quinta-feira, 1 de maio de 2014

INTERPRETAR A VIDA A PARTIR DA SAGRADA ESCRITURA


Missa do 3º. dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos 2,14a.22-33; 1Pedro 1,17-21; Lucas 24,13-35.

            Existem acontecimentos que varrem para longe de nós a fé, enterram a nossa esperança e apagam o fervor do nosso coração. Existem acontecimentos que parecem destruir dentro de nós a imagem que temos de Deus, de que Ele é um Pai amoroso e misericordioso, que cuida de nós e que se importa conosco. Existem acontecimentos que nos tiram de Jerusalém e nos fazem caminhar para Emaús, isto é, que nos fazem abandonar nossos ideais e nossos sonhos, porque a presença da cruz acaba nos convencendo de que não adianta esperar por grandes mudanças ou grandes transformações em nossa vida.
          Mas aquilo que apaga a nossa fé, sepulta a nossa esperança e torna frio o nosso coração não é este ou aquele acontecimento ruim, e sim a forma como nós o interpretamos. O que fez os dois discípulos deixarem Jerusalém e caminharem para Emaús foi o fato de eles não conseguirem encontrar uma explicação para o que aconteceu com Jesus. Certamente, há muitas coisas para as quais você ainda não encontrou explicação na sua vida, coisas que vão precisar de tempo para serem entendidas e assimiladas por você. Mas também é verdade que há coisas para as quais você não quer encontrar explicação porque isso acabaria revelando a sua parcela de responsabilidade no que aconteceu.  
            Justamente porque a dor não é causada pelo sofrimento em si, mas pela forma como nós o interpretamos e como lidamos com ele, Jesus ressuscitado entrou na dor dos dois discípulos e os ajudou a interpretá-la à luz da Sagrada Escritura (cf. Lc 24,27). Pedro fez a mesma coisa no dia de Pentecostes: recorreu às Escrituras – especificamente ao salmo 16 – para falar da morte e da ressurreição de Jesus (cf. At 2,23-31). Qual é o seu contato com a Bíblia? Com que frequência você a lê? Existe algum aplicativo no seu celular ou no seu tablet que coloca você em contato com a Palavra de Deus? Quantos de nós precisamos daquele puxão de orelhas que Paulo deu à comunidade de Corinto, quando disse: “Alguns dentre vós tudo ignoram a respeito de Deus” (1Cor 15,34)?
            A Sagrada Escritura não nos oferece respostas prontas para todas as nossas perguntas. Ela nos ajuda a interpretar os acontecimentos à luz do plano que Deus tem para cada um de nós, de forma que nós possamos dizer com o salmista: “Meu destino está seguro em vossas mãos... Vós me ensinais vosso caminho para a vida...” (Sl 16,5.11). Foi relembrando aos discípulos trechos da Bíblia que Jesus esclareceu que Ele devia sofrer o que sofreu para entrar na sua glória (cf. Lc 24,26). Portanto, sempre que você estiver na desolação, recorra à Palavra de Deus, para que ela o(a) ajude a interpretar corretamente o seu sofrimento e lhe dar a verdadeira consolação que vem de Deus.
           O diálogo de Jesus com aqueles dois discípulos lhes devolveu o ânimo, a fé e a esperança, traduzidos nessas palavras: “Não estava ardendo o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?” (Lc 24,32). Há muitas cinzas no coração de cada um de nós, cinzas de sonhos e de esperanças que foram aparentemente queimados, destruídos, pela forma como interpretamos o que nos aconteceu e pela forma como lidamos com aquele sofrimento. Deixemos com que o sopro do Espírito Santo, que inspirou cada profecia da Sagrada Escritura (cf. 2Pd 1,21), varra para longe as cinzas que encobrem as brasas que ardem no mais profundo de nós, para que recobremos a fé, a esperança, a alegria e o sentido de viver e de caminhar com Cristo.                                                                                                                   Hoje, o nosso pedido ao Senhor ressuscitado é o mesmo dos discípulos de Emaús: “Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando!” (Lc 24,29). Fica conosco, Senhor Jesus, quando caminhamos na vida como que cegos, sem enxergar a Tua presença junto a nós! Fica conosco, e com a luz da Tua palavra, ajuda-nos a interpretar corretamente os acontecimentos que nos atingem. Fica conosco, pois a noite se estende sobre a humanidade: a noite das guerras, dos conflitos e da violência; a noite do desemprego, da fome e da miséria; a noite da migração forçada, da inimizade e da separação das famílias. Fica conosco, Senhor Jesus, e devolva o ardor da fé ao nosso coração!
“Jesus entrou para ficar com eles”, e quando, sentado à mesa, “tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lhes distribuía... os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus. Jesus, porém, desapareceu da frente deles” (Lc 24,29-31). Os mesmos discípulos, que estavam como que cegos e não reconheceram Jesus que caminhava com eles, voltaram para Jerusalém e disseram aos outros discípulos “como tinham reconhecido Jesus ao partir o pão” (Lc 24,35). Nós reconhecemos Jesus na Eucaristia, ou ela se tornou um rito tão repetitivo e tão monótono, que precisamos que Jesus se manifeste de outras formas para que possamos reconhecê-Lo?
Para terminar, é urgente refletir sobre essa atitude de Jesus ser reconhecido “ao partir o pão” também a partir do ponto de vista social: “O mundo de hoje reconhece o Cristo quando os cristãos sabem verdadeiramente ‘partir o pão’, (o que significa assumir)... um compromisso de justiça, de solidariedade, de defesa daqueles cujo pão é roubado pelas injustiças dos homens e dos sistemas sociais errados” (Missal dominical, p.369). 

                                                                Pe. Paulo Cezar Mazzi 

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