sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

QUAL RUMO VOCÊ PRETENDE DAR À SUA VIDA EM 2017?

Missa Maria, Mãe de Deus. Palavra de Deus: Números 6,22-27; Gálatas 4,4-7; Lucas 2,16-21.
    
            Nesta noite (ou neste dia) em que começamos a viver um novo ano, uma pergunta torna-se necessária: Que rumo você pretende dar à sua vida neste novo ano? Que rumo você gostaria de dar à sua vida afetiva (relacionamentos), profissional (financeira) ou espiritual, neste ano de 2017? O rumo que damos à nossa vida depende do que desejamos alcançar; depende de onde queremos chegar... Por isso, é importante lembrar esta verdade: “Se você não sabe aonde quer ir, qualquer caminho serve” (Lewis Carroll). Se você não toma a sua vida nas mãos e não assume a responsabilidade por suas escolhas e decisões, viverá o ano de 2017 como uma folha seca, jogada de um lado para o outro pelo vento do acaso...
            É verdade que o rumo que escolhemos dar à nossa vida, seja em que sentido for, também é afetado a partir de fora, pela situação política e econômica do nosso país; no entanto, é muito importante que cada um de nós tenha um desejo, um objetivo, uma meta; que cada um de nós saiba para onde quer ir com sua vida. Isso nos ajuda a fazer escolhas e tomar decisões segundo os valores que devem orientar a nossa consciência e o nosso coração, ao invés de simplesmente ‘seguirmos o fluxo’, vivendo como ‘massa de manobra’ e permitindo que o mundo nos ‘deforme’ segundo a sua própria desorientação.    
            Ao iniciarmos um novo ano, o apóstolo Paulo nos coloca diante de uma palavra sempre presente nos lábios e no coração de Jesus, em seu relacionamento com Deus: a palavra “Abbá”, que significa “Papai”. Paulo nos convida a rejeitar a identidade que o mundo quer nos impor a partir de fora, a identidade de escravos: escravos do medo, da insegurança e da superstição; escravos do consumismo, das drogas e do dinheiro; escravos da tecnologia, da vaidade e da ignorância religiosa. Eis as palavras do apóstolo: “Deus enviou aos nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: ‘Abbá! Pai!’ Portanto, você já não é escravo, mas filho” (Gl 4,6-7).
            A palavra “Abbá/Papai!” deve estar presente em seus lábios e em seu coração em cada passo, nessa nova estrada que se abre diante de você, que é o ano de 2017. ‘Eu não sou uma pessoa órfã, jogada ao acaso neste mundo. Papai me guia, me orienta, me protege. Papai me sustenta; às vezes, quando é necessário, me carrega no colo; outras vezes, Ele me lembra que eu tenho duas pernas sobre as quais me sustentar em pé e com as quais caminhar como uma pessoa adulta, sem fazer corpo mole. Papai também me corrige, permitindo que eu sofra a consequência de meus erros para que eu possa aprender o que preciso aprender. Papai constantemente me recorda que Ele é Papai de todos os seres humanos; portanto, todos os homens são meus irmãos; todos, sem nenhuma exceção’.
            Para o mundo bíblico, a única “coisa” que mantém um filho vivo, realizado, em paz e feliz, é a bênção de seu pai. Por isso, cada um de nós, filho/filha de Deus, é convidado a se colocar sob a bênção do nosso Abbá/Papai, invocando também esta bênção sobre todo ser humano, especialmente sobre aqueles que, por causa das guerras, dos conflitos, da violência, das perseguições; por causa de algum tipo de injustiça, da doença, da fome ou do desemprego, não estão conseguindo saber para onde ir com sua vida; sobre todos estes, especialmente, nós invocamos a bênção do nosso Abbá/Papai: “O Senhor te abençoe e te proteja. O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável. O Senhor volte para ti os seus olhos e te conceda a paz” (Nm 6,24-26).
O dia 1º. de janeiro é o dia mundial da paz. Na sua mensagem para este dia, o Papa Francisco nos convida a fazer “da não violência ativa o nosso estilo de vida... Desde o nível local e diário até ao nível da ordem mundial, possa a não violência tornar-se o estilo característico das nossas decisões, dos nossos relacionamentos, das nossas ações...”. Segundo Francisco, a humanidade vive hoje uma espécie de “guerra mundial aos pedaços... Esta violência que se exerce ‘aos pedaços’, de maneiras diferentes e a variados níveis, provoca enormes sofrimentos de que estamos bem cientes: guerras em diferentes países e continentes; terrorismo, criminalidade e ataques armados imprevisíveis; os abusos sofridos pelos migrantes e as vítimas de tráfico humano; a devastação ambiental... A violência não é o remédio para o nosso mundo dilacerado”. Por fim, o nosso Papa afirma que “nenhuma religião é terrorista. A violência é uma profanação do nome de Deus. Nunca nos cansemos de repetir: jamais o nome de Deus pode justificar a violência. Só a paz é santa. Só a paz é santa, não a guerra” (Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial da Paz 2017).
Voltando nosso coração para o Evangelho de hoje, somos convidados a aprender com Maria a meditar e conservar no coração todas as coisas, procurando perceber nos acontecimentos os apelos de Deus, a voz do Seu Espírito nos falando, nos conduzindo para fora dos nossos horizontes fechados, nos ajudando a reencontrar o rumo que devemos dar à nossa vida, para que ela possa atingir a meta que Deus deseja para nós, para toda a humanidade: a comunhão com Seu Filho Jesus Cristo e sua salvação.
Oito dias depois de seu nascimento, o Filho de Deus nascido de Maria recebeu o nome de Jesus, que significa “Deus salva”. Nós, seres humanos, temos consciência de que precisamos ser salvos? Onde e de que forma costumamos buscar nossa salvação? A salvação do filho está na presença do Pai junto de si. Se Jesus, ao nascer, nos deu a bênção da filiação adotiva e, por meio d’Ele, podemos chamar a Deus de Abbá/Papai, o Pai, por sua vez quis fazer da presença de seu Filho junto a nós a presença da Sua própria salvação. Que estes dois nomes estejam em nossos lábios e em nosso coração ao longo deste novo ano: pelo nome “Abbá/Papai”, afirmamos a consciência da nossa filiação divina, e pelo nome “Jesus” invocamos a salvação do Pai sobre cada um de nós, sobre cada filho Seu.

                        Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

TRÊS REFLEXÕES OPORTUNAS PARA ESTE FINAL DE 2016

LIXOS EXISTENCIAIS

Se é verdade que a cada dia basta a sua carga, por que então teimamos em carregar para o dia seguinte nossas mágoas e dores? Há ainda os que carregam para a semana seguinte, o mês seguinte e anos afora... Nos apegamos ao sofrimento, ao ressentimento, como nos apegamos a essas coisinhas que guardamos nas nossas gavetas, sabendo inúteis, mas sem coragem para jogar fora. Vivemos com o lixo da existência, quando tudo seria mais claro e límpido com o coração renovado.
As marcas e cicatrizes ficam para nos lembrar da vida, do que fomos, do que fizemos e do que devemos evitar. Não inventaram ainda uma cirurgia plástica da alma, onde podem tirar todas as nossas vivências e nos deixar como novos. Ainda bem.
Não devemos nos esquecer do nosso passado, de onde viemos, do que fizemos, dos caminhos que atravessamos. Não podemos nos esquecer das nossas vitórias, nossas quedas e nossas lutas. Menos ainda das pessoas que encontramos, essas que direcionaram nossa vida, muitas vezes sem saber. O que não podemos é carregar dia a dia, com teimosia, o ódio, o rancor, as mágoas, o sentimento de derrota.
Acredite ou não, mas perdoar a quem nos feriu dói mais na pessoa do que o ódio que podemos sentir toda uma vida. As mágoas envelhecidas transparecem no nosso rosto e nos nossos atos e moldam nossa existência. Precisamos, com muita coragem e ousadia, abrir a gaveta do nosso coração e dizer: eu não preciso mais disso, isso aqui não me traz nenhum benefício e  eu posso viver sem.
E quando só ficarem as lembranças das festas, do bem que nos fizeram, das rosas secas, mas carregadas de amor, mais espaço haverá para novas experiências, novos encontros. Seremos mais leves, mais fáceis de ser carregados mesmo por aqueles que já nos amam. Não é a expressão do rosto que mostra o que vai dentro do coração? De coração aberto e limpo nos tornamos mais bonitos e atrativos e as coisas boas começarão a acontecer. Luz atrai, beleza atrai. Tente a experiência!... Sua vida é única e merece que, a cada dia, você dê uma chance para que ela seja rica e feliz.

Letícia Thompson


TREM BALA
Ana Vilela

Não é sobre ter todas as pessoas do mundo pra si. É sobre saber que em algum lugar Alguém zela por ti. É sobre cantar e poder escutar mais do que a própria voz. É sobre dançar na chuva de vida que cai sobre nós. É saber se sentir infinito num universo tão vasto e bonito. É saber sonhar e então fazer valer a pena cada verso daquele poema sobre acreditar.
Não é sobre chegar no topo do mundo, saber que venceu. É sobre escalar e sentir que o caminho te fortaleceu. É sobre ser abrigo e também ter morada em outros corações, e assim ter amigos contigo em todas as situações. A gente não pode ter tudo. Qual seria a graça do mundo se fosse assim? Por isso eu prefiro sorrisos e os presentes que a vida trouxe pra perto de mim.
Não é sobre tudo que o seu dinheiro é capaz de comprar, e sim sobre cada momento, sorriso a se compartilhar. Também não é sobre correr contra o tempo pra ter sempre mais, porque quando menos se espera, a vida já ficou pra trás.
Segura teu filho no colo. Sorria e abraça teus pais enquanto estão aqui, que a vida é trem-bala, parceiro, e a gente é só passageiro prestes a partir.


ORAÇÃO DA SERENIDADE

Só por hoje tratarei de viver exclusivamente este meu dia, sem querer resolver o problema de minha vida, todo de uma vez. Só por hoje terei o máximo de cuidado com o modo de tratar os outros: serei delicado nas minhas maneiras, não criticarei ninguém, não pretenderei melhorar ou disciplinar ninguém senão a mim mesmo. Só por hoje me sentirei feliz com a certeza de ter sido criado para ser feliz, não só no outro mundo, mas também neste. Só por hoje me adaptarei às circunstâncias, sem pretender que as circunstâncias se adaptem todas aos meus desejos. Só por hoje dedicarei dez minutos do meu tempo a uma boa leitura, pois, assim como é preciso comer para sustentar o meu corpo, assim também a leitura é necessária para alimentar a minha alma. Só por hoje praticarei uma boa ação sem contá-la a ninguém. Só por hoje farei uma coisa de que não gosto e, se for ofendido nos meus sentimentos, procurarei que ninguém o saiba. Só por hoje farei um programa bem completo de meu dia. Talvez não o execute perfeitamente, mas em todo o caso, vou fazê-lo. E evitarei dois males: a pressa e a indecisão. Só por hoje serei bem firme na fé de que a Divina Providência se ocupa de mim, como se existisse somente eu no mundo, ainda que as circunstâncias manifestem o contrário. Só por hoje não terei medo de nada. Em particular, não terei medo de crer na bondade.

São João XXIII



sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

O PAI TUDO ASSUMIU EM SEU FILHO, PARA TUDO REDIMIR

Missa do Natal do Senhor. Palavra de Deus: Isaías 9,1-6; Tt 2,11-14; Lc 2,1-14.

            Certamente, este ano de 2016 colocou muitas perguntas em nosso coração, perguntas que ainda questionam a nossa fé, a nossa alegria, a nossa esperança e até mesmo o sentido da nossa vida. Na verdade, as perguntas são importantes porque nos fazem caminhar, nos fazem ir em busca de respostas. Mas, quantas vezes nós sentimos que o máximo que conseguimos chegar com nossas perguntas é a um muro, a uma parede, a uma espécie de beco sem saída? Quantas vezes o máximo que conseguimos experimentar com nossas buscas é um grande e doloroso silêncio da parte de Deus? 
            Mas a noite (ou o dia) de Natal traz a resposta a toda e qualquer pergunta que o ser humano leva consigo, no coração. Deus escolheu nos responder de uma forma única e surpreendente: “a Palavra (de Deus) se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). “A Palavra se fez carne”, isto é, pessoa humana, sujeita à dor, ao sofrimento, à injustiça e à morte. Esta Palavra é a resposta de Deus às nossas perguntas mais profundas. Para um mundo como o nosso, sempre mais ambicioso, admirador da grandeza e adorador do poder, Deus envia seu Filho como Salvador da humanidade na fragilidade de um menino: “(...) nasceu para nós um menino, foi-nos dado um filho” (Is 9,4-5).
            Deus é assim, sempre surpreendente! Talvez você esperasse que a salvação d’Ele chegasse à situação social do nosso país ou à sua vida particular por meio de um Juiz do Supremo, ou por meio de um Senador ou Deputado de Brasília, por meio de uma pessoa forte, poderosa, influente... Mas Ele convida você a contemplar o menino que nasceu em Belém, o menino que, ao nascer, foi colocado numa manjedoura, “pois não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2,7).
            O que esse menino pobre, totalmente despojado, sem um lugar digno para nascer, poderia estar dizendo a mim, a você, ao nosso país, à humanidade? O fato do Salvador do mundo ter como seu primeiro berço uma manjedoura, o lugar onde se coloca comida para os animais, nos diz alguma coisa? Você se decepciona ou se encanta pela maneira como Deus escolhe vir até você? Embora não houvesse lugar para eles, a estrebaria foi uma brecha possível para Maria dar à luz o Filho de Deus. Existe alguma brecha na sua vida pela qual Deus possa fazer entrar a Sua luz neste momento?
            Oito séculos antes de Jesus nascer, uma promessa havia sido feita à humanidade: “O povo que andava na escuridão viu uma grande luz; para os que habitavam nas sombras da morte, uma luz resplandeceu... O amor zeloso do Senhor dos exércitos há de realizar estas coisas” (Is 9,1.6). Segundo o evangelista João, Jesus é “a luz verdadeira que, vindo ao mundo, ilumina todo ser humano” (Jo 1,9). E o apóstolo Paulo nos deixou claro o sentido do nascimento de Jesus: “A graça de Deus se manifestou trazendo salvação para todos os homens” (Tt 1,11). Aqui temos indicações importantes de como podemos celebrar o Natal...
            Para toda e qualquer pessoa que se encontra na escuridão e na sombra da morte – dependentes químicos, refugiados, perseguidos, injustiçados, desempregados, doentes etc. – cada um de nós é chamado a ser uma presença concreta da luz d’Aquele que, sendo luz, também disse a nosso respeito: “Vocês são a luz do mundo” (Mt 5,14). Em sintonia com a Encarnação de Jesus, a nossa luz deve concretamente ser vista, sentida, experimentada e “apalpada” pelo máximo de pessoas, porque Deus enviou seu Filho como Salvador de toda a humanidade. O anúncio do anjo aos pastores na noite de Natal – “Eu vos anuncio uma grande alegria... Hoje (...) nasceu para vós um Salvador, que é Cristo Senhor” (Lc 2,10.11) – precisa de cada um de nós para se encarnar na realidade de tantas pessoas que necessitam sentir que também para elas existe um Salvador, que é Cristo Senhor!
            O Natal nos revela que Deus escolheu vir nos salvar não na pessoa de um homem adulto, forte e com super poderes, mas na pessoa de um menino recém nascido, pobre, indefeso, frágil e exposto a todo tipo de dor e de riscos. Diante deste mistério cada um de nós é convidado a dobrar seus joelhos, abaixar-se, esvaziar-se de todo tipo de orgulho, soberba ou arrogância, diminuir-se, para então poder aproximar-se deste Menino e ficar sob a Sua luz, luz que veio curar o que estava ferido, corrigir o que estava errado, encontrar o que estava perdido, reconduzir o que estava extraviado, libertar o que estava aprisionado, perdoar o que estava condenado...
            Hoje, ao contemplar o Menino Jesus, lembremos das palavras de São Gregório de Nissa († 394): “O que não foi assumido pelo Verbo, não foi redimido.” Dizendo de outra forma, só o que é assumido pode ser redimido. Jesus, ao se encarnar, assumiu tudo o que em mim, em você, em cada pessoa existe de humano, frágil, passível de erro, de dor e de sofrimento; Ele assumiu a nossa carne, a nossa condição mortal, para nos redimir, nos resgatar, nos salvar. Por isso, podemos acolher na fé esta Palavra que hoje nos é dirigida com toda a sua verdade: “Não tenhais medo... Eu vos anuncio uma grande alegria... Hoje nasceu para vós um Salvador!” Bendito seja Deus, nosso Pai, por ter vindo redimir e salvar a humanidade na pessoa de Seu Filho Jesus Cristo!

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

DEUS PROCURA POR "JOSÉS"

Missa do 4º. dom. do advento. Palavra de Deus: Is 7,10-14; Rm 1,1-7; Mt 1,18-24.     

            Sempre que nos preparamos para celebrar o Natal e pensamos em Jesus menino, nós o imaginamos nos braços de Maria, sua Mãe. É como se as luzes dos holofotes se concentrassem unicamente no Menino e na sua Mãe, enquanto José, o pai, permanece na sombra, no escuro, como se não fosse importante. De fato, Deus não precisou de José para trazer Jesus ao mundo. O nascimento de Jesus a partir de Maria, sem a participação de José, se deu dessa forma para entendermos que a origem de Jesus é divina. De fato, o Evangelho de hoje começa com essas palavras: “A origem de Jesus Cristo foi assim...” (Mt 1,18).    
            José não está na origem de Jesus Cristo nascido como nosso Salvador, mas o Evangelho de hoje nos diz algo muito importante: Deus procura pessoas que cuidem de tudo aquilo que Ele, por meio do Espírito Santo, tem gerado no coração da humanidade em vista da sua salvação. Deus procura por “Josés”, por homens e mulheres que protejam a vida, alimentem a esperança e possibilitem o nascimento de um mundo mais justo, de um mundo ajustado ao bem, à felicidade e à salvação que Deus quer para cada ser humano.
            Por não entender o que estava acontecendo, por não querer prejudicar Maria, que poderia ser acusada de adultério e, portanto, apedrejada, José havia decidido fugir, preferindo levar sobre si a acusação de ter sido um homem irresponsável. Mas enquanto ele dormia, Deus falou ao seu inconsciente por meio de um sonho, e lhe mostrou que a sua presença na vida de Jesus e de Maria era extremamente importante: “José, (...) não tenha medo de receber Maria... Ela dará à luz um filho, e você lhe dará o nome de Jesus...” (Mt 1,20.21).
Naquela época, era função do pai dar o nome ao filho, assumindo assim, plenamente, a sua paternidade. Se Deus não precisou de José para gerar Jesus no ventre de Maria, quis precisar dele para que Jesus crescesse como pessoa humana junto de um pai. Essa atitude de Deus, por um lado, mostra que Ele quer que você se torne “pai”, que você assuma como “seu” o sonho de Deus em “salvar o seu povo”, em salvar aquelas pessoas com as quais você convive no seu dia a dia. Por outro lado, essa insistência de Deus na permanência de José junto de Maria e do Menino que vai nascer aponta para essa preocupante “ausência” do pai em nossa sociedade.
Na sua exortação “A alegria do amor”, o Papa Francisco nos lembra que “a ausência do pai penaliza gravemente a vida familiar, a educação dos filhos e a sua integração na sociedade” (n.55). Conforme já mencionamos, por ocasião do dia dos pais, uma reportagem da Folha de São Paulo, publicada em 27 de junho deste ano, constatou que 2 em cada 3 menores infratores não têm pai dentro de casa. Para o Papa Francisco, só um pai com uma clara e feliz identidade masculina pode ajudar o filho “a perceber os limites da realidade, caracterizando-se mais pela orientação, pela saída para o mundo mais amplo e rico de desafios, pelo convite a esforçar-se e lutar” (n.176).
A ausência, física ou afetiva, de José tem colaborado para que muitos filhos cresçam fracos, covardes, acomodados e incapazes de dialogar com a vida olhando-a nos olhos. Por outro lado, é preciso reconhecer e louvar tantos filhos que souberam transformar suas feridas paternas em pérolas, e escolheram dar um sentido à ausência paterna que marcou-lhes a infância ou a adolescência, decidindo responsabilizar-se pela própria vida e abrindo-se a um futuro melhor.  
            O Evangelho de hoje nos convida a orar por algumas situações específicas...

            Pai, hoje Te pedimos por todos os “Josés”, por todos os homens que se sentem desorientados ou angustiados, especialmente pelos que estão ameaçados por algum mal ou alguma injustiça... Fala ao coração deles, como o Senhor falou ao coração de José. Orienta-lhes, dá-lhes discernimento, indica-lhes a direção e o caminho que devem seguir neste momento. Também Te pedimos, Senhor, por todas as “Marias” que foram abandonadas em sua gravidez ou logo que o filho nasceu, para que não lhes faltem recursos materiais, emocionais e espirituais, a fim de que se sintam amparadas por Ti e possam cuidar da vida que delas tanto depende neste momento. Às Tuas mãos confiamos ainda, Pai, cada filho – criança, adolescente ou jovem – que cresceu ou está tendo que crescer sem a presença afetiva de um pai junto de si. Que eles experimentem a verdade do Teu amor e o cuidado da Tua providência em si mesmos e no seio de suas casas. Enfim, Senhor, estende Tua mão paterna sobre a humanidade, que se sente muitas vezes órfã, sem pai, com a vida entregue ao acaso. Torna o nosso coração semelhante ao de José, um coração justo, isto é, uma consciência ajustada à Tua verdade e mãos ajustadas à Tua vontade. Assim, a celebração do Natal que se aproxima possa ser vivida como uma verdadeira experiência de que “Deus está conosco” e continua a cuidar de cada ser humano como o pai que cuida do seu único filho. Por Cristo, nosso Senhor. Amém.

                                                             Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

NÃO SE CURVE DIANTE DO QUE É INJUSTO

Missa do 3º. dom. do advento. Palavra de Deus: Isaías 35,1-6a.10; Tiago 5,7-10; Mateus 11,2-11. 

            No último domingo, milhares de brasileiros foram às ruas em defesa da Lava Jato e para protestar contra o Congresso Nacional que, legislando em causa própria, desfigurou o pacote de medidas contra a corrupção. Ao mesmo tempo em que as multidões defendiam a atuação do juiz Sérgio Moro, pediam a saída de Renan Calheiros da presidência do Senado. Para surpresa e alegria quase que geral da nação, na segunda-feira o juiz Marco Aurélio Mello determinou o afastamento de Renan da presidência do Senado, mas, na quarta, por 6 votos a 3, os Ministros do Supremo decidiram pela permanência de Renan no cargo. A alegria durou pouco...
              Hoje a Palavra do Senhor nos convida a recuperar os motivos que temos para sermos cristãos alegres: “Alegre-se a terra que era deserta e intransitável” (Is 35,1). Todos aqueles que têm o coração como se fosse uma terra deserta, abandonada à própria solidão, serão visitados pelo Senhor: “Criai ânimo, não tenhais medo! Vede, é vosso Deus (...), é ele que vem para vos salvar” (Is 35,4). Portanto, o motivo da alegria do cristão não está nos ventos que sopram a favor dos seus sonhos, das suas esperanças, mas está unicamente no Senhor, que hoje nos convida a não nos curvarmos diante dos ventos contrários, mas a confiar que a história está em Suas mãos e Ele, o Justo Juiz, restabelecerá a justiça na terra.
            Certamente, quando olhamos à nossa volta, não encontramos muitos motivos para nos alegrar: políticos e juízes que, na sua maioria, se comportam como caniços que se curvam docilmente diante da corrupção; crianças e jovens cada vez mais expostos à ação dos traficantes; famílias sempre mais frágeis, que vão se desestruturando com uma rapidez sempre maior; o desemprego e a violência, frutos de uma crise econômica que insiste em ferir o presente e em comprometer o futuro do nosso país; doenças e acidentes trágicos que parecem nos convencer de que não vale a pena lutar pela vida etc.
            Quando consideramos a realidade de injustiça e de sofrimento à nossa volta, nossa fé pode passar por sérios questionamentos, exatamente como aconteceu com João Batista, quando estava na prisão e mandou perguntar a Jesus: “És tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?” (Mt 11,3). Nós também perguntamos: “Será que Deus realmente se importa com a humanidade? Será que ainda vale a pena crer e lutar pela justiça, pela verdade e pela paz? Ainda tem sentido esperar em Deus e apostar no ser humano? Não seria o caso de passar a apostar numa outra força, que não a do bem? Não seria o caso de cada um ir atrás da sua própria sobrevivência e dizer às questões sociais: ‘Dane-se tudo isso!’”?          
            Eis o que a Palavra de Deus nos diz, em meio aos nossos questionamentos de fé: “Fortalecei as mãos enfraquecidas e firmai os joelhos debilitados” (Is 35,3); “Ficai firmes até a vinda do Senhor...  Ficai firmes e fortalecei vossos corações, porque a vinda do Senhor está próxima... Tomai por modelo de sofrimento e firmeza os profetas” (Tg 5,7.8.10). Jesus respeita os questionamentos da sua fé, assim como respeitou os de João Batista, mas ele te convida a fortalecer-se e a firmar-se na sua fé e na sua esperança, e a não viver como “um caniço agitado pelo vento” (Mt 11,7). Sempre que o vento das contrariedades muitas vezes soprar na sua direção, lembre-se do provérbio chinês: “Pode o vento soprar o quanto quiser; a montanha jamais se curva diante dele”.
            Não se curve diante de políticos e juízes curvados diante da corrupção; curve-se diante do Justo Juiz, que retribuirá a cada um segundo a sua conduta (cf. Jó 34,11; Is 59,18; Rm 2,6; Ap 22,12). Não desista de semear justiça, solidariedade e paz na sociedade. Aprenda com o agricultor: mesmo que não haja uma única nuvem no céu, ele semeia e “espera o precioso fruto da terra e fica firme até cair a chuva...” (Tg 5,7). Fique firme na sua alegria, na sua fé, na sua esperança, no seu caráter, sabendo que “pessoas de caráter fazem a coisa certa não porque elas acham que isso irá mudar o mundo, mas porque elas se recusam a serem mudadas pelo mundo” (Michael Josephson). Ontem, João Batista, Jesus e muitos outros se recusaram a serem mudados pelo mundo. Hoje você pode somar forças todas as pessoas que se recusar a ter a sua consciência corrompida pelo “sistema” que insiste em ditar as regras na política, na justiça e na economia do nosso país.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

CUIDAR DO ESSENCIAL


Missa do 2º. dom. do advento. Palavra de Deus: Isaías 11,1-10; Romanos 15,4-9; Mateus 3,1-12.

            O Evangelho deste segundo domingo do advento nos coloca diante de João Batista, aquele que preparou as pessoas do seu tempo para a primeira vinda de Jesus. Mas antes de nos colocar diante das palavras de João, o evangelista Mateus se preocupou em nos descrever o estilo de vida de João: um homem que vivia no deserto, usava uma roupa feita com pêlos de camelo e se alimentava de gafanhotos e mel do campo. São detalhes que nos dizem que João era uma pessoa que vivia do essencial; sua vida se pautava por aquilo que era essencial.
            Não são poucas as pessoas que, ao analisarem as diversas situações de doença, de sofrimento, de injustiça e de dor em que vive a humanidade, têm afirmado que o nosso grande mal é um só: nós descuidamos ou nos afastamos do essencial; portanto, o caminho da cura, da restauração da vida nos seus diversos aspectos passa pelo resgate e pelo cuidado com o essencial. Mas, o que é essencial? A resposta a essa pergunta sempre vai depender da situação que a pessoa está vivendo no momento: se ela se encontra doente ou com saúde; se vive num lugar pacífico ou numa região de conflito; se tem dinheiro ou nem o mínimo necessário pra viver com dignidade etc.
Cada um de nós precisa ter claro para si o que é essencial. Cada um de nós precisa aprender a distinguir claramente o que é essencial e aquilo que é urgente (ou aquilo que o mundo nos faz pensar que é urgente), e dar prioridade ao primeiro, ao invés de se perder no segundo. O próprio João nos aponta, com suas palavras, para aquilo que precisamos dar prioridade e cuidar melhor: as nossas raízes: “O machado já está na raiz das árvores, e toda árvore que não der bom fruto será cortada e jogada no fogo” (Mt 3,10).   
Todos querem colher frutos. Todos querem desfrutar da sombra que a árvore oferece. Mas são poucos aqueles que se lembram de que a qualidade daquilo que a árvore tem para oferecer depende da saúde das suas raízes. Por não cuidar das suas raízes, muitas pessoas se suicidaram, mesmo estando no auge da fama ou quando esta começou a diminuir; outras, apesar de se tornarem esteticamente muito bonitas, seguem pela vida vazias, sem conteúdo; outras levaram suas empresas à falência. Por não querer cuidar das suas raízes, muitas pessoas vão continuar tombando diante dos ventos que sopram contrário; por descuidar das raízes do seu avião (combustível), um piloto aterrizou na morte, levando consigo dezenas de outras pessoas...
            Mas hoje não foi apenas João Batista quem nos chamou a atenção para o cuidado com as nossas raízes; também Isaías, profetizando o nascimento de Jesus, afirmou: “a partir da raiz, surgirá o rebento de uma flor” (Is 11,1). Tudo começa “a partir da raiz”. A mudança, a cura, a transformação, a conversão, a libertação se dá “a partir da raiz”; se dá cuidando do nosso interior e não maquiando o nosso exterior. E Isaías diz outra coisa importante: “Sobre ele repousará o Espírito do Senhor...” (Is 11,2). O Espírito Santo deve poder tocar as nossas raízes e repousar sobre aquilo que vai nascer delas. O Espírito Santo deve poder “repousar” sobre você, mas aqui é preciso lembrar que Ele não encontra espaço para repousar numa pessoa barulhenta, agitada, dispersa; Ele só pode repousar onde há silêncio, acolhida, docilidade...
            Trazendo a profecia de Isaías para os nossos dias, fica claro que, assim como Jesus, todo cristão é uma pessoa ungida pelo Espírito Santo e tem como missão colaborar para que a justiça seja restabelecida na sociedade humana. Nossas palavras, acompanhadas necessariamente de atitudes coerentes, devem ajudar a minar as forças do mal que ainda fere de tantas formas a humanidade. Desse modo nós, cristãos, vamos direcionando o mundo para o futuro que Deus quer para a humanidade, um futuro que se chama Paraíso.
Se o advento nos prepara para a vinda de Jesus, e se esta vinda vai provocar o nascimento de novos céus e de uma nova terra, a mesma convicção que o profeta Isaías tinha nós devemos ter: o Paraíso não é uma saudade perdida, mas uma esperança a ser construída. E a expressão que sintetiza o Paraíso é esta: “O lobo e o cordeiro viverão juntos...” (Is 11,6). Nós costumamos rotular o lobo como sendo mau e o cordeiro como sendo bom, mas não se trata disso. Lobo e cordeiro simbolizam as diferenças. Nós, seres humanos, somos diferentes quando à raça, à crença e a tantas outras coisas, mas essas diferenças não significam que não possamos conviver juntos, pacificamente, fraternalmente. Na homenagem às vítimas do acidente aéreo, a dor uniu milhares de pessoas dentro e fora do estádio Girardot em Medellín, na Colômbia, na última quarta, no mesmo dia e horário em que aconteceria o jogo entre o Chapecoense e o Atlético Nacional. Não esperemos a dor de uma tragédia para aprendermos a viver juntos. Ainda que instintivamente seja impossível que lobo e cordeiro possam viver juntos, confiemos na ação de Deus também sobre aquilo que temos de mais instintivo em nós, e deixemos nos transformar pela força da Sua graça.  

P.S. 1 – Aproveitando da comoção nacional pela tragédia com o avião que transportava a Chapecoense, os nossos deputados federais (com exceção de um, que votou contra), desfiguraram o pacote que reúne um conjunto de medidas de combate à corrupção propostas pelo Ministério Público Federal e avalizadas por mais de 2 milhões de assinaturas de cidadãos encaminhadas ao Congresso Nacional. Das dez medidas propostas, somente uma não foi adulterada. Como disse Jesus, “uma árvore boa não pode dar frutos ruins, nem uma árvore má dar bons frutos” (Mt 7,18). Lembremos que as raízes dessa árvore que tanto mal provoca ao nosso país também apontam para nós, que escolhemos esse tipo de deputados para nos representar.

P.S. 2 – Na última terça (29), a primeira turma do Supremo Tribunal Federal decidiu que praticar aborto nos três primeiros meses de gestação não é crime. Isso não descriminaliza o aborto no Brasil, porque a decisão não foi tomada pelo plenário do STF como um todo, o que teria dado força de lei à medida. O julgamento foi feito por uma turma formada por cinco dos onze ministros do Supremo. A sentença, no entanto, abre brechas para que o machado do aborto seja desferido sobre as raízes da vida de uma árvore que começa a nascer no ventre da mãe. Diante disso, cabe o nosso protesto profético em defesa da vida.

 Pe. Paulo Cezar Mazzi