Missa
do 3º. dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos 2,14a.22-33; 1Pedro 1,17-21; Lucas
24,13-35.
Existem acontecimentos que varrem
para longe de nós a fé, enterram a nossa esperança e apagam o fervor do nosso
coração. Existem acontecimentos que parecem destruir dentro de nós a imagem que
temos de Deus, de que Ele é um Pai amoroso e misericordioso, que cuida de nós e
que se importa conosco. Existem acontecimentos que nos tiram de Jerusalém e nos
fazem caminhar para Emaús, isto é, que nos fazem abandonar nossos ideais e
nossos sonhos, porque a presença da cruz acaba nos convencendo de que não adianta
esperar por grandes mudanças ou grandes transformações em nossa vida.
Mas aquilo que apaga a nossa fé,
sepulta a nossa esperança e torna frio o nosso coração não é este ou aquele
acontecimento ruim, e sim a forma como nós o interpretamos. O que fez os dois
discípulos deixarem Jerusalém e caminharem para Emaús foi o fato de eles não
conseguirem encontrar uma explicação para o que aconteceu com Jesus. Certamente,
há muitas coisas para as quais você ainda não encontrou explicação na sua vida,
coisas que vão precisar de tempo para serem entendidas e assimiladas por você.
Mas também é verdade que há coisas para as quais você não quer encontrar
explicação porque isso acabaria revelando a sua parcela de responsabilidade no
que aconteceu.
Justamente porque a dor não é
causada pelo sofrimento em si, mas pela forma como nós o interpretamos e como
lidamos com ele, Jesus ressuscitado entrou na dor dos dois discípulos e os
ajudou a interpretá-la à luz da Sagrada Escritura (cf. Lc 24,27). Pedro fez a
mesma coisa no dia de Pentecostes: recorreu às Escrituras – especificamente ao
salmo 16 – para falar da morte e da ressurreição de Jesus (cf. At 2,23-31). Qual
é o seu contato com a Bíblia? Com que frequência você a lê? Existe algum
aplicativo no seu celular ou no seu tablet que coloca você em contato com a
Palavra de Deus? Quantos de nós precisamos daquele puxão de orelhas que Paulo
deu à comunidade de Corinto, quando disse: “Alguns dentre vós tudo ignoram a
respeito de Deus” (1Cor 15,34)?
A Sagrada Escritura não nos oferece respostas
prontas para todas as nossas perguntas. Ela nos ajuda a interpretar os
acontecimentos à luz do plano que Deus tem para cada um de nós, de forma que
nós possamos dizer com o salmista: “Meu destino está seguro em vossas mãos... Vós
me ensinais vosso caminho para a vida...” (Sl 16,5.11). Foi relembrando aos
discípulos trechos da Bíblia que Jesus esclareceu que Ele devia sofrer o que
sofreu para entrar na sua glória (cf. Lc 24,26). Portanto, sempre que você
estiver na desolação, recorra à Palavra de Deus, para que ela o(a) ajude a
interpretar corretamente o seu sofrimento e lhe dar a verdadeira consolação que
vem de Deus.
O diálogo de Jesus com aqueles dois
discípulos lhes devolveu o ânimo, a fé e a esperança, traduzidos nessas palavras:
“Não estava ardendo o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho e nos
explicava as Escrituras?” (Lc 24,32). Há muitas cinzas no coração de cada um de
nós, cinzas de sonhos e de esperanças que foram aparentemente queimados,
destruídos, pela forma como interpretamos o que nos aconteceu e pela forma como
lidamos com aquele sofrimento. Deixemos com que o sopro do Espírito Santo, que
inspirou cada profecia da Sagrada Escritura (cf. 2Pd 1,21), varra para longe as
cinzas que encobrem as brasas que ardem no mais profundo de nós, para que
recobremos a fé, a esperança, a alegria e o sentido de viver e de caminhar com
Cristo. Hoje, o nosso pedido ao Senhor ressuscitado
é o mesmo dos discípulos de Emaús: “Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem
chegando!” (Lc 24,29). Fica conosco, Senhor Jesus, quando caminhamos na vida
como que cegos, sem enxergar a Tua presença junto a nós! Fica conosco, e com a
luz da Tua palavra, ajuda-nos a interpretar corretamente os acontecimentos que
nos atingem. Fica conosco, pois a noite se estende sobre a humanidade: a noite
das guerras, dos conflitos e da violência; a noite do desemprego, da fome e da
miséria; a noite da migração forçada, da inimizade e da separação das famílias.
Fica conosco, Senhor Jesus, e devolva o ardor da fé ao nosso coração!
“Jesus entrou para ficar com eles”, e
quando, sentado à mesa, “tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lhes distribuía...
os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus. Jesus, porém,
desapareceu da frente deles” (Lc 24,29-31). Os mesmos discípulos, que estavam
como que cegos e não reconheceram Jesus que caminhava com eles, voltaram para
Jerusalém e disseram aos outros discípulos “como tinham reconhecido Jesus ao
partir o pão” (Lc 24,35). Nós reconhecemos Jesus na Eucaristia, ou ela se
tornou um rito tão repetitivo e tão monótono, que precisamos que Jesus se
manifeste de outras formas para que possamos reconhecê-Lo?
Para terminar, é urgente refletir sobre
essa atitude de Jesus ser reconhecido “ao partir o pão” também a partir do
ponto de vista social: “O mundo de hoje reconhece o Cristo quando os cristãos
sabem verdadeiramente ‘partir o pão’, (o que significa assumir)... um
compromisso de justiça, de solidariedade, de defesa daqueles cujo pão é roubado
pelas injustiças dos homens e dos sistemas sociais errados” (Missal dominical, p.369).
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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