Missa do Corpo e
Sangue do Senhor. Palavra de Deus: Deuteronômio 8,2-3.14b-16a; 1Coríntios
10,16-17; João 6,51-58.
Um simples pedaço de pão nos lembra algo
muito importante: nenhum ser humano é auto-sustentável; todos nós somos
sustentados fisicamente pelo pão/alimento que comemos, o que significa que, sem
o sustento que vem do alimento, nós desfalecemos, adoecemos e morremos. Mas o
alimento não é apenas um sustento para a sobrevivência; a Sagrada Escritura também
nos fala dele como algo sem o qual nós não conseguimos atingir a meta da nossa
vida. Foi assim, por exemplo, com o profeta Elias, quando o anjo do Senhor lhe
disse: “Levanta-te e come, pois o caminho que tens a percorrer está acima das
tuas forças” (1Rs 19,7).
O caminho que temos ainda a
percorrer aparece simbolizado no relato da travessia do deserto pelo povo de
Israel. Ao longo da vida nós temos que atravessar diversos desertos; temos que
fazer diversas passagens que possam nos tirar de uma situação de injustiça, de
sofrimento ou de morte, para uma situação de vida mais digna e plena, a vida
que Deus quer para a humanidade. Embora essa travessia nunca seja feita sem
dificuldade, Deus se antecipa e nos garante a sua presença como Pai,
alimentando-nos como filhos e sustentando-nos na importante travessia da vida.
O maná, o pão descido do céu, ficou para sempre marcado na Escritura como o
cuidado de Deus para com seu povo no deserto (cf. Dt 8,15-16).
Mas o pão que Deus enviou do céu
também significou correção, educação, disciplina para o povo de Israel. Assim,
nós entendemos que Deus se coloca junto a nós não somente como Pai que provê
nossas necessidades, mas como Pai que também nos educa, para compreendermos que
“nem só de pão vive o homem” (Dt 8,3), ou seja, nós não vivemos somente daquilo
que produzimos, daquilo que nossa força, nossa inteligência e nosso dinheiro
podem nos dar; nós vivemos, sobretudo, da obediência à voz de Deus em nossa
consciência. Tomar consciência de que nós não vivemos somente daquilo comemos
ou consumimos significa cuidar também da nossa alma, do nosso espírito;
significa ainda ouvir a fome e a sede que tantas pessoas à nossa volta têm de
justiça, de oportunidade, de respeito e de paz.
Diante da grave situação política e
econômica pela qual passa o nosso País, nossos Bispos pediram que a celebração
de Corpus Christi seja uma intensa jornada de oração pelo Brasil. Neste
sentido, devemos recordar que a Eucaristia, enquanto Corpo de Cristo, é pão sem
fermento, porque Jesus sempre viveu como um homem íntegro, não corrompido. Todos
nós, brasileiros, mas principalmente nós, que comungamos o Corpo de Cristo, precisamos
assumir o compromisso diário de nos desfazer do fermento da violência, da
injustiça e da corrupção, seja não elegendo mais políticos corruptos, seja formando
a consciência das novas gerações para a ética e a justiça, seja revendo a
maneira como “ganhamos” o nosso pão de cada dia.
Certa
vez, o Papa Francisco nos alertou a respeito do “pão sujo”. O que é o “pão
sujo”? É o pão adquirido com trabalho desonesto, corrupto. Quantos filhos,
afirmou nosso Papa, “talvez educados em colégios caros, talvez criados em
ambientes cultos, recebem dos pais comida suja, porque seus pais, trazendo pão
sujo para casa, perderam sua dignidade!” Quantos filhos têm fome de dignidade? A
Eucaristia também nos ensina que Deus quer que o pão que comemos em casa seja
fruto de um trabalho honesto. E já que nos referimos aos pais e aos filhos,
tomemos cuidado para não reduzir a nossa compreensão de pais a “provedores” das
necessidades dos filhos. Da mesma forma como os pais não são meros “provedores”
dos filhos, estes também não deveriam crescer como meros “receptores” ou
“consumidores” daquilo que recebem dos pais. Nossas famílias não podem ser
lugares onde uns vivem sobrecarregados e outros folgados. Lembremos a regra bíblica
do apóstolo Paulo: “Quem não quer trabalhar também não tem que comer” (2Ts
3,10).
Agora
a pouco, o apóstolo Paulo nos recordou que o sacramento da Eucaristia em nossa
Igreja também se chama “comunhão”: comunhão com o Corpo e com o Sangue do
Senhor. Assim como é importante reconhecer o Corpo de Cristo na Eucaristia é igualmente
reconhecer Jesus presente nos que sofrem e que cruzam o nosso caminho. As
mesmas mãos que se abrem e se estendem para receber o Corpo de Cristo precisam
se abrir e se estender para o irmão que cruza o nosso caminho. Se na Eucaristia
nós comungamos o “corpo entregue” de Jesus e o seu “sangue derramado”, isso significa
que, assim como Jesus, devemos viver também para o bem dos outros, como se
Jesus continuamente nos dissesse: “Eu me dou a você para que você possa
continuar dando-se aos outros”.
Enfim,
neste dia em que Jesus se define como “pão vivo descido do céu”, cuja carne é
“verdadeira comida” e cujo sangue é “verdadeira bebida” (cf. Jo 6,51.55),
precisamos mais uma vez nos lembrar dos 14 milhões de brasileiros
desempregados. Sabemos que o desemprego em nosso país é consequência direta de
uma política adoecida pela corrupção e de uma economia contaminada pela
ganância do mercado, para o qual o ser humano é apenas um número. Diante dessa
triste realidade, há duas coisas que nós podemos fazer, como cristãos: a
primeira é não eleger mais os mesmos políticos responsáveis pela situação em
que se encontra o nosso país; a segunda é fortalecer a nossa solidariedade para
com os desempregados neste momento crítico, recordando que entre os primeiros
cristãos “não havia necessitados”, pois cada um colocava à disposição de todos
os bens que possuía (cf. At 4,34-35).
Nenhum comentário:
Postar um comentário