sexta-feira, 16 de junho de 2017

O MOTIVO É UM SÓ: CUIDAR DAS OVELHAS PERDIDAS

Missa do 11º. dom. comum. Palavra de Deus: Êxodo 19,2-6a; Romanos 5,6-11; Mateus 9,36–10,8. 

            “Vendo Jesus as multidões, compadeceu-se delas, porque estavam cansadas a abatidas, como ovelhas que não têm pastor” (Mt 9,36). O que Jesus viu ontem, nós vemos hoje: uma humanidade cansada e abatida – cansada das guerras (civis e religiosas), cansada da violência urbana; uma humanidade abatida pelo tráfico e pelo consumo de drogas, abatida também por inúmeras injustiças sociais nascidas da ganância desmedida dos grandes investidores estrangeiros e dos donos de Bancos, para os quais “o que é demais nunca é o bastante” (Legião Urbana). O que Jesus viu ontem, nós, brasileiros, vemos hoje: um país saqueado por ladrões, ladrões de colarinho branco (empresários, políticos e ministros corruptos do STF e do TSE) – um país que sangra pela violência sempre crescente, um país cuja população vive como “ovelhas sem pastor” porque seus pastores estão preocupados unicamente em “apascentar a si mesmos” (leia Ezequiel 34,3-6).
            Mas, como é verdade que aquilo que vemos afeta diretamente o nosso coração, causando indignação em relação aos responsáveis pelo abandono do rebanho e compaixão pelas ovelhas descuidadas, Jesus se compadeceu, e a sua compaixão se transformou num convite para todos nós: “Há muito trabalho a ser feito em vista da salvação da humanidade. Por isso, não deixem de pedir ao Pai que envie trabalhadores, que envie pastores para cuidar das ovelhas desse imenso rebanho que é a humanidade” (citação livre de Mt 9,37-38).
            Todavia, para não nos acomodarmos e transferirmos para Deus a responsabilidade pelo cuidado da humanidade, Jesus, movido pela compaixão para com as pessoas que vivem como ovelhas que não têm pastor, tomou imediatamente a atitude de escolher doze discípulos entre os seus seguidores, dando-lhes poder de “expulsarem os espíritos maus e curarem todo tipo de doença e enfermidade” (Mt 10,1). Essa escolha dos discípulos num contexto de preocupação para com as multidões que estão como ovelhas descuidadas é um claro recado de Jesus para todos nós: a salvação da humanidade sempre foi e sempre será uma tarefa compartilhada entre Deus, Pai de todo ser humano, e cada pessoa cuja consciência não está anestesiada pela indiferença para com o sofrimento das pessoas.
            E foi assim que Jesus enviou seus discípulos: “Dirijam-se para as ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 10,7). E é assim que Ele hoje nos envia: ‘Priorizem o trabalho de evangelização junto às pessoas que hoje vivem como “ovelhas perdidas”. Vocês não podem fazer tudo e estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Então, deem preferência para as ovelhas perdidas. Não se distraiam com “urgências aparentes”; mantenham o foco naquilo que é “essencial”, e o essencial é o resgate das ovelhas perdidas. Por isso, o melhor do tempo de vocês e o melhor do recurso de vocês – financeiro, pastoral, emocional e espiritual – devem ser direcionados para essas ovelhas. São elas que mais se encontram em situações de risco, e são elas o motivo pelo qual eu hoje escolho, chamo e envio vocês como meus discípulos’.
            Todos nós, católicos, sentimos a grande deficiência de vocações em nossa Igreja, tanto de homens e mulheres que abracem o serviço do Evangelho, quanto – e sobretudo – de homens que acolham o chamado de Jesus e se tornem pastores de ovelhas perdidas. Todavia, se há um número imenso de ovelhas perdidas em nossas cidades, isso não se deve apenas à falta de “trabalhadores”, mas também à forma como se trabalha. Embora o Documento de Aparecida, lançado há 10 anos, tenha insistido na necessidade de transformar a nossa “pastoral de manutenção” numa “pastoral decididamente missionária”, a maioria de nós, sobretudo dos padres, ou não sabe como fazer isso, ou não se sente motivada, ou porque acomodada junto às ovelhas de sempre, ovelhas que mantém nossas paróquias pastoral e financeiramente “funcionando”.
            Aqui precisamos ter a coragem de nos perguntar: Quem são as ovelhas perdidas junto às quais Jesus quer me enviar como pastor? Se você trabalha na área da saúde ou da educação, se você lida com pessoas no seu trabalho, se você tem olhos para ver o que se passa na sua rua, no seu bairro/condomínio, na sua cidade, se você se mantém minimamente informado a respeito do que acontece no campo político e econômico do nosso país, então você sabe quem são essas “ovelhas perdidas”. Cuidado para não transferir para Deus ou para outras pessoas o bem que você é chamado a fazer. Mesmo que a tarefa de reconduzir ovelhas perdidas pareça inútil e sem sentido muitas vezes, faça o bem que você pode e é chamado a fazer. A vida não colocou você junto dessas ovelhas por acaso. Ainda que elas aparentemente ignorem você e até rejeitem a sua ajuda, continue a ser para elas uma referência de pastor, uma referência de fé e de esperança, uma referência de honestidade, de decência, de retidão, uma referência de Deus, de um Deus que tem por elas um amor preferencial.     
            Por fim, ao enviar seus discípulos para junto das ovelhas perdidas, Jesus usou quatro verbos, como que expressando quatro tarefas para eles: “curai as ovelhas que estão doentes, ressuscitai as que estão ou se sentem mortas, purificai as que estão contaminadas pela lepra do individualismo, da injustiça, da violência e da corrupção; enfim, expulsai o mal daquelas que estão atormentadas por ele” (citação livre de Mt 10,8). Aqui é preciso repetir que a missão é dada a cada um de nós, discípulos de Jesus no mundo de hoje. Ele nos capacita, por meio do Espírito Santo, a curar e a ressuscitar com nossa presença, nossa palavra e nossa oração as ovelhas doentes e que se sentem morrendo por dentro; Ele igualmente nos capacita purificar a compreensão que as novas gerações têm acerca da vida, ajudando a expulsar delas o mau espírito da preguiça, do individualismo, do cinismo, da indiferença para com quem sofre, enfim, mau espírito da falta de caráter, que começa a ser tornar uma espécie de assessório que “vem junto” com certos adolescentes, filhos de pais que, na sua omissão em educá-los para a vida, têm deixá-los crescer como “bichos”, como “ovelhas que não têm pastor” porque não têm nem pai, nem mãe que lhes imponha limites e lhes faça arcar com a consequência dos seus atos, principalmente quando estes são nocivos para a sociedade humana.   
            Ao terminar esta reflexão, penso que algo deve ainda ser considerado aqui: a oração ao Pai pela conversão de muitos de nós pastores, homens que um dia se encantaram pelo chamado de Jesus, mas que, aos poucos, perderam o encanto pela missão, se distanciando cada vez mais das ovelhas perdidas e reduzindo seu ministério à sobrevivência junto às ovelhas que restaram no rebanho e que fazem parte da “pastoral da manutenção” das nossas paróquias; pastores que vivem distantes das ovelhas perdidas de suas paróquias porque trancafiados em suas casas paroquiais, ou, quando muito, saindo com seus “amigos”, perdidos nas suas próprias questões afetivas; pastores que, quando “cobrados” para darem assistência aos doentes, aos pobres e a famílias em conflito, absurdamente afirmam: “Eu não fui ordenado padre para isso!” Seria, então, o caso de perguntar ao caro irmão: “Se você não foi ordenado padre para cuidar das ovelhas perdidas, foi ordenado para quê”?

Pe. Paulo Cezar Mazzi

Nenhum comentário:

Postar um comentário