se estamos fazendo aquilo que, de
fato, fomos chamados a fazer; se, por acaso, não estamos no lugar errado, fazendo
coisas erradas, desperdiçando nossas energias com coisas que nada têm a ver com
a nossa verdadeira vocação. Neste sentido, o fracasso é a coisa mais importante
que precisa surgir em nossa vida.
A boa notícia é que a noite do
fracasso termina com o amanhecer de um novo dia, e esse amanhecer nos remete
para o momento em que foi anunciado à Igreja, por meio de Maria Madalena, que o
Senhor Jesus ressuscitou (Jo 20,1.11ss)! “Já tinha amanhecido, e Jesus estava
de pé na margem” (Jo 21,4). Jesus é a “Estrela da manhã” (Ap 2,28). O brilho do
sol que nasce aponta para a luz da ressurreição que venceu as trevas da morte.
Jesus está “de pé”, justamente porque ele é o Ressuscitado. “Mas os discípulos
não sabiam que era Jesus” (Jo 21,4), seja porque estavam um pouco distantes da
praia, seja porque o corpo de Jesus está agora glorificado, seja ainda porque,
quando nossos olhos se fixam no resultado dos nossos fracassos, não conseguimos
enxergar o Ressuscitado próximo de nós, quando é nele que os nossos olhos
precisam se manter fixos (cf. Hb 12,2)!
Mas finalmente chega o momento em
que o Ressuscitado é reconhecido! Quando Jesus disse aos sete discípulos da
barca: “Lançai a rede à direita da barca, e achareis”, eles obedeceram,
lançaram a rede “e não conseguiam puxá-la para fora, por causa da quantidade de
peixes. Então, o discípulo a quem Jesus amava disse a Pedro: ‘É o Senhor!’”
(Jo 21,6-7). Notemos que o discípulo amado não diz a Pedro: “É Jesus!”, mas “É
o Senhor!”. O título “Senhor” só foi dado a Jesus após a ressurreição (cf. Fl
2,9-11). Quando o discípulo amado reconhece o Ressuscitado, Pedro tem a
estranha atitude de vestir sua roupa (pois estava nu) e atirar-se ao mar (cf.
Jo 21,7). A nudez de Pedro simboliza o abandono da sua identidade de discípulo.
Sentindo a ausência do Ressuscitado, ele havia abandonado a sua “veste de
discípulo”. Agora que volta a enxergar o Ressuscitado, retoma a sua veste e
mergulha no mar, porque deseja chegar ao Ressuscitado o mais rápido possível.
Muitos cristãos decidiram ficar nus,
para não serem reconhecidos como discípulos de Jesus, num mundo contrário ao
Evangelho. Este terceiro domingo da Páscoa nos convida a retomar a nossa
identidade de discípulos, a voltar para a missão que nos foi confiada, a não
nos deixar levar pela correnteza, mas a nadar na direção do Cristo
ressuscitado, aquele que nos chamou a abraçar a missão de pescar homens, de
ajudar a resgatar pessoas do mar da destruição e da morte.
“Logo que pisaram a terra, (os discípulos)
viram brasas acesas, com peixe em cima, e pão... Jesus disse-lhes: ‘Vinde comer’”
(Jo 21,10.12). Na última Ceia, Jesus tinha predito a traição de Judas e a
negação de Pedro. Agora, nesta ceia improvisada na praia, o Ressuscitado
oferece a Pedro a chance de rever suas atitudes anteriores e abraçar com mais
convicção a sua missão de apascentar as ovelhas do Seu rebanho (vv.15-19),
deixando-se orientar a cada dia por Sua palavra.
Retomando alguns pontos deste
Evangelho... “Eu vou pescar” – Estou mantendo minha fidelidade à missão de “pescar
pessoas” para Deus ou passei a fazer parte daqueles que abandonaram a missão? “Também
vamos contigo” – Mesmo vendo tantos que abandonaram seu trabalho na Igreja, eu
continuo perseverando, ou deixei me contaminar pelo pessimismo dos outros? “Não
pescaram nada” – O que o fracasso que estou enfrentando está me dizendo? Estou
onde deveria estar, fazendo o que me foi confiado, ou me distanciei da minha
vocação original? “Já tinha amanhecido, e Jesus estava de pé na margem” – Eu confio
que não existe noite que impeça o sol de surgir no amanhecer? Eu creio que
Cristo está vivo e me oferece a sua Palavra no amanhecer de cada dia, para me
orientar na missão? “Simão Pedro, ouvindo dizer que era o Senhor, vestiu sua
roupa, pois estava nu, e atirou-se ao mar” – Eu também estou nu? Eu também
prefiro não ser reconhecido como discípulo de Jesus, para não ser criticado ou
agredido por um mundo contrário ao Evangelho? “Vinde comer” – Eu me deixo
alimentar pela Eucaristia que o Ressuscitado me prepara e abraço esse momento
como uma oportunidade de confirmar a minha vocação e missão de cuidar daquilo
que Ele confiou aos meus cuidados?
Pe.
Paulo Cezar Mazzi