quinta-feira, 23 de agosto de 2012

PALAVRA DURA OU ESPÍRITO MOLE?


Missa do 26º. dom. comum. Josué 24,1-2a.15-17.18b; Efésios 5,21-32; João 6,60-69.

            O Censo de 2010, recentemente divulgado, indica uma perda contínua e acentuada de católicos em nosso país. Em média, somos ainda 61% da população e, a julgar pela realidade que vemos à nossa volta, essa porcentagem tende a cair mais. Mencionar isso no começo dessa reflexão é importante, pois o evangelho que acabamos de ouvir nos coloca diante de um momento crítico da vida de Jesus: a perda de discípulos. Não apenas a perda de pessoas (as multidões e os judeus, que estavam com ele no início do capítulo 6 de São João e que depois o deixaram), mas a perda de discípulos!
           Enquanto algumas análises feitas pela nossa Igreja procuram atenuar o impacto da perda de católicos – quem sabe para não abalar a fé dos que permanecem na Igreja –, o evangelho não tem nenhum problema em admitir que “muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele” (Jo 6,66). “Muitos discípulos”, não alguns, não meia dúzia; muitos. O motivo? “Muitos dos discípulos de Jesus que o escutaram, disseram: ‘Essa palavra é dura. Quem consegue escutá-la?’” (Jo 6,60). Eis, então, o motivo: a palavra de Jesus é dura!
         A geração de hoje é uma geração que se melindra facilmente, uma geração que não aceita ouvir “não”, “não pode”, “não deve”, “é contrário à vontade de Deus”.  A geração de hoje tem audição seletiva: ouve o que quer ouvir, ouve apenas aquilo que gosta de ouvir. A respeito dela a Escritura diz: “Virá um tempo em que alguns não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, segundo os seus próprios desejos... se rodearão de mestres. Desviarão os ouvidos da verdade, orientando-os para as fábulas” (2Tm 4,3-4).   
A Palavra é dura porque Deus não está aqui para alimentar em nós falsas esperanças ou nos oferecer respostas fáceis. A Palavra é dura porque ela precisa sacudir a nossa consciência e inquietar o nosso coração, até nos darmos conta de que ou nós estamos com Deus por inteiro ou não estamos. Quantas pessoas deixaram a Igreja dizendo que não foram compreendidas em sua dor! Aqui cabe perguntar: elas não foram compreendidas em sua dor ou não foram atendidas em seus caprichos? Elas não foram compreendidas em sua dor ou não aceitaram o remédio que a Palavra de Deus estava lhes oferecendo para tratar da dor que sentiam?
As inúmeras igrejas e religiões presentes em nossa sociedade existem justamente para isso: para que as pessoas não se confrontem com a dureza da Palavra de Deus. Quando estou numa igreja e me sinto incomodado com a Palavra que ouvi, saio e procuro por outra, onde a Palavra não me incomode. Eis a consequência disso: muitas das pessoas que mudam de igreja ou de religião não mudam enquanto pessoas; continuam as mesmas pessoas de sempre, mentindo, trapaceando, adulterando, prejudicando os outros etc. São como uma peça artística de madeira: mudam a pintura externa, trocam a cor do verniz, mas continuam com cupim por dentro, porque não aceitam se confrontar com a dureza da Palavra.   
Diante do argumento de que a sua palavra é dura, Jesus responde: “As palavras que vos falei (mesmo duras) são espírito e vida” (Jo 6,63). Por mais dura que seja a Palavra de Deus, por mais que ela nos provoque mal estar, sacuda a nossa consciência, inquiete o nosso coração, só ela pode nos dar vida e nos conduzir à verdadeira vida. “Mas entre vós há alguns que não creem” (Jo 6,64). Entre nós, assim como em todas as igrejas e religiões, há pessoas que são água misturada com óleo, que usam uma camada de proteção em sua consciência para não se sentirem interpeladas pela Palavra. São pessoas cujo coração não deu abertura para o Pai agir com a Sua graça e fazê-las aderir à palavra de Jesus.
Quando Jesus se deu conta de que estava perdendo muitos discípulos, não amenizou a dureza da sua palavra, nem se sentiu fracassado como pregador. Jesus não tinha medo de perder pessoas porque Ele estava alicerçado no Pai. O centro da sua vida era fazer a vontade do Pai e não agradar as pessoas. Desse modo, ele se voltou para os doze apóstolos e perguntou: “Vós também quereis ir embora?” (Jo 6,67). Hoje, diante da constante perda de católicos, Jesus também nos pergunta: ‘Por que vocês ainda estão aqui?’ Como Pedro, também respondemos: “A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68). Tuas palavras são duras; são palavras que não nos apresentam soluções mágicas para os nossos problemas, nem alívio imediato para as nossas dores, mas são palavras que nos abrem para a vida eterna, para a verdadeira vida de Deus em nós!    
                                        Pe. Paulo Cezar Mazzi

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