Missa
do 2º. dom. do advento. Palavra de Deus: Isaías 11,1-10; Romanos 15,4-9; Mateus
3,1-12.
O Evangelho deste segundo domingo do
advento nos coloca diante de João Batista, aquele que preparou as pessoas do
seu tempo para a primeira vinda de Jesus. Mas antes de nos colocar diante das
palavras de João, o evangelista Mateus se preocupou em nos descrever o estilo
de vida de João: um homem que vivia no deserto, usava uma roupa feita com pêlos
de camelo e se alimentava de gafanhotos e mel do campo. São detalhes que nos
dizem que João era uma pessoa que vivia do essencial; sua vida se pautava por
aquilo que era essencial.
Não são poucas as pessoas que, ao
analisarem as diversas situações de doença, de sofrimento, de injustiça e de
dor em que vive a humanidade, têm afirmado que o nosso grande mal é um só: nós
descuidamos ou nos afastamos do essencial; portanto, o caminho da cura, da
restauração da vida nos seus diversos aspectos passa pelo resgate e pelo
cuidado com o essencial. Mas, o que é essencial? A resposta a essa pergunta
sempre vai depender da situação que a pessoa está vivendo no momento: se ela se
encontra doente ou com saúde; se vive num lugar pacífico ou numa região de
conflito; se tem dinheiro ou nem o mínimo necessário pra viver com dignidade
etc.
Cada um de nós precisa ter claro para si
o que é essencial. Cada um de nós precisa aprender a distinguir claramente o
que é essencial e aquilo que é urgente (ou aquilo que o mundo nos faz pensar
que é urgente), e dar prioridade ao primeiro, ao invés de se perder no segundo.
O próprio João nos aponta, com suas palavras, para aquilo que precisamos dar
prioridade e cuidar melhor: as nossas raízes: “O machado já está na raiz das
árvores, e toda árvore que não der bom fruto será cortada e jogada no fogo” (Mt
3,10).
Todos querem colher frutos. Todos querem
desfrutar da sombra que a árvore oferece. Mas são poucos aqueles que se lembram
de que a qualidade daquilo que a árvore tem para oferecer depende da saúde das
suas raízes. Por não cuidar das suas raízes, muitas pessoas se suicidaram,
mesmo estando no auge da fama ou quando esta começou a diminuir; outras, apesar
de se tornarem esteticamente muito bonitas, seguem pela vida vazias, sem
conteúdo; outras levaram suas empresas à falência. Por não querer cuidar das suas
raízes, muitas pessoas vão continuar tombando diante dos ventos que sopram
contrário; por descuidar das raízes do seu avião (combustível), um piloto aterrizou
na morte, levando consigo dezenas de outras pessoas...
Mas hoje não foi apenas João Batista
quem nos chamou a atenção para o cuidado com as nossas raízes; também Isaías,
profetizando o nascimento de Jesus, afirmou: “a partir da raiz, surgirá o
rebento de uma flor” (Is 11,1). Tudo começa “a partir da raiz”. A mudança, a
cura, a transformação, a conversão, a libertação se dá “a partir da raiz”; se
dá cuidando do nosso interior e não maquiando o nosso exterior. E Isaías diz
outra coisa importante: “Sobre ele repousará o Espírito do Senhor...” (Is 11,2).
O Espírito Santo deve poder tocar as nossas raízes e repousar sobre aquilo que
vai nascer delas. O Espírito Santo deve poder “repousar” sobre você, mas aqui é
preciso lembrar que Ele não encontra espaço para repousar numa pessoa
barulhenta, agitada, dispersa; Ele só pode repousar onde há silêncio, acolhida,
docilidade...
Trazendo a profecia de Isaías para
os nossos dias, fica claro que, assim como Jesus, todo cristão é uma pessoa
ungida pelo Espírito Santo e tem como missão colaborar para que a justiça seja
restabelecida na sociedade humana. Nossas palavras, acompanhadas
necessariamente de atitudes coerentes, devem ajudar a minar as forças do mal
que ainda fere de tantas formas a humanidade. Desse modo nós, cristãos, vamos
direcionando o mundo para o futuro que Deus quer para a humanidade, um futuro
que se chama Paraíso.
Se o advento nos prepara para a vinda de
Jesus, e se esta vinda vai provocar o nascimento de novos céus e de uma nova
terra, a mesma convicção que o profeta Isaías tinha nós devemos ter: o Paraíso
não é uma saudade perdida, mas uma esperança a ser construída. E a expressão
que sintetiza o Paraíso é esta: “O lobo e o cordeiro viverão juntos...” (Is
11,6). Nós costumamos rotular o lobo como sendo mau e o cordeiro como sendo
bom, mas não se trata disso. Lobo e cordeiro simbolizam as diferenças. Nós,
seres humanos, somos diferentes quando à raça, à crença e a tantas outras
coisas, mas essas diferenças não significam que não possamos conviver juntos,
pacificamente, fraternalmente. Na homenagem às vítimas do acidente aéreo, a dor
uniu milhares de pessoas dentro e fora do estádio Girardot em Medellín, na
Colômbia, na última quarta, no mesmo dia e horário em que aconteceria o jogo
entre o Chapecoense e o Atlético Nacional. Não esperemos a dor de uma tragédia
para aprendermos a viver juntos. Ainda que instintivamente seja impossível que
lobo e cordeiro possam viver juntos, confiemos na ação de Deus também sobre
aquilo que temos de mais instintivo em nós, e deixemos nos transformar pela
força da Sua graça.
P.S.
1 – Aproveitando da comoção nacional pela tragédia com o avião que transportava
a Chapecoense, os nossos deputados federais (com exceção de um, que votou
contra), desfiguraram o pacote que reúne um conjunto de medidas de combate à
corrupção propostas pelo Ministério
Público Federal e avalizadas por mais de 2 milhões de assinaturas de
cidadãos encaminhadas ao Congresso Nacional. Das dez medidas propostas, somente
uma não foi adulterada. Como disse Jesus, “uma árvore boa não pode dar frutos
ruins, nem uma árvore má dar bons frutos” (Mt 7,18). Lembremos que as raízes
dessa árvore que tanto mal provoca ao nosso país também apontam para nós, que
escolhemos esse tipo de deputados para nos representar.
P.S.
2 – Na última terça (29), a primeira turma do Supremo Tribunal Federal decidiu
que praticar aborto nos três primeiros meses de gestação não é crime. Isso não
descriminaliza o aborto no Brasil, porque a decisão não foi tomada pelo
plenário do STF como um todo, o que teria dado força de lei à medida. O
julgamento foi feito por uma turma formada por cinco dos onze ministros
do Supremo. A sentença, no entanto, abre brechas para que o machado
do aborto seja desferido sobre as raízes da vida de uma árvore que começa a
nascer no ventre da mãe. Diante disso, cabe o nosso protesto profético em
defesa da vida.
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