sexta-feira, 23 de junho de 2017

O MEDO NECESSÁRIO E OS MEDOS DESNECESSÁRIOS

Missa do 12º. dom. comum. Palavra de Deus: Jeremias 20,10-13; Romanos 5,12-15; Mateus 10,26-33

            Quem pode com a maldade dos homens? Quem pode com o abuso de autoridade de alguns juízes e com a corrupção de inúmeros políticos em nosso país? Quem pode com o mercado financeiro, que exige o lucro à custa da vida das pessoas? Quem pode com os traficantes, com os policiais corruptos, com os grupos de extermínio e com as facções criminosas? Quem pode com os falsos pastores, com os manipuladores/deformadores de consciência, com os extremistas e fundamentalistas religiosos? Quem pode com a disseminação da mentira, da intolerância e do ódio na internet?
            Há inúmeras situações de maldade e de injustiça no mundo em que vivemos, situações que provocam sofrimento, dor e morte em muitas pessoas. E nós nos sentimos às vezes tão impotentes diante dessas situações, que corremos o risco de cair no pessimismo e no derrotismo, como se não tivéssemos como reagir, como nos defender da maldade e da injustiça dos homens. Mas, eis que Jesus hoje nos diz: “Não tenhais medo dos homens, pois nada há de encoberto que não seja revelado, e nada há de escondido que não seja conhecido” (Mt 10,26).   
            Toda mentira será descoberta, toda trapaça, toda corrupção se tornarão conhecidas. Isso significa que nada ficará impune. Ainda que alguns advogados, juízes e políticos do nosso país trabalhem para a manutenção da impunidade, nada escapa aos olhos do Justo Juiz, do Deus de Jeremias e nosso Deus, o Deus que sabe o que há no coração do ser humano e que livra a vida dos justos das mãos das pessoas más; Ele fará prevalecer a justiça e o direito na terra; Ele fará com que cada um de nós se encontre com a verdade que nos liberta.
“Nada há de encoberto que não seja revelado”. Nós não devemos ter medo de nos encontrar com a nossa verdade; devemos, sim, ter medo de viver uma vida pautada na mentira, na ignorância de nós mesmos, no auto-engano. Nós não precisamos ter medo de nos confrontar conosco mesmos, com aquilo que está dentro de nós; devemos, sim, ter medo de passar a vida toda fugindo de nós mesmos, fugindo da voz de Deus em nossa consciência, fugindo da voz das nossas feridas, que têm algo de importante a nos ensinar. Quanto mais aquilo que está escondido dentro de nós se tornar conhecido/consciente para nós mesmos, mais rápida é a nossa cura, a nossa libertação, e mais nos tornamos maduros e integrados como pessoas.    
            Jesus também nos diz hoje: “Não tenhais medo daqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma” (Mt 10,28). Essas palavras esbarram naquilo que é mais natural em qualquer ser vivo: o instinto de sobrevivência. Todo ser humano psiquicamente saudável se defende daquilo que pode feri-lo e matá-lo. Jesus sabe disso. Na verdade, ele não está nos convidando a nos tornarmos uma espécie de “suicidas voluntários”. O que Jesus nos propõe é que a nossa luta pela sobrevivência corporal, física, não desconsidere a vida da nossa alma, ou seja, que nós aceitemos perder benefícios materiais e prazeres momentâneos, se isto for necessário para não corrompermos a nossa consciência e não nos tornarmos pessoas infiéis, desonestas, injustas.
            Para Jesus, existe um medo saudável, um medo que é muito importante termos conosco: o medo de nos afastarmos de Deus, o medo de não mais nos preocuparmos com a nossa alma, com a nossa salvação. Esse medo é saudável, necessário, importante. Sobretudo num tempo como o nosso, onde o senso de pecado foi totalmente diluído na consciência da maioria de nós, onde a ideia de julgamento e a possibilidade de inferno se tornaram banalizadas e ridicularizadas, mesmo entre nós, religiosos, Jesus nos convida a ter um saudável temor por Deus, um saudável respeito por Ele e pela sua verdade, perante a qual seremos um dia julgados (cf. Rm 14,10-12; 2Cor 5,10).
            Ao final do seu ensinamento, para não ficarmos com uma imagem distorcida de Deus no coração, de um Deus vingativo e punitivo, Jesus nos fala do Pai com estas palavras: “Não tenhais medo! Se o vosso Pai cuida de coisas ‘sem valor’ como os pardais, como Ele não cuidaria de vós, que valeis para Ele mais do que muitos pardais? Até os cabelos da vossa cabeça estão contados!” (citação livre de Mt 10,29-31). Ora, se Deus conhece até quantos fios de cabelo temos na cabeça, e nenhum deles cai sem o seu consentimento, isso significa que Ele sabe de tudo o que se passa conosco; conhece cada um dos nossos pensamentos e sentimentos, cada uma das nossas dores e preocupações, como também conhece cada um dos nossos erros e pecados.
            Quando falamos do cuidado de Deus para conosco, é importante não sermos ingênuos, entendendo esse cuidado como sinônimo de ‘super proteção’, de vida ‘privilegiada’, isenta de problemas e blindada contra sofrimentos e dificuldades. O cuidado do Pai é não só de nos livrar de tudo aquilo que possa nos destruir como pessoas, mas também de permitir tudo aquilo que possa nos fazer crescer, amadurecer, corrigir e santificar. Jesus falou de “consentimento”. Existem situações difíceis que Deus consente que aconteçam conosco. Ele pode consentir que algo ruim nos atinja por vários motivos: ou para termos consciência da consequência de atitudes erradas que tomamos na vida, ou para nos fortalecermos em nossas convicções de fé, ou ainda para nos lembrar de que somos humanos, vivemos num mundo cheio de maldade e injustiça como as demais pessoas, e precisamos nos unir a Deus no seu contínuo trabalho de redenção da humanidade (cf. Jo 5,17).      
           
Oração

            “Nada há de encoberto que não seja revelado” (Mt 10,26). Obrigado, querido Jesus, por me ensinar a confiar no Pai, a confiar que a verdade prevalecerá sobre a mentira, a confiar que nada ficará impune sobre a terra e que todo ser humano se encontrará com a verdade dos seus atos, inclusive eu. “Eis que amas a verdade e desejas que ela esteja dentro de mim” (citação livre de Sl 51,8). Quero abrir-me sempre mais à tua verdade em mim, Senhor!
“Não tenhais medo daqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma” (Mt 10,28). Não quero ter medo daquilo que eu não preciso ter medo, Senhor. Quero, sim, ter medo de me tornar uma pessoa corrupta e injusta, por acreditar que a impunidade sempre prevalecerá e que, no Brasil, o crime compensa. Quero ter medo de perder meus valores, minha consciência, minha vergonha na cara. Vivendo em meio a tanta maldade, injustiça e violência, eu temo pela minha vida, Senhor, assim como temo pela vida daqueles que eu amo e que o Senhor confiou aos meus cuidados. Dá-me discernimento e prudência, Senhor. Que eu não me exponha desnecessária e irresponsavelmente ao mal que há neste mundo. Preserva minha vida das pessoas perversas, violentas, maldosas e mentirosas (cf. Sl 43,1).
“Nenhum deles (dos pardais) cai no chão (isto é, morre) sem o consentimento do vosso Pai” (Mt 10,29). Pai querido, eu nem sempre compreendo os Teus desígnios, mas quero confiar totalmente em Ti, confiar no Teu cuidado para comigo e para com aqueles que eu amo. Concede-me uma fé humilde, não arrogante, uma fé que não abuse da Tua bondade, que não se perverta em soberba, que não me faça pensar que sou um privilegiado sobre a face da terra: enquanto tantos são atingidos pelos males, eu caminho blindado diante deles. Pai, sempre que o Senhor consentir que um fio de cabelo caia da minha cabeça, sempre que o Senhor consentir que a dor me visite, que eu acolha isso na certeza de que o Senhor visa unicamente o meu bem, a minha conversão e a minha salvação. Amém!

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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