sexta-feira, 29 de maio de 2020

RECEBA O SOPRO DE DEUS!



Missa de Pentecostes. Palavra de Deus: Atos 2,1-11; 1Coríntios 12,3b-7.12-13; João 20,19-23.

            Chegamos ao dia de Pentecostes, palavra que contém em si o número cinquenta. Cinquenta dias após a Páscoa, os judeus celebravam essa festa, por dois motivos: louvar a Deus pela bênção das colheitas e pelo dom da Lei (os Dez Mandamentos). Exatamente neste dia, o Pai enviou o Espírito Santo, prometido por seu Filho à sua Igreja. Desse modo, para nós, cristãos, Pentecostes se reveste de um novo significado: é a festa do batismo da Igreja, por assim dizer; é a celebração do dom por excelência do Pai e do Filho: o derramamento do Espírito Santo. Pentecostes é a festa do Espírito Santo!
            Desde o princípio da história da salvação, a presença do Espírito Santo foi sendo mencionada de maneira discreta na Sagrada Escritura. Mas, antes de refletir sobre isso, é importante termos claro que Ele é chamado “Espírito Santo” porque é o Espírito de Deus, e Deus é Santo!
No Antigo Testamento, o Espírito Santo é entendido como a força de Deus que capacita sacerdotes, profetas e reis a cuidarem do povo que lhes foi confiado. Neste sentido, o verdadeiro líder é uma pessoa que obedece ao Espírito de Deus, que não se orienta pela voz do seu ego e dos seus desejos (ambições) humanos, mas que se deixa orientar pela voz do Espírito em sua consciência. Quando o líder abandona sua obediência à voz do Espírito, ele perde aquilo que a Escritura chama de “unção”: o Espírito Santo se afasta dele. Exemplo clássico: o rei Saul (cf. 1Sm 13,7b-15; 15,10-23; 16,14: “O espírito do Senhor tinha se retirado de Saul”).    
            Os apóstolos tinham essa mesma consciência: Deus concede o Espírito Santo àqueles que Lhe obedecem (cf. At 5,32). Isso significa que se eu quiser o Espírito Santo apenas para “desfrutar” da sua unção, apenas para me sentir forte e ser bem sucedido naquilo que faço, sem estar disposto a me submeter à Sua vontade, que é me tornar uma pessoa segundo o coração de Deus, Ele não me será dado.
            Retornando ao Antigo Testamento, por muitos séculos, ao longo da história da salvação, se pensou que o Espírito de Deus só era dado a algumas pessoas “privilegiadas”: sacerdotes, reis e profetas. Foi graças ao profeta Joel que pudemos descobrir que o desejo de Deus é derramar o Seu Espírito sobre todo ser humano: “Derramarei o meu espírito sobre toda carne” (Jl 3,1). Propositalmente, Deus se refere ao ser humano como “carne”, sinônimo da nossa fraqueza, do nosso nada, da nossa insuficiência. Pois bem: Deus prometeu derramar em nós a Sua força, a Sua presença, o Seu princípio vivificador, o Seu Espírito.
Jesus disse: “é o espírito que vivifica, a carne para nada serve” (Jo 6,63). Sem o Espírito Santo, somos apenas cadáveres – carne dada aos vermes, pessoas fadadas ao apodrecimento. Só o Espírito de Deus nos faz “viventes”. Como afirma o apóstolo Paulo, se é verdade que o nosso corpo está marcado pela morte, nosso espírito está vivo, graças ao Espírito Santo que ressuscitou Jesus e dará vida também aos nossos corpos mortais (cf. Rm 8,10-11)! Na verdade, essa carne vivificada pelo Espírito foi representada simbolicamente no momento da criação, quando “o Senhor Deus modelou o homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito (sopro) de vida e o homem se tornou um ser vivente” (Gn 2,7). Desse mesmo modo Jesus comunicou o Espírito Santo aos apóstolos: “soprou sobre eles e lhes disse: ‘Recebam o Espírito Santo’” (Jo 20,22).
            Esta é a nossa verdade como seres humanos: somos carne e espírito, fraqueza e força, sombra e luz, egoísmo e amor, externo (o que se vê) e interno (o que não se vê). Nossa tarefa consiste em colocar essas duas realidades para dialogarem. Além disso, todos os dias precisamos escolher como queremos nos definir enquanto pessoa: a partir da carne ou a partir do espírito; a partir de fora (da pressão que o mundo exerce sobre nós) ou a partir de dentro (da força do Espírito Santo que nos habita).
                Que o Espírito Santo nos habita – ainda que, na maioria das vezes, como uma Presença ignorada! – já nos foi dito por Jesus: “o Espírito da Verdade (...) estará dentro de vocês” (Jo 14,17). Como percebê-Lo? Através do Seu gemido! Segundo o apóstolo Paulo, o Espírito de Deus manifesta a Sua presença em toda a criação, não só no ser humano. Presente na criação, Ele geme como que “em dores de parto... Mas nós também, que temos os primeiros frutos do Espírito, gememos interiormente, suspirando pela redenção do nosso corpo” (Rm 8,22-23).
Qual é o gemido do Espírito? Ele suspira em nós através de um anseio, movendo-nos na direção daquilo que somos chamados a ser, segundo a nossa própria vocação. Ele “geme” em nós como sinal de que ainda não estamos prontos, mas o Pai e o Filho continuam a realizar em nós a obra da salvação (cf. Sl 138,8; Fl 1,6). O gemido do Espírito é um clamor ao Pai: “Abbá” (Papai), nos dando a certeza de que não somos órfãos, mas filhos no Filho (cf. Rm 8,15-16; Gl 4,6). Quem está aberto ao Espírito Santo houve o seu gemido no mundo: Ele geme protestando contra a mentira, a violência, a injustiça, contra tudo aquilo que desumaniza as pessoas e atenta contra a vida do ser humano, da criação e do meio ambiente.
Enfim, olhando mais especificamente para a nossa vida espiritual, percebemos que o gemido do Espírito se expressa de duas maneiras opostas: como consolação e como desolação. Quando estamos na vontade de Deus, o Espírito Santo nos enche de consolação, de alegria, de paz, de realização. Contudo, quando nos afastamos da vontade de Deus, o Espírito Santo nos provoca desolação, tristeza, vazio, angústia, convencendo-nos de que nós nos afastamos da nossa verdade, e aquela situação nada tem a ver com a nossa liberdade e não nos trará nenhuma realização.
Muitas outras coisas poderiam ser ditas a respeito do Espírito Santo, mas estas já bastam para nos convencer da absoluta necessidade que temos de clamar ao Pai o reavivamento do seu Espírito em nós, em nossa Igreja, em nossas famílias, nas escolas, faculdades e universidades, nos locais de trabalho, no campo da política e da economia etc.
Dirijamos nossa súplica ao Espírito Santo: “Espírito de Deus, enviai dos céus um raio de luz! Vinde, Pai dos pobres, dai aos corações vossos sete dons. Consolo que acalma, hóspede da alma, doce alívio, vinde! No labor descanso, na aflição remanso, no calor aragem. Ao sujo lavai, ao seco regai, curai o doente. Dobrai o que é duro, guiai no escuro, o frio aquecei. Enchei, luz bendita, chama que crepita, o íntimo de nós! Sem a luz que acode, nada o homem pode, nenhum bem há nele. Dai à vossa Igreja, que espera e deseja, vossos sete dons. Dai em prêmio ao forte uma santa morte, alegria eterna!” (Sequência de Pentecostes).

Pe. Paulo Cezar Mazzi


sexta-feira, 22 de maio de 2020

O PAI CONCEDEU AO FILHO O PODER DE SALVAR TODO SER HUMANO

Missa da Ascensão do Senhor. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 1,1-11; Efésios 1,17-23; Mateus 28,16-20.

            Em nossa profissão de fé, dizemos que Jesus Cristo, nosso Salvador, “ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus e está sentado à direita de Deus Pai todo-Poderoso, de onde há de vir a julgar os vivos e os mortos”. Após a sua ressurreição, Jesus permaneceu cerca de quarenta dias com seus discípulos, mostrando-se vivo e falando-lhes do Reino de Deus, conforme nos disse o evangelista Lucas (cf. At 1,3). Depois disso, “Jesus foi levado ao céu, à vista deles. Uma nuvem o encobriu, de forma que seus olhos não mais podiam vê-lo” (At 1,10).
            Como nós entendemos essa elevação de Jesus ao céu? O grande engano é pensar que Jesus agora está muito mais distante da humanidade do que quando esteve na terra. Para evitar tal engano, precisamos compreender que o céu não é esse espaço infinito que está acima de nós, enormemente distante da Terra. O céu é Deus, o coração do Pai, o mergulho no seu infinito amor, a participação na sua eterna glória. No caso específico de Jesus, “subir aos céus e sentar-se à direita de Deus Pai” significa que o Filho agora volta a compartilhar da onipotência do Pai.
Quando estava na terra, Jesus não podia estar em todos os lugares, junto a todas as pessoas, exatamente como acontece conosco. Mas, a partir da ascensão, Jesus compartilha do mesmo poder do Pai, o poder de libertar, curar e salvar toda pessoa, o poder de estar presente junto a todo ser humano*: “Toda a autoridade me foi dada no céu e sobre a terra... Eis que eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo” (Mt 20,16.20). Hoje, de modo especial, devemos recobrar a nossa fé nesta verdade: o Pai concedeu ao Filho o poder sobre todo ser humano, o poder de dar a vida eterna a todo ser humano (cf. Jo 17,2). Devemos ainda fortalecer a nossa fé na presença espiritual de Jesus não somente no meio de nós, mas junto a cada um de nós, uma presença nem sempre experimentada pelos nossos sentidos, mas garantida por sua própria Palavra: “Eu estarei convosco todos os dias, em qualquer situação, em todos os momentos, até o fim dos tempos, até que meu Pai complete a obra que começou em cada um de vós” (citação livre de Mt 28,10 e Fl 1,6).  
Estando agora diante da face do Pai, Jesus “é capaz de salvar definitivamente aqueles que, por meio dele, se aproximam de Deus, visto que ele vive para sempre para interceder por eles” (Hb 7,25). Eis a razão da nossa alegria e da nossa esperança na ascensão de nosso Senhor ao céu: Jesus está diante da face do Pai intercedendo por nós, no sentido de que fortalecer nossa fé diante das tribulações próprias da nossa vida terrena. Ele não só nos acompanha em nossa caminhada terrena, mas roga ao Pai que nos fortaleça na graça do Espírito Santo, para podermos vencer o mundo, como o próprio Jesus venceu. Que Jesus rogue por nós no céu sabemos por esta Palavra:  “Cristo entrou no próprio céu, a fim de comparecer, agora, diante da face de Deus a nosso favor” (Hb 9,24).
“Homens da Galileia, por que ficais aqui, parados, olhando para o céu? Esse Jesus que vos foi levado para o céu, virá do mesmo modo como o vistes partir para o céu”. A nós, que hoje celebramos a ascensão de Jesus ao céu, cabe a nós, abraçar a missão que Ele nos confiou ao subir para o céu: “Ide e fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o que vos ordenei!” (Mt 28,19-20). Para meditar sobre este envio missionário que Jesus faz dos seus discípulos, no momento da sua ascensão, recorro às palavras do Papa Francisco, por ocasião do encerramento da Jornada Mundial de Juventude no Brasil, em julho de 2013:
“Ide!” A fé é uma chama que se faz tanto mais viva quanto mais é partilhada, transmitida, para que todos possam conhecer, amar e professar que Jesus Cristo é o Senhor da vida e da história (cf. Rm 10,9)... Jesus não disse: se vocês quiserem, se tiverem tempo, vão; mas disse: “Ide e fazei discípulos entre todas as nações”. É uma ordem... Nasce da força do amor, do fato que Jesus foi quem veio primeiro para junto de nós e não nos deu somente um pouco de Si, mas se deu por inteiro, Ele deu a sua vida para nos salvar e mostrar o amor e a misericórdia de Deus. Ele sempre junto de nós nesta missão de amor.
Para onde Jesus nos manda? Não há fronteiras, não há limites: envia-nos para todas as pessoas. O Evangelho é para todos, e não apenas para alguns. Não é apenas para aqueles que parecem a nós mais próximos, mais abertos, mais acolhedores. É para todas as pessoas. Não tenham medo de ir e levar Cristo para todos os ambientes, até as periferias existenciais, incluindo quem parece mais distante, mais indiferente. O Senhor procura a todos, quer que todos sintam o calor da sua misericórdia e do seu amor.
“Não tenham medo!” Quando vamos anunciar Cristo, Ele mesmo vai à nossa frente e nos guia. Ao enviar os seus discípulos em missão, Jesus prometeu: “Eu estou com vocês todos os dias” (Mt 28,20). E isto é verdade também para nós! Jesus nunca deixa ninguém sozinho! Sempre nos acompanha. Além disso, somos enviados em grupo. Quando enfrentamos juntos os desafios, então somos fortes, descobrimos recursos que não sabíamos que tínhamos**.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

* Jesus... entra na comunhão de vida e poder com o Deus vivo, na situação de superioridade de Deus sobre todo o espaço... Está presente junto a nós e para nós... Agora já não se encontra num lugar concreto do mundo, como antes da “ascensão”; no seu poder, que supera todo e qualquer espaço, está presente junto de todos, podendo ser invocado por todos, através da história inteira, e em todos os lugares (JESUS DE NAZARÉ, Joseph Ratzinger – Bento XVI – Da entrada em Jerusalém até a ressurreição, p.254; Planeta, 2ª. edição, 2017).

 ** Papa Francisco, Homilia da Missa de encerramento da Jornada
Mundial da Juventude, Rio de janeiro, 28 de julho de 2013.

sexta-feira, 15 de maio de 2020

DA ORFANDADE AO SENTIMENTO DE FILIAÇÃO


Missa do 6º dom. da Páscoa. Atos dos Apóstolos 8,5-8.14-17; 1Pedro 3,15-18; João 14,15-21.

            “Não vos deixarei órfãos” (Jo 14,18), nos disse Jesus. No mundo em que vivemos, há um forte sentimento de orfandade. Muitas pessoas se sentem sozinhas. Elas sentem que não há ninguém que se importe com elas. Muitas pessoas estão, de fato, sozinhas. E isso não se deve apenas ao individualismo, que é muito forte nos tempos atuais. Há uma outra questão: a ausência do pai. O pai está ausente na maioria das famílias brasileiras. Além disso, nosso mundo rejeita a figura do pai porque rejeita a autoridade, rejeita ter que se submeter a alguém. O ser humano moderno se julga capaz, autossuficiente, dono do seu próprio nariz, suficientemente adulto para precisar ter um pai.
            Ora, a rejeição do pai é também rejeição de Deus: nosso mundo há um bom tempo rejeita Deus; rejeita uma autoridade divina e, consequentemente, rejeita toda igreja ou religião que assuma a postura de dizer o que é certo e o que é errado. Cada um decide sobre isso segundo aquilo que lhe convém. Desse modo, seja devido à ausência do pai, seja devido à rejeição da figura paterna, o fato é que nós, seres humanos, temos nos sentido órfãos, desprotegidos diante de situações que nos ameaçam, desorientados quanto ao caminho a seguir, carentes de afeto, de colo, de amor.
            Se Jesus não quer que seus discípulos se sintam órfãos, Ele também não os quer infantilizados, como pessoas que se recusam a crescer. Jesus nunca infantilizou seus discípulos. No entanto, Ele quis assumir junto a eles o papel de “paráclito”, isto é, de alguém que está ao lado do outro para defendê-lo, protegê-lo, ampará-lo, incentivá-lo. Ora, se nós precisamos de um “paráclito”, significa que existem pessoas, situações, atitudes, pensamentos, ideias e estruturas que atentam contra a vida do ser humano, que corrompem sua consciência, invertem seus valores, roubam seus sonhos e confundem sua busca religiosa – e de tudo isso precisamos aprender a nos defender.    
“Eu rogarei ao Pai, e ele vos dará um outro Defensor, para que permaneça sempre convosco: o Espírito da Verdade” (Jo 14,16-17). Antes de subir ao Pai, Jesus prometeu enviar o Espírito Santo aos seus discípulos, para ser o “Defensor” de cada um deles. O mundo em que vivemos é hostil, isto é, ele combate contra a verdade, a justiça e o bem. O Espírito Santo nos defende de tudo aquilo que pode nos afastar de Jesus e da verdade do seu Evangelho. O Espírito Santo não nos defende da vida, mas da covardia perante a vida. O Espírito Santo quer estar ao nosso lado não para nos blindar contra as dificuldades, mas para nos fortalecer e nos orientar na forma de lidar com elas.
“Ele permanece junto de vós e estará dentro de vós” (Jo 14,17). Estando dentro de nós, o Espírito Santo quer nos ensinar a viver a partir de dentro e não mais a partir das circunstâncias externas. Muitas pessoas deixaram de escrever a própria história e construir a própria vida, para apenas reagir ao que lhes acontece. Assim, se lhes acontece algo bom, elas ficam bem; se lhes acontece algo ruim, elas ficam mal. Em outras palavras, sua vida é determinada pelas circunstâncias externas. Mas aquele que se deixa conduzir pelo Espírito Santo aprende a usar sua liberdade e sua responsabilidade para decidir como agir, diante de cada coisa que lhe acontece. O Espírito Santo nos capacita a nos responsabilizar pela nossa vida, ao invés de ficar lamentando por ela não ser como gostaríamos que fosse.
“Não vos deixarei órfãos” (Jo 14,18). Jesus, com essas palavras, nos garantiu que nunca estamos sozinhos. O Espírito Santo sempre esteve conosco. O Pai sempre está conosco. Jesus sempre estará conosco! Além disso, o Espírito Santo testemunha que nós somos filhos – portanto, não somos órfãos! Temos um Pai que nos ama e que, justamente por nos amar, enviou seu Filho para nos salvar. Jesus, por sua vez, nos enviou a sua força como Ressuscitado – o Espírito Santo, para estar sempre junto a nós. Ele é o Espírito da Verdade. Ele fará triunfar a verdade de Deus sobre toda mentira do mundo. Ele deseja nos conduzir para a Verdade que nos cura e nos liberta.
O Espírito Santo é força que nos coloca em movimento e nos impulsiona para frente, para o que será, para que se realize em nós o desígnio do Pai. Por isso, Pedro e João, ao chegarem à Samaria, “oraram pelos habitantes..., para que recebessem o Espírito Santo” (At 8,15). Um cristão sem o Espírito Santo não resiste aos ataques do mundo. O próprio Pedro nos tornou conscientes de que é praticamente certo que há muitos sofrimentos à espera de todo aquele que procura viver segundo o Evangelho. No entanto, Pedro nos dá este conselho: “Será melhor sofrer praticando o bem, se esta for a vontade de Deus, do que praticando o mal” (1Pd 3,17). Cristo também teve que enfrentar a hostilidade do mundo. Ele sofreu em seu próprio corpo a violência do mundo, a ponto de morrer numa cruz, “mas recebeu nova vida pelo Espirito” (1Pd 3,18). Eis porque é preciso dizer mais uma vez: o Espírito Santo não está em nossa vida para nos ajudar a fugir do mundo, mas para defender a nossa fé e a nossa esperança, de modo que, no muno em que vivemos, a vida prevaleça sobre a morte, o bem sobre o mal, a justiça sobre a injustiça, a bondade sobre a maldade.
Confiemos ao Espírito Santo toda pessoa que precisa da Sua defesa, do Seu amparo, da Sua força, da Sua proteção... Confiemos ao Espírito Santo a humanidade e todo sentimento de orfandade que há em nosso mundo. Peçamos que Ele venha reavivar em todo ser humano o sentimento de filiação, de ser filho amado do Pai, salvo em Jesus Cristo, destinado à alegria da vida eterna.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 7 de maio de 2020

FÉ SIGNIFICA JOGAR-SE NOS BRAÇOS DO PAI E EXPERIMENTAR QUE É VERDADEIRAMENTE AMPARADO


Missa do 5. dom. da páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 6,1-7; 1Pedro 2,4-9;
João 14,1-12.

            Como está o nosso coração nos dias atuais? Como está o coração da humanidade? Não totalmente em paz; não totalmente tranquilo. Pelo contrário, nosso coração tem experimentado com muita frequência medo, ansiedade, insegurança, preocupação. Na verdade, o coração de grande parte da humanidade anda muito perturbado, seja devido à pandemia do coronavírus, seja devido à necessidade de sobrevivência (situação financeira). Estamos todos no mesmo barco, atravessando um período de tempestade, e não há como não sentirmos a forte agitação do mar da vida neste tempo.  
            Em meio a tudo isso, Jesus hoje fala conosco: “Não se perturbe o vosso coração. Tendes fé em Deus, tende fé em mim também” (Jo 14,1). Todo ser humano enfrenta momentos de adversidade na vida. Em se tratando de nós, cristãos, discípulos de Jesus, existe um agravante: o mundo se opõe a quem quer viver segundo o Evangelho. Não há como ignorar que os ataques à nossa fé são constantes. Mas Jesus nos incentiva a mantermos firme a nossa fé. Justamente quando acontece um terremoto, é ali que se comprova a firmeza do alicerce que sustenta a construção e a impede de ser destruída.
            Na Sagrada Escritura, ter fé significa confiar-se a alguém, apoiar-se em alguém mais forte do que nós, alguém que nos ampara, que nos sustenta nas tempestades e contrariedades da vida. O Pai e Jesus são maiores do que tudo o que nos acontece. Por isso, podemos nos apoiar n’Eles. Quando o chão da nossa vida se abala, a fé nos diz que nós temos uma Rocha que nos oferece não só refúgio na tempestade, mas também um alicerce sólido sobre o qual colocarmos os pés e sentir que somos amparados. Só quem se joga nos braços do Pai, através da pessoa do Filho, pode experimentar que é amparado.  
“Tenham fé em mim!”, nos diz Jesus. A nossa fé em Jesus não funciona como um anestésico que nos livra de sentirmos as dores pelas quais o mundo está passando, mas é a força que nos mantém em pé e nos ajuda a enfrentar as adversidades de cabeça erguida, não porque somos fortes, mas porque Jesus nos socorre em nossa fraqueza, nos dando a sua força de Ressuscitado, de modo que possamos afirmar: “Tudo posso naquele que me fortalece” (Fl 4,13). A nossa fé nos faz sentirmo-nos enraizados em Jesus, sabendo que a nossa vida não é uma folha seca jogada neste mundo e levada pelo vento das contrariedades de um lado para outro.   
Para fortalecer a nossa fé, Jesus nos lembra que o nosso destino está ligado ao Seu: “Vou preparar um lugar para vós, e quando eu tiver ido preparar-vos um lugar, voltarei e vos levarei comigo, a fim de que onde eu estiver estejais também vós” (Jo 14,2-3). É verdade que o futuro é incerto para todo ser humano, mas para cada discípulo de Jesus há uma certeza no horizonte da sua vida: a casa do Pai, seu lugar no coração de Deus, sua participação na vida eterna. Jesus quer que nós estejamos onde Ele está. Jesus quer que nosso coração se fortaleça na fé como o Seu sempre esteve fortalecido, pela comunhão com o Pai. É verdade que nem sempre podemos ver claramente para onde nossa vida está caminhando, neste mundo cheio de incertezas, mas a nossa fé nos diz para confiar que nada poderá nos tirar das mãos de Jesus, que confiou cada um de nós ao coração amoroso do Pai.
Para nos fazer experimentar que somos amparados pelo Pai, Jesus afirmou: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai senão por mim” (Jo 14,6). A imagem do Caminho nos ensina que todo ser humano procura uma orientação, um rumo para a sua vida. Muitas pessoas vivem perdidas como que dentro de um labirinto, sem um ideal, sem um propósito. O problema é que, “para quem não sabe para onde quer ir, qualquer caminho serve” (Lewis Carroll). Por isso, muitos abandonam a busca pelo verdadeiro Caminho, para seguir qualquer atalho que se apresente como promessa de felicidade ou de sentido de vida. Mas Jesus é “o” Caminho, não “um” caminho. Para o ser humano existe um caminho que leva ao Pai, porque em Jesus o Pai veio ao homem, tendo aberto, desta forma, o Caminho.
Além de “Caminho”, Jesus é “a Verdade”. Na Sagrada Escritura, Verdade é sinônimo de consistência, rocha firme, certeza; é ter o chão firme sob os pés; é ter uma orientação segura. Tudo aquilo que desconhecemos e ignoramos a nosso respeito e a respeito da própria vida pode nos adoecer e nos aprisionar. Jesus é a Verdade que nos cura e nos liberta, porque Ele conhece cada um de nós por dentro (Jo 2,25; 8,32).
Por fim, Jesus afirma que é “a Vida”: não a vida ilusória e passageira deste mundo, mas a verdadeira Vida. O ser humano não deseja apenas viver; ele necessita encontrar um sentido para a própria vida. Somente Jesus responde a essa necessidade que temos de sentido. Só Ele nos faz descobrir que nossa vida tem um para quê, uma finalidade. Só Jesus nos faz entender que a nossa busca por sentido passa não pela pergunta: “o que a vida tem para me oferecer?”, mas, sim, pela pergunta: “o que a vida está pedindo para eu realizar, com a minha existência, nesse momento?”
Diante de Jesus, Caminho, Verdade e Vida, renovemos a nossa fé. Digamos como o apóstolo Paulo: “Eu sei em quem depositei a minha fé” (1Tm 1,12): n’Aquele que é a pedra “viva, rejeitada pelos homens, mas escolhida e honrosa aos olhos de Deus... Quem nela confiar, não será confundido” (1Pd 2,4.6); quem nela se apoiar, experimentará que é verdadeiramente amparado e não precisará mais carregar em seu coração tanta perturbação.

Pe. Paulo Cezar Mazzi