quinta-feira, 30 de agosto de 2012

A PARTIR DE DENTRO


Missa do 22º. dom. comum. Palavra de Deus: Deuteronômio 4,1-2.6-8; Tiago 1,17-18.21b-22.27; Marcos 7,1-8.14-15.21-23.  

            Para nós entendermos melhor a discussão entre Jesus e os fariseus a respeito do puro e do impuro é importante nos lembrar de que ‘fariseu’ significa ‘separado’. Manter-se separado do mundo, de certos lugares e de certas pessoas era, para um fariseu, uma questão de preservar a sua própria identidade. Mas a nossa realidade é oposta à dos fariseus no tempo de Jesus. No mundo globalizado em que vivemos, não há nada que nos ‘separe’, que nos mantenha isolados ou preservados. Tudo nos afeta. Tudo repercute dentro de nós, ainda que nem sempre nos demos conta disso. Para nós, o problema não é a preocupação com o que possa nos tornar impuros, mas o contrário: não termos mais critérios interiores para separar o puro do impuro.
            Para os fariseus, o cuidado com o impuro se resumia em lavar as mãos e em tomar banho depois que voltavam da rua, do contato com as pessoas ‘impuras’ (cf. Mc 7,3-4). Nesse ponto há uma semelhança entre a nossa geração e os fariseus: a excessiva preocupação com o externo, uma preocupação que consome a maior parte das nossas energias e do nosso dinheiro. O importante é manter a aparência, separar-me dos outros, destacar-me deles a partir dos bens que possuo. Nos esquecemos deste sábio ditado: “por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento”.
       Jesus chama a nossa atenção para o perigo de um comportamento hipócrita: enquanto nossos lábios falam de Deus, cantam hinos e se dirigem a Deus nas orações, nosso coração se mantém distante dele. Se experimentamos um vazio cada vez maior de Deus em nossa sociedade, se as nossas celebrações são muitas vezes frias, se os nossos hinos e as nossas orações se desgastam e se mostram incapazes de nos colocar na presença de Deus, cabe perguntar: onde está o nosso coração?
            Quando Jesus se refere ao coração, ele fala do nosso centro, do eixo da nossa vida, daquilo que nos mantém em pé, daquilo que dá sentido à nossa vida. Eu posso estar fisicamente numa igreja, numa celebração, ou num momento pessoal de oração, mas posso fazer isso sem que o meu coração esteja ali. Ele está em outro lugar, gira em torno de outros valores, tem outros encantos. Justamente por isso, enquanto meus lábios procuram se aproximar de Deus, meu coração se mantém longe dele.
            Se a nossa geração tem uma preocupação excessiva com o exterior, se temos a mania de justificar os nossos erros colocando a culpa no ambiente em que nos encontramos, Jesus nos alerta que é de dentro do coração que saem as más intenções e todas as atitudes que nos afastam de Deus. O profeta Jeremias chegou a afirmar que o nosso coração é incorrigível, mas Deus perscruta, sonda as profundezas do nosso coração (cf. Jr 17,9-10). Se permitirmos que Ele entre ali, o nosso coração pode ser curado, corrigido, purificado.  
            Estamos iniciando o mês da Bíblia. Se vivemos num mundo globalizado, sem fronteiras, sem a separação do ‘puro’ e do ‘impuro’, precisamos permitir que a Palavra de Deus aja como um filtro em nosso coração, um filtro que nos ajude a separar o que convém do que não convém, o que nos torna puros e o que nos torna impuros aos olhos de Deus. Por isso, São Tiago nos convida a receber com humildade a Palavra que é capaz de salvar a nossa vida, tomando o cuidado de sermos praticantes da Palavra e não meros ouvintes (cf. Tg 1,21-22). Assim também, o Deuteronômio nos alerta para nada acrescentarmos nem nada tirarmos da Palavra de Deus, pois nela está nossa sabedoria e inteligência. Só ela pode devolver ao nosso coração a certeza da proximidade do Senhor em relação a nós (cf. Dt 4,2.6-7).
     Que a meditação e a obediência diária à Palavra nos ajude a viver a nossa religião de maneira “pura e sem mancha diante de Deus Pai”, que nada mais é do que “socorrer os necessitados em suas tribulações e não se deixar contaminar pelo mundo” (Tg 2,27). Que ela também nos ajude a analisar as falas dos candidatos a Prefeito e Vereadores da nossa cidade, nesta época da campanha eleitoral, quando há tantos lábios falando de valores, de princípios e de propostas que estão totalmente ausentes de seus próprios corações.  
                                        Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

PALAVRA DURA OU ESPÍRITO MOLE?


Missa do 26º. dom. comum. Josué 24,1-2a.15-17.18b; Efésios 5,21-32; João 6,60-69.

            O Censo de 2010, recentemente divulgado, indica uma perda contínua e acentuada de católicos em nosso país. Em média, somos ainda 61% da população e, a julgar pela realidade que vemos à nossa volta, essa porcentagem tende a cair mais. Mencionar isso no começo dessa reflexão é importante, pois o evangelho que acabamos de ouvir nos coloca diante de um momento crítico da vida de Jesus: a perda de discípulos. Não apenas a perda de pessoas (as multidões e os judeus, que estavam com ele no início do capítulo 6 de São João e que depois o deixaram), mas a perda de discípulos!
           Enquanto algumas análises feitas pela nossa Igreja procuram atenuar o impacto da perda de católicos – quem sabe para não abalar a fé dos que permanecem na Igreja –, o evangelho não tem nenhum problema em admitir que “muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele” (Jo 6,66). “Muitos discípulos”, não alguns, não meia dúzia; muitos. O motivo? “Muitos dos discípulos de Jesus que o escutaram, disseram: ‘Essa palavra é dura. Quem consegue escutá-la?’” (Jo 6,60). Eis, então, o motivo: a palavra de Jesus é dura!
         A geração de hoje é uma geração que se melindra facilmente, uma geração que não aceita ouvir “não”, “não pode”, “não deve”, “é contrário à vontade de Deus”.  A geração de hoje tem audição seletiva: ouve o que quer ouvir, ouve apenas aquilo que gosta de ouvir. A respeito dela a Escritura diz: “Virá um tempo em que alguns não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, segundo os seus próprios desejos... se rodearão de mestres. Desviarão os ouvidos da verdade, orientando-os para as fábulas” (2Tm 4,3-4).   
A Palavra é dura porque Deus não está aqui para alimentar em nós falsas esperanças ou nos oferecer respostas fáceis. A Palavra é dura porque ela precisa sacudir a nossa consciência e inquietar o nosso coração, até nos darmos conta de que ou nós estamos com Deus por inteiro ou não estamos. Quantas pessoas deixaram a Igreja dizendo que não foram compreendidas em sua dor! Aqui cabe perguntar: elas não foram compreendidas em sua dor ou não foram atendidas em seus caprichos? Elas não foram compreendidas em sua dor ou não aceitaram o remédio que a Palavra de Deus estava lhes oferecendo para tratar da dor que sentiam?
As inúmeras igrejas e religiões presentes em nossa sociedade existem justamente para isso: para que as pessoas não se confrontem com a dureza da Palavra de Deus. Quando estou numa igreja e me sinto incomodado com a Palavra que ouvi, saio e procuro por outra, onde a Palavra não me incomode. Eis a consequência disso: muitas das pessoas que mudam de igreja ou de religião não mudam enquanto pessoas; continuam as mesmas pessoas de sempre, mentindo, trapaceando, adulterando, prejudicando os outros etc. São como uma peça artística de madeira: mudam a pintura externa, trocam a cor do verniz, mas continuam com cupim por dentro, porque não aceitam se confrontar com a dureza da Palavra.   
Diante do argumento de que a sua palavra é dura, Jesus responde: “As palavras que vos falei (mesmo duras) são espírito e vida” (Jo 6,63). Por mais dura que seja a Palavra de Deus, por mais que ela nos provoque mal estar, sacuda a nossa consciência, inquiete o nosso coração, só ela pode nos dar vida e nos conduzir à verdadeira vida. “Mas entre vós há alguns que não creem” (Jo 6,64). Entre nós, assim como em todas as igrejas e religiões, há pessoas que são água misturada com óleo, que usam uma camada de proteção em sua consciência para não se sentirem interpeladas pela Palavra. São pessoas cujo coração não deu abertura para o Pai agir com a Sua graça e fazê-las aderir à palavra de Jesus.
Quando Jesus se deu conta de que estava perdendo muitos discípulos, não amenizou a dureza da sua palavra, nem se sentiu fracassado como pregador. Jesus não tinha medo de perder pessoas porque Ele estava alicerçado no Pai. O centro da sua vida era fazer a vontade do Pai e não agradar as pessoas. Desse modo, ele se voltou para os doze apóstolos e perguntou: “Vós também quereis ir embora?” (Jo 6,67). Hoje, diante da constante perda de católicos, Jesus também nos pergunta: ‘Por que vocês ainda estão aqui?’ Como Pedro, também respondemos: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68). Tuas palavras são duras; são palavras que não nos apresentam soluções mágicas para os nossos problemas, nem alívio imediato para as nossas dores, mas são palavras que nos abrem para a vida eterna, para a verdadeira vida de Deus em nós!    
                                        Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

RECOLHIDOS E TRANSFORMADOS


Missa da Assunção de Nossa Senhora: Apocalipse 11,19a; 12,1.3-

6a.10ab; 1Coríntios 15,20-27a; Lucas 1,39-56.

            Na música “A lista”, Oswaldo Montenegro sugere que você faça uma lista dos amigos, dos sonhos, de tantas coisas que ontem compunham o quadro da sua vida e que hoje não estão mais presentes, se perderam, se modificaram, deixaram de existir, deixaram de ter sentido. Quantas coisas vão ficando para trás em nossa existência? Quantas peças do imenso quebra-cabeça que é a nossa vida vão se perdendo ao longo do caminho? Elas poderão um dia ser recuperadas? Nossa vida voltará um dia a ser recomposta? A Assunção de Maria, a sua elevação em corpo e alma ao céu, nos diz que sim. Tudo aquilo que vivemos na terra será recolhido por Deus no céu. 
            Talvez não exista palavra mais apropriada para falar da Assunção de Maria, e da nossa própria, que a palavra RECOLHER. Melhor ainda: SER RECOLHIDO. Por mais que tenhamos a sensação de que muitas das nossas palavras, das nossas atitudes, dos nossos esforços, das nossas lutas, das sementes que lançamos ao longo do nosso caminho simplesmente tenham se espalhado e ficado perdido(a)s num passado que não mais voltará, a Palavra de Deus afirma que tudo isso será recolhido por Deus no momento da nossa morte. Aliás, o próprio Salmo 55,9 afirma que Deus conhece todos os nossos passos errantes e recolhe em Seu odre cada uma das nossas lágrimas!
            Uma imagem disso está no livro do Apocalipse. Uma Mulher está grávida, pronta para dar à luz, e um Dragão se coloca diante dela, pronto para devorar o Filho, tão logo nasça. Assim que o Filho nasce, Deus intervém, recolhe o Filho junto de Si e leva a Mulher a um lugar seguro, onde se sinta salva do Dragão. Esta cena não se refere apenas a Maria, que gera Jesus, o qual é resgatado da morte pelo Pai no momento da ressurreição e levado para junto de Si no momento da Ascensão. Esta cena se refere a cada um de nós e às nossas famílias: aquilo que geramos com tanto custo, em meio a tantas lágrimas, e que está ameaçado pelo dragão da violência, da doença, do sofrimento, do absurdo e da morte, será recolhido por Deus. E tudo aquilo que Deus RECOLHE é também por Ele TRANSFORMADO.
            Assim como o Pai recolheu o corpo de seu Filho morto na cruz e o transformou num corpo glorificado na ressurreição, assim como Ele recolheu Maria em corpo e alma ao céu, segundo o dogma da Assunção que celebramos hoje, assim Deus recolherá todas as nossas lutas, todos os nossos sonhos, todas as nossas lágrimas, e o(a)s transformará numa vida nova, como diz a Escritura: “Cristo ressuscitou dos mortos como primícias (primeiros frutos de uma colheita) dos que morreram... Em Cristo todos reviverão” (1Cor 15,20.22).
            Existe uma luta em curso. Existe uma perseguição do mal em relação aos filhos da Mulher: “Enfurecido por causa da Mulher, o Dragão foi então guerrear contra o resto dos seus descendentes, os que observam os mandamentos de Deus e mantêm o testemunho de Jesus” (Ap 12,17). A luta contra o mal é sentida de forma mais intensa na vida de pessoas que procuram andar no caminho de Deus e manter a fé em Jesus Cristo. E por mais que tenhamos a impressão de que o mal esteja vencendo essa luta, não nos enganemos: todos os inimigos serão postos debaixo dos pés de Jesus. “O último inimigo a ser destruído é a morte. Com efeito, Deus pôs tudo debaixo de seus pés” (1Cor 15,26-27).
            Nesta celebração de encerramento da Semana da Família, o evangelho nos coloca diante de duas mulheres que humanamente não poderiam estar grávidas, mas estão por obra de Deus na vida de suas famílias, porque acreditaram nas Suas promessas. A visita de Maria à sua prima Isabel convida nossas famílias a se visitarem mutuamente, a compartilharem tanto os momentos de alegria quanto os momentos de tristeza. Quando nos visitamos, nos encontramos e nos falamos, alguma coisa boa se move dentro de nós; voltamos a sentir a vida fluindo em nós, como a criança exultou de alegria no ventre de Isabel ao ouvir a saudação de Maria. Maria foi chamada por Isabel de “bendita entre as mulheres”. A sua presença é uma presença “bendita”, de bênção, entre as pessoas do seu ambiente de trabalho ou de escola/faculdade? A presença da sua família é uma presença “bendita” no prédio, no condomínio, na rua onde vocês residem? 
            Que à semelhança de Maria, cada um de nós, no seio de sua família, em comunhão com o(a)s religioso(a)s cuja vocação lembramos hoje como presença “bendita” em nossa Igreja e em nossa sociedade, possa proclamar a força do braço do nosso Deus, que RECOLHE a luta, a dor, o empenho, as lágrimas da nossa família por uma sociedade melhor, por um mundo redimido, e TRANSFORMA tudo isso segundo o Seu desígnio de vida e de salvação para a família humana.   
                                                                                                                                                                                                                                                                Pe. Paulo Cezar Mazzi 

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

ESCUTAR O PAI E DEIXAR-SE INSTRUIR POR ELE


Missa do 19º. dom. comum. Palavra de Deus: 1Reis 19,4-8; Efésios 4,30–5,2; João 6,41-51.

            “Agora basta, Senhor!” (1Rs 19,4). Chega! Chega de continuar a lutar pelo meu casamento! Chega de tentar inutilmente recuperar o meu filho das drogas! Chega de me esforçar para ser uma pessoa melhor! Chega de tentar Te buscar na minha oração! Chega de acreditar que as coisas podem ser diferentes! Chega de me esforçar por melhorar meu ambiente de trabalho, meu relacionamento com as pessoas! Chega de ajudar quem precisa! Chega de trabalhar e sofrer por Tua Igreja! Basta, Senhor! Basta de procurar ser fiel, ser honesto, nadar contra a correnteza, procurar andar na justiça e na santidade. Basta, Senhor! Eu me entrego ao desânimo. Eu jogo a toalha.
            Quantas vezes esta sincera oração de Elias tem sido a nossa? Cada vez mais temos visto homens e mulheres entregar-se ao desânimo, abrir mão dos seus valores, dos seus ideais, e desistir: desistir de sua família; desistir de buscar a Deus; desistir da vida; desistir de si mesmos. Como Elias, são homens e mulheres tombando no chão e adormecendo. Quem sabe quando acordarem, os problemas terão se resolvido por si mesmos! Quem sabe quando acordarem, estarão na outra Vida, no Paraíso, na Eternidade!   
            Deus compreende o nosso cansaço e conhece os nossos limites. Mas Ele não se coloca junto a nós para nos carregar no colo, e sim para nos sacudir do nosso desânimo e nos dizer: “Levanta-te e come!” (1Rs 19,5). Ele nos oferece Sua ajuda, providenciando os recursos de que precisamos para que continuemos o nosso caminho: “Levanta-te e come! Ainda tens um longo caminho a percorrer” (1Rs 19,7). Sua luta ainda não terminou. Seu caminho ainda não foi concluído. Seus recursos não se esgotaram, como você imagina. Eu não chamei você à vida para parar no meio do caminho, mas para chegar até o fim, e o fim é o seu encontro comigo, o seu Deus, o seu Pai, o seu Senhor, Aquele que lhe confiou uma missão e sabe que você tem como realizá-la.
            “Elias levantou-se, comeu e bebeu, e com a força desse alimento, andou quarenta dias e quarenta noites – símbolo da duração de uma vida – até chegar ao Horeb, o monte de Deus” (1Rs 19,8). Você não vai concluir o seu caminho, vencer a sua luta e alcançar o seu ideal apoiando-se unicamente na sua força humana. Só com a força do alimento que Deus lhe dá é que isso é possível. Então, pergunte-se: da mesma forma como eu preciso me alimentar todos os dias, também procuro me alimentar de Deus todos os dias, por meio da oração, da meditação da Sua Palavra e da comunhão com a Eucaristia?
            O evangelho de hoje nos fala das pessoas que iniciam um caminho de fé na direção de Jesus e depois param. Como Jesus interpreta isso? Ele diz: “Ninguém pode vir a mim (crer em mim) se o Pai que me enviou não o atrai. E eu o ressuscitarei no último dia... Aquele que escutou o Pai e por ele foi instruído vem a mim (crê em mim)” (Jo 6,44-45). Por que não são todos os que creem? Por que não são todos os que concluem o seu caminho de fé? Jesus diz que a fé não é um resultado matemático do tipo 2+2=4: se você oferecer isso e mais aquilo à pessoa, ela vai se abrir para a fé. Fé é mistério, é um dom que o Pai concede à pessoa. Só o Pai conhece o coração humano. Só o Pai conhece o mistério que cada pessoa é. Só o Pai pode atrair alguém para o seu Filho.
            Talvez você conclua, então: ‘Se é assim, vou continuar a cuidar da minha vida, e o dia em que o Pai quiser que eu creia em seu Filho Jesus, Ele que desperte em mim essa força de atração chamada fé’. Mas Jesus também disse: “Aquele que escutou o Pai e por ele foi instruído vem a mim (crê em mim)” (Jo 6,45). A questão é: você tem escutado o Pai lhe falar por meio dos acontecimentos e nos pequenos momentos em que você se permite ouvir a sua consciência? Você se deixa instruir pelo Pai? Você alimenta em si valores que te atraem, que te aproximam do Pai e de seu Filho Jesus, ou tem alimentado contra-valores que te atraem para o oposto, afastando você do Pai e de seu Filho Jesus?          

            Nesse dia dos pais e nessa abertura da Semana da Família oramos pelos pais que se encontram caídos por terra, desanimados, pais que desistiram de lutar por si mesmos e pelos seus ideais, pais que deixaram de sentir-se atraídos por Deus e hoje são atraídos por situações que os afastam mais e mais da Vida que só pode ser encontrada na comunhão com Deus. Oramos também pelos que não abandonaram seu caminho de fé, mas que têm procurado percorrê-lo alimentando-se de Deus todos os dias, para que, levando consigo suas famílias, possam chegar com elas até o monte de Deus. Oramos por nossas famílias a fim de que tenham o espaço diário necessário para escutar o Pai, deixar-se instruir por Ele e fortaleça seu vínculo de fé com Jesus Cristo, no qual encontramos já agora a vida eterna e em nosso último dia, a ressurreição.  
                      Pe. Paulo Cezar Mazzi

domingo, 5 de agosto de 2012

“Senhor Deus, tu o sabes” (Ez 37,3)


            Uma das páginas mais profundas da Sagrada Escritura é aquela em que o Espírito de Deus conduz o profeta Ezequiel a um vale cheio de ossos secos e lhe pergunta: “Criatura humana, porventura tornarão a viver estes ossos?”. Então, Ezequiel respondeu: “Senhor Deus, tu o sabes” (Ez 37,3). Aqueles ossos secos representavam o povo de Israel, que vivia dizendo: “Os nossos ossos estão secos, a nossa esperança está desfeita. Para nós, tudo está acabado” (Ez 37,11).
            Neste mês de agosto, em que celebramos a Semana Nacional da Família, convém acolher a pergunta que Deus está fazendo ao nosso coração: “Você acredita que os ossos secos da sua família poderão tornar a viver?” Poderá o seu casamento voltar a viver? Poderá a fé voltar a viver no coração de seu filho ou de sua filha? Poderá o seu relacionamento com determinada pessoa voltar a viver? Poderá o amor voltar a viver dentro do seu coração? Poderá voltar a viver a alegria, o perdão, o diálogo, a esperança, a paz em sua casa, em sua vida?
            Perceba que Ezequiel devolve a pergunta para Deus em forma de uma declaração de fé: “Senhor Deus, tu o sabes” (Ez 37,3). Por nós mesmos, não podemos fazer voltar a viver algo que nós mesmos matamos ou deixamos que morresse. Mas não se trata daquilo que nós podemos, e sim daquilo que Deus pode. O que nós não vemos, Ele vê. O que nós não alcançamos, Ele alcança. Onde nós só conseguimos enxergar cinzas e destruição, Ele consegue ver brasas acesas debaixo das cinzas, vida debaixo dos escombros. As palavras “Senhor Deus, tu o sabes” são uma declaração de que o que é impossível a nós não o é a Deus.
           Aquilo que secou, aquilo que morreu em sua família só pode voltar a viver se for colocado nas mãos de Deus. Contudo, há algo que você é chamado(a) a fazer. Para que aqueles ossos secos voltassem a viver, Deus mandou Ezequiel fazer duas coisas: profetizar a Palavra àqueles ossos e, depois, invocar o Espírito de Deus sobre eles (cf. Ez 37,4-10). A mudança não aconteceu de forma rápida, mágica ou instantânea. Conforme os ossos secos iam ouvindo a Palavra de Deus, primeiro se aproximaram uns dos outros; depois começaram a ser cobertos de tendões; depois, de carne; depois, foram revestidos de pele. Finalmente, quando voltaram a ser corpos humanos, foram penetrados pelo Espírito de Deus e voltaram a viver.
         Da mesma forma como as coisas não secam ou morrem em nós de uma hora para outra, assim também elas não voltam a viver de uma hora para outra, sem que haja, da nossa parte, a firme decisão de reconduzir o nosso coração para Deus e de obedecermos àquilo que a sua Palavra nos ensina, deixando-nos conduzir pelo seu Espírito, até que a vida da nossa família seja reconstruída. Quem tem pressa, quem procura por soluções mágicas, quem deseja respostas fáceis, quem quer colocar tudo nas mãos de Deus e não colocar nada da sua parte para que as mudanças aconteçam, nunca vai ver seus ossos secos voltarem a viver.
             Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Dom e empenho


Missa do 18º. dom. comum. Palavra de Deus: Êxodo 16,2-4.12-15; Efésios 4,17.20-24; João 6,24-35

A nossa reflexão de hoje parte de onde havíamos parado semana passada: quando Jesus percebeu que a multidão que ele havia saciado queria proclamá-lo rei, se retirou e foi sozinho para um lugar afastado (cf. Jo 6,15). Como vimos, essa atitude de Jesus nos ensina que sempre que nós queremos que Deus resolva todos os nossos problemas, sem que façamos aquilo que é nossa responsabilidade fazer, Ele se retira.
Embora Jesus houvesse se retirado e se negado a ser uma solução mágica para os problemas da multidão, ela vai à sua procura. Mas, quando o encontra, Jesus se antecipa em dizer: “Esforcem-se não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna” (Jo 6,27). Há, sem dúvida, um esforço em nossa vida: esforço em nos atualizar para não perder espaço no mercado de trabalho, esforço em tentar aumentar a renda familiar, esforço em dar mais conforto e mais segurança à família, esforço em educar e formar os filhos, esforço em cuidar da saúde etc. Mas Jesus pergunta: seu esforço está em função de quê? De algo que se perde ou de algo que permanece até a vida eterna? Você se preocupa em cuidar da sua vida espiritual tanto quanto cuida da sua vida material? Há um esforço seu em ajudar seus filhos a cultivarem valores espirituais desde pequenos? Que esforço você faz para ter um contato diário e profundo com Deus e com a Sua Palavra?
            A nossa relação com Deus é como uma moeda: de um lado está o dom; do outro lado, o empenho. O dom diz respeito a Deus: é iniciativa d’Ele nos amar, nos criar, nos libertar e nos salvar. Mas o empenho diz respeito a nós: cabe a nós o esforço em caminhar com Deus, em lidar com o cansaço próprio do caminho, em perseverar diante das dificuldades. O povo de Israel queria o dom (Terra Prometida), mas não queria o empenho (lidar com a fome e a sede no deserto). Começou, então, a se arrepender de ter deixado as panelas de carne e o pão com fartura que havia no Egito, terra da escravidão (cf. Ex 16,3).
            Quantas vezes nós abandonamos um tratamento de saúde, um caminho de conversão, um trabalho de reconstrução dos nossos relacionamentos porque aquilo exige de nós empenho? Queremos os benefícios, mas não estamos dispostos a arcar com nenhum tipo de custo. Deus sempre providencia aquilo que precisamos para não desanimarmos, para não morrermos no meio do caminho. Mas o seu dom é para somar forças com o nosso empenho e não para substituí-lo.
Jesus é o dom de salvação do Pai para cada um de nós. Qual tem sido o nosso empenho em permanecer com ele? Se Jesus esclarece que o nosso empenho consiste em crer nele, nós apresentamos nossas desculpas: “Que sinal realizas para que possamos ver e crer em ti?” (Jo 6,30). Por trás dessa pergunta, está uma exigência de garantia. É como se você se perguntasse: ‘Que garantia Jesus me dá de que vale a pena crer nele, de que ele não vai se retirar como se retirou, quando eu tentar fazer dele um ídolo, algo que controlo e manipulo a meu favor?’ A nossa tentação é a mesma daquela multidão: “Senhor, dá-nos sempre desse pão!” (Jo 6,34). Por trás da palavra “sempre” está a tentação de ter encontrado definitivamente, de não mais precisar buscar, de não mais precisar nos empenhar, porque o dom já está garantido para sempre.
            O alimento não é um fim em si mesmo. Ele nos remete para algo. Ele nos sustenta em busca de algo. Ele é dom para sustentar o nosso empenho em alcançar o que nos foi prometido. Se Jesus é o dom por excelência do Pai, o pão que desce do céu e dá vida ao mundo, a nós cabe o empenho em nos despojar do velho homem, da pessoa movida pelo egoísmo e arrastada pelas próprias paixões enganadoras, para nos revestir do homem novo, da pessoa que se empenha em caminhar segundo a verdadeira justiça, segundo a santidade do Deus que Se fez dom em Seu Filho Jesus (cf. Ef 4,22-24).
Iniciando o mês vocacional, é oportuno lembrar que em inúmeras comunidades católicas faltam padres, homens que são dom de Deus a uma Igreja que se empenha em orar e trabalhar pelas vocações. A falta de padres tem tornado escasso o alimento que permanece até a vida eterna. Nos empenhemos, portanto, em rezar e trabalhar pelas vocações, para que o Pai conceda o dom da presença sacerdotal junto aos seus filhos e filhas famintos do d”aquele que desce do céu e dá vida ao mundo” (Jo 6,33). 
                                                                                                                  Pe. Paulo Cezar Mazzi