Missa Maria, Mãe de Deus. Palavra de Deus: Números 6,22-27; Gálatas 4,4-7; Lucas 2,16-21.
Ao
celebrarmos Maria, Mãe de Deus Filho, queremos fazer a experiência do salmista:
“Fiz calar e repousar meus desejos, como criança desmamada no colo de sua mãe”
(Sl 131,2). Nossos desejos são atiçados o tempo todo não só pelo consumismo,
mas também pelo excesso de informações e de estímulos das redes sociais. A
correria da vida, somada ao excesso de palavras, mensagens, imagens e vídeos
que recebemos todos os dias, nos cansam mentalmente e nos atrapalham diante da necessária
tarefa de “discernir tudo e ficar somente com o que é bom” (cf. 1Ts 5,21). Para
não nos perdemos diante de tantas solicitações, devemos nos colocar no colo de
nossa Mãe e aprender com ela a ter uma postura sábia diante da vida: guardar todos
os fatos
que marcam a nossa história pessoal e social e meditar
sobre eles em nosso coração (cf. Lc 2,19).
O
coração, na Bíblia, não é somente o lugar onde moram os nossos afetos, mas o
lugar onde refletimos e tomamos as decisões que definem a direção que desejamos
dar à nossa vida. Aqui vale a pena recuperar a verdade de que “o homem não é
produto das circunstâncias; o homem é produto das suas decisões” (Victor
Frankl). Normalmente, nós temos pouco ou nenhum controle sobre as
circunstâncias que afetam a nossa vida, mas temos liberdade e responsabilidade
na forma de nos posicionar diante dessas circunstâncias. Tudo aquilo que nos
aconteceu e ainda não pudemos compreender, guardamos no coração e meditamos, na
certeza de que, aos poucos, Deus nos revelará a razão de ser de cada
acontecimento.
Quando
calamos e sossegamos nossos desejos, conseguimos ouvir dentro de nós um clamor:
“Abbá, Papai”. Esse clamor não significa chamar para perto de nós o Pai que
está distante, mas se trata de uma profissão de fé: ninguém de nós está sozinho
nesse mundo; temos o Espírito Santo conosco, e ele comprova que nós somos
filhos de Deus e que Ele, o Pai, está conosco. Diante de cada acontecimento que
se dá em nossa história de vida, nós dizemos: “Abbá, Papai!”, confiando que
tudo aquilo que o nosso Papai permite que nos aconteça tem um propósito de
salvação para a nossa vida: “Tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8,28),
tudo, até mesmo as adversidades e contrariedades.
Ter
a consciência de que somos filhos nos liberta da necessidade de nos tornarmos
escravos de coisas, de pessoas ou de situações doentias ou destrutivas,
unicamente porque estamos buscando reconhecimento e aprovação: “Assim já não és
mais escravo, mas filho” (Gl 4,7). Em nome da própria liberdade, muitas pessoas
se tornam escravas de vícios, de padrões de comportamento (moda), sendo que a
grande escravidão moderna é a busca de reconhecimento nas redes sociais.
Diferente do escravo, o filho não vive atormentado pela busca de
reconhecimento, porque sabe que é amado incondicionalmente pelo Pai. Sua
liberdade nunca é usada para afastar-se do Pai, mas para fazer a Sua vontade,
porque ele sabe que o que o Pai quer é verdadeiramente o seu bem e a sua
salvação.
Assim
como Jesus foi circuncidado no oitavo dia de vida, recebendo a marca de pertença
e de consagração a Deus, assim nós somos chamados a cuidar da nossa pertença e
da nossa consagração. A verdadeira circuncisão não consiste em marcar um órgão
do corpo, mas em manter a consciência e o coração voltados para Deus, segundo o
princípio de Santo Inácio de Loyola: “aproximar-me das coisas e das pessoas
tanto quanto elas me aproximam de Deus; afastar-me das coisas e das pessoas
tanto quanto elas me afastam de Deus”. Portanto, trata-se de cortar hábitos e
atitudes que enfraquecem a nossa pertença e atentam contra a nossa consagração
a Deus.
O
filho vive da bênção do Pai. A bênção que hoje pedimos a Deus não deve ser
movida por interesses mundanos: prosperidade, sucesso, bem-estar egoísta. Essa
bênção também não significa superproteção – o privilégio de passar pela vida
sem sofrer. Diferente do pai terreno que busca poupar o filho de todo tipo de
dor, nosso Papai não nos poupará de situações difíceis sempre que elas foram
necessárias para o nosso crescimento, a nossa conversão e a nossa santificação.
Deus nos quer fortes e capazes de olhar a vida nos olhos. Sempre que Ele permitir
que a cruz atravesse o nosso caminho, será para que possamos dizer como o
apóstolo Paulo: “Sei em quem coloquei a minha fé” (2Tm 1,12). Sei em quem eu me
apoio para não tombar diante dos ventos contrários e prosseguir o meu caminho
até alcançar a meta para a qual fui chamado.
Ao
iniciarmos um novo ano, procuremos substituir saudações do tipo “Feliz Ano
Novo!”, ou “Saúde e Paz!”, pela seguinte bênção: “O Senhor te abençoe e te
guarde!”; ou: “O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face, e se compadeça de ti!”, ou ainda: “O Senhor volte para ti o seu rosto e te dê a paz!”. Neste dia mundial da paz, não nos esqueçamos de que a paz
deve ser promovida, construída, e não apenas desejada: “Felizes os que promovem
a paz, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9). Que cada um de nós tome
a decisão diária de ser “um instrumento da paz” do nosso Deus no seio de uma
humanidade tão necessitada de paz.
Pe. Paulo Cezar Mazzi