quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

DEUS ESCOLHEU HABITAR EM NOSSA INSIGNIFICÂNCIA E DESAMPARO

 Missa do 4º dom. advento. Palavra de Deus: 2Samuel 7,1-5.8b-12.14a.16; Romanos 16,25-27; Lucas 1,26-38.

 

Onde Deus habita? Onde Ele escolheu habitar? A resposta se encontra no livro do profeta Isaías: “Eu, o Senhor, habito em lugar alto e santo, mas estou junto com o humilhado e desamparado, a fim de animar os espíritos desamparados, a fim de animar os corações humilhados” (57,15).

O rei Davi, sustentado por Deus, derrotou todos os seus inimigos e construiu um palácio majestoso em Jerusalém. Instalado no seu palácio, pensou em construir um Templo para Deus habitar, uma vez que a Arca da Aliança, símbolo da presença de Deus no meio de Israel, “habitava” numa tenda, símbolo não só de provisoriedade, mas também do Deus peregrino, que caminha com seu povo.

A ideia de Davi parecia boa, tanto que até o profeta Natã assinou embaixo! Mas Deus tinha outros planos: não era Davi que construiria uma casa (Templo) para Deus habitar, e sim o próprio Deus faria uma casa para Davi: “(...) o Senhor te anuncia que te fará uma casa... Tua casa e teu reino serão estáveis para sempre diante de mim” (2Sm 7,11.16). A “casa” era o juramento de que nunca faltaria no trono de Israel um descendente de Davi.

Quando Salomão, o filho de Davi, construiu o Templo de Jerusalém, Deus acolheu aquela construção enchendo-a com a nuvem da Sua presença, a ponto de Salomão se encher de orgulho e afirmar: “O Senhor decidiu habitar a Nuvem escura. Sim, eu construí para ti uma morada, uma casa em que habitas para sempre” (1Rs 8,12-13). Mas Salomão estava enganado. O Templo que ele construiu não era eterno. Destruído em 587 aC, pela Babilônia, e reconstruído mais tarde por Esdras e Neemias, o Templo de Jerusalém foi destruído pelo Império Romano no ano 70 dC, restando dele, até hoje, apenas uma parte da sua muralha externa, chamada de “muro das lamentações”. Curiosamente, no lugar do Templo foi construída a principal mesquita dos muçulmanos.

O que tudo isso tem a nos dizer? Nenhuma casa ou templo que possamos construir para Deus habitar é garantia de que Ele estará ali “para sempre”. Como afirmou Estêvão, “o Altíssimo não habita em obras de mãos humanas” (At 7,48). Nenhuma igreja ou religião pode se presumir “possuidora” de Deus. Deus é absolutamente livre e não cabe dentro de nenhum templo, nenhuma igreja, nenhuma ideia, nenhum conceito e nenhum sentimento ou emoção que possamos ter ou experimentar a respeito d’Ele.

Onde Deus habita? Onde Ele escolheu habitar? Ele escolheu habitar no seio de uma virgem, moradora da insignificante Nazaré. “De Nazaré pode sair algo de bom?” (Jo 1,45), perguntou Natanael. Por que Deus, ao desejar se fazer pessoa humana em seu Filho Jesus Cristo, não escolheu o seio de uma rainha, de uma mulher da corte, de uma habitante da capital de Israel, Jerusalém? Por que se fazer pessoa humana no seio de uma simples “Maria”, habitante de uma desprezada e até mesmo odiada Nazaré? Exatamente porque Ele escolheu fazer sua morada entre os insignificantes e entre os desamparados deste mundo.

A liturgia de hoje nos convida a reler a nossa história de vida. Nós acolhemos a nossa “insignificância” e o nosso “desamparo” perante o mundo? Talvez, o “Templo” que um dia construímos a Deus, na esperança de que Ele nunca nos abandonasse, na pretensão de que Ele ficasse conosco para sempre, tenha sido destruído. Não só isso; talvez a casa que Deus prometeu “ser estável para sempre” em nossa vida foi ou esteja sendo destruída. O que hoje é “estável para sempre”? Nada, absolutamente nada. Nossa fé não vive de estabilidade; ela vive de uma convicção: “Para onde ir longe do teu Espírito? Para onde fugir, longe da tua presença? Se subo aos céus, tu lá estás; se desço ao abismo, ali também te encontro” (Sl 139,7-8).     

Deus está conosco como Presença escondida, quer estejamos “para cima”, quer estejamos “para baixo”; quer a nossa casa esteja estável, quer ela esteja instável; quer ela ainda esteja em pé, quer ela tenha sido destruída. Da mesma forma como uma nuvem cobria a Tenda da Habitação no deserto (cf. Ex 40,36-38), assim o Espírito Santo cobriu Maria com sua sombra (cf. Lc 1,35), a fim de torná-la grávida de Jesus. Portanto, nós hoje suplicamos que essa mesma sombra do Espírito de Deus nos cubra e nos engravide de fé, de esperança, de alegria, de coragem, de perseverança, de suportação, de fidelidade, de confiança, de modo que possamos dizer a Deus o que Maria disse: “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38).

Nesta véspera de Natal oferecemos a Deus a nossa insignificância, a nossa instabilidade, a nossa casa, a nossa Nazaré, o nosso seio, a nossa humilhação, o nosso desamparo, e pedimos que Ele venha habitar em nós; que Ele venha reconstruir a nossa casa; que Ele venha nos ajudar a suportar a instabilidade deste mundo, fixando nossos corações onde se encontra a estabilidade do Seu Reino eterno. Que o Deus que escolheu estar junto com os humilhados e desamparados nos coloque também junto deles, onde podemos experimentar a “carne” de seu Filho Jesus, a verdade do seu Natal.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi   

2 comentários:

  1. Obrigado, mais uma vez Pe. Paulo, por suas reflexões. Feliz Natal e uma 2024 muito próspero para vc e tooas suas atividades pastorais.

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  2. Igualmente, caríssimo irmão! Deus o abençoe!

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