Missa da Sagrada Família de Nazaré. Palavra de Deus: Eclesiástico 3,3-7.14-17a; Colossenses 3,12-13.18-21; Lucas 2,22-40
Nenhum
lugar é mais sagrado do que a casa, a família. Ali deveria ser lugar de afeto, aconchego,
refúgio, proteção, lugar onde nos sentimos bem. Mas, para muitos, a família
sempre foi ou se tornou, ao longo do tempo, lugar de conflito, uma espécie de
campo de batalha onde uns agridem os outros; lugar onde crianças são abusadas,
mulheres são agredidas; lugar do qual alguns homens procuram se manter
distantes – de preferência, nos bares, com os amigos –, muitas vezes para não
serem cobrados por suas esposas quanto à educação dos filhos ou ao serviço da
casa.
A
saúde emocional da família depende da colaboração de cada pessoa que mora na
casa. Quando cada um faz sua parte, existe equilíbrio, harmonia, e ninguém se
sobrecarrega. Quando cada um se omite das suas responsabilidades, alguém se
sobrecarrega, o que leva a pessoa ao adoecimento, e a doença dessa pessoa
atinge os demais da casa, da mesma forma como quando um membro do corpo está
doente faz o corpo todo sentir o mal estar.
Um
dos maiores problemas da família é o dinheiro: a falta dele gera constantes
brigas e discussões; a busca excessiva por ele distancia o casal um do outro e
os pais dos filhos. Outro problema é o consumismo: “o que é demais nunca é o
bastante”. 76% das famílias brasileiras estão endividadas. Aqui não se trata
apenas de baixos salários, mas também da falta de administração da economia
doméstica. Compra-se o que não se precisa; gasta-se além do que pode. Um
terceiro problema é a inversão de valores: o filho tem (quase) tudo o que quer,
menos um pai ou uma mãe que lhe ensine o que significa limite, educação, caráter,
decência, honestidade, compaixão, responsabilidade, humanidade.
“Uma
espada te transpassará a alma” (Lc 2,35), disse Simeão a Maria. Não existe
família sem dor, porque não existe vida sem dor. Pais que fazem de tudo para
evitar que o filho sofra a dor de uma frustração tornam o filho incapaz de
lidar com a vida e fazem dele um suicida em potencial. A espada corta, e o
corte lembra a poda. Família é lugar de corte e de poda. Crianças não podadas
são crianças sem limites. Não respeitam ninguém, não aceitam ouvir “não” e se
tornam pessoas das quais todos queremos distância. Aqui uma pergunta se faz
necessária: onde o filho dorme? O filho deve dormir no quarto dele e não dos
pais. É gravíssimo quando a mulher “usa” o filho para distanciar-se sexualmente
do marido. Nesse caso, cabe ao pai impor-se e “dar um corte” no filho,
fazendo-o dormir no seu quarto, e não na cama com a mãe. Isso ajuda no
fortalecimento da masculinidade do filho.
Ainda
a respeito desse assunto, embora os filhos pequenos exijam naturalmente muito
dos pais, o casal não pode descuidar da saúde emocional e sexual do casamento. É
necessário que periodicamente os filhos fiquem com os avós ou algum parente de
confiança, para que o casal possa ter seu espaço e seu momento de diálogo, de
revisão do funcionamento da casa e de manutenção da qualidade de vida afetiva e
sexual.
Por
fim, como anda a espiritualidade da família? “Maria e José levaram Jesus a
Jerusalém,
a fim de apresentá-lo ao Senhor” (Lc 2,22). Essa
apresentação se inspira na atitude Ana, mãe do profeta Samuel: “Eu orava por
este menino, e o Senhor atendeu à minha súplica. Da minha parte eu o dedico ao
Senhor por todos os dias que viver, assim o dedico ao Senhor” (1Sm 1,27-28). A
maioria das famílias não procura mais a Igreja para batizar seus filhos e um
dos motivos é que muitas delas são “irregulares”, e nossa Igreja ainda não se
faz próxima dessas famílias. Por isso, é cada vez mais comum que crianças
cresçam sem espiritualidade, com pouquíssima ou nenhuma referência de fé dentro
de casa.
A
apresentação, a dedicação ou a consagração de Samuel (AT) e do menino Jesus
(NT) a Deus deixam uma pergunta: o filho pertence a quem? Ele não pertence aos
pais, mas a Deus. Ele não nasceu para realizar o sonho dos pais, mas para
descobrir a sua própria vocação, que é fazer da sua existência, que é única,
uma palavra única que Deus deseja comunicar à humanidade. O papel dos pais não
é criar o filho para si mesmos, mas para a vida; prepará-lo para abraçar a vida
com os seus desafios e para prestar um serviço à humanidade. Pais que têm como
objetivo tornar seu filho “um sucesso” se esquecem de que o primeiro preço que
o sucesso cobra é que a pessoa jogue sua consciência e seu caráter no lixo.
Neste sentido, faria muito bem aos pais que vivem postando fotos e vídeos de
seus pequenos nas redes sociais se lembrarem da parábola da carroça vazia: quanto
mais vazia uma pessoa é, mais barulho ela faz, para chamar a atenção dos outros sobre si.
Um
último ponto que ainda precisa ser repensado em nossa vida de família: “Meu
filho, ampara o teu pai na velhice e não lhe
causes desgosto enquanto ele vive. Mesmo que ele
esteja perdendo a lucidez, procura ser compreensivo
para com ele” (Eclo 3,14-15). Como lidamos com os idosos da nossa família?
Pe. Paulo Cezar Mazzi
Nenhum comentário:
Postar um comentário