quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

FAMÍLIA: DE UM CAMPO DE BATALHA PARA UM HOSPITAL QUE CUIDA DAS FERIDAS

 Missa da Sagrada Família de Nazaré. Palavra de Deus: Eclesiástico 3,3-7.14-17a; Colossenses 3,12-13.18-21; Lucas 2,22-40

 

            Nenhum lugar é mais sagrado do que a casa, a família. Ali deveria ser lugar de afeto, aconchego, refúgio, proteção, lugar onde nos sentimos bem. Mas, para muitos, a família sempre foi ou se tornou, ao longo do tempo, lugar de conflito, uma espécie de campo de batalha onde uns agridem os outros; lugar onde crianças são abusadas, mulheres são agredidas; lugar do qual alguns homens procuram se manter distantes – de preferência, nos bares, com os amigos –, muitas vezes para não serem cobrados por suas esposas quanto à educação dos filhos ou ao serviço da casa.

            A saúde emocional da família depende da colaboração de cada pessoa que mora na casa. Quando cada um faz sua parte, existe equilíbrio, harmonia, e ninguém se sobrecarrega. Quando cada um se omite das suas responsabilidades, alguém se sobrecarrega, o que leva a pessoa ao adoecimento, e a doença dessa pessoa atinge os demais da casa, da mesma forma como quando um membro do corpo está doente faz o corpo todo sentir o mal estar.

            Um dos maiores problemas da família é o dinheiro: a falta dele gera constantes brigas e discussões; a busca excessiva por ele distancia o casal um do outro e os pais dos filhos. Outro problema é o consumismo: “o que é demais nunca é o bastante”. 76% das famílias brasileiras estão endividadas. Aqui não se trata apenas de baixos salários, mas também da falta de administração da economia doméstica. Compra-se o que não se precisa; gasta-se além do que pode. Um terceiro problema é a inversão de valores: o filho tem (quase) tudo o que quer, menos um pai ou uma mãe que lhe ensine o que significa limite, educação, caráter, decência, honestidade, compaixão, responsabilidade, humanidade.

            “Uma espada te transpassará a alma” (Lc 2,35), disse Simeão a Maria. Não existe família sem dor, porque não existe vida sem dor. Pais que fazem de tudo para evitar que o filho sofra a dor de uma frustração tornam o filho incapaz de lidar com a vida e fazem dele um suicida em potencial. A espada corta, e o corte lembra a poda. Família é lugar de corte e de poda. Crianças não podadas são crianças sem limites. Não respeitam ninguém, não aceitam ouvir “não” e se tornam pessoas das quais todos queremos distância. Aqui uma pergunta se faz necessária: onde o filho dorme? O filho deve dormir no quarto dele e não dos pais. É gravíssimo quando a mulher “usa” o filho para distanciar-se sexualmente do marido. Nesse caso, cabe ao pai impor-se e “dar um corte” no filho, fazendo-o dormir no seu quarto, e não na cama com a mãe. Isso ajuda no fortalecimento da masculinidade do filho.

            Ainda a respeito desse assunto, embora os filhos pequenos exijam naturalmente muito dos pais, o casal não pode descuidar da saúde emocional e sexual do casamento. É necessário que periodicamente os filhos fiquem com os avós ou algum parente de confiança, para que o casal possa ter seu espaço e seu momento de diálogo, de revisão do funcionamento da casa e de manutenção da qualidade de vida afetiva e sexual.

            Por fim, como anda a espiritualidade da família? “Maria e José levaram Jesus a Jerusalém, a fim de apresentá-lo ao Senhor” (Lc 2,22). Essa apresentação se inspira na atitude Ana, mãe do profeta Samuel: “Eu orava por este menino, e o Senhor atendeu à minha súplica. Da minha parte eu o dedico ao Senhor por todos os dias que viver, assim o dedico ao Senhor” (1Sm 1,27-28). A maioria das famílias não procura mais a Igreja para batizar seus filhos e um dos motivos é que muitas delas são “irregulares”, e nossa Igreja ainda não se faz próxima dessas famílias. Por isso, é cada vez mais comum que crianças cresçam sem espiritualidade, com pouquíssima ou nenhuma referência de fé dentro de casa.

            A apresentação, a dedicação ou a consagração de Samuel (AT) e do menino Jesus (NT) a Deus deixam uma pergunta: o filho pertence a quem? Ele não pertence aos pais, mas a Deus. Ele não nasceu para realizar o sonho dos pais, mas para descobrir a sua própria vocação, que é fazer da sua existência, que é única, uma palavra única que Deus deseja comunicar à humanidade. O papel dos pais não é criar o filho para si mesmos, mas para a vida; prepará-lo para abraçar a vida com os seus desafios e para prestar um serviço à humanidade. Pais que têm como objetivo tornar seu filho “um sucesso” se esquecem de que o primeiro preço que o sucesso cobra é que a pessoa jogue sua consciência e seu caráter no lixo. Neste sentido, faria muito bem aos pais que vivem postando fotos e vídeos de seus pequenos nas redes sociais se lembrarem da parábola da carroça vazia: quanto mais vazia uma pessoa é, mais barulho ela faz, para chamar a atenção dos outros sobre si.   

            Um último ponto que ainda precisa ser repensado em nossa vida de família: “Meu filho, ampara o teu pai na velhice e não lhe causes desgosto enquanto ele vive. Mesmo que ele esteja perdendo a lucidez, procura ser compreensivo para com ele” (Eclo 3,14-15). Como lidamos com os idosos da nossa família?

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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