Missa do 11º.
dom. comum. Palavra de Deus: Êxodo 19,2-6a; Romanos 5,6-11; Mateus
9,36–10,8.
“Vendo Jesus as multidões,
compadeceu-se delas, porque estavam cansadas a abatidas, como ovelhas que não
têm pastor” (Mt 9,36). O que Jesus viu ontem, nós vemos hoje: uma humanidade
cansada e abatida – cansada das guerras (civis e religiosas), cansada da
violência urbana; uma humanidade abatida pelo tráfico e pelo consumo de drogas,
abatida também por inúmeras injustiças sociais nascidas da ganância desmedida
dos grandes investidores estrangeiros e dos donos de Bancos, para os quais “o
que é demais nunca é o bastante” (Legião Urbana). O que Jesus viu ontem, nós, brasileiros, vemos hoje: um país saqueado por ladrões, ladrões de
colarinho branco (empresários, políticos e ministros corruptos do STF e do TSE)
– um país que sangra pela violência sempre crescente, um país cuja população
vive como “ovelhas sem pastor” porque seus pastores estão preocupados
unicamente em “apascentar a si mesmos” (leia Ezequiel 34,3-6).
Mas, como é verdade que aquilo que
vemos afeta diretamente o nosso coração, causando indignação em relação aos
responsáveis pelo abandono do rebanho e compaixão pelas ovelhas descuidadas,
Jesus se compadeceu, e a sua compaixão se transformou num convite para todos
nós: “Há muito trabalho a ser feito em vista da salvação da humanidade. Por
isso, não deixem de pedir ao Pai que envie trabalhadores, que envie pastores
para cuidar das ovelhas desse imenso rebanho que é a humanidade” (citação livre
de Mt 9,37-38).
Todavia, para não nos acomodarmos e
transferirmos para Deus a responsabilidade pelo cuidado da humanidade, Jesus,
movido pela compaixão para com as pessoas que vivem como ovelhas que não têm
pastor, tomou imediatamente a atitude de escolher doze discípulos entre os seus
seguidores, dando-lhes poder de “expulsarem os espíritos maus e curarem todo
tipo de doença e enfermidade” (Mt 10,1). Essa escolha dos discípulos num
contexto de preocupação para com as multidões que estão como ovelhas descuidadas
é um claro recado de Jesus para todos nós: a salvação da humanidade sempre foi
e sempre será uma tarefa compartilhada entre Deus, Pai de todo ser humano, e
cada pessoa cuja consciência não está anestesiada pela indiferença para com o
sofrimento das pessoas.
E foi assim que Jesus enviou seus
discípulos: “Dirijam-se para as ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 10,7).
E é assim que Ele hoje nos envia: ‘Priorizem o trabalho de evangelização junto às
pessoas que hoje vivem como “ovelhas perdidas”. Vocês não podem fazer tudo e
estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Então, deem preferência para as
ovelhas perdidas. Não se distraiam com “urgências aparentes”; mantenham o foco
naquilo que é “essencial”, e o essencial é o resgate das ovelhas perdidas. Por
isso, o melhor do tempo de vocês e o melhor do recurso de vocês – financeiro,
pastoral, emocional e espiritual – devem ser direcionados para essas ovelhas.
São elas que mais se encontram em situações de risco, e são elas o motivo pelo
qual eu hoje escolho, chamo e envio vocês como meus discípulos’.
Todos nós, católicos, sentimos a
grande deficiência de vocações em nossa Igreja, tanto de homens e mulheres que
abracem o serviço do Evangelho, quanto – e sobretudo – de homens que acolham o
chamado de Jesus e se tornem pastores de ovelhas perdidas. Todavia, se há um
número imenso de ovelhas perdidas em nossas cidades, isso não se deve apenas à
falta de “trabalhadores”, mas também à forma como se trabalha. Embora o
Documento de Aparecida, lançado há 10 anos, tenha insistido na necessidade de
transformar a nossa “pastoral de manutenção” numa “pastoral decididamente
missionária”, a maioria de nós, sobretudo dos padres, ou não sabe como fazer
isso, ou não se sente motivada, ou porque acomodada junto às ovelhas de sempre,
ovelhas que mantém nossas paróquias pastoral e financeiramente “funcionando”.
Aqui precisamos ter a coragem de nos
perguntar: Quem são as ovelhas perdidas junto às quais Jesus quer me enviar
como pastor? Se você trabalha na área da saúde ou da educação, se você lida com
pessoas no seu trabalho, se você tem olhos para ver o que se passa na sua rua,
no seu bairro/condomínio, na sua cidade, se você se mantém minimamente informado
a respeito do que acontece no campo político e econômico do nosso país, então
você sabe quem são essas “ovelhas perdidas”. Cuidado para não transferir para Deus
ou para outras pessoas o bem que você é chamado a fazer. Mesmo que a tarefa de
reconduzir ovelhas perdidas pareça inútil e sem sentido muitas vezes, faça o
bem que você pode e é chamado a fazer. A vida não colocou você junto dessas
ovelhas por acaso. Ainda que elas aparentemente ignorem você e até rejeitem a
sua ajuda, continue a ser para elas uma referência de pastor, uma referência de
fé e de esperança, uma referência de honestidade, de decência, de retidão, uma
referência de Deus, de um Deus que tem por elas um amor preferencial.
Por fim, ao enviar seus discípulos
para junto das ovelhas perdidas, Jesus usou quatro verbos, como que expressando
quatro tarefas para eles: “curai as
ovelhas que estão doentes, ressuscitai as
que estão ou se sentem mortas, purificai
as que estão contaminadas pela lepra do individualismo, da injustiça, da
violência e da corrupção; enfim, expulsai
o mal daquelas que estão atormentadas por ele” (citação livre de Mt 10,8). Aqui
é preciso repetir que a missão é dada a cada um de nós, discípulos de Jesus no
mundo de hoje. Ele nos capacita, por meio do Espírito Santo, a curar e a
ressuscitar com nossa presença, nossa palavra e nossa oração as ovelhas doentes
e que se sentem morrendo por dentro; Ele igualmente nos capacita purificar a
compreensão que as novas gerações têm acerca da vida, ajudando a expulsar delas
o mau espírito da preguiça, do individualismo, do cinismo, da indiferença para
com quem sofre, enfim, mau espírito da falta de caráter, que começa a ser
tornar uma espécie de assessório que “vem junto” com certos adolescentes,
filhos de pais que, na sua omissão em educá-los para a vida, têm deixá-los
crescer como “bichos”, como “ovelhas que não têm pastor” porque não têm nem
pai, nem mãe que lhes imponha limites e lhes faça arcar com a consequência dos
seus atos, principalmente quando estes são nocivos para a sociedade humana.
Ao terminar esta reflexão, penso que
algo deve ainda ser considerado aqui: a oração ao Pai pela conversão de muitos
de nós pastores, homens que um dia se encantaram pelo chamado de Jesus, mas
que, aos poucos, perderam o encanto pela missão, se distanciando cada vez mais das
ovelhas perdidas e reduzindo seu ministério à sobrevivência junto às ovelhas
que restaram no rebanho e que fazem parte da “pastoral da manutenção” das
nossas paróquias; pastores que vivem distantes das ovelhas perdidas de suas
paróquias porque trancafiados em suas casas paroquiais, ou, quando muito,
saindo com seus “amigos”, perdidos nas suas próprias questões afetivas; pastores
que, quando “cobrados” para darem assistência aos doentes, aos pobres e a famílias
em conflito, absurdamente afirmam: “Eu não fui ordenado padre para isso!”
Seria, então, o caso de perguntar ao caro irmão: “Se você não foi ordenado
padre para cuidar das ovelhas perdidas, foi ordenado para quê”?
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