Missa do 12º.
dom. comum. Palavra de Deus: Jeremias 20,10-13; Romanos 5,12-15; Mateus 10,26-33
Quem pode com a maldade dos homens?
Quem pode com o abuso de autoridade de alguns juízes e com a corrupção de
inúmeros políticos em nosso país? Quem pode com o mercado financeiro, que exige
o lucro à custa da vida das pessoas? Quem pode com os traficantes, com os
policiais corruptos, com os grupos de extermínio e com as facções criminosas?
Quem pode com os falsos pastores, com os manipuladores/deformadores de
consciência, com os extremistas e fundamentalistas religiosos? Quem pode com a
disseminação da mentira, da intolerância e do ódio na internet?
Há inúmeras situações de maldade e
de injustiça no mundo em que vivemos, situações que provocam sofrimento, dor e
morte em muitas pessoas. E nós nos sentimos às vezes tão impotentes diante
dessas situações, que corremos o risco de cair no pessimismo e no derrotismo,
como se não tivéssemos como reagir, como nos defender da maldade e da injustiça
dos homens. Mas, eis que Jesus hoje nos diz: “Não tenhais medo dos homens, pois
nada há de encoberto que não seja revelado, e nada há de escondido que não seja
conhecido” (Mt 10,26).
Toda mentira será descoberta, toda
trapaça, toda corrupção se tornarão conhecidas. Isso significa que nada ficará impune. Ainda que alguns advogados,
juízes e políticos do nosso país trabalhem para a manutenção da impunidade,
nada escapa aos olhos do Justo Juiz, do Deus de Jeremias e nosso Deus, o Deus que
sabe o que há no coração do ser humano e que livra a vida dos justos das mãos
das pessoas más; Ele fará prevalecer a justiça e o direito na terra; Ele fará
com que cada um de nós se encontre com a verdade que nos liberta.
“Nada
há de encoberto que não seja revelado”. Nós não devemos ter medo de nos
encontrar com a nossa verdade; devemos, sim, ter medo de viver uma vida pautada
na mentira, na ignorância de nós mesmos, no auto-engano. Nós não precisamos ter
medo de nos confrontar conosco mesmos, com aquilo que está dentro de nós;
devemos, sim, ter medo de passar a vida toda fugindo de nós mesmos, fugindo da
voz de Deus em nossa consciência, fugindo da voz das nossas feridas, que têm
algo de importante a nos ensinar. Quanto mais aquilo que está escondido dentro
de nós se tornar conhecido/consciente para nós mesmos, mais rápida é a nossa
cura, a nossa libertação, e mais nos tornamos maduros e integrados como
pessoas.
Jesus também nos diz hoje: “Não
tenhais medo daqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma” (Mt
10,28). Essas palavras esbarram naquilo que é mais natural em qualquer ser
vivo: o instinto de sobrevivência. Todo ser humano psiquicamente saudável se
defende daquilo que pode feri-lo e matá-lo. Jesus sabe disso. Na verdade, ele
não está nos convidando a nos tornarmos uma espécie de “suicidas voluntários”.
O que Jesus nos propõe é que a nossa luta pela sobrevivência corporal, física,
não desconsidere a vida da nossa alma, ou seja, que nós aceitemos perder
benefícios materiais e prazeres momentâneos, se isto for necessário para não corrompermos
a nossa consciência e não nos tornarmos pessoas infiéis, desonestas, injustas.
Para Jesus, existe um medo saudável,
um medo que é muito importante termos conosco: o medo de nos afastarmos de
Deus, o medo de não mais nos preocuparmos com a nossa alma, com a nossa
salvação. Esse medo é saudável, necessário, importante. Sobretudo num tempo
como o nosso, onde o senso de pecado foi totalmente diluído na consciência da
maioria de nós, onde a ideia de julgamento e a possibilidade de inferno se
tornaram banalizadas e ridicularizadas, mesmo entre nós, religiosos, Jesus nos
convida a ter um saudável temor por Deus, um saudável respeito por Ele e pela
sua verdade, perante a qual seremos um dia julgados (cf. Rm 14,10-12; 2Cor
5,10).
Ao final do seu ensinamento, para
não ficarmos com uma imagem distorcida de Deus no coração, de um Deus vingativo
e punitivo, Jesus nos fala do Pai com estas palavras: “Não tenhais medo! Se o
vosso Pai cuida de coisas ‘sem valor’ como os pardais, como Ele não cuidaria de
vós, que valeis para Ele mais do que muitos pardais? Até os cabelos da vossa
cabeça estão contados!” (citação livre de Mt 10,29-31). Ora, se Deus conhece
até quantos fios de cabelo temos na cabeça, e nenhum deles cai sem o seu
consentimento, isso significa que Ele sabe de tudo o que se passa conosco;
conhece cada um dos nossos pensamentos e sentimentos, cada uma das nossas dores
e preocupações, como também conhece cada um dos nossos erros e pecados.
Quando falamos do cuidado de Deus
para conosco, é importante não sermos ingênuos, entendendo esse cuidado como
sinônimo de ‘super proteção’, de vida ‘privilegiada’, isenta de problemas e
blindada contra sofrimentos e dificuldades. O cuidado do Pai é não só de nos
livrar de tudo aquilo que possa nos destruir como pessoas, mas também de
permitir tudo aquilo que possa nos fazer crescer, amadurecer, corrigir e
santificar. Jesus falou de “consentimento”. Existem situações difíceis que Deus
consente que aconteçam conosco. Ele
pode consentir que algo ruim nos atinja por vários motivos: ou para termos
consciência da consequência de atitudes erradas que tomamos na vida, ou para
nos fortalecermos em nossas convicções de fé, ou ainda para nos lembrar de que
somos humanos, vivemos num mundo cheio de maldade e injustiça como as demais
pessoas, e precisamos nos unir a Deus no seu contínuo trabalho de redenção da
humanidade (cf. Jo 5,17).
Oração
“Nada há de encoberto que não seja
revelado” (Mt 10,26). Obrigado, querido Jesus, por me ensinar a confiar no Pai,
a confiar que a verdade prevalecerá sobre a mentira, a confiar que nada ficará
impune sobre a terra e que todo ser humano se encontrará com a verdade dos seus
atos, inclusive eu. “Eis que amas a verdade e desejas que ela esteja dentro de
mim” (citação livre de Sl 51,8). Quero abrir-me sempre mais à tua verdade em
mim, Senhor!
“Não
tenhais medo daqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma” (Mt
10,28). Não quero ter medo daquilo que eu não preciso ter medo, Senhor. Quero,
sim, ter medo de me tornar uma pessoa corrupta e injusta, por acreditar que a
impunidade sempre prevalecerá e que, no Brasil, o crime compensa. Quero ter
medo de perder meus valores, minha consciência, minha vergonha na cara. Vivendo
em meio a tanta maldade, injustiça e violência, eu temo pela minha vida,
Senhor, assim como temo pela vida daqueles que eu amo e que o Senhor confiou
aos meus cuidados. Dá-me discernimento e prudência, Senhor. Que eu não me
exponha desnecessária e irresponsavelmente ao mal que há neste mundo. Preserva
minha vida das pessoas perversas, violentas, maldosas e mentirosas (cf. Sl 43,1).
“Nenhum
deles (dos pardais) cai no chão (isto é, morre) sem o consentimento do vosso
Pai” (Mt 10,29). Pai querido, eu nem sempre compreendo os Teus desígnios, mas
quero confiar totalmente em Ti, confiar no Teu cuidado para comigo e para com
aqueles que eu amo. Concede-me uma fé humilde, não arrogante, uma fé que não
abuse da Tua bondade, que não se perverta em soberba, que não me faça pensar
que sou um privilegiado sobre a face da terra: enquanto tantos são atingidos
pelos males, eu caminho blindado diante deles. Pai, sempre que o Senhor
consentir que um fio de cabelo caia da minha cabeça, sempre que o Senhor
consentir que a dor me visite, que eu acolha isso na certeza de que o Senhor
visa unicamente o meu bem, a minha conversão e a minha salvação. Amém!
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