quarta-feira, 14 de junho de 2017

QUE HAJA PÃO EM TODAS AS MESAS E QUE ELE NÃO SEJA "PÃO SUJO"

Missa do Corpo e Sangue do Senhor. Palavra de Deus: Deuteronômio 8,2-3.14b-16a; 1Coríntios 10,16-17; João 6,51-58.

            Um simples pedaço de pão nos lembra algo muito importante: nenhum ser humano é auto-sustentável; todos nós somos sustentados fisicamente pelo pão/alimento que comemos, o que significa que, sem o sustento que vem do alimento, nós desfalecemos, adoecemos e morremos. Mas o alimento não é apenas um sustento para a sobrevivência; a Sagrada Escritura também nos fala dele como algo sem o qual nós não conseguimos atingir a meta da nossa vida. Foi assim, por exemplo, com o profeta Elias, quando o anjo do Senhor lhe disse: “Levanta-te e come, pois o caminho que tens a percorrer está acima das tuas forças” (1Rs 19,7).
            O caminho que temos ainda a percorrer aparece simbolizado no relato da travessia do deserto pelo povo de Israel. Ao longo da vida nós temos que atravessar diversos desertos; temos que fazer diversas passagens que possam nos tirar de uma situação de injustiça, de sofrimento ou de morte, para uma situação de vida mais digna e plena, a vida que Deus quer para a humanidade. Embora essa travessia nunca seja feita sem dificuldade, Deus se antecipa e nos garante a sua presença como Pai, alimentando-nos como filhos e sustentando-nos na importante travessia da vida. O maná, o pão descido do céu, ficou para sempre marcado na Escritura como o cuidado de Deus para com seu povo no deserto (cf. Dt 8,15-16).  
            Mas o pão que Deus enviou do céu também significou correção, educação, disciplina para o povo de Israel. Assim, nós entendemos que Deus se coloca junto a nós não somente como Pai que provê nossas necessidades, mas como Pai que também nos educa, para compreendermos que “nem só de pão vive o homem” (Dt 8,3), ou seja, nós não vivemos somente daquilo que produzimos, daquilo que nossa força, nossa inteligência e nosso dinheiro podem nos dar; nós vivemos, sobretudo, da obediência à voz de Deus em nossa consciência. Tomar consciência de que nós não vivemos somente daquilo comemos ou consumimos significa cuidar também da nossa alma, do nosso espírito; significa ainda ouvir a fome e a sede que tantas pessoas à nossa volta têm de justiça, de oportunidade, de respeito e de paz.
            Diante da grave situação política e econômica pela qual passa o nosso País, nossos Bispos pediram que a celebração de Corpus Christi seja uma intensa jornada de oração pelo Brasil. Neste sentido, devemos recordar que a Eucaristia, enquanto Corpo de Cristo, é pão sem fermento, porque Jesus sempre viveu como um homem íntegro, não corrompido. Todos nós, brasileiros, mas principalmente nós, que comungamos o Corpo de Cristo, precisamos assumir o compromisso diário de nos desfazer do fermento da violência, da injustiça e da corrupção, seja não elegendo mais políticos corruptos, seja formando a consciência das novas gerações para a ética e a justiça, seja revendo a maneira como “ganhamos” o nosso pão de cada dia.    
Certa vez, o Papa Francisco nos alertou a respeito do “pão sujo”. O que é o “pão sujo”? É o pão adquirido com trabalho desonesto, corrupto. Quantos filhos, afirmou nosso Papa, “talvez educados em colégios caros, talvez criados em ambientes cultos, recebem dos pais comida suja, porque seus pais, trazendo pão sujo para casa, perderam sua dignidade!” Quantos filhos têm fome de dignidade? A Eucaristia também nos ensina que Deus quer que o pão que comemos em casa seja fruto de um trabalho honesto. E já que nos referimos aos pais e aos filhos, tomemos cuidado para não reduzir a nossa compreensão de pais a “provedores” das necessidades dos filhos. Da mesma forma como os pais não são meros “provedores” dos filhos, estes também não deveriam crescer como meros “receptores” ou “consumidores” daquilo que recebem dos pais. Nossas famílias não podem ser lugares onde uns vivem sobrecarregados e outros folgados. Lembremos a regra bíblica do apóstolo Paulo: “Quem não quer trabalhar também não tem que comer” (2Ts 3,10).
Agora a pouco, o apóstolo Paulo nos recordou que o sacramento da Eucaristia em nossa Igreja também se chama “comunhão”: comunhão com o Corpo e com o Sangue do Senhor. Assim como é importante reconhecer o Corpo de Cristo na Eucaristia é igualmente reconhecer Jesus presente nos que sofrem e que cruzam o nosso caminho. As mesmas mãos que se abrem e se estendem para receber o Corpo de Cristo precisam se abrir e se estender para o irmão que cruza o nosso caminho. Se na Eucaristia nós comungamos o “corpo entregue” de Jesus e o seu “sangue derramado”, isso significa que, assim como Jesus, devemos viver também para o bem dos outros, como se Jesus continuamente nos dissesse: “Eu me dou a você para que você possa continuar dando-se aos outros”.
Enfim, neste dia em que Jesus se define como “pão vivo descido do céu”, cuja carne é “verdadeira comida” e cujo sangue é “verdadeira bebida” (cf. Jo 6,51.55), precisamos mais uma vez nos lembrar dos 14 milhões de brasileiros desempregados. Sabemos que o desemprego em nosso país é consequência direta de uma política adoecida pela corrupção e de uma economia contaminada pela ganância do mercado, para o qual o ser humano é apenas um número. Diante dessa triste realidade, há duas coisas que nós podemos fazer, como cristãos: a primeira é não eleger mais os mesmos políticos responsáveis pela situação em que se encontra o nosso país; a segunda é fortalecer a nossa solidariedade para com os desempregados neste momento crítico, recordando que entre os primeiros cristãos “não havia necessitados”, pois cada um colocava à disposição de todos os bens que possuía (cf. At 4,34-35).

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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