sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

DECIDIR VIVER COMO FILHO, NÃO COMO ESCRAVO

Missa Maria, Mãe de Deus. Palavra de Deus: Números 6,22-27; Gálatas 4,4-7; Lucas 2,16-21.

  

            Ao celebrarmos Maria, Mãe de Deus Filho, queremos fazer a experiência do salmista: “Fiz calar e repousar meus desejos, como criança desmamada no colo de sua mãe” (Sl 131,2). Nossos desejos são atiçados o tempo todo não só pelo consumismo, mas também pelo excesso de informações e de estímulos das redes sociais. A correria da vida, somada ao excesso de palavras, mensagens, imagens e vídeos que recebemos todos os dias, nos cansam mentalmente e nos atrapalham diante da necessária tarefa de “discernir tudo e ficar somente com o que é bom” (cf. 1Ts 5,21). Para não nos perdemos diante de tantas solicitações, devemos nos colocar no colo de nossa Mãe e aprender com ela a ter uma postura sábia diante da vida: guardar todos os fatos que marcam a nossa história pessoal e social e meditar sobre eles em nosso coração (cf. Lc 2,19).

            O coração, na Bíblia, não é somente o lugar onde moram os nossos afetos, mas o lugar onde refletimos e tomamos as decisões que definem a direção que desejamos dar à nossa vida. Aqui vale a pena recuperar a verdade de que “o homem não é produto das circunstâncias; o homem é produto das suas decisões” (Victor Frankl). Normalmente, nós temos pouco ou nenhum controle sobre as circunstâncias que afetam a nossa vida, mas temos liberdade e responsabilidade na forma de nos posicionar diante dessas circunstâncias. Tudo aquilo que nos aconteceu e ainda não pudemos compreender, guardamos no coração e meditamos, na certeza de que, aos poucos, Deus nos revelará a razão de ser de cada acontecimento.

            Quando calamos e sossegamos nossos desejos, conseguimos ouvir dentro de nós um clamor: “Abbá, Papai”. Esse clamor não significa chamar para perto de nós o Pai que está distante, mas se trata de uma profissão de fé: ninguém de nós está sozinho nesse mundo; temos o Espírito Santo conosco, e ele comprova que nós somos filhos de Deus e que Ele, o Pai, está conosco. Diante de cada acontecimento que se dá em nossa história de vida, nós dizemos: “Abbá, Papai!”, confiando que tudo aquilo que o nosso Papai permite que nos aconteça tem um propósito de salvação para a nossa vida: “Tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8,28), tudo, até mesmo as adversidades e contrariedades.

            Ter a consciência de que somos filhos nos liberta da necessidade de nos tornarmos escravos de coisas, de pessoas ou de situações doentias ou destrutivas, unicamente porque estamos buscando reconhecimento e aprovação: “Assim já não és mais escravo, mas filho” (Gl 4,7). Em nome da própria liberdade, muitas pessoas se tornam escravas de vícios, de padrões de comportamento (moda), sendo que a grande escravidão moderna é a busca de reconhecimento nas redes sociais. Diferente do escravo, o filho não vive atormentado pela busca de reconhecimento, porque sabe que é amado incondicionalmente pelo Pai. Sua liberdade nunca é usada para afastar-se do Pai, mas para fazer a Sua vontade, porque ele sabe que o que o Pai quer é verdadeiramente o seu bem e a sua salvação.

            Assim como Jesus foi circuncidado no oitavo dia de vida, recebendo a marca de pertença e de consagração a Deus, assim nós somos chamados a cuidar da nossa pertença e da nossa consagração. A verdadeira circuncisão não consiste em marcar um órgão do corpo, mas em manter a consciência e o coração voltados para Deus, segundo o princípio de Santo Inácio de Loyola: “aproximar-me das coisas e das pessoas tanto quanto elas me aproximam de Deus; afastar-me das coisas e das pessoas tanto quanto elas me afastam de Deus”. Portanto, trata-se de cortar hábitos e atitudes que enfraquecem a nossa pertença e atentam contra a nossa consagração a Deus.

            O filho vive da bênção do Pai. A bênção que hoje pedimos a Deus não deve ser movida por interesses mundanos: prosperidade, sucesso, bem-estar egoísta. Essa bênção também não significa superproteção – o privilégio de passar pela vida sem sofrer. Diferente do pai terreno que busca poupar o filho de todo tipo de dor, nosso Papai não nos poupará de situações difíceis sempre que elas foram necessárias para o nosso crescimento, a nossa conversão e a nossa santificação. Deus nos quer fortes e capazes de olhar a vida nos olhos. Sempre que Ele permitir que a cruz atravesse o nosso caminho, será para que possamos dizer como o apóstolo Paulo: “Sei em quem coloquei a minha fé” (2Tm 1,12). Sei em quem eu me apoio para não tombar diante dos ventos contrários e prosseguir o meu caminho até alcançar a meta para a qual fui chamado.  

            Ao iniciarmos um novo ano, procuremos substituir saudações do tipo “Feliz Ano Novo!”, ou “Saúde e Paz!”, pela seguinte bênção: “O Senhor te abençoe e te guarde!”; ou: “O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face, e se compadeça de ti!”, ou ainda: “O Senhor volte para ti o seu rosto e te dê a paz!”. Neste dia mundial da paz, não nos esqueçamos de que a paz deve ser promovida, construída, e não apenas desejada: “Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus” (Mt 5,9). Que cada um de nós tome a decisão diária de ser “um instrumento da paz” do nosso Deus no seio de uma humanidade tão necessitada de paz.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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