quinta-feira, 29 de maio de 2014

O CÉU É ALGUÉM, NÃO UM LUGAR

Missa da Ascensão do Senhor. Palavra de Deus: Atos 1,1-11; Efésios 1,17-23; Mt 28,16-20.

            Ascensão: subir, elevar-se, estar por cima, estar em alta. Quem está em alta? Quem está em baixa? Para o nosso mundo, nada é mais importante do que estar em ascensão, estar em alta. Por isso, se para você subir, estar em alta, for preciso mentir, minta; se for preciso prejudicar pessoas, prejudique; se for preciso corromper-se, corrompa-se. Os fins justificam os meios.
            A elevação de Jesus ao céu é bem diferente daquilo que o mundo entende por ascensão. Jesus subiu porque primeiro desceu. “Deus soberanamente o elevou” (Fl 2,9) porque primeiro Jesus “abaixou-se, tornando-se obediente até a morte e morte de cruz” (Fl 2,8). Muitos não admitem descer. Muitos não suportam se humilhar. Muitos procuram por igrejas que ofereçam o “culto da vitória”, a “noite dos vencedores”. Muitos só conseguem enxergar Deus quando estão em alta, quando estão subindo, e nunca quando estão em baixa, quando estão descendo. Se esquecem das palavras do Salmo 139,8: “Se eu subo aos céus, tu lá estás; se desço ao abismo, aí também te encontro”. Deus não está conosco somente nas nossas subidas, mas também nas nossas descidas...
        Segundo o evangelista Lucas, quarenta dias após a ressurreição Jesus “foi levado para o céu” (At 1,2). Mas, o que é o céu? O que entendemos por “céu”? O céu não é um lugar; o céu é uma Pessoa; o céu é o Pai. Ser levado para o céu é ser introduzido na plena comunhão com Deus. “Agora vemos Deus em espelho e de maneira confusa, mas, no céu, O veremos face a face; agora nosso conhecimento é limitado, mas, no céu, conheceremos como somos conhecidos por Deus” (citação livre de 1Cor 13,12). Agora não entendemos por que nossa vida é feita de subidas e descidas, de altos e baixos, mas, no céu, compreenderemos o porquê de cada coisa, de cada acontecimento que marcou a nossa história.
            Hoje há uma preocupação no coração de muitos pais quanto ao futuro de seus filhos. Eles trabalham e ao mesmo tempo enchem o dia a dia de seus filhos de atividades para que eles se tornem pessoas capazes de subir, de vencer. Será que no coração desses pais também existe a preocupação e o esforço em preparar seus filhos para o céu? O apóstolo Paulo nos pergunta: “Então vocês não sabem que os injustos não herdarão o Reino de Deus? Não se iludam! Nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os depravados, nem os pedófilos, nem os ladrões, nem os gananciosos, nem os bêbados, nem os que ofendem e afrontam herdarão o Reino de Deus” (1Cor 6,9-10).   
            Antes de subir ao céu, Jesus fez uma promessa e confiou uma missão aos seus discípulos de ontem e de hoje: “Recebereis o poder do Espírito Santo, que descerá sobre vós para serdes minhas testemunhas...” (At 1,8). “Portanto, ide e fazei discípulos meus todos os povos...” (Mt 28,19). O que significa “ser testemunha” de Jesus? Significa viver como ele viveu; comportar-se como ele se comportou; perguntar-se, diante de cada situação: o que Jesus faria se estivesse no meu lugar?
     As pessoas não escutam o que nós falamos, mas elas veem a maneira como nos comportamos. Isso significa que nós só podemos fazer com que as pessoas se tornem discípulas de Jesus Cristo se nós vivermos como verdadeiros discípulos seus. As pessoas só se encantarão com Jesus Cristo se virem esse encanto em nós. Ao comentar este Evangelho, o Papa Francisco destacou que, se Jesus usou o imperativo “Ide” é porque a evangelização é uma tarefa urgente e necessária. Se Jesus disse para fazer discípulos seus “todos os povos” é porque “o Evangelho é para todos, e não apenas para alguns. Não é apenas para aqueles que parecem a nós mais próximos, mais abertos, mais acolhedores. É para todas as pessoas” (Papa Francisco, no encerramento da JMJ).
   Neste dia das comunicações sociais, nos perguntemos se as coisas que lemos e os vídeos que assistimos nos aproximam ou nos distanciam do céu; se aquilo que postamos nas redes sociais ajudam a despertar nas pessoas o desejo de procurar “as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus” (Cl 3,1). O Papa Francisco nos pede para usarmos a comunicação a serviço de uma autêntica cultura do encontro, de modo que não haja isolamento, mas proximidade entre as pessoas, não o fechamento em si, mas a abertura ao outro.

                           Pe. Paulo  Cezar Mazzi

sexta-feira, 23 de maio de 2014

NÃO DEFENDER-SE DO DEFENSOR

Missa do 6º. dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos 8,5-8.14-17; 1Pd 3,15-18;  Jo 14,15-21.

            Jesus acabou de nos fazer uma promessa: “Eu rogarei ao Pai, e ele vos dará um outro defensor, para que permaneça sempre convosco: o Espírito da verdade...” (Jo 14,16-17). Por que nós precisamos de um “defensor”? Porque o mundo em que vivemos é um mundo que se opõe ao Evangelho e ataca, de diversas formas, quem procura viver segundo o Evangelho. Existe um ataque contra a vida e contra quem procura defender a vida. Existe um ataque contra a fé e contra a Igreja. Existe um ataque contra a família, contra a fidelidade e contra a estabilidade do casamento. Existem ataques externos, como a violência social, as inimizades e os conflitos no ambiente de trabalho, a ameaça do desemprego, as doenças etc. Mas existem também ataques internos, como as tentações, o pessimismo, o desânimo, o abandono da fé e a perda da esperança...
            Enquanto Jesus estava com seus discípulos, ele os defendia, pois o verdadeiro Pastor sempre defende as suas ovelhas. Mas Jesus devia voltar para o Pai, e sabia que os seus discípulos, de todos os tempos, precisam de um defensor espiritual, para não serem vencidos pelas dificuldades que encontrarão no mundo. Por isso, ele nos prometeu enviar o Espírito Santo como nosso “outro defensor”.
            Mas, que tipo de defesa nos oferece o Espírito Santo? Não é uma defesa do tipo “blindagem”, como um carro com vidros, lataria, rodas e pneus à prova de bala. A defesa que o Espírito Santo nos oferece não é como uma redoma de vidro, colocada sobre nós para impedir que qualquer ameaça de fora nos atinja. Na verdade, a defesa do Espírito Santo é interna e não externa: “ele permanecerá junto de vós e estará dentro de vós” (Jo 14,17). A defesa do Espírito Santo não nos é dada para fugir dos conflitos da vida, sejam eles internos ou externos, mas sim para enfrentá-los, pois, como diz a Escritura, “Deus não nos deu espírito de medo, mas um espírito de força...” (2Tm 1,7). A defesa que o Espírito Santo exerce em nosso favor é uma força interior para não quebrarmos quando enfrentamos problemas, dificuldades, conflitos, ameaças, desafios. Por isso, Ele também é chamado por Jesus de “força do Alto” (Lc 24,49).
            Talvez você esteja se perguntando: ‘Por que eu não sinto a defesa do Espírito Santo em mim?’ Então, eu lhe pergunto: Será que você não está se defendo d’Ele? Embora o Espírito Santo seja a força do Alto, seja o nosso defensor, Ele sempre respeita a nossa liberdade: Ele entra onde nós permitimos; Ele conduz a vida de quem se deixa conduzir por Ele (cf. Rm 8,14); Ele desce sobre aqueles que O pedem ao Pai todos os dias na oração (cf. Lc 11,13). Se nós queremos experimentar a defesa do Espírito Santo, precisamos parar de nos defender d’Ele, parar de opor-Lhe resistência e nos tornar obedientes às Suas inspirações.     
             “Pedro e João impuseram-lhes as mãos (sobre os habitantes da Samaria), e eles receberam o Espírito Santo” (At 8,17). O gesto de imposição das mãos nos fala da necessidade de nos submeter ao Espírito Santo e permitir que Ele cubra a nossa fraqueza com a Sua força. Desse modo, quando o mundo quiser nos intimidar e nos calar, poderemos enfrentá-lo, sabendo dar razão da nossa esperança a toda pessoa que nos questionar a respeito dela (cf. 1Pd 3,15).
             Uma última palavra: embora o Espírito Santo seja o nosso defensor, algumas vezes Ele não nos defenderá do sofrimento, quando este for necessário para o nosso crescimento, nossa conversão, nossa santificação e para a redenção da humanidade. É por isso que a Escritura diz: “(...) será melhor sofrer praticando o bem, se essa for a vontade de Deus, do que praticando o mal” (1Pd 3,17). E ainda que esse sofrimento nos obrigue a morrer para algumas coisas, olhemos para Cristo: Ele “sofreu a morte na sua existência humana, mas recebeu nova vida pelo Espírito” (1Pd 3,18). Entreguemos, portanto, a nossa vida e a vida de cada ser humano às mãos do Espírito Santo, nosso defensor.    

                                                                      Pe. Paulo Cezar Mazzi

Vem, ó Espírito criador, visita as nossas mentes. Enche do teu amor os corações que criaste.

Ó doce Consolador, dom do Pai Altíssimo, água viva, fogo, amor, santo crisma da alma. Dedo da mão de Deus, promessa do Salvador, derrama os teus sete dons, suscita em nós a Palavra. Sê luz do intelecto, chama ardente no coração, sara as nossas feridas com o bálsamo do teu amor. Defende-nos do inimigo, concede o dom da paz. Que a tua guia invencível nos preserve do mal.

sábado, 17 de maio de 2014

DESTINO FINAL: O PAI

Missa do 5º. dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos 6,1-7; 1Pd 2,4-9; Jo 14,1-12.

“Não se perturbe o vosso coração. Credes em Deus, crede também em mim” (Jo 14,1). Algumas questões perturbam o nosso coração. Há um lugar para mim neste mundo? Vou sobreviver? Vou conseguir sustentar a minha família? Vou ser amado(a) por alguém? Vou conseguir superar esta dificuldade, ultrapassar este obstáculo, vencer este inimigo? Existe vida depois da morte? O que perturba o nosso coração é tudo aquilo que nos ameaça, mas também tudo aquilo que não podemos prever, nem controlar. Daí o medo, a preocupação, a ansiedade, a insegurança, a angústia etc. Mas Jesus nos convida a ter fé n’Ele. Ele vai à nossa frente: “Eu não sei para onde a minha vida está indo, mas eu sei Quem a está conduzindo”, disse Santa Edith Stein.
“Na casa de meu Pai há muitas moradas... vou preparar-vos um lugar...” (Jo 14,2). Neste texto do Evangelho, por onze vezes aparece a palavra “Pai”, referindo-se a Deus. A indiferença religiosa faz o mundo se sentir órfão, sem Pai. Mas Jesus nos fala da casa do Seu Pai onde Ele, Jesus, vai preparar o nosso lugar, para estarmos sempre com Ele e com o Pai: “(...) virei novamente e vos levarei comigo, a fim de que, onde eu estiver, estejais vós também... Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,3.6). Há um lugar para nós na casa, no coração, no colo, nos braços do Pai. Existe um Caminho que nos foi aberto por Jesus, para chegarmos até o Pai; existe uma Verdade à qual nos agarrar – uma rocha onde nos segurar, sobre a qual podemos nos manter em pé; existe uma Vida que nos aguarda, uma Vida em plenitude junto do Pai, nos garante Jesus.
“Senhor, mostra-nos o Pai...!” (Jo 14,8) Como Felipe, gostaríamos de experimentar uma manifestação mais concreta de Deus em nossa vida. Gostaríamos que Ele nos falasse pessoalmente e tirasse todas as incertezas do nosso coração. Mas o Pai, que no Antigo Testamento falou com a humanidade pelos profetas, agora fala conosco por meio do Filho Jesus (cf. Hb 1,1-2): “Este é o meu Filho amado... escutai-o!” (Mt 17,5). O Pai fala conosco pela vida de Jesus, por sua humanidade, por suas palavras, por seus milagres, mas também por seus sofrimentos, por sua cruz, por sua morte, e, enfim, por sua ressurreição.
“Não crês que eu estou no Pai e o Pai está em mim?” (Jo 14,10). “Acreditai-me: eu estou no Pai e o Pai está em mim” (Jo 14,11). Estas palavras precisam repercutir também em nossa vida. Você vive como quem está em Deus e como alguém em quem Deus habita? Você se esforça por estar no Pai e permite que Ele esteja em você? Não é verdade que há momentos nos quais você não quer estar em Deus e não quer que Ele esteja em você? Quem ouvia Jesus falar e quem via a maneira de Jesus agir, sentia Deus n’Ele, sentia a presença do Pai n’Ele. Se a humanidade hoje se sente órfã, nós precisamos, pelo nosso modo de viver e de tratar as pessoas, ajudá-las a sentirem que elas têm um Pai, e a crerem que Jesus é o único Caminho que nos leva a este Pai.  
Enquanto a palavra “Pai” apareceu onze vezes neste Evangelho, a atitude de “crer” foi mencionada por Jesus seis vezes. Crer, ter fé significa firmar-se sobre algo sólido, como uma pedra, uma rocha. São Pedro nos fala de Jesus como “pedra viva, escolhida e preciosa”, de quem devemos nos aproximar e em quem devemos nos apoiar, pois “quem nele crê não será confundido” (1Pd 2,6). No mundo em que vivemos, muitos se sentem confusos, perdidos, desorientados, porque estão desistindo da sua fé, estão deixando de crer. Quem deixa de crer, começa a afundar no pessimismo, e toda pedra que encontra no caminho da vida é suficiente para fazê-lo tropeçar ou mesmo derrubá-lo.
A fé consiste em apoiar-se em Alguém que é maior do que nós. Jesus sempre nos ensinou que acima do medo, acima da dor e acima da aflição, está o Pai. Só quem se atreve a apoiar-se no Pai pode experimentar que é amparado por Ele. Entreguemos ao Pai, pelas mãos de Jesus, tudo aquilo que perturba o nosso coração, tudo aquilo que perturba o coração da humanidade. Ofereçamo-nos como “pedras vivas” (1Pd 2,5), isto é, como pessoas firmadas em Deus, avivadas pelo Seu Espírito, de modo que possamos ajudar a reconstruir o sentido da Presença do Pai junto de cada pessoa que se sinta órfã neste mundo.


                                         Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 8 de maio de 2014

POR QUAL PORTA ENTRAR?

Missa do 4º. Dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos 2,14a.36-41; 1Pd 2,20b-25; Jo 10,1-10.

            “Eu sou a porta das ovelhas”, disse Jesus (cf. Jo 10,7). “Eu sou a porta. Quem entrar por mim será salvo; entrará, sairá e encontrará pastagem” (Jo 10,9).
            Qual o significado da porta? Para quem está com medo, ou se sente ameaçado, a porta é segurança, proteção. Para quem se sente preso, sufocado, a porta é alívio, liberdade. Existem portas que se fecham, mas que precisariam estar abertas: a porta que dá acesso ao mercado de trabalho, à saúde e à educação, mas também a porta que dá acesso ao diálogo, ao perdão e à reconciliação. Por outro lado, existem portas abertas, escancaradas, que deveriam ser fechadas: a porta de acesso às drogas, à exploração sexual e à prostituição, a porta de entrada na corrupção...
            No mundo em que vivemos, são inúmeras as portas que se apresentam à nossa frente e nos convidam a entrar. Qual delas abrir? Depende do que você está procurando. Depende do que você quer para a sua vida. Assim como é verdade que “para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve” (Alice no País das Maravilhas), assim também para quem não sabe que rumo dar à sua vida, qualquer porta serve.
            Muitos entraram em portas erradas e estão se corrompendo, se destruindo, adoecendo. Muitos, ao invés de abrirem a porta da sua vida para Jesus, o verdadeiro Pastor, abriram-na para algum ladrão ou algum assaltante, para alguma situação que, ao invés de restaurar as suas forças, está sugando e exaurindo sua energia física, psicológica e espiritual. Mas Jesus afirmou que Ele “chama as ovelhas pelo nome e as conduz para fora” (Jo 10,3). Seja qual foi a porta errada pela qual você entrou, você pode ser conduzido(a) para fora dessa porta, pode encontrar a saída, pode ser liberto(a) das mãos desse ladrão ou assaltante. Para isso, é necessário deixar-se conduzir pelo verdadeiro Pastor, que é Jesus.
            “O Senhor é o pastor que me conduz” (Sl 23,1). Na verdade, o Senhor conduz quem se deixa conduzir por Ele, quem escuta sua voz – sua Palavra – e a obedece, orientando por ela a sua vida e a sua liberdade. Ele “restaura as minhas forças” (Sl 23,3), na medida em que eu paro as minhas atividades para ficar na presença d’Ele, em oração. Sem esses momentos de oração, eu sigo pela vida apenas esgotando as minhas forças. “Mesmo que eu passe pelo vale tenebroso, nenhum mal eu temerei” (Sl 23,4). No caminho da vida, não há ninguém que seja poupado de sofrimentos e de dificuldades: de vez em quando, todos nós temos que atravessar o vale tenebroso do medo, do perigo, da crise de fé, da doença, da perda de alguém, do fracasso etc., mas podemos enfrentar esses momentos na certeza de que o nosso Pastor está conosco: Ele caminha à nossa frente e nos ensina como atravessar o vale tenebroso sem sermos derrotados por ele.                
            Além de se definir como “a porta das ovelhas” (Jo 10,7), Jesus também afirmou que “quem não entra pela porta, mas sobre por outro lado, é ladrão e assaltante” (Jo 10,1). Por que temos a tentação de não entrar pela porta, mas “subir por outro lado”? Porque a porta é estreita (cf. Mt 7,13-14). Entrar por ela exige da nossa parte esforço e perseverança, e a nossa geração quer tudo na mão, quer que tudo caia pronto do céu, sem que tenhamos que lutar, nos esforçar e nos sacrificar para conseguir algo. Desse modo, adotamos o “jeitinho brasileiro”; subimos por outro lado – o mais fácil, o mais imediato – e nos tornamos ladrões e assaltantes, isto é, pessoas que crescem ou sobem na vida usando meios desonestos e corruptos, nos esquecendo de que tudo aquilo que “conquistamos” dessa forma, perderemos da mesma forma. É a lei da vida: nós colhemos o que plantamos.    
            O nosso Pastor foi ferido de morte na cruz, mas ressuscitou. “Por suas feridas fostes curados” (1Pd 2,24). Às Suas mãos confiamos as feridas das nossas famílias, sobretudo as feridas de todas as mães que, para defenderem suas famílias dos ladrões e assaltantes deste mundo, têm se machucado constantemente. Àquele que é o “pastor e guarda” de nossas vidas (cf. 1Pd 2,25), confiamos todas as ovelhas desgarradas, as pessoas que se afastaram das nossas comunidades, filhos, pais ou mães que abandonaram suas casas e decidiram morar na rua, e hoje estão sendo devorados pelo crack.                 Jesus disse: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Peçamos a Sua intercessão junto ao Pai por todas as mães; por todas as famílias; por todos os dependentes químicos; por todos os desempregados; por todos os doentes; por todos os que, por causa da fome ou da guerra, imigram para outros países; por todos os líderes – políticos, religiosos e no campo do trabalho – para que se espelhem em Jesus na forma de tratarem as pessoas e lidarem com os bens materiais; sobretudo, rezemos pelas vocações, para que não faltem ao imenso rebanho de Deus pastores que o conduzam segundo o coração de Jesus, e que cada cristão abrace a sua vocação de conduzir para a porta que é Jesus cada pessoa com quem convive no seu dia a dia. 
                                                                   
                                                                      Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 1 de maio de 2014

INTERPRETAR A VIDA A PARTIR DA SAGRADA ESCRITURA


Missa do 3º. dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos 2,14a.22-33; 1Pedro 1,17-21; Lucas 24,13-35.

            Existem acontecimentos que varrem para longe de nós a fé, enterram a nossa esperança e apagam o fervor do nosso coração. Existem acontecimentos que parecem destruir dentro de nós a imagem que temos de Deus, de que Ele é um Pai amoroso e misericordioso, que cuida de nós e que se importa conosco. Existem acontecimentos que nos tiram de Jerusalém e nos fazem caminhar para Emaús, isto é, que nos fazem abandonar nossos ideais e nossos sonhos, porque a presença da cruz acaba nos convencendo de que não adianta esperar por grandes mudanças ou grandes transformações em nossa vida.
          Mas aquilo que apaga a nossa fé, sepulta a nossa esperança e torna frio o nosso coração não é este ou aquele acontecimento ruim, e sim a forma como nós o interpretamos. O que fez os dois discípulos deixarem Jerusalém e caminharem para Emaús foi o fato de eles não conseguirem encontrar uma explicação para o que aconteceu com Jesus. Certamente, há muitas coisas para as quais você ainda não encontrou explicação na sua vida, coisas que vão precisar de tempo para serem entendidas e assimiladas por você. Mas também é verdade que há coisas para as quais você não quer encontrar explicação porque isso acabaria revelando a sua parcela de responsabilidade no que aconteceu.  
            Justamente porque a dor não é causada pelo sofrimento em si, mas pela forma como nós o interpretamos e como lidamos com ele, Jesus ressuscitado entrou na dor dos dois discípulos e os ajudou a interpretá-la à luz da Sagrada Escritura (cf. Lc 24,27). Pedro fez a mesma coisa no dia de Pentecostes: recorreu às Escrituras – especificamente ao salmo 16 – para falar da morte e da ressurreição de Jesus (cf. At 2,23-31). Qual é o seu contato com a Bíblia? Com que frequência você a lê? Existe algum aplicativo no seu celular ou no seu tablet que coloca você em contato com a Palavra de Deus? Quantos de nós precisamos daquele puxão de orelhas que Paulo deu à comunidade de Corinto, quando disse: “Alguns dentre vós tudo ignoram a respeito de Deus” (1Cor 15,34)?
            A Sagrada Escritura não nos oferece respostas prontas para todas as nossas perguntas. Ela nos ajuda a interpretar os acontecimentos à luz do plano que Deus tem para cada um de nós, de forma que nós possamos dizer com o salmista: “Meu destino está seguro em vossas mãos... Vós me ensinais vosso caminho para a vida...” (Sl 16,5.11). Foi relembrando aos discípulos trechos da Bíblia que Jesus esclareceu que Ele devia sofrer o que sofreu para entrar na sua glória (cf. Lc 24,26). Portanto, sempre que você estiver na desolação, recorra à Palavra de Deus, para que ela o(a) ajude a interpretar corretamente o seu sofrimento e lhe dar a verdadeira consolação que vem de Deus.
           O diálogo de Jesus com aqueles dois discípulos lhes devolveu o ânimo, a fé e a esperança, traduzidos nessas palavras: “Não estava ardendo o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?” (Lc 24,32). Há muitas cinzas no coração de cada um de nós, cinzas de sonhos e de esperanças que foram aparentemente queimados, destruídos, pela forma como interpretamos o que nos aconteceu e pela forma como lidamos com aquele sofrimento. Deixemos com que o sopro do Espírito Santo, que inspirou cada profecia da Sagrada Escritura (cf. 2Pd 1,21), varra para longe as cinzas que encobrem as brasas que ardem no mais profundo de nós, para que recobremos a fé, a esperança, a alegria e o sentido de viver e de caminhar com Cristo.                                                                                                                   Hoje, o nosso pedido ao Senhor ressuscitado é o mesmo dos discípulos de Emaús: “Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando!” (Lc 24,29). Fica conosco, Senhor Jesus, quando caminhamos na vida como que cegos, sem enxergar a Tua presença junto a nós! Fica conosco, e com a luz da Tua palavra, ajuda-nos a interpretar corretamente os acontecimentos que nos atingem. Fica conosco, pois a noite se estende sobre a humanidade: a noite das guerras, dos conflitos e da violência; a noite do desemprego, da fome e da miséria; a noite da migração forçada, da inimizade e da separação das famílias. Fica conosco, Senhor Jesus, e devolva o ardor da fé ao nosso coração!
“Jesus entrou para ficar com eles”, e quando, sentado à mesa, “tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lhes distribuía... os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus. Jesus, porém, desapareceu da frente deles” (Lc 24,29-31). Os mesmos discípulos, que estavam como que cegos e não reconheceram Jesus que caminhava com eles, voltaram para Jerusalém e disseram aos outros discípulos “como tinham reconhecido Jesus ao partir o pão” (Lc 24,35). Nós reconhecemos Jesus na Eucaristia, ou ela se tornou um rito tão repetitivo e tão monótono, que precisamos que Jesus se manifeste de outras formas para que possamos reconhecê-Lo?
Para terminar, é urgente refletir sobre essa atitude de Jesus ser reconhecido “ao partir o pão” também a partir do ponto de vista social: “O mundo de hoje reconhece o Cristo quando os cristãos sabem verdadeiramente ‘partir o pão’, (o que significa assumir)... um compromisso de justiça, de solidariedade, de defesa daqueles cujo pão é roubado pelas injustiças dos homens e dos sistemas sociais errados” (Missal dominical, p.369). 

                                                                Pe. Paulo Cezar Mazzi