segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

O NOVO E A PAZ SÓ PODEM VIR DE DEUS

Missa Maria, mãe de Deus. Palavra de Deus: Números 6,22-27; Gálatas 4,4-7; Lucas 2,16-21.

            Nada mais velho e desgastado do que a frase “Ano novo, vida nova”. Por que é tão difícil ter ou experimentar uma vida nova? Porque o “novo” não pode nascer fora de nós; ele só pode vir de dentro; ele precisa ser desejado, cultivado, gestado dentro de nós. O “novo” é uma tarefa que pede de nós determinação, constância, perseverança, dedicação, persistência, e tudo isso dá trabalho. Além disso, nós, que desejamos tanto ter uma vida nova, somos pessoas apegadas aos nossos velhos hábitos; somos pessoas viciadas na maneira como vemos a nós mesmos e aos outros. E romper com hábitos, vícios ou manias dá muito trabalho...
            Sendo assim, nós escolhemos repetir o erro de tentar costurar remendo novo numa roupa velha, e isso, segundo Jesus, não funciona (cf. Mt 9,16). Ao invés de nos despirmos de atitudes e comportamentos viciados, que não respondem mais aos desafios que a vida está nos apresentando, nós corremos o tempo todo atrás de remendos. Colocamos remendos nos nossos relacionamentos, em nossa vida profissional, no cuidado com a nossa saúde, no lidar com o nosso pecado e até mesmo em nossa vida de fé, e, no entanto, esses remendos não transformam aquilo que gostaríamos que fosse transformado.  
            O adjetivo “novo” é a palavra que mais se repete no livro do Apocalipse. O novo, como nos ensina este livro bíblico, só pode vir de Deus, conforme Ele mesmo diz: “Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21,5). O novo, para nascer em nós, exige que esvaziemos nossas gavetas, onde guardamos nossas mágoas e nossos ressentimentos, e abramos espaço para que Deus possa agir em nós. O novo exige silêncio, revisão de vida, exame de consciência, confronto conosco mesmos. O novo exige que nos perguntemos: O que está bom em mim e precisa ser mantido? O que não está bom em mim e precisa ser modificado? Se eu tenho consciência de que há algo que precisa ser mudado em mim, na minha vida, quais os passos que eu efetivamente preciso dar, quais as atitudes que eu efetivamente preciso tomar, para que a mudança aconteça?
            Maria sempre foi uma pessoa que teve a coragem de refletir sobre a sua existência. Diante de cada acontecimento, ela parava e questionava: o que esse acontecimento quer me dizer? O que eu devo aprender, corrigir ou confirmar em minha vida, a partir daquilo que está acontecendo? Se é verdade que o tempo não pára, nós precisamos aprender a parar, fazer pequenas pausas diárias, refletir sobre aquilo que a vida está nos dizendo e, se preciso for, rever e reorientar os nossos passos. Precisamos ter a coragem de sair do piloto automático e assumir o trabalho de escolher qual direção dar à nossa vida...
            E por falar em direção, é importante nos lembrar de um alerta da Palavra de Deus: “O Senhor desfaz os planos das nações e os projetos que os povos se propõem. Mas os desígnios do Senhor são para sempre, e os pensamentos que ele traz no coração, de geração em geração vão perdurar” (Sl 33,10-11). Sejam quais forem os nossos sonhos ou projetos para este novo ano, é importante colocá-los diante de Deus e pedir que Ele nos guie, que Ele disponha nossos dias segundo a Sua vontade, que Ele intervenha e modifique tudo aquilo que precisa modificar, em vista do Seu desígnio de nos salvar. Enfim, que Deus seja o piloto e nós o co-piloto, jamais o contrário. Afinal, Ele sabe melhor do que nós não somente qual é o destino da nossa viagem, mas também qual percurso é o melhor, qual caminho deveremos percorrer este ano, em vista do nosso crescimento, da nossa conversão e da nossa salvação.
Antes que comece a agitação, a correria das nossas atividades, antes que comecemos a escrever nas páginas em branco do livro deste novo ano, é importante pedir a bênção de Deus (cf. Nm 6,24-26). Não se trata de pedir – e muito menos de esperar – que Deus nos proteja da vida, mas que Ele nos dê forças para olhar a vida nos olhos e enfrentar aquilo que temos que enfrentar. Não se trata de iniciar este ano tendo o coração preenchido pelo medo e tomado pela preocupação, mas preenchido pelo Espírito de Deus, tomado por Sua força, Sua coragem, Sua determinação.
Foi por isso que o apóstolo Paulo contrapôs a figura do escravo à figura do filho. O escravo vive preso ao medo; o filho lança-se com coragem diante da vida (cf. Gl 4,7). Se há alguma mudança ou transformação que esperamos para este novo ano, ela depende em muito da maneira como vamos escolher viver nossa vida: como escravos, que usam como desculpa suas próprias correntes, para não fazer aquilo que sabem que têm que fazer, ou como filhos, que se deixam conduzir pelo Espírito que os anima a lutar e a criar condições para as mudanças ou transformações aconteçam em sua vida.
O dia 1º. de janeiro é o Dia Mundial da Paz. Há inúmeras situações sociais que impossibilitam a paz entre nós: guerras, violência, injustiças, desemprego, agressões, abusos, doenças etc. No entanto, assim como o novo só pode vir de Deus, o mesmo se dá com a paz: “Quero ouvir o que o Senhor irá falar. É a paz que ele vai anunciar, a paz para o seu povo e seus amigos, para os que voltam ao Senhor seu coração” (Sl 85,9). Só um coração que diariamente se volta com sinceridade para Deus pode experimentar a paz e se tornar portador de paz para os outros. O contrário também é verdade: “Os ímpios são como um mar agitado que não pode acalmar-se, cujas águas revolvem sargaço e lodo. ‘Para os ímpios não há paz’, diz o meu Deus” (Is 57,21). Quem não se coloca diariamente na presença de Deus e não descansa n’Ele, nunca encontra paz. Quem se deixa engolir pela agitação do mundo e se permite ser arrastado como folha seca levada pela desorientação da vida moderna ao invés de cultivar suas raízes em Deus, sentirá diariamente sua vida como uma represa cheia de água suja, dentro da qual tudo está perdido e confuso, sem nenhuma clareza.
Entreguemos ao Senhor o ano que se inicia: “Senhor, ensinai-nos a contar os nossos dias e dai ao nosso coração sabedoria... Saciai-nos a cada manhã com vosso amor e exultaremos de alegria todos os dias. Alegrai-nos pelos dias que sofremos e pelos anos em que passamos na dor. Que a vossa bondade esteja sobre nós e nos conduza. Tornai fecundo o nosso trabalho e confirmai em cada um de nós a vossa obra de salvação. Por Cristo, nosso Senhor, Amém!” (cf. Sl 90,12.14-15.17).

Pe. Paulo Cezar Mazzi 

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

O NECESSÁRIO CUIDADO COM AS NOSSAS RAÍZES


Missa da Sagrada Família de Nazaré. Palavra de Deus: Eclesiástico 3,3-7.14-17a; Colossenses 3,12-21; Lucas 2,41-52.

            Uma das marcas do nosso mundo atual é a rejeição à instituição. Rejeita-se instituições como o Estado, a Escola, o Casamento, a Família, a Religião Tradicional. Mas, por que rejeita-se tudo isso? Porque rejeita-se o vínculo, o compromisso. As pessoas querem ser livres; não querem se prender a nada e não admitem ser orientadas a partir de fora, a partir de cima ou a partir de alguém que não sejam elas próprias e seus interesses. No entanto, essa rejeição parece gerar na humanidade um forte sentimento de desamparo, de orfandade: por rejeitar suas próprias raízes, as pessoas deixam de ser árvores que resistem aos ventos contrários e se comportam como folhas secas levadas pelo vento da desorientação. Por rejeitarem qualquer tipo de “norte”, as pessoas vivem desnorteadas.
            Hoje, ao celebrarmos a Sagrada Família de Nazaré, a Palavra de Deus nos convida a olhar para as nossas raízes, a cuidar dessas raízes, sem as quais nós tombamos diante de qualquer vento contrário. Nenhum ser humano nasce sem raízes, sem família; nenhum ser humano nasce como uma folha solta. Todos nós nascemos a partir de uma árvore chamada “família”. Com certeza, não é uma família ideal, porque família ideal não existe, mas é a família a partir da qual Deus nos chamou à existência e nos confiou a missão de restaurar a família humana.
            Neste imenso jardim que é a humanidade, não existe apenas um tipo de árvore, assim como não existe apenas um tipo de família. Em algumas famílias existem pai, mãe e filhos; em outras, apenas a mãe/ou o pai e os filhos; em outras, o marido e a esposa, mas nenhum filho; em outras, dois homens ou duas mulheres que escolheram viver juntos e adotar um filho etc. Em meio a essa grande diversidade familiar, nós, cristãos, somos desafiados a anunciar o Evangelho de Jesus Cristo, que não veio para os justos, mas para os pecadores; que não veio apenas aspergir água benta sobre as famílias tradicionais, mas veio, sobretudo, curar as feridas das famílias desestruturadas, pois ele mesmo disse: “O Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19,10).
            Segundo o livro do Eclesiástico, o cuidado com as nossas raízes começa com o cuidado para com os nossos pais. Assim como os pais não escolhem seus filhos, os filhos também não escolhem seus pais. A vida nos deu uns aos outros, como pais e filhos. Nosso grande desafio é abandonar nossas ilusões e nossas expectativas exageradas em relação aos outros, para acolher e aprender a amar o outro como ele é, e não como gostaríamos que ele fosse. A cura das raízes da nossa família passa pela aceitação e pelo perdão: o outro nos amou como conseguiu nos amar; ele nos deu o que conseguiu nos dar. Agora cabe a cada um de nós fazer seu próprio caminho, assumir a responsabilidade por si mesmo, ao invés de passar a vida culpando os outros pela nossa infelicidade. Nenhuma pessoa é o resultado daquilo que recebeu dos seus pais, mas o resultado daquilo que ela decidiu fazer com aquilo que recebeu dos seus pais.    
            Segundo o apóstolo Paulo, cada pessoa da família é responsável pelo bom funcionamento da mesma: “Esposas, sede solícitas para com vossos maridos... Maridos, amai vossas esposas e não sejais grosseiros com elas. Filhos, obedecei em tudo aos vossos pais... Pais, não intimideis os vossos filhos, para que eles não desanimem” (Cl 3,18-21). Quando cada um faz a sua parte, ninguém se sobrecarrega. Portanto, se alguém está esgotado ou sobrecarregado, alguém está folgando e se omitindo, o que gera desequilíbrio emocional na família. Neste sentido, a família deve ser o lugar da correção mútua, o lugar onde se enfrenta com coragem os problemas e se dá nome ao que se sente; onde, mais do que ficar procurando o culpado pelo mal estar, cada um se pergunta o que está fazendo para ajudar com que o mal estar seja superado.
            Enfim, o Evangelho de hoje nos traz uma dura revelação: toda e qualquer família tem seus momentos de desencontro, de dor, de angústia. A fé, a religião, a crença em Deus são valores fundamentais para que uma família não tombe diante dos ventos contrários, mas esses valores jamais funcionarão como uma redoma de vidro, poupando a família de sofrimentos. Não existem relacionamentos sem conflitos; não existe amor sem dor, renúncia ou sacrifício; não existem sonhos sem algum tipo de pesadelo; enfim, nenhuma família atravessa o mar da vida sem enfrentar algumas tempestades.    
            Estamos diante da perda e do reencontro do menino Jesus no templo, em Jerusalém. Talvez não seja coincidência que essa perda tenha se dado quando Jesus estava com doze anos; portanto, no início da adolescência. Esse período marca uma etapa de crise no relacionamento entre pais e filhos, o início de uma certa reivindicação de independência por parte dos filhos. No entanto, aqui poderíamos mencionar a forte contradição que existe na vida de muitos filhos que, apesar de já serem jovens ou adultos, ainda permanecem na adolescência da sua vida emocional: não admitem obedecer aos pais, mas vivem às custas dos mesmos, jamais assumindo a responsabilidade para com a própria vida.
            Quando Maria questionou Jesus a respeito da sua permanência no templo, ele também a questionou: “Não sabeis que devo estar na casa de meu Pai?” (Lc 2,49). O que Jesus faz aqui é demarcar o terreno: o filho precisa seguir o caminho para o qual nasceu; precisa abraçar a missão para a qual foi chamado à existência, e, para isso, precisa romper com a dependência familiar, precisa deixar o conforto do colo paterno/materno e se lançar com coragem na vida, se quiser se tornar um verdadeiro adulto, uma pessoa que assumirá o papel de sujeito da sua história e que dará efetivamente sua contribuição para o bem da família humana.
            Mas há uma outra verdade por trás da pergunta de Jesus a Maria: o filho não pertence aos seus pais terrenos; ele pertence, sobretudo, ao Pai do céu. Da mesma forma como é importante cuidarmos das nossas raízes familiares, dos nossos vínculos afetivos, é igualmente importante cuidarmos das nossas raízes espirituais, da nossa pertença a Deus. Muito mais do que aos nossos pais terrenos, é a Ele que devemos a nossa existência, a nossa razão de ser, e todos nós um dia deixaremos a nossa casa terrena para estar na casa do nosso Pai, pois a nossa família de sangue um dia dará lugar à nossa família espiritual.
           
Oração: Deus Pai, as raízes da minha existência estão em Ti. Abençoa os meus pais e avós. Abençoa as minhas raízes terrenas. Quero me reconciliar com as minhas raízes, com a minha história de vida. Agradeço-Te pelos pais que me geraram e me amaram como puderam me amar. Guarda-os na Tua bênção e na Tua paz!
Senhor Jesus, ensina-me a assumir a responsabilidade para com a minha própria vida. Diante de qualquer ferida do meu passado, ensina-me a olhar para o meu presente e entender que o meu destino depende das decisões que eu tomo hoje, e não das coisas que me aconteceram ontem. Que eu me torne uma pessoa madura emocional e espiritualmente, assumindo o meu lugar na história da salvação.
Divino Espírito Santo, derrama o Teu bálsamo sobre as raízes da minha família. Cura nossas feridas, perdoa nossos pecados, transforma nossos desencontros em reencontros. Visita todas as famílias da terra e preenche o coração de cada uma delas com a Tua consolação, a Tua alegria, a Tua luz e a Tua paz. Que todos nós possamos, em comunhão contigo, trabalhar pelo resgate da família humana. Amém!  

Pe. Paulo Cezar Mazzi            
             

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

SOB A LUZ DAQUELE QUE É A VERDADEIRA LUZ


Missa do Natal do Senhor. Palavra de Deus: Isaías 9,1-6; Tito 2,11-14; Lucas 2,1-14.

            Oito séculos antes de Jesus nascer, Isaías fez uma profecia: “O povo, que andava na escuridão, viu uma grande luz; para os que habitavam nas sombras da morte, uma luz resplandeceu” (Is 9,1). Embora tal profecia originalmente dissesse respeito ao nascimento do filho de Acaz, rei de Israel (cf. Is 7,10-15), ela foi aplicada ao nascimento de Jesus, seja pelo evangelista São Mateus (cf. Mt 1,22-23), seja pelo evangelista São Lucas: “Graças ao misericordioso coração do nosso Deus, o sol nascente vem nos visitar, para iluminar os que se encontram nas trevas e nas sombras da morte” (Lc 1,78-79).
            Natal é a festa da luz porque Jesus é “a luz verdadeira que, vindo ao mundo, ilumina todo ser humano” (Jo 1,9). E, no entanto, são inúmeras as pessoas em nosso mundo que não foram alcançadas por essa luz, seja porque muitos de nós, cristãos, não vivemos como “filhos da luz” (Ef 5,8-9) – isto é, não damos testemunho do Evangelho –, seja porque tais pessoas se habituaram tanto com a escuridão que se sentem como morcegos, agredidas pela luz que tenta se aproximar delas, e, portanto, a rejeitam. Mas, mesmo diante da forte rejeição ao Evangelho no mundo atual, a missão de cada um de nós é a mesma do anjo do Senhor, na noite de Natal, isto é, fazer chegar ao coração das pessoas que convivem conosco esta verdade: “nasceu para vocês um Salvador, que é o Cristo Senhor!” (Lc 2,11).
            O que precisa ficar claro, nesta noite/neste dia de Natal é que Jesus não nasceu para Maria, nem para José, nem apenas e tão somente para o povo judeu; Ele nasceu para cada ser humano; nasceu como Salvador de cada ser humano, como afirma o apóstolo Paulo: “A graça de Deus se manifestou trazendo a salvação para todas as pessoas” (Tt 2,11). Portanto, a festa do Natal não é uma festa simplesmente cristã; ela deveria ser entendida e celebrada como festa para toda a humanidade, porque Jesus foi dado por Deus como um presente para toda a humanidade.
            Ao narrar o nascimento de Jesus, São Lucas detalha que “Maria deu à luz o seu filho primogênito. Ela o enfaixou e o colocou na manjedoura, pois não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2,7). “Não havia lugar” para Jesus nascer. Quantas pessoas sentem que, para elas, “não há lugar” neste mundo? E, no entanto, Deus quis que seu precioso Filho nascesse como Salvador de todas as pessoas que se sentem “sem lugar”. Desse modo, o Natal é o anúncio de que, “onde não há lugar, onde tudo parece esgotar-se e é condenado a crescer em meio às ameaças e às intempéries das situações humanas” (Pe. Adroaldo), é ali que Jesus escolheu se manifestar como Salvador. “Na Gruta, Jesus teve sua preferência e escolheu o seu ‘lugar’, o lugar entre os mais pobres, vítimas daqueles que se fazem donos dos lugares” (Pe. Adroaldo).
            Esta breve reflexão sobre o “lugar” onde Jesus nasceu – mais exatamente, sobre o fato de que “não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2,7) –, é oportuna para nos lembrarmos dessas belas palavras da música “Lugares”, composta por Walmir Alencar: “O mesmo Deus e Senhor hoje passa aqui; a nossa história também que tocar com a mesma força e poder, incansável amor, que procura a quem transformar, que transforma a quem encontrar. Hoje em minha vida, onde eu estiver, Ele continua a passar. Incansavelmente insiste em me visitar; em meu coração quer ficar”. Neste sentido, poderíamos também recordar aqui as palavras do poeta Angelus Silesius (1624): “Ainda que Cristo nasça mil vezes em Belém, se Ele não nascer dentro de ti, tua alma ficará perdida”.
            Enfim, queridos irmãos, nesta noite/neste dia de Natal, acolhamos a proclamação do evangelista São João: “E a Palavra de Deus se fez pessoa humana e habitou entre nós” (Jo 1,14). Jesus nasceu porque Deus tem algo a dizer à humanidade e Ele veio dizê-lo não a partir de cima ou de longe; veio dizê-lo a partir de baixo, colocando-Se junto a nós, ao nosso lado, porque é “Deus conosco” (Mt 1,23). Jesus é “Deus conosco”; encontra-se junto a nós, em nossas lutas, dores, sofrimentos e esperanças. Ouçamos o que Ele tem a nos dizer não somente com sua Palavra, mas também a partir da sua imagem no presépio: “nasceu para nós um menino, foi-nos dado um filho...; seu nome é Conselheiro admirável, Deus forte, Pai dos tempos futuros, Príncipe da Paz” (Is 9,5). Sigamos seus Conselhos, busquemos abrigo debaixo da sua Força, confiemos a Ele nosso Futuro e nossa esperança, trabalhemos com Ele na promoção da justiça e da Paz.
Ainda diante do presépio, contemplemos seus personagens bíblicos: MARIA – Foi a partir do seu “sim” que o Filho de Deus se fez pessoa humana no seu ventre e veio ao mundo como luz que ilumina todo ser humano (cf. Jo 1,9). Ao dizer: “Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo tua palavra!” (Lc 1,38), Maria nos convida a permitir que a Palavra de Deus se encarne em nossa história, realizando tudo aquilo que Deus quer transformar e renovar. JOSÉ – Foi durante um sonho que José entendeu a sua vocação de pai adotivo de Jesus (cf. Mt 1,20-21). José nos ensina a ouvir a voz de Deus em nossa consciência e a ocupar o nosso lugar na história da salvação. Assim como ele, nós não somos o personagem principal dessa história, mas o nosso lugar é único e também necessário, para que Deus continue a salvar a humanidade hoje. PASTORES – Por meio desses pastores Deus revela o sentido do Natal: Ele enviou o seu Filho “para procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19,10) porque Jesus é “o Astro das alturas que veio nos visitar, para iluminar os que se encontram nas trevas e na sombra da morte estão sentados” (Lc 1,78-79). Hoje cada um de nós é convidado a se tornar portador dessa luz do Natal, levando-a especialmente a todos aqueles que se encontram numa situação de escuridão, de abandono ou de exclusão. ANJO – Na noite de Natal, o anjo do Senhor envolveu os pastores em sua luz e lhes anunciou a grande alegria do nascimento do Salvador (cf. Lc 2,9-10). O anjo do Senhor aponta para a nossa vocação de mensageiros do Evangelho. Santa Teresa de Calcutá dizia: “Talvez você seja o único Evangelho que seu irmão lê”. ESTRELA – Ela foi responsável por guiar os Magos do Oriente até Jesus (cf. Mt 2,1-2). Cada um de nós precisa cuidar e valorizar a pequena luz que guarda em si: a luz da fé, da bondade, da retidão de comportamento, da fidelidade, do serviço em favor da justiça; a luz da humildade, aquela luz que, de alguma forma, faz com que a pessoa que convive conosco sinta o desejo de se voltar para Deus. Por fim, os MAGOS – A busca deles por Jesus foi uma busca sofrida e marcada pela persistência, pela perseverança. Da mesma forma, nós também temos que atravessar noites escuras em nossa busca por Deus, levando no coração a Palavra que diz: “Caminhamos pela fé, não pela visão clara” (2Cor 5,7).

Pe. Paulo Cezar Mazzi    

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

ESTAMOS GRÁVIDOS DO QUE?

Missa do 4º. dom. do advento. Palavra de Deus: Miqueias 5,1-4a; Hebreus 10,5-10; Lucas 1,39-45.  

            A cena final do nosso tempo de Advento é o encontro de duas mulheres grávidas: Isabel e Maria. Segundo as possibilidades humanas, nenhuma delas poderia estar grávida: Isabel, além de idosa, era estéril até então; Maria era virgem. No entanto, ambas estão grávidas “porque para Deus nada é impossível” (Lc 1,37). A esperança que nos moveu até aqui, neste final de Advento, não é – e jamais poderá ser – uma esperança baseada na força e nas possibilidades humanas, mas uma esperança que se assenta na fé, na firme convicção de que Deus age de maneira surpreendente e faz, na vida daqueles que n’Ele esperam, muito além do que podemos pedir ou imaginar (cf. Ef 3,20).
            Isabel e Maria: duas mulheres pobres e humildes, vazias de vaidade, cheias do Espírito de Deus! Essas duas mulheres bíblicas contrastam fortemente com inúmeras mulheres do nosso tempo, mulheres que se alimentam de futilidade e de vazio; mulheres que perderam o bom senso no vestir e no falar; mulheres que consentem ser tratadas como objetos de consumo, não só no lançamento de produtos, mas, sobretudo, nas letras de música e nos bailes funk. Além disso, enquanto cresce cada vez mais o número de mulheres que dizem: “meu corpo, minhas regras”, Isabel e Maria dizem, cada uma com sua plena liberdade e sua consciência de fé: “meu corpo, meu santuário, no qual eu escolhi abrigar um filho e gerar uma bênção de Deus para que a humanidade se torne melhor”.
            A saudação de Maria comunicou alegria e paz a Isabel, de modo que a criança pulou de alegria em seu ventre. Os bebês que estão sendo gerados no ventre materno ouvem tudo o que se fala no ambiente em que a mãe se encontra. Esses bebês são tocados pela alegria ou pelo medo, pela rejeição, pela agressão? O que nossas palavras comunicam? Se Isabel e Maria se encontraram pessoalmente, a maioria dos nossos encontros e das nossas conversas atualmente é feita por meio das redes sociais. Nós estamos comunicando a alegria e a consolação do Espírito Santo às pessoas, ou estamos apenas compartilhando vídeos e mensagens fúteis, vazios, desprovidos de valores humanos e cristãos, boatos, mentiras, notícias falsas, pornografia e tantas outras coisas que, além de não edificarem as pessoas, ainda colaboram para que a elas se distanciem da graça do Espírito Santo (cf. Ef 4,29-30)?
            O Evangelho se iniciou dizendo que Maria dirigiu-se apressadamente à casa de sua prima Isabel, logo após saber que esta, já em idade avançada, se encontrava grávida (cf. Lc 1,39). Essa atitude de Maria nos lembra algo muito importante: alguém precisa da nossa presença. Foi isso que moveu Maria a visitar Isabel e permanecer com ela até o final da sua gravidez (cf. Lc 1,56). Se nós nascemos e se estamos vivos é por uma única razão: alguém neste mundo precisa de nós. É isso que nos faz feliz, que dá sentido à nossa vida: saber que alguém precisa de nós, alguém que está sozinho, deprimido, doente, esquecido, sem esperança e sem alegria. E sempre que nos fizermos presente junto a essa pessoa, a vida, a alegria, a esperança e a fé despertarão dentro dela.
             A visita de Maria a Isabel e a consequente alegria que marcou o encontro dessas duas mulheres nos provocam e nos desafiam e celebrar o Natal de uma maneira nova, diferente, verdadeira, até mesmo revolucionária! O Natal não pode ser uma mentira em nossa vida! Neste sentido, são muito bem vindas as proféticas palavras do Pe. Pagola: “O Natal é uma mentira quando você crê que Deus quis compartilhar a nossa vida para restaurar o humano e, ao mesmo tempo, você colabora com a desumanização da nossa sociedade, atentando de alguma maneira contra a dignidade das pessoas. O Natal é uma mentira quando você crê no Deus que se entregou ate a morte para defender e salvar o ser humano, mas você passa a vida sem fazer nada por ninguém. O Natal é uma mentira quando você canta e celebra a paz nas festas de final de ano, mas não faz nada para ajudar com que desapareçam as causas dos conflitos que ferem a nossa sociedade. O Natal é uma mentira quando você dá presentes aos filhos, familiares e amigos, mas não se esforça por se fazer presente junto a eles, oferecendo-lhes sua compreensão e sua ajuda gratuitamente” (tradução livre).  
            Uma última palavra: “Ao entrar no mundo, Cristo afirma: ‘Tu não quiseste vítima nem oferenda, mas formaste-me um corpo... Por isso eu disse: Eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade’... É graças a esta vontade que somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo, realizada uma vez por todas” (Hb 10,5.7.10). No ventre de Maria já está sendo formado o corpo de Jesus, um corpo que o próprio Jesus oferecerá livre e diariamente para a salvação da humanidade, uma oferenda que se consumará na cruz. Como entendemos o nosso corpo? Como administramos nossa liberdade, nossos afetos, nossa sexualidade? Nós permitimos que o nosso corpo seja reduzido a um laboratório onde experimentamos sensações provocadas por uma múltipla variedade de bebidas, drogas e relações sexuais sem qualquer outro critério que não seja o orgasmo? Maria e seu Filho Jesus nos convidam a tornar o nosso corpo sacramento da presença de Deus no mundo, uma presença que se coloca junto para ajudar, servir, amparar, defender, consolar... É isso que fará com que o Natal seja celebrado como algo verdadeiro, seja para nós mesmos, seja para aqueles junto aos quais tivermos a coragem de nos fazer presentes.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

UMA PERGUNTA IMPORTANTE: O QUE EU DEVO FAZER?

Missa do 3º. dom. do advento. Palavra de Deus: Sofonias 3,14-18a; Filipenses 4,4-7; Lucas 3,10-18.

            Uma pergunta se repete três vezes no Evangelho que acabamos de ouvir: “Que devemos fazer?” (Lc 3,10.12.14). Esta pergunta nos lembra algo importante: se o Advento é tempo de esperança, tempo de esperar Aquele que vem, nossa esperança jamais pode nos deixar na acomodação e na passividade. Enquanto esperamos, somos chamados a fazer algo. Na verdade, é justamente porque temos esperança que fazemos algo, em vista da concretização da nossa esperança. Só quem tem esperança faz; só quem tem esperança se levanta, se desacomoda, se movimenta. Portanto, hoje também nós precisamos nos perguntar: “Que devemos fazer” para que nossa esperança não seja em vão?
            Todos nós esperamos que o nosso mundo ou a humanidade melhore, que o nosso país, a nossa cidade, o nosso ambiente de trabalho ou o ambiente familiar melhore. Mas também precisamos ter a coragem de nos perguntar: “Que devemos fazer?”, em vista de melhora que desejamos? É muito importante que tenhamos esperança em relação à nossa cura, ou a alguma transformação nos nossos relacionamentos, ou mesmo em relação ao aprofundamento da nossa fé, mas é igualmente importante nos perguntar: “Que devemos fazer” para que as mudanças ou transformações esperadas se concretizem?
            Na medida em que tomavam consciência da chegada do Messias (Jesus), muitas pessoas procuravam João Batista e perguntavam: “Que devemos fazer?”. Hoje a consciência da vinda de Jesus está quase que totalmente adormecida na maioria das pessoas. Mas é de se esperar que pelo menos nós, cristãos, nos sintamos positivamente “inquietos” com a chegada de Jesus e nos perguntemos se há algo que precisa ser revisto, colocado em ordem, modificado, para que a Sua chegada não seja para nós causa de condenação e sim causa de salvação. Neste sentido, nos ajudaria muito ler os capítulos 2 e 3 do livro do Apocalipse: ali Jesus fala a cada uma das igrejas, sempre dizendo: “Conheço tua conduta”, e após dizer isso, ressalta aquilo que há de bom e correto no comportamento dos cristãos de cada igreja, assim como aquilo que não está bom e precisa ser corrigido neles, antes que Ele venha.
            “Que devemos fazer?” O que está bom e correto em mim e precisa ser confirmado? O que não está bom e correto nas minhas atitudes e precisa ser corrigido? Em relação a quais valores eu preciso me manter firme e perseverar? Em relação a quais contra valores eu preciso me corrigir e me converter? A pergunta “que devemos fazer?” nos lembra uma importante verdade: ninguém de nós está com a vida totalmente em ordem a ponto de não precisar de conversão, de revisão, de correção. O grande perigo em nossa vida de cristãos é dar nossa conversão por pressuposta. Ninguém de nós é uma pessoa definitivamente convertida. A conversão sempre será um processo em andamento em nós; ora estamos mais próximos, ora estamos mais distantes daquilo que o Senhor nos chama a ser...
            Mas há um outro aspecto importante neste terceiro domingo do Advento: o convite à alegria. Tanto o profeta Sofonias quanto o apóstolo Paulo insistem na alegria, não apenas como um sentimento a ser despertado em nós, mas principalmente como uma atitude a ser assumida por nós, enquanto aguardamos o Senhor Jesus. Segundo Sofonias, o motivo de nos alegrarmos é um só: “O Senhor, teu Deus, está no meio de ti!” (Sf 3,17; cf. v.15). Embora o Advento nos coloque na expectativa por Aquele que vem, jamais devemos imaginar Jesus ausente da nossa vida, ou da vida da Igreja. “Ele está no meio de nós!” – isso é repetido por nós em toda celebração, e deveria sê-lo por convicção e não por mera proclamação mecânica e sem consciência da nossa parte, afinal foi o próprio Jesus quem disse: “Eu estarei convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28,20).
            O motivo da nossa alegria, segundo o profeta, não é o fato de termos uma vida poupada de sofrimentos ou que a presença do Senhor junto a nós seja uma blindagem contra todas as dificuldades e contrariedades da vida. Se somos chamados a nos alegrar é pelo fato de que o Senhor está no meio de nós “como valente guerreiro que nos salva” (cf. Sf 3,17). Justamente por isso, diz Sofonias: “Não te deixes levar pelo desânimo!” (Sf 3,16). Em todo e qualquer combate que tenhamos que enfrentar, devemos saber que o Senhor combate junto a nós como valente guerreiro, e não há motivo para nos entregar ao desânimo.
            O apóstolo Paulo, por sua vez, nos convida à alegria por meio dessas palavras: “Alegrai-vos!... O Senhor está próximo! Não vos inquieteis com coisa alguma, mas apresentai as vossas necessidades a Deus, em orações e súplicas, acompanhadas de ação de graças” (Fl 4,4.5-6). A nossa condição de cristãos no mundo é a mesma da humanidade: estamos expostos aos mesmos problemas, às mesmas dificuldades e às mesmas provações, mas com uma diferença: nós sabemos que temos um Pai em cujas mãos podemos confiar a nossa vida e cada uma das nossas necessidades. Portanto, não tem sentido nos deixarmos consumir de ansiedade. Devemos depositar cada uma das nossas preocupações nas mãos de Deus, “sabendo que é Ele quem cuida de nós” (cf. 1Pd 5,7). Quando o nosso coração está atormentado por medo, preocupação e ansiedade é sinal de que algo está errado com a nossa vida de oração. Talvez, enquanto oramos, continuamos a querer manter as coisas sob o nosso controle, ao invés de entregar o controle às mãos d’Aquele que tem o poder de fazer por nós infinitamente além do que pedimos ou imaginamos (cf. Ef 3,20).
            Paulo nos fala, enfim, do que acontece conosco quando temos a coragem de confiar tudo aquilo que nos inquieta às mãos de Deus: “E a paz de Deus, que ultrapassa todo o entendimento, guardará os vossos corações e pensamento em Cristo Jesus” (Fl 4,7). Retornando ao início desta reflexão, sem dúvida existem coisas que cabe a nós, e somente a nós, fazer, mas é igualmente verdade que todas as inquietações que vão além do nosso poder, além do que podemos fazer agora, precisam ser colocadas em Deus. Quando fizermos isso, uma profunda paz tomará conta de nós e uma serena alegria inundará a nossa alma, alegria e paz que sempre serão sentidas em nosso interior quando nos dispormos a fazer, em todas as coisas, a vontade de Deus.

            Oração: Senhor Jesus, Tu conheces a minha conduta; sabes onde estou bem e onde preciso melhorar. Hoje quero com toda a sinceridade perguntar: O que eu devo fazer? O que eu devo confirmar o que eu devo corrigir em mim, para que a Tua chegada me encontre preparado(a) para entrar no Teu Reino.   
            Há uma grande ausência de alegria e de verdadeira paz no coração da humanidade. Para compensar essa ausência, algumas pessoas recorrem às drogas; outras, à bebida; outras ainda, ao consumismo ou a uma vida sexual desenfreada. Quanto a mim, eu quero aprender a depositar nas Tuas mãos cada uma das minhas ansiedades e preocupações, sabendo que é o Senhor quem cuida de mim e provê às minhas reais necessidades.
Peço-Te por toda a humanidade. Peço que o Senhor se faça sentir como valente guerreiro junto a toda pessoa que combate contra uma doença do corpo ou da alma, contra as dificuldades terrenas e contra as dificuldades espirituais. Concede ao coração de cada ser humano a alegria e a paz que vêm unicamente de Ti. Enfim, que em tudo possamos buscar fazer a Tua vontade, e assim experimentaremos a Tua paz, a paz que ultrapassa todo entendimento humano e que tem o poder de guardar o nosso coração em Ti, na alegria da Tua salvação. Amém!

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

PALAVRA. DESERTO. CAMINHO. ESPERANÇA.

Missa do 2º. dom. advento. Palavra de Deus: Baruc 5,1-9; Filipenses 1,4-6.8-11; Lucas 3,1-6.

            Deus escolheu se manifestar em nossa vida por meio da Palavra. Ele não tem imagem, para que possamos vê-Lo; Ele não tem forma material, para que possamos tocá-Lo. Ele tem apenas a Palavra, para que possamos ouvi-Lo e entrar em diálogo com o Seu amor e a Sua salvação.
            Na missa do dia de Natal, ouviremos o Evangelho nos dizer: “E a Palavra de fez pessoa humana e habitou entre nós” (Jo 1,14). Jesus é a Palavra de Deus que se fez pessoa humana, pessoa que pôde ser vista e tocada por muitos da sua época. Para nós, contudo, Ele continua a ser Palavra; aliás, mais do que uma simples “palavra”, Jesus é para nós “o Evangelho da nossa salvação” (cf. Ef 1,13), isto é, a Palavra que contém em si a “força de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Rm 1,16), independente da sua religião, da sua raça ou da sua condição social.
            No entanto, há algo importante que o evangelista Lucas nos diz hoje. Em vista da preparação do nascimento de Jesus – sua primeira vinda ao mundo – “(...) a palavra de Deus foi dirigida a João, o filho de Zacarias, no deserto” (Lc 3,2). Aqui há algo escandalosamente incrível! Deus não dirigiu sua Palavra ao imperador romano Tibério Cesar, nem ao governador da Judeia, Pôncio Pilatos, nem aos administradores Herodes, Filipe e Lisânias, nem aos sumos sacerdotes Anás e Caifás (cf. Lc 3,1)!!! Por quê? Porque Deus não encontrou no coração desses homens cheios de si, obcecados pela ganância e corrompidos pelo poder, espaço para falar-lhes.
            Esse foi o primeiro escândalo que envolveu a preparação para a vinda de Jesus ao mundo: o coração do Império, o coração da grande cidade, o centro da capital política e religiosa era povoado de um intenso barulho, e Deus jamais poderia ser ouvido ali. Sua voz foi ouvida na consciência e no coração de um homem que vivia no deserto: João. Ora, o deserto é, segundo o Pe. Pagola, o lugar da verdade, o lugar do essencial. Ali não dá pra ter luxo, nem ostentação, nem viver de coisas supérfluas. Se você não sente a voz de Deus em seu interior, pergunte-se o quão próximo(a) você está da verdade e do essencial; ao mesmo tempo, procure ver o quanto sua vida está preenchida com ilusões como luxo, ostentação, coisas supérfluas, de modo que você vive como se fosse um copo cheio: não há espaço para se colocar mais nada, muito menos a voz interior de Deus, que precisa do seu deserto para falar ao seu coração (cf. Os 2,16).
            Apesar de vivermos num tempo de excesso de barulho, de imagens (vídeos) e de palavras – nosso whatsapp que o diga! –, abramos um espaço dentro de nós para ouvirmos o que a Palavra de Deus disse a João: “Esta é a voz daquele que grita no deserto: ‘preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas’” (Lc 3,4). Muitos desejam ardentemente uma intervenção de Deus em sua vida, seja no que diz respeito à saúde, ao relacionamento afetivo ou profissional, à vida de fé, sem mencionar a absoluta necessidade que a humanidade tem de uma intervenção de Deus frente à injustiça, à violência e a tantos outros tipos de mal que ferem profundamente a nossa esperança. Mas a questão é: o caminho para Deus vir a nós está desobstruído?
            João esclareceu de que forma temos que preparar o caminho, isto é, possibilitar que Deus tenha acesso àquilo que em nossa vida pessoal ou social precisa ser transformado, redimido, salvo: “Todo vale será aterrado, toda montanha e colina serão rebaixadas; as passagens tortuosas ficarão retas e os caminhos acidentados serão aplainados. E todas as pessoas verão a salvação de Deus” (Lc 3,5-6). Quando olho com sinceridade para a minha vida, reconheço que deixei de cuidar de alguns valores que eram importantes; eu acabei permitindo que, aos poucos, a estrada da minha história de vida fosse ocupada por entulhos, por lixo, por coisas que, embora me dessem alguma compensação, eram apenas e tão somente lixo; eu baixei a guarda, enfraqueci minha fidelidade e permiti que buracos fossem abertos na estrada da minha vida...
            Se eu não sinto Deus como gostaria de sentir; se eu não vejo a graça d’Ele atuando em determinadas áreas da minha vida de modo a transformá-las, a redimi-las, não posso responsabilizá-Lo por isso; não posso acusá-Lo de ser indiferente ao que me acontece, ao lamentável estado físico, emocional ou espiritual em que me encontro. O problema não está em Deus, que não mais visita minha história da vida; o problema está em mim: sou eu que não tenho facilitado o acesso da Sua graça à minha vida; sou eu que me acostumei com a minha bagunça, com a minha desordem interior; sou eu que me tornei relaxado e descuidado com a estrada da minha vida...     
“A salvação vem sempre de uma Palavra de Deus. E esta Palavra nos é dirigida incessantemente também hoje, ainda que raramente ela encontre alguém que a escute com o coração” (Pagola). Diante do apelo de João Batista – “Prepare o caminho para o Senhor!” – cada um de nós precisa ter a coragem de se perguntar: Que pedras ou entulhos precisam ser removidos em meu caminho de vida? Que buracos precisam ser tapados, para que Cristo tenha acesso a mim ou à situação que em mim precisa de cura, de transformação ou de salvação? Somente quando Jesus tiver acesso aos nossos medos, angústias, crises e dificuldades, é que a esperança de transformação pode se efetivar.
            Uma última palavra: ESPERANÇA. Já refletimos sobre ela na homilia do 1o. domingo do advento. Agora a pouco, o profeta Baruc convidou Jerusalém a levantar-se na sua esperança: “Levanta-te, Jerusalém, põe-te no alto e olha para o Oriente! Vê teus filhos reunidos pela voz do Santo, desde o poente até o levante, jubilosos por Deus ter-se lembrado deles. Saíram de ti, caminhando a pé, levados pelos inimigos. Deus os devolve a ti, conduzidos com honras, como príncipes reais” (Br 5, 5-7). A esperança nunca pode ser reduzida a um sentimento; ela precisa ser traduzida numa atitude: “Os que lançam as sementes entre lágrimas, ceifarão com alegria. Chorando de tristeza sairão, espalhando suas sementes; cantando de alegria voltarão, carregando os seus feixes!” (Sl 126,5-6).
            O tempo do advento nos convida a lançar nossas sementes, ainda que estejamos vivendo um momento de dor. A esperança pede para ser semeada todos os dias, em todo e qualquer momento, em toda e qualquer situação, mas, sobretudo, ela pede para ser semeada no tempo das lágrimas, no tempo em que o terreno da nossa vida está sendo sulcado, arado, cortado por uma dolorosa lâmina. Saibamos tirar proveito das feridas que estão abertas em nós: lancemos dentro delas as sementes da esperança para que, quando a chuva da graça de Deus nos visitar, nós possamos nos alegrar com uma colheita que só foi possível porque não deixamos de semear, mesmo no tempo da dor e das lágrimas.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

O GRITO DA ESPERANÇA


Missa do 1º.dom. do advento. Palavra de Deus: Jeremias 33,14-16; 1Tessalonicenses 3,12 – 4,2; Lucas  21,25-28.34-36.

            No mundo em que vivemos não há um lugar separado ou reservado apenas para os que creem, para os que são justos e íntegros. Os problemas que afetam a humanidade como as doenças, a violência, as drogas, as guerras, o risco do desemprego, o mercado desumano, as catástrofes ambientais, as injustiças sociais etc., produzem angústia e medo em todos os seres humanos. A diferença está na forma como as pessoas reagem ao que lhes acontece: enquanto muitos se desesperam, os cristãos são chamados à atitude da esperança, mantendo sua fé nas promessas de Deus e na sua justiça.
            O Evangelho que ouvimos deixa claro que a nossa fé e a nossa esperança em Jesus não nos livrarão dos problemas e da instabilidade política, econômica e emocional que atualmente afetam a humanidade, mas espera-se de nós uma postura de firmeza e de confiança em Deus, sabendo que a história humana caminha para a sua libertação definitiva, conforme o próprio Jesus afirmou: “Quando estas coisas começarem a acontecer, levantai-vos e erguei a cabeça, porque a vossa libertação está próxima” (Lc 21,28).
            Como estamos neste momento: levantados ou derrubados, em pé ou caídos? Caminhamos de cabeça erguida, firmados na esperança, ou nos arrastamos pela vida cabisbaixos, expressando uma total ausência de esperança em nosso olhar, em nossas palavras e em nossas atitudes? O tempo que iniciamos hoje se chama “advento”, cujo sentido está em “esperar Aquele que vem”. O Advento “nos ensina a gritar esperança no sofrimento, a confiar em tempos melhores, a provocá-los” (Pe. Adroaldo). É tempo de acordar a esperança, que talvez se encontre adormecida dentro de nós. Esperança é o oposto do derrotismo, da passividade, do negativismo; é uma maneira de enfrentar a vida: “Se nós trabalhamos e lutamos, é porque pomos a nossa esperança no Deus vivo, Salvador de todos os homens, sobretudo dos que têm fé” (1Tm 4,10).
            Muitas pessoas deixaram de esperar; elas deixaram de esperar em relação a si mesmas ou a alguma mudança/superação; elas deixaram de esperar em relação à outra pessoa ou ainda em relação a alguma situação econômica/social; muitos, infelizmente, têm deixado de esperar em Deus e por Ele. Mas a esperança nos faz desejar algo novo. Só quem está insatisfeito deseja algo novo. A insatisfação, a indignação, são forças de esperança atuando em nós. A esperança não funciona em nós como um tranquilizante; pelo contrário, ela nos inquieta, nos desinstala, nos faz buscar mudanças.
            Muitas pessoas têm dado respostas erradas à sua insatisfação, refugiando-se nas drogas, na bebida, na comida e no consumismo. Mas Jesus nos alerta: “Tomai cuidado para que vossos corações não fiquem insensíveis por causa da gula, da embriaguez e das preocupações da vida” (Lc 21,34). Não podemos negociar a nossa esperança de um mundo melhor, trocando-a por compensações egoístas, baratas e ilusórias. Não podemos nos tornar insensíveis, no sentido de cairmos na indiferença para com as promessas de Deus e para com o destino da humanidade. Devemos tomar cuidado com tantas coisas que o mundo inventa para nos distrair: enquanto ficamos distraídos com elas, não nos damos conta de que estamos caminhando na direção da destruição de nós mesmos.
“Portanto, ficai atentos e orai a todo momento, a fim de terdes força para escapar de tudo o que deve acontecer e para ficardes em pé diante do Filho do Homem” (Lc 21,36). Eis a chave para reacender a nossa esperança e nos preparar para a segunda vinda de Jesus: a oração. Na verdade, só uma pessoa que tem esperança pode orar. “Cada oração é uma expressão de esperança. Uma pessoa que não espera nada do futuro não pode orar. Só pode haver vida e movimento quando você não aceita mais as coisas como são e olha para frente rumo ao que ainda não é... Um homem com esperança não se preocupa em saber como seus desejos serão cumpridos. Assim, sua oração não se dirige à graça, mas Àquele que a proporciona. É essencial para a oração de esperança que não se peçam garantias, não se imponham condições, nem se exijam provas, mas apenas que você espere tudo do Outro sem constrangê-Lo em momento algum... Sempre que orarmos com esperança, poremos nossa vida nas mãos de Deus. Medo e ansiedade desaparecem, tudo que recebemos e tudo de que somos privados não são nada senão um dedo apontando na direção da promessa de Deus de que vamos viver por completo” (Henri Nouwen, Oração, pp.43-50).
            Ao iniciarmos hoje o tempo do advento, que possamos percorrer este caminho como ele verdadeiramente deve ser, o caminho do homem em pé, do homem acordado, do homem que ora com esperança, sustentado por esta certeza: “Cristo virá para salvar aqueles que o esperam” (cf. Hb 9,28). Ele disse que quer nos encontrar em pé, e não caídos. Ainda que às vezes enfrentemos fortes tempestades e que os ventos contrários nos curvem até o chão, sejamos como o babu: podemos até ser curvados ao chão, mas jamais nos quebraremos; jamais ficaremos caídos, prostrados ao chão, derrotados pelo desânimo. A força da esperança nos haverá nos levantar novamente. Enfim, como desejou o apóstolo Paulo, que Cristo, ao chegar “com todos os seus santos”, encontre os nossos corações marcados por uma “santidade sem defeito aos de Deus, nosso pai” (cf. 1Ts 3,13).
            Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

QUEM OU O QUÊ EXERCE DOMÍNIO SOBRE VOCÊ?

Missa de Cristo Rei do Universo. Palavra de Deus: Daniel 7,13-14; Apocalipse 1,5-8; João 18,33b-37
  
         Quem precisa de um rei? Na época em que vivemos, a figura do rei é totalmente simbólica e mesmo desnecessária. Mas na época bíblica, ela tinha um grande significado: o rei era o grande pastor do povo. Sua função era tão importante que ele tinha que ser ungido pelo Espírito de Deus, para poder governar seu povo com sabedoria e justiça.
A história do povo de Israel foi marcada por inúmeros reis, sendo que a maioria deles foi reprovada por Deus, conforme as palavras: Tal rei “fez o que é mau aos olhos de Deus”. Este refrão se repete na história da maioria dos reis de Israel, conforme o segundo livro dos Reis. Somente quatro reis fizeram o que é agradável aos olhos de Deus, sendo que o principal deles foi o rei Davi, chamado biblicamente de “um homem segundo o coração de Deus” (cf. 1Sm 13,14). Contudo, Davi era um rei humano, no sentido de imperfeito, limitado e falho. Foi preciso esperar por um outro rei, um homem verdadeiramente segundo o coração de Deus, um autêntico pastor: Jesus Cristo, o Bom Pastor, Aquele que hoje celebramos como Rei do Universo.
Para compreendermos o alcance dessa proclamação – Jesus Cristo, Rei do Universo –, devemos nos lembrar de que o Pai concedeu ao seu Filho Jesus o poder sobre todo ser humano (cf. Jo 17,2), não o poder de dominar, mas de salvar de todo ser humano. Contudo, o reinado de Jesus não é algo que se impõe pela força, mas algo escolhido por cada pessoa. Cada um de nós precisa fazer uma escolha: quem eu quero que reine sobre mim? Quem ou o quê eu permito que exerça domínio sobre a minha vida? Foi por isso que o apóstolo Paulo escreveu aos romanos: “Que o pecado não reine mais em vosso corpo mortal” (Rm 6,12). Não teria sentido algum nós, cristãos, proclamarmos Jesus Cristo Rei do Universo, quando nossa afetividade e nossa sexualidade, ao invés de submeterem-se à santidade de Cristo, deixam-se escravizar pelo pecado.
Há um fato interessante na vida de Jesus com relação ao título de “rei”. Após a multiplicação dos pães, a multidão quis fazer de Jesus seu rei, mas ele se retirou para um lugar afastado (cf. Jo 6,15), recusando-se a assumir tal papel. O que Jesus quer nos ensinar com isso? Ele quer nos dizer que não devemos esperar nem d’Ele, nem muito menos de qualquer ser humano, a função de solucionador de todos os nossos problemas e de provedor de todas as nossas vontades e necessidades. Sobretudo em nosso país, existe atualmente um clima propício para o messianismo: espera-se por um messias, deseja-se um “rei” que tenha autoridade suficiente para colocar ordem na casa e resolver todos os problemas que afetam o nosso país, como se nós, povo brasileiro, não tivéssemos que fazer a nossa parte.
“Não ponhais vossa fé nos que mandam, não há homem que possa salvar” (Sl 146,3). Nenhum rei, nenhum messias, nem mesmo Jesus pode fazer aquilo que cabe a cada um de nós fazer por si mesmo, por sua família, por sua cidade, por seu país. Se nós proclamamos que Jesus é Rei do Universo, devemos nos colocar sob sua autoridade espiritual, orientando a nossa consciência pelo seu Evangelho, no qual hoje Ele se declara rei a partir dessas palavras: “Eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz” (Jo 18,37).
A única riqueza que Jesus possui como Rei é a verdade. Pelo fato de Jesus pautar a sua vida segundo a verdade, ele jamais foi escravo de alguém ou de alguma situação. E ele veio para nos conduzir à verdade: “Vocês conhecerão a verdade, e a verdade os libertará... Se o Filho libertá-los, vocês serão verdadeiramente livres” (Jo 8,32.36). Enquanto não nos abrirmos à verdade, seremos pessoas dominadas pela mentira, pelo engano, pela ignorância e por todo tipo de atitude que nos adoece e nos destrói.
            Uma pessoa que se encontrou com a sua própria verdade torna-se livre e readquire o domínio sobre si mesma. Ela deixa de ser um joguete nas mãos das suas próprias emoções, dos seus medos e do seu inconsciente. Uma pessoa que escolheu viver a partir da verdade de Deus jamais se tornará “súdita” ou escrava de qualquer rei deste mundo, de qualquer coisa ou pessoa que queria impôr-se a ela como dominador. Mas é preciso ter muita coragem de se abrir à verdade, pois ela dói; ela exige que encaremos nossos demônios, nossos medos, nossos traumas. O encontro com a verdade só se dá em meios a muitas lágrimas e muita persistência, mas é um encontro que nos cura e nos liberta.
            “Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz” (Jo 18,37). Enquanto muitas pessoas escolhem passar pela vida fugindo da voz de Jesus em sua consciência e iludindo-se com a voz das suas próprias mentiras, nós somos desafiados por Jesus a escutar a sua voz, permitindo que ela nos questione e nos convença a abandonar todo tipo de máscara que possamos usar para sermos reverenciados como reis por outras pessoas. Enquanto muitas pessoas acreditam que não bastam as suas duas pernas para pararem em pé – elas precisam de uma terceira perna; elas precisam de alguém que constantemente exerça domínio sobre elas –, Jesus nos convida a confiar na verdade das nossas duas pernas, na verdade de que não precisamos viver de maneira infantil, imatura, sempre querendo que algum “rei” nos ofereça colo, segurança, proteção contra a vida; pelo contrário, nós podemos nos tornar conscientes da nossa verdade e olhar a vida nos olhos, abraçando o desafio diário de nos tornarmos pessoas mais livres, mais maduras, mais autênticas, pessoas capazes de autodomínio.    
            Mais uma vez é importante ter claro que uma pessoa que conhece a verdade sobre si mesma adquire uma liberdade interior diante de todas as circunstâncias externas. Essa é a imagem de Jesus diante de Pilatos: sendo julgado, desprezado, ridicularizado e condenado, ele permanece em pé, íntegro, inteiro, livre, sereno, porque está assentado sobre a sua verdade interior. Nesta época de profunda desorientação, onde muitas pessoas confiam sua vida a pessoas ou situações doentias e destrutivas, que você possa conhecer a sua verdade interior, assentando sobre ela sua existência, como uma árvore se assenta sobre raízes profundas e não tomba diante dos ventos contrários.

            Oração: Senhor nosso Deus, estende o Teu domínio sobre todo ser humano, libertando-o do domínio do mal, de todas as coisas, pessoas ou situações que possam adoecê-lo ou destruí-lo. Reina sobre nós com Teu amor e Tua misericórdia. Reina com a Tua paz sobre nossas famílias, nossas escolas e nossos locais de trabalho.
            Senhor Jesus Cristo, o Pai concedeu a Ti o poder sobre todo ser humano. Ele quis restaurar em Ti todas as coisas. Estende a Tua mão sobre a face da terra, para curar os enfermos, procurar os que estão perdidos, reunir os dispersos e fortalecer os que vacilam. Que a força da Tua paz faça desaparecer do mundo a guerra e a violência.
            Espírito Santo, concede-nos a verdade capaz de nos libertar de todo tipo de mentira e de engano que nos adoecem e nos destroem. Reina sobre nós com a Tua graça. Defende-nos do inimigo. Liberta-nos do domínio do maligno e do nosso próprio pecado. Destina cada um de nós ao Reino eterno de nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.   

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

O QUE HÁ DEPOIS DO FIM?


Missa do 33º. dom. comum. Palavra de Deus: Daniel 12,1-3; Hebreus 10,11-14.18; Marcos 13,24-32.

Tudo acabará. Tudo chegará a um fim. Nada perdurará para sempre. Nada permanecerá como está. Isso é bom ou ruim? Depende. Para quem está vivendo uma situação de felicidade, a consciência do fim é entendida como um estraga-prazer, mas para quem está vivendo uma situação de dor, de injustiça, de sofrimento, a consciência do fim é um alívio, uma esperança que ajuda a pessoa a não se desesperar.
Tanto o profeta Daniel quanto Jesus nos falam do fim. Fim do mundo? Não exatamente. Eles nos falam do fim de um tipo de mundo: o nosso mundo, marcado pela injustiça, ferido pela violência, agredido por muitos de nós, seres humanos. Haverá um fim para a injustiça, para a violência, para o sofrimento, para tudo aquilo que produz morte. Mas esse fim, segundo o profeta Daniel, será precedido por “um tempo de angústia” – não é exatamente esse o tempo em que estamos vivendo atualmente? – mas, “nesse tempo, teu povo será salvo” (Dn 12,1).
Ao anunciar o fim deste mundo marcado pela injustiça, Daniel quer nos ajudar a despertar a nossa fé e a nossa esperança. A angústia do tempo em que estamos vivendo precisa ser entendida como dores de parto. Deus nos fez uma promessa: “O que nós esperamos, conforme a sua promessa, são novos céus e uma nova terra, onde habitará a justiça” (2Pd 3,13). Quanto mais se aproxima a hora do cumprimento dessa promessa, quanto mais se aproxima a hora do parto, maiores são as dores. Nós, que cremos nas promessas de Deus, precisamos suportar a dor com alegria e esperança porque se aproxima a hora da nossa salvação definitiva!
Mas há um outro aspecto extremamente positivo, lembrado por Daniel: a hora do fim é a hora onde Deus fará justiça; é a hora onde cada ser humano será colocado diante de Deus para prestar contas de como viveu sua breve vida sobre a face da terra. Se a morte iguala todos os seres humanos, o jugalmento de Deus os diferencia: haverá um destino diferente para os que fizeram o bem e para os que fizeram o mal, para os que lutaram para viver segundo a justiça e para os que escolheram seguir o caminho da injustiça (cf. Dn 12,2). Isso significa que nossos esforços por um mundo melhor não se perderão. Todo bem que fizemos em favor da salvação nossa e da humanidade será recolhido e levado à perfeição por Deus.
Jesus, ao nos tornar conscientes do fim, nos convida a nos preparar para o encontro definitivo com Ele: “Então vereis o Filho do Homem vindo nas nuvens com grande poder e glória. Ele enviará os anjos aos quatro cantos da terra e reunirá os eleitos de Deus, de uma extremidade à outra da terra” (Mc 13,26-27). Jesus recolherá os Seus da face da terra, assim como recolherá cada gota de suor e cada lágrima que os Seus derramaram na luta para tornar o mundo um lugar menos injusto e menos desumano. Tudo será recolhido por Ele e transformado. Até mesmo o nosso corpo, humilhado e exposto à morte, será transformado num corpo glorioso (cf. Fl 3,20-21)!
É preciso que se diga mais uma vez: Jesus não quer provocar angústia em nós, mas nos tornar conscientes da necessidade de nos preparar para uma passagem. O fim é o momento da passagem mais importante da nossa vida e da história humana. O provisório precisa dar lugar ao definitivo; a visão não clara precisa dar lugar ao ver face a face; as perguntas precisam dar lugar às respostas; a mentira precisa dar lugar à verdade; a injustiça precisa dar lugar à justiça. O fim é tudo isso. O fim é o momento em que as feridas serão definitivamente curadas e as lágrimas definitivamente enxugadas.
É verdade que, para muitas pessoas, o fim já aconteceu há muito tempo. Para uma mãe ou um pai que perdeu o filho numa doença ou num acidente, o fim já aconteceu. Para um filho que perdeu a mãe ou o pai, o fim já aconteceu. Para um noivo ou uma noiva, um marido ou uma esposa que perdeu a pessoa amada, o fim já aconteceu. Mas não! Esse tipo de fim tem um desdobramento. O fim é a ressurreição, o reencontro com aqueles que partiram antes de nós, conforme a promessa de Deus (cf. 1Ts 4,13-18). Talvez aqui caibam as palavras da letra de uma música do Legião Urbana: “E nossa história não estará pelo avesso, assim, sem final feliz. Teremos coisas bonitas pra contar. E até lá vamos viver. Temos muito ainda por fazer. Não olhe pra trás; apenas começamos. O mundo começa agora; apenas começamos” (Metal contra as nuvens, 1991).
Quanto a nós, que aqui estamos, a pergunta principal não é “quando Jesus virá?”, mas “como Ele vai me encontrar?”. O próprio Jesus nos questiona: “Quando o Filho do homem voltar, encontrará fé sobre a terra?” (Lc 18,8). Como Jesus me encontrará: como alguém que desistiu do bem e passou a fazer o mal, ou como alguém que perseverou no caminho do bem? Como alguém que lutou o quanto pôde para se manter honesto, fiel e justo, ou como alguém que abandonou esses valores e seguiu o fluxo do mundo? Enfim, que possamos meditar no coração essas palavras de São João da Cruz: “No entardecer da vida, seremos julgados a respeito do amor”.
Ao final dessa homilia, façamos nossa a oração do salmista: “Ó Senhor, sois minha herança e minha taça, meu destino está seguro em vossas mãos! Tenho sempre o Senhor ante meus olhos, pois se o tenho a meu lado não vacilo. Eis por que meu coração está em festa,  minha alma rejubila de alegria e até meu corpo no repouso está tranquilo; pois não haveis de me deixar entregue à morte nem vosso amigo conhecer a corrupção. Vós me ensinais vosso caminho para a vida; junto a vós, felicidade sem limites, delícia eterna e alegria ao vosso lado!” (Sl 16,5-6.8-11).

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

A VERDADEIRA DOAÇÃO CUSTA E DÓI


Missa do 32º. dom. comum. Palavra de Deus: 1Reis 17,10-16; Hebreus 9,24-28; Marcos 12,38-44.

Existem doações que não nos custam nada, porque damos daquilo que temos de sobra. Não nos custa nada doar algum dinheiro, ou doar uma parte do nosso tempo para ajudar alguém, quando temos dinheiro e tempo de sobra. Mas os tempos em que vivemos são outros; são tempos difíceis, onde o dinheiro e o tempo ficaram curtos para a grande maioria. É verdade que ainda há pessoas que têm muito dinheiro e muito tempo, mas muitas delas estão ocupadas apenas consigo mesmas. Desse modo, vivemos uma época onde a caridade se esfria, onde doar algo de si aos outros custa muito, e por isso as doações diminuem. Mesmo que não poucas pessoas ainda hoje doem algo material, é cada vez menor o número daqueles que doam de si mesmos aos outros – algo do seu tempo, da sua atenção, da sua presença.
O Evangelho de hoje começa com um alerta. Jesus pede para tomarmos cuidado para não nos tornarmos cristãos indiferentes para com a situação social dos mais necessitados. Pior ainda: jamais podemos nos tornar pessoas que se beneficiam da exploração dos mais fracos. Cristãos que, além de não se importarem com as injustiças sociais, usam da inocência religiosa dos mais pobres para enriquecerem suas igrejas “merecerão a pior condenação” (Mc 12,40). O que Jesus está nos dizendo é que uma igreja ou uma religião que se mantém na indiferença para com o sofrimento dos pobres nada significa para Deus e torna-se igualmente insignificante para a humanidade. Esse é um cuidado que devemos tomar.    
Depois desse alerta, Jesus nos convida a refletir sobre algo que está caindo em desuso hoje: a doação. Jesus escolheu fazer de sua vida uma total doação em favor da salvação da humanidade. Ele não apenas doou algo do seu tempo ou da sua atenção para ajudar pessoas, mas foi uma doação viva, um sacrifício vivo. Justamente por isso, sua Presença entre nós se dá no pão – trigo que se doa para ser triturado, e no vinho – uva que se doa para ser esmagada. E nós, que comungamos do seu Corpo e do seu Sangue, somos chamados a nos tornar cristãos capazes de nos doar pela salvação da humanidade.
Mas há um problema nessa doação. O Papa Francisco disse, certa vez: “Desconfio da caridade que não custa nada e não dói”. Foi o que Jesus percebeu nos ricos que depositavam suas grandes ofertas no cofre das esmolas do Templo (cf. Mc 12,41). Quando vivemos nossa vida voltados unicamente para nós mesmos, distantes da dor das pessoas, alheios às injustiças sociais, precisamos desconfiar: algo está errado conosco, com a nossa fé, com a nossa religião. O sentido da nossa vida não está em nos poupar, mas em nos doar, e nos doar dói, exige sacrifício da nossa parte.
Surpreendentemente aparece uma pobre viúva diante do cofre das esmolas. Ninguém se deu conta dela, ninguém a enxergou porque, além de ser mulher, de ser pobre e de ser viúva, o que ela ofertou foi totalmente insignificante, enquanto valor material: “duas pequenas moedas que não valiam quase nada” (Mc 12,42). Mas essa mulher chamou a atenção de Jesus a tal ponto que ele convidou seus discípulos a refletirem sobre a atitude dela: “Esta pobre viúva deu mais do que todos os outros que ofereceram esmolas. Todos deram do que tinham de sobra, enquanto ela, na sua pobreza, ofereceu tudo aquilo que possuía para viver” (Mc 12,43-44).
Como entender a atitude dessa viúva do Evangelho? Como entender a atitude da viúva de Sarepta que, morrendo de fome – ela e seu filho , teve a coragem de preparar um último pãozinho e dar de comer primeiro ao profeta Elias e somente depois a ela mesma e ao filho? (cf. 1Rs 17,13.15). A Palavra de Deus está nos dizendo que é mais fácil você encontrar generosidade em quem tem pouco do que em quem tem muito. É mais fácil você encontrar humanidade e solidariedade em quem sofre do que em quem tem uma vida poupada de inúmeros sofrimentos. É mais fácil você encontrar fé em pessoas pobres, que pouco ou nada estudaram, do que em alguns líderes religiosos que estudaram Filosofia e Teologia.
As duas pobres viúvas mencionadas hoje na Sagrada Escritura estão aqui para sacudir a nossa consciência, anestesiada por uma vivência religiosa que se mantém tranquilamente distante do drama humano daqueles que são injustiçados. Uma igreja ou uma religião que não se importa com a ferida social da humanidade e acomoda-se ao “serviço espiritual”, além de ser uma traição ao Evangelho colabora também para o ateísmo no mundo, pois anuncia, com a sua distância em relação aos que sofrem, que Deus, se existe, não se importa como sofrimento humano, além d’Ele parecer compactuar com as injustiças sociais.
Duas breves reflexões nos ajudam a repensar nossa atitude para com os necessitados. A primeira é de São Basílio Magno: “O pão que tu reténs pertence ao faminto, o manto que guardas no armário é de quem está nu; os sapatos que apodrecem em tua casa pertencem ao descalço; o dinheiro que tens enterrado é do necessitado. Porque tantos são aqueles aos quais fazes injustiças, quantos aqueles que poderias socorrer”. A segunda é de Santo Agostinho: “O supérfluo dos ricos é propriedade dos pobres”. Se esses dois santos vivessem na nossa época, seriam chamados de “esquerdistas” ou “comunistas”. No entanto, eles apenas entenderam perfeitamente o alerta de Jesus no Evangelho de hoje.

Oração: Senhor Deus, percebo minhas mãos fechadas. Tenho medo de abri-las e de me doar. O individualismo me tornou uma pessoa mesquinha, fechada nos meus próprios interesses. Mas hoje essa pobre viúva do Evangelho me questiona e me convida a abrir as mãos. Ela me pergunta se eu entendi o significado da Eucaristia que eu comungo, a qual me convida a doar-me sem reservas, como o teu Filho sempre faz por mim.
Senhor Jesus, liberta-me do consumismo; ajuda-me a me desfazer do meu supérfluo; abre os olhos da minha alma para que eu possa enxergar os necessitados à minha volta e os ajude, repartindo com eles o meu pão, como fez a viúva em relação ao profeta Elias. Concede ao meu coração a confiança na providência do Pai, que não apenas nada deixará faltar à minha sobrevivência, mas sempre me dará algo a mais para ser partilhado com os pobres.
Espírito Santo, tu és chamado “Pai dos pobres”. Liberta cada cristão, e especialmente os líderes da nossa Igreja, de todo tipo de ganância e de corrupção. Torna-nos próximos dos pobres, solidários com os necessitados, defensores dos injustiçados, protetores dos indefesos, cuidadores dos que estão feridos à nossa volta. Alimenta em nós uma espiritualidade verdadeiramente segundo o Evangelho de Jesus Cristo, para que o nome de Deus seja santificado e glorificado nos lábios e no coração dos pobres deste mundo. Amém.

Pe. Paulo Cezar Mazzi  

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

A BIOMETRIA DO NOSSO ESPÍRITO

Missa de todos os santos. Palavra de Deus: Apocalipse 7,2-4.9-14; 1João 3,1-3; Mateus 5,1-12a.

Cada vez mais a tecnologia avança, se reinventa, e muda os nossos hábitos. Se antes, para acessar a nossa conta bancária num caixa eletrônico, era necessário digitar nossa senha, agora basta a nossa impressão digital (biometria). Faz parte também da biometria o reconhecimento da íris, a qual contém em si como que a “impressão digital” no olho da pessoa. Já existem sistemas de segurança onde a porta só se abre mediante o reconhecimento da íris.
Seja a nossa impressão digital, seja a nossa íris, sejam os traços do nosso rosto, isso tudo nos lança algumas perguntas: Como um cristão é ou deveria ser reconhecido? Qual é a “biometria” que distingue ou deveria distinguir uma pessoa cristã no meio da humanidade? Qual “impressão digital”, presente na íris de um cristão, é capaz de abrir-lhe a porta do Reino de Deus? A resposta para todas essas pergunta é a santidade.
Hoje celebramos o dia de todos os santos, essa “multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas” (Ap 7,9) que se encontra de pé – porque estão ressuscitadas –, revestidas de branco –, porque foram purificadas de seus pecados pelo sangue do Cordeiro –, e com palmas na mão – porque venceram as tribulações e guardaram a fé. Contudo, o livro do Apocalipse tem o cuidado de afirmar que a nossa santificação se dá na terra, em meio a muitas tribulações. É em meio a uma sociedade de valores invertidos e marcada por um forte pluralismo que cada cristão é chamado a ter mãos puras, um coração marcado pela inocência e uma mente não dirigida para o mal (cf. Sl 24,4).
  Na sua exortação apostólica sobre a santidade, o Papa Francisco afirma que “todos somos chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra” (GE, n.14)*. É na rotina de cada dia, nas ocupações diárias, que cada um de nós é chamado a santificar-se e a santificar o mundo. De que maneira? Santidade tem a ver com separação. O cristão está no mundo, mas não pertence ao mundo. Ser santo significa separar-se de tudo aquilo que não convém ao cristão como autêntico filho de Deus; significa separar-se da corrupção do mundo, mas mergulhar na realidade social, que pede nosso sal e nossa luz, que precisa do testemunho da nossa santidade (pertença ao Senhor). Ser santo significa você não se conformar com o mundo (cf. Rm 12,1), isto é, não permtir que o mundo o(a) deforme, mas procurar distinguir qual é a vontade de Deus diante de cada escolha que você faz, de cada decisão que você toma e de cada situação que você vive.
Retomando a exortação do nosso Papa a respeito da santidade no mundo atual, Francisco nos faz um alerta muito importante: “Não podemos propor-nos um ideal de santidade que ignore a injustiça deste mundo” (GE, n.101). As pessoas santas não são aquelas que se mantêm distantes da dor humana; pelo contrário, são aquelas que enxergam onde há injustiça e se colocam na defesa dos injustiçados. Eis porque o Evangelho de hoje nos fala da santidade a partir das bem-aventuranças. Segundo o próprio Jesus nos ensina, ser santo significa ser pobre no coração, reagir com humildade e mansidão, saber chorar com os outros, buscar a justiça com fome e sede, olhar e agir com misericórdia, manter o coração limpo de tudo o que mancha o amor, semear a paz ao nosso redor, abraçar diariamente o caminho do Evangelho, mesmo que nos acarrete problemas.
Ser santo nunca esteve tão fora de moda quanto atualmente. Devemos ter consciência de que a busca da nossa santificação não é algo que tenha valor para o mundo em que vivemos. O apóstolo João deixou isso claro: o mundo não nos reconhece como santos (cf. 1Jo 3,1), justamente porque o mundo ama somente aquilo que é seu, aqueles que falam a sua linguagem e que comungam dos seus contra-valores. Todo cristão que busca sua santidade deve aprender a suportar não apenas ser ignorado ou tratado com indiferença pelo mundo, mas também ser criticado, ridicularizado e perseguido pelo mesmo.      
Outra verdade importante que o apóstolo João nos lembra é que a santidade não é algo dado e acabado (concluído) em nós, mas um processo em andamento: “desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que seremos” (1Jo 3,2). Enquanto caminhamos neste mundo enfrentando inúmeras tribulações, devemos manter a nossa esperança em Jesus, buscando viver como ele viveu: “quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a ele” (1Jo 3,2). Jesus iniciou o processo da nossa santificação perdoando nossos pecados na cruz. Ele nos dará a veste branca e a palma na mão desde que permaneçamos firmes na fé que professamos e não desistamos de crer e de esperar por Ele enfrentando as tribulações deste mundo.
Por fim, lembremos as palavras do Papa Francisco a respeito da santidade: “Está em jogo o sentido da minha vida diante do Pai que me conhece e ama, aquele sentido verdadeiro para o qual posso orientar a minha existência e que ninguém conhece melhor do que Ele” (GE, n.170). O sentido da nossa vida está em ser aquilo que fomos chamados a ser: santos, como o nosso Deus é Santo. A meta final é que todos nós, filhos de Deus, nos configuremos ao Filho Santo de Deus, Jesus Cristo. O Pai que nos chama à santidade nos chama a pertencer a Ele de todo o coração. Peçamos ao Espírito Santo a graça da santificação:
“Espírito Santo, termina em nós a obra começada por Jesus. Dá entusiasmo ao nosso apostolado, para que atinja todos os homens e todos os povos, resgatados, todos eles, pelo sangue de Cristo. Acelera em cada um de nós o despertar de uma profunda vida interior. Apaga em nós a autossuficiência e eleva-nos até ao nível de uma humildade santa, do verdadeiro temor de Deus, da coragem generosa. Que nenhum apego terrestre nos impeça de honrar a vocação a que fomos chamados. Que nenhum interesse possa, por covardia nossa, abafar dentro de nós as exigências da justiça. Que cálculos medíocres e mesquinhos não reduzam às estreitezas do nosso egoísmo os imensos espaços da caridade. Que grande seja em nós a procura da Verdade, até a pronta aceitação do sacrifício, mesmo até a cruz, até a morte. Que tudo, enfim, responda à oração suprema que o Filho dirigiu ao Pai. E que esta graça, Espírito de Amor, pela vontade do Pai e do Filho, se derrame sobre a Igreja, sobre todas as instituições, sobre todos os povos e sobre cada um de nós. Amém” (Oração ao Espírito Santo, S. João XXIII)

*Gaudete et exsultate (Alegrem-se e exultem)

Pe. Paulo Cezar Mazzi