Missa do 26º. dom. comum. Josué
24,1-2a.15-17.18b; Efésios 5,21-32; João 6,60-69.
O
Censo de 2010, recentemente divulgado, indica uma perda contínua e acentuada de
católicos em nosso país. Em média, somos ainda
61% da população e, a julgar pela realidade que vemos à nossa volta, essa
porcentagem tende a cair mais. Mencionar isso no começo dessa reflexão é
importante, pois o evangelho que acabamos de ouvir nos coloca diante de um
momento crítico da vida de Jesus: a perda de discípulos. Não apenas a perda de
pessoas (as multidões e os judeus, que estavam com ele no início do capítulo 6
de São João e que depois o deixaram), mas a perda de discípulos!
Enquanto
algumas análises feitas pela nossa Igreja procuram atenuar o impacto da perda
de católicos – quem sabe para não abalar a fé dos que permanecem na Igreja –, o
evangelho não tem nenhum problema em admitir que “muitos discípulos voltaram
atrás e não andavam mais com ele” (Jo 6,66). “Muitos discípulos”, não alguns,
não meia dúzia; muitos. O motivo? “Muitos dos discípulos de Jesus que o escutaram,
disseram: ‘Essa palavra é dura. Quem consegue escutá-la?’” (Jo 6,60). Eis,
então, o motivo: a palavra de Jesus é dura!
A
geração de hoje é uma geração que se melindra facilmente, uma geração que não
aceita ouvir “não”, “não pode”, “não deve”, “é contrário à vontade de
Deus”. A geração de hoje tem audição
seletiva: ouve o que quer ouvir, ouve apenas aquilo que gosta de ouvir. A
respeito dela a Escritura diz: “Virá um tempo em que alguns não suportarão a sã
doutrina; pelo contrário, segundo os seus próprios desejos... se rodearão de
mestres. Desviarão os ouvidos da verdade, orientando-os para as fábulas” (2Tm
4,3-4).
A Palavra é
dura porque Deus não está aqui para alimentar em nós falsas esperanças ou nos
oferecer respostas fáceis. A Palavra é dura porque ela precisa sacudir a nossa
consciência e inquietar o nosso coração, até nos darmos conta de que ou nós
estamos com Deus por inteiro ou não estamos. Quantas pessoas deixaram a Igreja
dizendo que não foram compreendidas em sua dor! Aqui cabe perguntar: elas não
foram compreendidas em sua dor ou não foram atendidas em seus caprichos? Elas
não foram compreendidas em sua dor ou não aceitaram o remédio que a Palavra de
Deus estava lhes oferecendo para tratar da dor que sentiam?
As inúmeras
igrejas e religiões presentes em nossa sociedade existem justamente para isso:
para que as pessoas não se confrontem com a dureza da Palavra de Deus. Quando
estou numa igreja e me sinto incomodado com a Palavra que ouvi, saio e procuro
por outra, onde a Palavra não me incomode. Eis a consequência disso: muitas das
pessoas que mudam de igreja ou de religião não mudam enquanto pessoas;
continuam as mesmas pessoas de sempre, mentindo, trapaceando, adulterando,
prejudicando os outros etc. São como uma peça artística de madeira: mudam a
pintura externa, trocam a cor do verniz, mas continuam com cupim por dentro,
porque não aceitam se confrontar com a dureza da Palavra.
Diante do
argumento de que a sua palavra é dura, Jesus responde: “As palavras que vos
falei (mesmo duras) são espírito e vida” (Jo 6,63). Por mais dura que seja a Palavra
de Deus, por mais que ela nos provoque mal estar, sacuda a nossa consciência,
inquiete o nosso coração, só ela pode nos dar vida e nos conduzir à verdadeira
vida. “Mas entre vós há alguns que não creem” (Jo 6,64). Entre nós, assim como em
todas as igrejas e religiões, há pessoas que são água misturada com óleo, que
usam uma camada de proteção em sua consciência para não se sentirem
interpeladas pela Palavra. São pessoas cujo coração não deu abertura para o Pai
agir com a Sua graça e fazê-las aderir à palavra de Jesus.
Quando Jesus
se deu conta de que estava perdendo muitos discípulos, não amenizou a dureza da
sua palavra, nem se sentiu fracassado como pregador. Jesus não tinha medo de
perder pessoas porque Ele estava alicerçado no Pai. O centro da sua vida era
fazer a vontade do Pai e não agradar as pessoas. Desse modo, ele se voltou para
os doze apóstolos e perguntou: “Vós também quereis ir embora?” (Jo 6,67). Hoje,
diante da constante perda de católicos, Jesus também nos pergunta: ‘Por que vocês
ainda estão aqui?’ Como Pedro, também respondemos: “A quem iremos, Senhor? Tu
tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68). Tuas palavras são duras; são palavras
que não nos apresentam soluções mágicas para os nossos problemas, nem alívio
imediato para as nossas dores, mas são palavras que nos abrem para a vida
eterna, para a verdadeira vida de Deus em nós!
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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