quinta-feira, 16 de novembro de 2023

NÃO SEJA UM COVEIRO, NEM UM SABOTADOR DE SI MESMO

             Missa do 33. dom. comum. Provérbios 31,10-13.19-20.30-31; 1Tessalonicenses 5,1-6; Mateus 25,14-30.

 

            A primeira verdade da qual a parábola dos talentos quer nos tornar conscientes é a de que todo ser humano tem seu próprio potencial. Aos olhos de Deus, nenhuma pessoa é inválida, muito menos inútil. Cada ser humano vem ao mundo com a capacidade de contribuir para o bem da humanidade. Por isso, um primeiro questionamento que podemos nos fazer é esse: eu tenho consciência do meu potencial, da minha capacidade, da minha força?

            A segunda verdade em relação à qual precisamos nos tornar conscientes é a de que há pessoas que são sabotadoras de si mesmas. Pior do que isso, elas se comportam perante a vida como coveiras de si mesmas: enterram seu talento, sua capacidade, sua força, seu dom. Por que elas agem assim? Quando não é por ignorar suas próprias capacidades, é por comodismo e por preguiça. São pessoas que assumem uma postura de parasitas perante a vida: se encostam nos outros para sugá-los, ao invés de gastarem sua própria energia para resolver seus problemas. Portanto, algumas outras perguntas importantes nos são colocadas por Jesus: eu sou um sabotador ou um coveiro de mim mesmo? Minha postura perante a vida é a de um construtor ou de um consumidor?

            Jesus sempre entendeu a sua própria existência como uma “vida para”. Sua pergunta perante cada situação que se lhe apresentava não era: “Como eu posso desfrutar disso ou lucrar com isso?”, mas: “Como eu posso dar a minha contribuição para que essa situação seja resolvida, ou para que a vida se torne melhor, devido às minhas atitudes?”. Com a parábola dos talentos, Jesus está nos dizendo que o sentido da vida não está em desfrutar de coisas e de pessoas, mas em dar a nossa colaboração, usar a capacidade que nos foi dada, para que as coisas e as pessoas se tornem melhores graças à nossa presença junto a elas.  

            A terceira verdade em relação à qual precisamos ter consciência é a de que todos nós seremos julgados após a morte pela forma como vivemos a nossa vida; sobretudo, por aquilo que fizemos com os dons, os talentos, as capacidades que nos foram dados. Portanto, a pergunta que nos será feita não é se as pessoas com as quais convivemos fizeram alguma coisa para tornar a mundo e a Igreja melhores, mas se nós fizemos aquilo de que éramos capazes para que isso acontecesse.

            Quando olhamos para a realidade à nossa volta, tanto social quanto eclesial, constatamos que o número de pessoas que abraçam uma causa é cada vez menor, em comparação com o número de pessoas que decidiram cruzar os braços, abandonar a tarefa que lhes foi confiada e passar a engrossar a fila dos parasitas, dos coveiros de si mesmos. Se não queremos cair nessa tentação, precisamos nos recordar da palavra que diz: “Não desanimemos na prática do bem, pois, se não desfalecermos, a seu tempo colheremos” (Gl 6,9).

            Cada vez que um ser humano desiste de fazer o bem que é capaz, dá espaço para o mal se tornar ainda maior à sua volta. É por isso que o julgamento sobre o servo que decidiu enterrar o seu talento foi muito severo: “Servo mau e preguiçoso!” (...) “Quanto a este servo inútil, jogai-o lá fora, na escuridão” (Mt 25,26.30). Notemos que esse servo não fez diretamente o mal; ele simplesmente decidiu não fazer o bem de que era capaz. Aqui precisamos nos recordar da palavra que diz: “Aquele que sabe fazer o bem e não o faz, comete pecado” (Tg 4,17).  

            A condenação do servo “mau e preguiçoso” é uma boa ocasião para refletirmos sobre um pecado quase nunca recordado: o pecado de omissão. Somos omissos diante de muitas situações, seja porque não queremos nos indispor com as pessoas; seja porque não queremos sofrer críticas, perseguições ou retaliações; seja porque o individualismo anestesiou a nossa consciência a tal ponto que decidimos apertar o botão do “dane-se”. O grande mal em tudo isso é que quando adotamos a postura do “dane-se”, nos esquecemos de que nós estamos implicados na situação que ficará danificada pela nossa omissão. Muitas das situações perante as quais nos omitimos se voltarão contra nós mesmos.

            Uma última questão. A palavra que mais se repetiu na parábola dos talentos foi “servo”. Embora seja uma palavra “pejorativa” para o mundo atual, no sentido bíblico a mesma tem um significado muito profundo: o servo é um eleito, um escolhido por Deus, uma pessoa diferenciada e capacitada para uma tarefa, uma missão importantíssima. Quando você supera todo pessimismo e decide não enterrar o seu talento, mantendo-se fiel à sua consciência de ser um “servo” de Deus, a serviço da salvação da humanidade, sua vida readquire sentido a cada dia, e no dia do seu julgamento, você ouvirá do Senhor Jesus essas palavras: “Muito bem, servo bom e fiel! como foste fiel na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais. Vem participar da minha alegria!” (Mt 25,21.23).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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