sexta-feira, 30 de junho de 2017

REFERÊNCIAS

Missa de São Pedro e São Paulo. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 12,1-11; 2Timóteo 4,6-8.17-18; Mateus 16,13-19.  

            Quem são as nossas referências hoje? Quem as nossas crianças ou os nossos jovens têm como referência hoje? Quem é a sua referência de pai e mãe, de líder político e religioso? Quem é sua referência no campo profissional, ou no campo da fé? Quem é sua referência de pessoa, de ser humano? Você tem alguma pessoa que seja referência de fidelidade, de retidão e de honestidade?      Existe hoje um vazio quando falamos de referência. Na verdade, ter alguém como referência é até certo ponto frágil ou mesmo perigoso, porque estamos falando de pessoas, de seres humanos, e não há ser humano que não seja falível. Mas a ausência de referências hoje se deve também a um certo “nivelamento por baixo”, um abandono dos grande ideais, à adoção de um estilo de vida mais “light”, menos radical, também no sentido dos valores que deveriam guiar nossa consciência e nossa conduta, seja como pessoas, seja como profissionais, seja como cristãos inseridos numa sociedade cada vez mais paganizada.
            Para nós, que vivemos numa época de pobreza de referências, a liturgia de hoje nos fala de duas referências de fé: Pedro e Paulo, dois homens que tiveram suas vidas modificadas pelo contato com a pessoa de Jesus e com a mensagem do seu Evangelho. Pedro, de simples pescador de peixes, tornou-se o líder humano da Igreja que Jesus fundou sobre os apóstolos, chamados a serem pescadores de homens. Paulo, de grande perseguidor da Igreja, tornou-se o maior apóstolo de Jesus, no sentido de propagar seu Evangelho entre os povos pagãos. Dois homens frágeis e limitados, mas que se tornaram duas colunas da Igreja de Jesus Cristo, pela forma como se deixaram transformar pelo Evangelho.
            Pedro é uma referência de fé para nós quando consideramos a sua convicção a respeito de quem é Jesus: “Tu és o Messias (Cristo), o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16), ao que Jesus respondeu: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja” (Mt 16,18). A convicção de Pedro a respeito de Jesus, uma convicção firme como a pedra, a rocha, é uma referência para o nosso tempo, marcado por pessoas inconsistentes, relacionamentos inconsistentes e uma fé inconsistente. Nós somos chamados a fazer o mesmo caminho que Pedro fez, de convivência com Jesus, de intimidade com o seu Evangelho, permitindo que ele corrija a nossa maneira de entender a sua presença em nossa vida e purifique o sentido da nossa fé, para que nos tornemos pessoas mais consistentes, firmes, convictas da própria fé, de forma que não mais nos quebremos e nem nos sintamos desorientados diante da realidade que nos cerca.
            Paulo também é uma referência para a nossa fé, na medida em que nos ensina que todo cristão tem um combate a combater – o combate da fé –, uma vez que nossa fé é combatida não só por acontecimentos que a questionam, mas também por pessoas que cada vez mais abandonam a sua fé, dando-nos a impressão de que somos pessoas ingênuas e iludidas, portadoras de uma fé que para nada mais serve hoje em dia. Paulo também nos convida a completar a corrida que iniciamos, independente das quedas que já sofremos no percurso da vida, pois há uma meta a ser alcançada, um projeto a ser concluído, e não podemos parar no meio do caminho. Por fim, o apóstolo nos incentiva a guardar a nossa fé, no sentido de defendê-la, de conservá-la viva, pois ela é nossa condição para o encontro definitivo com o Senhor.          
                As duas narrativas bíblicas que lemos hoje, acerca de Pedro e de Paulo, mencionam um momento crítico em que os dois viveram, quando se encontravam presos e com a vida ameaçada. Portanto, os dois apóstolos são para nós uma referência de como lidar com as adversidades, de como enfrentar os conflitos, procurando reafirmar a nossa fé, conforme testemunhou o salmista: “Todas as vezes que o busquei, ele me ouviu, e de todos os temores me livrou. Este infeliz gritou a Deus, e foi ouvido, e o Senhor o libertou de toda angústia. O anjo do Senhor vem acampar ao redor dos que o temem, e os salva” (Sl 34,5.7.8). Assim também, o próprio Paulo disse: “O Senhor esteve a meu lado e me deu forças... O Senhor me libertará de todo mal e me salvará para o seu Reino celeste” (2Tm 4,17.18).
            Jesus foi uma referência viva para Pedro e para Paulo, como o próprio Paulo testemunhou: “Sei em quem depositei a minha fé” (2Tm 1,12). Assim como esses apóstolos, nós precisamos ter Jesus como nossa referência de vida, num mundo onde a perda de referência deixa as pessoas cada vez mais desorientadas e frágeis. A festa de hoje nos convida a abraçar o testemunho de vida desses apóstolos, tendo-os também como referência para o fortalecimento da nossa fé, encontrando o nosso lugar na Igreja que Jesus fundou sobre os apóstolos e em relação à qual garantiu: “o poder do inferno nunca poderá vencê-la” (Mt 16,18).
            Hoje rezamos especialmente pelo Papa Francisco. Como Pedro, ele foi escolhido por Jesus para confirmar seus irmãos na fé. Sabemos o quanto o Papa Francisco tem usado as chaves que Jesus lhe confiou para ligar na terra inúmeras pessoas ao céu, ao coração de Deus, com o seu incansável apostolado, a sua firmeza, a sua misericórdia e o seu desejo de uma Igreja mais coerente com Jesus Cristo e o seu Evangelho. Francisco encontra não apenas rejeição, mas também uma forte oposição por parte de algumas pessoas de dentro da nossa Igreja. No entanto, ele é uma referência clara do Evangelho e do próprio Jesus Cristo para pessoas até mesmo fora da nossa Igreja. Rezemos para que o Papa Francisco continue a combater o seu bom combate, terminar obra que o Espírito Santo lhe confiou na Igreja e manter viva a sua fé.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 23 de junho de 2017

O MEDO NECESSÁRIO E OS MEDOS DESNECESSÁRIOS

Missa do 12º. dom. comum. Palavra de Deus: Jeremias 20,10-13; Romanos 5,12-15; Mateus 10,26-33

            Quem pode com a maldade dos homens? Quem pode com o abuso de autoridade de alguns juízes e com a corrupção de inúmeros políticos em nosso país? Quem pode com o mercado financeiro, que exige o lucro à custa da vida das pessoas? Quem pode com os traficantes, com os policiais corruptos, com os grupos de extermínio e com as facções criminosas? Quem pode com os falsos pastores, com os manipuladores/deformadores de consciência, com os extremistas e fundamentalistas religiosos? Quem pode com a disseminação da mentira, da intolerância e do ódio na internet?
            Há inúmeras situações de maldade e de injustiça no mundo em que vivemos, situações que provocam sofrimento, dor e morte em muitas pessoas. E nós nos sentimos às vezes tão impotentes diante dessas situações, que corremos o risco de cair no pessimismo e no derrotismo, como se não tivéssemos como reagir, como nos defender da maldade e da injustiça dos homens. Mas, eis que Jesus hoje nos diz: “Não tenhais medo dos homens, pois nada há de encoberto que não seja revelado, e nada há de escondido que não seja conhecido” (Mt 10,26).   
            Toda mentira será descoberta, toda trapaça, toda corrupção se tornarão conhecidas. Isso significa que nada ficará impune. Ainda que alguns advogados, juízes e políticos do nosso país trabalhem para a manutenção da impunidade, nada escapa aos olhos do Justo Juiz, do Deus de Jeremias e nosso Deus, o Deus que sabe o que há no coração do ser humano e que livra a vida dos justos das mãos das pessoas más; Ele fará prevalecer a justiça e o direito na terra; Ele fará com que cada um de nós se encontre com a verdade que nos liberta.
“Nada há de encoberto que não seja revelado”. Nós não devemos ter medo de nos encontrar com a nossa verdade; devemos, sim, ter medo de viver uma vida pautada na mentira, na ignorância de nós mesmos, no auto-engano. Nós não precisamos ter medo de nos confrontar conosco mesmos, com aquilo que está dentro de nós; devemos, sim, ter medo de passar a vida toda fugindo de nós mesmos, fugindo da voz de Deus em nossa consciência, fugindo da voz das nossas feridas, que têm algo de importante a nos ensinar. Quanto mais aquilo que está escondido dentro de nós se tornar conhecido/consciente para nós mesmos, mais rápida é a nossa cura, a nossa libertação, e mais nos tornamos maduros e integrados como pessoas.    
            Jesus também nos diz hoje: “Não tenhais medo daqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma” (Mt 10,28). Essas palavras esbarram naquilo que é mais natural em qualquer ser vivo: o instinto de sobrevivência. Todo ser humano psiquicamente saudável se defende daquilo que pode feri-lo e matá-lo. Jesus sabe disso. Na verdade, ele não está nos convidando a nos tornarmos uma espécie de “suicidas voluntários”. O que Jesus nos propõe é que a nossa luta pela sobrevivência corporal, física, não desconsidere a vida da nossa alma, ou seja, que nós aceitemos perder benefícios materiais e prazeres momentâneos, se isto for necessário para não corrompermos a nossa consciência e não nos tornarmos pessoas infiéis, desonestas, injustas.
            Para Jesus, existe um medo saudável, um medo que é muito importante termos conosco: o medo de nos afastarmos de Deus, o medo de não mais nos preocuparmos com a nossa alma, com a nossa salvação. Esse medo é saudável, necessário, importante. Sobretudo num tempo como o nosso, onde o senso de pecado foi totalmente diluído na consciência da maioria de nós, onde a ideia de julgamento e a possibilidade de inferno se tornaram banalizadas e ridicularizadas, mesmo entre nós, religiosos, Jesus nos convida a ter um saudável temor por Deus, um saudável respeito por Ele e pela sua verdade, perante a qual seremos um dia julgados (cf. Rm 14,10-12; 2Cor 5,10).
            Ao final do seu ensinamento, para não ficarmos com uma imagem distorcida de Deus no coração, de um Deus vingativo e punitivo, Jesus nos fala do Pai com estas palavras: “Não tenhais medo! Se o vosso Pai cuida de coisas ‘sem valor’ como os pardais, como Ele não cuidaria de vós, que valeis para Ele mais do que muitos pardais? Até os cabelos da vossa cabeça estão contados!” (citação livre de Mt 10,29-31). Ora, se Deus conhece até quantos fios de cabelo temos na cabeça, e nenhum deles cai sem o seu consentimento, isso significa que Ele sabe de tudo o que se passa conosco; conhece cada um dos nossos pensamentos e sentimentos, cada uma das nossas dores e preocupações, como também conhece cada um dos nossos erros e pecados.
            Quando falamos do cuidado de Deus para conosco, é importante não sermos ingênuos, entendendo esse cuidado como sinônimo de ‘super proteção’, de vida ‘privilegiada’, isenta de problemas e blindada contra sofrimentos e dificuldades. O cuidado do Pai é não só de nos livrar de tudo aquilo que possa nos destruir como pessoas, mas também de permitir tudo aquilo que possa nos fazer crescer, amadurecer, corrigir e santificar. Jesus falou de “consentimento”. Existem situações difíceis que Deus consente que aconteçam conosco. Ele pode consentir que algo ruim nos atinja por vários motivos: ou para termos consciência da consequência de atitudes erradas que tomamos na vida, ou para nos fortalecermos em nossas convicções de fé, ou ainda para nos lembrar de que somos humanos, vivemos num mundo cheio de maldade e injustiça como as demais pessoas, e precisamos nos unir a Deus no seu contínuo trabalho de redenção da humanidade (cf. Jo 5,17).      
           
Oração

            “Nada há de encoberto que não seja revelado” (Mt 10,26). Obrigado, querido Jesus, por me ensinar a confiar no Pai, a confiar que a verdade prevalecerá sobre a mentira, a confiar que nada ficará impune sobre a terra e que todo ser humano se encontrará com a verdade dos seus atos, inclusive eu. “Eis que amas a verdade e desejas que ela esteja dentro de mim” (citação livre de Sl 51,8). Quero abrir-me sempre mais à tua verdade em mim, Senhor!
“Não tenhais medo daqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma” (Mt 10,28). Não quero ter medo daquilo que eu não preciso ter medo, Senhor. Quero, sim, ter medo de me tornar uma pessoa corrupta e injusta, por acreditar que a impunidade sempre prevalecerá e que, no Brasil, o crime compensa. Quero ter medo de perder meus valores, minha consciência, minha vergonha na cara. Vivendo em meio a tanta maldade, injustiça e violência, eu temo pela minha vida, Senhor, assim como temo pela vida daqueles que eu amo e que o Senhor confiou aos meus cuidados. Dá-me discernimento e prudência, Senhor. Que eu não me exponha desnecessária e irresponsavelmente ao mal que há neste mundo. Preserva minha vida das pessoas perversas, violentas, maldosas e mentirosas (cf. Sl 43,1).
“Nenhum deles (dos pardais) cai no chão (isto é, morre) sem o consentimento do vosso Pai” (Mt 10,29). Pai querido, eu nem sempre compreendo os Teus desígnios, mas quero confiar totalmente em Ti, confiar no Teu cuidado para comigo e para com aqueles que eu amo. Concede-me uma fé humilde, não arrogante, uma fé que não abuse da Tua bondade, que não se perverta em soberba, que não me faça pensar que sou um privilegiado sobre a face da terra: enquanto tantos são atingidos pelos males, eu caminho blindado diante deles. Pai, sempre que o Senhor consentir que um fio de cabelo caia da minha cabeça, sempre que o Senhor consentir que a dor me visite, que eu acolha isso na certeza de que o Senhor visa unicamente o meu bem, a minha conversão e a minha salvação. Amém!

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 16 de junho de 2017

O MOTIVO É UM SÓ: CUIDAR DAS OVELHAS PERDIDAS

Missa do 11º. dom. comum. Palavra de Deus: Êxodo 19,2-6a; Romanos 5,6-11; Mateus 9,36–10,8. 

            “Vendo Jesus as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam cansadas a abatidas, como ovelhas que não têm pastor” (Mt 9,36). O que Jesus viu ontem, nós vemos hoje: uma humanidade cansada e abatida – cansada das guerras (civis e religiosas), cansada da violência urbana; uma humanidade abatida pelo tráfico e pelo consumo de drogas, abatida também por inúmeras injustiças sociais nascidas da ganância desmedida dos grandes investidores estrangeiros e dos donos de Bancos, para os quais “o que é demais nunca é o bastante” (Legião Urbana). O que Jesus viu ontem, nós, brasileiros, vemos hoje: um país saqueado por ladrões, ladrões de colarinho branco (empresários, políticos e ministros corruptos do STF e do TSE) – um país que sangra pela violência sempre crescente, um país cuja população vive como “ovelhas sem pastor” porque seus pastores estão preocupados unicamente em “apascentar a si mesmos” (leia Ezequiel 34,3-6).
            Mas, como é verdade que aquilo que vemos afeta diretamente o nosso coração, causando indignação em relação aos responsáveis pelo abandono do rebanho e compaixão pelas ovelhas descuidadas, Jesus se compadeceu, e a sua compaixão se transformou num convite para todos nós: “Há muito trabalho a ser feito em vista da salvação da humanidade. Por isso, não deixem de pedir ao Pai que envie trabalhadores, que envie pastores para cuidar das ovelhas desse imenso rebanho que é a humanidade” (citação livre de Mt 9,37-38).
            Todavia, para não nos acomodarmos e transferirmos para Deus a responsabilidade pelo cuidado da humanidade, Jesus, movido pela compaixão para com as pessoas que vivem como ovelhas que não têm pastor, tomou imediatamente a atitude de escolher doze discípulos entre os seus seguidores, dando-lhes poder de “expulsarem os espíritos maus e curarem todo tipo de doença e enfermidade” (Mt 10,1). Essa escolha dos discípulos num contexto de preocupação para com as multidões que estão como ovelhas descuidadas é um claro recado de Jesus para todos nós: a salvação da humanidade sempre foi e sempre será uma tarefa compartilhada entre Deus, Pai de todo ser humano, e cada pessoa cuja consciência não está anestesiada pela indiferença para com o sofrimento das pessoas.
            E foi assim que Jesus enviou seus discípulos: “Dirijam-se para as ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 10,7). E é assim que Ele hoje nos envia: ‘Priorizem o trabalho de evangelização junto às pessoas que hoje vivem como “ovelhas perdidas”. Vocês não podem fazer tudo e estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Então, deem preferência para as ovelhas perdidas. Não se distraiam com “urgências aparentes”; mantenham o foco naquilo que é “essencial”, e o essencial é o resgate das ovelhas perdidas. Por isso, o melhor do tempo de vocês e o melhor do recurso de vocês – financeiro, pastoral, emocional e espiritual – devem ser direcionados para essas ovelhas. São elas que mais se encontram em situações de risco, e são elas o motivo pelo qual eu hoje escolho, chamo e envio vocês como meus discípulos’.
            Todos nós, católicos, sentimos a grande deficiência de vocações em nossa Igreja, tanto de homens e mulheres que abracem o serviço do Evangelho, quanto – e sobretudo – de homens que acolham o chamado de Jesus e se tornem pastores de ovelhas perdidas. Todavia, se há um número imenso de ovelhas perdidas em nossas cidades, isso não se deve apenas à falta de “trabalhadores”, mas também à forma como se trabalha. Embora o Documento de Aparecida, lançado há 10 anos, tenha insistido na necessidade de transformar a nossa “pastoral de manutenção” numa “pastoral decididamente missionária”, a maioria de nós, sobretudo dos padres, ou não sabe como fazer isso, ou não se sente motivada, ou porque acomodada junto às ovelhas de sempre, ovelhas que mantém nossas paróquias pastoral e financeiramente “funcionando”.
            Aqui precisamos ter a coragem de nos perguntar: Quem são as ovelhas perdidas junto às quais Jesus quer me enviar como pastor? Se você trabalha na área da saúde ou da educação, se você lida com pessoas no seu trabalho, se você tem olhos para ver o que se passa na sua rua, no seu bairro/condomínio, na sua cidade, se você se mantém minimamente informado a respeito do que acontece no campo político e econômico do nosso país, então você sabe quem são essas “ovelhas perdidas”. Cuidado para não transferir para Deus ou para outras pessoas o bem que você é chamado a fazer. Mesmo que a tarefa de reconduzir ovelhas perdidas pareça inútil e sem sentido muitas vezes, faça o bem que você pode e é chamado a fazer. A vida não colocou você junto dessas ovelhas por acaso. Ainda que elas aparentemente ignorem você e até rejeitem a sua ajuda, continue a ser para elas uma referência de pastor, uma referência de fé e de esperança, uma referência de honestidade, de decência, de retidão, uma referência de Deus, de um Deus que tem por elas um amor preferencial.     
            Por fim, ao enviar seus discípulos para junto das ovelhas perdidas, Jesus usou quatro verbos, como que expressando quatro tarefas para eles: “curai as ovelhas que estão doentes, ressuscitai as que estão ou se sentem mortas, purificai as que estão contaminadas pela lepra do individualismo, da injustiça, da violência e da corrupção; enfim, expulsai o mal daquelas que estão atormentadas por ele” (citação livre de Mt 10,8). Aqui é preciso repetir que a missão é dada a cada um de nós, discípulos de Jesus no mundo de hoje. Ele nos capacita, por meio do Espírito Santo, a curar e a ressuscitar com nossa presença, nossa palavra e nossa oração as ovelhas doentes e que se sentem morrendo por dentro; Ele igualmente nos capacita purificar a compreensão que as novas gerações têm acerca da vida, ajudando a expulsar delas o mau espírito da preguiça, do individualismo, do cinismo, da indiferença para com quem sofre, enfim, mau espírito da falta de caráter, que começa a ser tornar uma espécie de assessório que “vem junto” com certos adolescentes, filhos de pais que, na sua omissão em educá-los para a vida, têm deixá-los crescer como “bichos”, como “ovelhas que não têm pastor” porque não têm nem pai, nem mãe que lhes imponha limites e lhes faça arcar com a consequência dos seus atos, principalmente quando estes são nocivos para a sociedade humana.   
            Ao terminar esta reflexão, penso que algo deve ainda ser considerado aqui: a oração ao Pai pela conversão de muitos de nós pastores, homens que um dia se encantaram pelo chamado de Jesus, mas que, aos poucos, perderam o encanto pela missão, se distanciando cada vez mais das ovelhas perdidas e reduzindo seu ministério à sobrevivência junto às ovelhas que restaram no rebanho e que fazem parte da “pastoral da manutenção” das nossas paróquias; pastores que vivem distantes das ovelhas perdidas de suas paróquias porque trancafiados em suas casas paroquiais, ou, quando muito, saindo com seus “amigos”, perdidos nas suas próprias questões afetivas; pastores que, quando “cobrados” para darem assistência aos doentes, aos pobres e a famílias em conflito, absurdamente afirmam: “Eu não fui ordenado padre para isso!” Seria, então, o caso de perguntar ao caro irmão: “Se você não foi ordenado padre para cuidar das ovelhas perdidas, foi ordenado para quê”?

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quarta-feira, 14 de junho de 2017

QUE HAJA PÃO EM TODAS AS MESAS E QUE ELE NÃO SEJA "PÃO SUJO"

Missa do Corpo e Sangue do Senhor. Palavra de Deus: Deuteronômio 8,2-3.14b-16a; 1Coríntios 10,16-17; João 6,51-58.

            Um simples pedaço de pão nos lembra algo muito importante: nenhum ser humano é auto-sustentável; todos nós somos sustentados fisicamente pelo pão/alimento que comemos, o que significa que, sem o sustento que vem do alimento, nós desfalecemos, adoecemos e morremos. Mas o alimento não é apenas um sustento para a sobrevivência; a Sagrada Escritura também nos fala dele como algo sem o qual nós não conseguimos atingir a meta da nossa vida. Foi assim, por exemplo, com o profeta Elias, quando o anjo do Senhor lhe disse: “Levanta-te e come, pois o caminho que tens a percorrer está acima das tuas forças” (1Rs 19,7).
            O caminho que temos ainda a percorrer aparece simbolizado no relato da travessia do deserto pelo povo de Israel. Ao longo da vida nós temos que atravessar diversos desertos; temos que fazer diversas passagens que possam nos tirar de uma situação de injustiça, de sofrimento ou de morte, para uma situação de vida mais digna e plena, a vida que Deus quer para a humanidade. Embora essa travessia nunca seja feita sem dificuldade, Deus se antecipa e nos garante a sua presença como Pai, alimentando-nos como filhos e sustentando-nos na importante travessia da vida. O maná, o pão descido do céu, ficou para sempre marcado na Escritura como o cuidado de Deus para com seu povo no deserto (cf. Dt 8,15-16).  
            Mas o pão que Deus enviou do céu também significou correção, educação, disciplina para o povo de Israel. Assim, nós entendemos que Deus se coloca junto a nós não somente como Pai que provê nossas necessidades, mas como Pai que também nos educa, para compreendermos que “nem só de pão vive o homem” (Dt 8,3), ou seja, nós não vivemos somente daquilo que produzimos, daquilo que nossa força, nossa inteligência e nosso dinheiro podem nos dar; nós vivemos, sobretudo, da obediência à voz de Deus em nossa consciência. Tomar consciência de que nós não vivemos somente daquilo comemos ou consumimos significa cuidar também da nossa alma, do nosso espírito; significa ainda ouvir a fome e a sede que tantas pessoas à nossa volta têm de justiça, de oportunidade, de respeito e de paz.
            Diante da grave situação política e econômica pela qual passa o nosso País, nossos Bispos pediram que a celebração de Corpus Christi seja uma intensa jornada de oração pelo Brasil. Neste sentido, devemos recordar que a Eucaristia, enquanto Corpo de Cristo, é pão sem fermento, porque Jesus sempre viveu como um homem íntegro, não corrompido. Todos nós, brasileiros, mas principalmente nós, que comungamos o Corpo de Cristo, precisamos assumir o compromisso diário de nos desfazer do fermento da violência, da injustiça e da corrupção, seja não elegendo mais políticos corruptos, seja formando a consciência das novas gerações para a ética e a justiça, seja revendo a maneira como “ganhamos” o nosso pão de cada dia.    
Certa vez, o Papa Francisco nos alertou a respeito do “pão sujo”. O que é o “pão sujo”? É o pão adquirido com trabalho desonesto, corrupto. Quantos filhos, afirmou nosso Papa, “talvez educados em colégios caros, talvez criados em ambientes cultos, recebem dos pais comida suja, porque seus pais, trazendo pão sujo para casa, perderam sua dignidade!” Quantos filhos têm fome de dignidade? A Eucaristia também nos ensina que Deus quer que o pão que comemos em casa seja fruto de um trabalho honesto. E já que nos referimos aos pais e aos filhos, tomemos cuidado para não reduzir a nossa compreensão de pais a “provedores” das necessidades dos filhos. Da mesma forma como os pais não são meros “provedores” dos filhos, estes também não deveriam crescer como meros “receptores” ou “consumidores” daquilo que recebem dos pais. Nossas famílias não podem ser lugares onde uns vivem sobrecarregados e outros folgados. Lembremos a regra bíblica do apóstolo Paulo: “Quem não quer trabalhar também não tem que comer” (2Ts 3,10).
Agora a pouco, o apóstolo Paulo nos recordou que o sacramento da Eucaristia em nossa Igreja também se chama “comunhão”: comunhão com o Corpo e com o Sangue do Senhor. Assim como é importante reconhecer o Corpo de Cristo na Eucaristia é igualmente reconhecer Jesus presente nos que sofrem e que cruzam o nosso caminho. As mesmas mãos que se abrem e se estendem para receber o Corpo de Cristo precisam se abrir e se estender para o irmão que cruza o nosso caminho. Se na Eucaristia nós comungamos o “corpo entregue” de Jesus e o seu “sangue derramado”, isso significa que, assim como Jesus, devemos viver também para o bem dos outros, como se Jesus continuamente nos dissesse: “Eu me dou a você para que você possa continuar dando-se aos outros”.
Enfim, neste dia em que Jesus se define como “pão vivo descido do céu”, cuja carne é “verdadeira comida” e cujo sangue é “verdadeira bebida” (cf. Jo 6,51.55), precisamos mais uma vez nos lembrar dos 14 milhões de brasileiros desempregados. Sabemos que o desemprego em nosso país é consequência direta de uma política adoecida pela corrupção e de uma economia contaminada pela ganância do mercado, para o qual o ser humano é apenas um número. Diante dessa triste realidade, há duas coisas que nós podemos fazer, como cristãos: a primeira é não eleger mais os mesmos políticos responsáveis pela situação em que se encontra o nosso país; a segunda é fortalecer a nossa solidariedade para com os desempregados neste momento crítico, recordando que entre os primeiros cristãos “não havia necessitados”, pois cada um colocava à disposição de todos os bens que possuía (cf. At 4,34-35).

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 9 de junho de 2017

O PAI, ACIMA DE NÓS; O FILHO, JUNTO DE NÓS; O ESPÍRITO SANTO, DENTRO DE NÓS

Missa da Santíssima Trindade. Palavra de Deus: Êxodo 34,4.6.8-9; 2Coríntios 13,11-13; João 3,16-18

            Duas frases do profeta Oseias nos ajudam a compreender a importância do mistério da Santíssima Trindade que celebramos hoje: “Meu povo será destruído por falta de conhecimento” (Os 4,6); “Um povo que não tem entendimento caminha para a perdição” (Os 4,14). Dizendo com outras palavras, a humanidade está se destruindo por falta de conhecimento; pessoas estão caminhando para a autodestruição por não quererem entender o que a vida tem querido lhes ensinar. O caminho para a cura, para a salvação, passa pelo conhecimento, pela tomada de consciência, pela aceitação da verdade, pelo entendimento daquilo que é essencial para a vida.
            Quando Deus fala sobre a importância de O conhecermos, não está se colocando diante de nós como um desafio que contém uma ameaça: ‘Decifra-me, entenda-me, caso contrário eu te destruirei!’ Na verdade, se trata de um convite, como se Deus dissesse a cada um de nós: ‘Conheça-me, tome consciência de quem Eu sou na sua vida; conheça/tome consciência de quem você é para mim, e deixe de trilhar caminhos de destruição, provocando o mal a si e aos outros’. Embora existam pessoas que afirmem que o grande mal da humanidade são as religiões, o que de fato fere muitas pessoas de morte são as ideias erradas que elas têm a respeito de si mesmas, dos outros e de Deus, ideias que alimentam nelas convicções doentias e as fazem viver presas a situações de injustiça ou de sofrimento que não são queridas por Deus para nenhum ser humano. 
            Jesus veio nos curar das nossas imagens doentias de Deus. A um mundo que cada vez mais sente Deus indiferente ao que acontece com o ser humano, Jesus anuncia que Deus ama o mundo a ponto de enviar-lhe o seu Filho único para que o mundo seja salvo por Ele. Essa é a verdade fundamental da nossa fé: Deus ama o ser humano – ama todo e qualquer ser humano, porque todos são filhos d’Ele, até mesmo aqueles que não O conhecem ou que O rejeitam. Deus ama cada um de nós como somos e como estamos agora: inacabados, imperfeitos, ambíguos e contraditórios. Mais ainda: ao afirmar que Deus ama a humanidade, Jesus está dizendo que o amor de Deus habita em cada ser humano e está junto dele em suas alegrias e lutas, tristezas e esperanças.
            Quem desconhece ou não acredita no amor do Pai manifestado ao mundo na pessoa do Filho, corre o risco de viver debaixo do sentimento de condenação. Toda pessoa que não se sabe amada por Deus pode seguir pela vida sentindo-se condenada, seja pelos seus próprios erros ou falhas, seja por um mundo que continuamente condena à solidão e ao sentimento de fracasso quem não é considerado vitorioso nessa desumana competição nossa de cada dia. Por isso, tomemos cuidado com o sentimento de condenação! O Pai enviou seu Filho ao mundo para salvar as pessoas, não para condená-las. Só existe uma forma de uma pessoa se condenar: se ela não acolher o dom da salvação que o Pai oferece a todos na pessoa de seu Filho Jesus; se ela se recusar a ser curada e salva pelo amor que Deus tem por ela.
            Assim como fez com Moisés, Deus nos convida hoje a nos aproximar do seu mistério: Ele é um só Deus, o único e verdadeiro Deus, mas vive numa constante comunhão como Pai, Filho e Espírito Santo. Jesus, o Filho, nos convida a confiar totalmente no Pai, na sua bondade e no seu amor. Ele quer despertar em nós a consciência de que o Pai sempre deseja o nosso bem. Mesmo quando nos corrige, e, sobretudo, quando nos diz “não”, o Pai visa unicamente o nosso bem. Deus Pai, por sua vez, nos convida a olhar para Jesus, a aprender com Ele a lidar com a vida, a segui-lo em nosso caminho terreno, procurando viver como Ele viveu. Por fim, o Pai e o Filho, que prometeram habitar em nós por meio do Espírito Santo, nos convidam a nos deixar conduzir pelo Espírito e a nos orientar pela sua Verdade, até o dia em que seremos introduzidos na plena comunhão com a Santíssima Trindade no reino dos Céus.
            Retornando ao início dessa reflexão, quando desconhecemos essa comunhão de amor entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo, corremos o risco de caminhar perdidos na solidão deste mundo que, por não querer conhecer a Deus e não se abrir à sua Verdade, destrói a si mesmo e provoca sempre mais destruição para a humanidade. Aproximemo-nos desse mistério de amor que é a Santíssima Trindade. Deixemo-nos recriar pelo Pai, salvar pelo Filho , guiar e sustentar pelo Espírito Santo. Sejamos no mundo um sinal vivo dessa comunhão trinitária, para que mais pessoas cheguem ao conhecimento do Deus vivo e se abram para o relacionamento divino, capaz de curá-las, redimi-las e salvá-las da destruição.

Oração à Santíssima Trindade

“Glória ao Pai que, por seu poder, me criou à sua imagem e semelhança! Glória ao Filho que, por amor, me libertou de todas as frustrações e me abriu a porta do céu! Glória ao Espírito Santo que, por sua misericórdia, me santificou e, continuamente, realiza esta santificação pelas graças que todos os dias recebo de sua infinita bondade. Glória às três adoráveis pessoas da Trindade, como era no princípio e agora e sempre e por todos os séculos dos séculos!
Eu vos adoro, Trindade beatíssima, com devoção e profundo respeito e Vos dou graças por nos haverdes revelado tão glorioso e inefável mistério. Humildemente Vos suplico me concedais que, perseverando até a morte nesta crença, possa ver e glorificar no céu o que firmemente creio na terra: um Deus em três pessoas distintas, Pai, Filho e Espírito Santo, Amém.

(Orações do Povo de Deus, Editora Vozes)


Pe. Paulo Cezar Mazzi   

sexta-feira, 2 de junho de 2017

RESPIRAR SEU SOPRO, ACOLHER SEU FOGO, FALAR SUA LÍNGUA

Missa de Pentecostes. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 2,1-11; 1Coríntios 12,3-7.12-13 e João 20,19-23.

            Foi assim que Jesus comunicou o Espírito Santo aos discípulos no dia da Páscoa: soprando sobre eles (cf. Jo 20,22). E assim o Espírito Santo foi derramado do céu sobre os discípulos no dia de Pentecostes: como um vento impetuoso (cf. At 2,2). O Espírito de Deus é o vento que vem do céu e passa pela terra para varrer dela a sujeira da injustiça, o pó da morte e as cinzas da destruição. Ele é o sopro de Deus que nos reanima, sopro que, penetrando em nossas narinas, devolve vida à nossa alma, nos levantando a partir de dentro e nos colocando em pé (cf. Gn 2,7; Ez 37,10). Por isso, nesse dia de Pentecostes, pedimos que esse vento de Deus varra da Terra a violência cega do terrorismo, assim como todo pó acumulado de violência, intolerância e agressividade dentro do coração de cada um de nós. Pedimos também que o Espírito Santo sopre sobre as cinzas daquilo que se desencantou ou morreu em nós, para que as brasas da vida divina sejam reacendidas em nossa alma e possamos nos colocar diante da vida como homens e mulheres espirituais e não simplesmente carnais (cf. Gl 5,16-18).
            Se o vento foi a imagem invisível do Espírito no dia de Pentecostes, o fogo foi a sua imagem visível (cf. At 2,3). O fogo expressa o poder que o Espírito Santo tem de tudo purificar e transformar. O fogo do Espírito pode remover tanto a sujeira do nosso pecado pessoal quanto a ferrugem da corrupção que corrói a consciência dos homens que estão no poder e são diretamente responsáveis pela violência, pelo desemprego, pela desestruturação de tantas famílias e pelas péssimas condições da Saúde e da Educação em nosso país. O fogo é a imagem visível da graça do Espírito Santo, graça que tudo muda e tudo transforma. Hoje nós clamamos por esse fogo do céu, para que toque naquilo que em nós ou em nosso país se tornou duro como ferro, para que se abra à mudança, à transformação. Sim. O Espírito Santo pode converter o coração de pedra num coração de carne (cf. Ez 36,26); Ele pode fazer com que o coração dos pais se volte para os filhos e o coração dos filhos se volte para os pais, restaurando as famílias; Ele pode fazer com que o coração daqueles que são responsáveis pelo Governo e pela Justiça em nosso país se volte para a verdade, para a justiça e para o bem comum.
            No dia de Pentecostes, o fogo do Espírito desceu sobre os discípulos em forma de língua. Desse modo, entendemos que o Espírito Santo é a “língua oficial da Igreja”, e deve se tornar também a “língua oficial” de cada discípulo de Jesus. Só Ele pode nos fazer anunciar o Evangelho de modo que as pessoas do nosso tempo possam entendê-lo e se sentir tocadas pela graça de Deus (cf. At 2,8.11). Só o Espírito Santo pode nos convencer de que é preciso abandonar linguagens velhas e ultrapassadas, que não estão mais ajudando as pessoas do nosso tempo a entenderem o que Deus está lhes dizendo. Só o Espírito Santo pode nos fazer falar do mistério de Cristo de modo a convencer os corações a respeito da verdade da salvação. Hoje também pedimos que o Espírito Santo nos conceda “língua de discípulo”, ou seja, uma boca capaz de levar palavras de conforto a toda pessoa que está abatida (cf. Is 50,4). Sim. Aquele que é o Divino Consolador pode e deseja fazer de nós consoladores de corações abatidos (cf. Is 61,1), nesse tempo de não pouca desolação.       
            Numa época de desintegração de famílias, de grupos, de relacionamentos, de valores; num tempo como o nosso, fortemente marcado pela inconsistência – uma inconsistência que fragiliza a nossa fé, as nossas emoções e, consequentemente, nos torna sempre mais frágeis perante a vida – precisamos recordar que o Espírito Santo é o único capaz de nos devolver “consistência”. Ele une o que em nós e à nossa volta está disperso, fragmentado, quebrado, estilhaçado. Ele é o princípio unificador. Sob a sua luz podemos compreender que os diversos fios traçados no bordado da nossa vida têm um sentido e estão compondo a obra que o Pai está fazendo em cada um de nós, até que recuperemos a imagem de seu Filho Jesus Cristo, o homem perfeito.  
            Hoje entregamos ao Espírito Santo nossa fragmentação e divisão interiores, bem como a inconsistência sempre mais marcante em nossa cultura moderna, e Lhe pedimos um coração unificado, consistente, forte o bastante para não quebrarmos como vidro diante das pancadas que levamos no caminho da vida. Que Ele nos remeta constantemente às nossas raízes espirituais: desde o nosso batismo, somos animados/sustentados pelo mesmo Espírito, estamos vinculados ao mesmo Senhor e pertencemos ao mesmo Deus. Que a consciência dessa comunhão vital nos ajude a colocar o dom recebido do Espírito a serviço do bem comum (cf. 1Cor 12,4-7).      
            “Como o Pai me enviou, também eu vos envio... Recebei o Espírito Santo” (Jo 20,21-22). Enfim, o dia de Pentecostes nos convida a manter as nossas portas e janelas abertas, seja para levarmos ao mundo a força transformadora do Espírito Santo, seja para recebermos seu constante vento renovador. Não nos esqueçamos do que Jesus disse, ao se referir ao Espírito Santo: “O vento sopra onde quer” (Jo 3,8). Quem tem a coragem de manter suas portas e janelas abertas consegue ouvir os apelos do Espírito nos tempos atuais, apelos que continuamente nos desinstalam, nos provocam e nos desafiam a falar de Deus de modo que cada pessoa, dentro da sua cultura, da sua dor e da sua história de vida específicas, pode compreender-se dentro da história da salvação e colocar o seu dom específico a serviço do bem da humanidade.

Pe. Paulo Cezar Mazzi   

Orações ao Espírito Santo:

“Respirai em mim, ó Espírito Santo, para que todos os meus pensamentos possam ser santos. Agi em mim, ó Espírito Santo, para que meu trabalho também possa ser santo. Aproximai-vos do meu coração, ó Espírito Santo, para que eu só ame o que for santo. Fortalecei-me, ó Espírito Santo, para que eu defenda tudo o que for santo. Guardai-me, pois, ó Espírito Santo, para que eu sempre possa ser santo. Amém” (Oração atribuída a Santo Agostinho).

“Ó Espírito Santo, dai-me um coração grande, aberto à vossa silenciosa e forte palavra inspiradora, fechado a todas as ambições mesquinhas, alheio a qualquer desprezível competição humana, compenetrado do sentido da santa Igreja! Um coração grande, desejoso de se tornar semelhante ao coração do senhor Jesus! Um coração grande e forte para amar todos, para servir a todos, para sofrer por todos! Um coração grande e forte para superar todas as provações, todo tédio, todo cansaço, toda desilusão, toda ofensa! Um coração grande e forte, constante até o sacrifício, quando for necessário! Um coração cuja felicidade é palpitar com o coração de Cristo e cumprir humilde, fiel e virilmente, a vontade do Pai. Amém” (Papa Paulo VI).