quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

PALAVRA. DESERTO. CAMINHO. ESPERANÇA.

Missa do 2º. dom. advento. Palavra de Deus: Baruc 5,1-9; Filipenses 1,4-6.8-11; Lucas 3,1-6.

            Deus escolheu se manifestar em nossa vida por meio da Palavra. Ele não tem imagem, para que possamos vê-Lo; Ele não tem forma material, para que possamos tocá-Lo. Ele tem apenas a Palavra, para que possamos ouvi-Lo e entrar em diálogo com o Seu amor e a Sua salvação.
            Na missa do dia de Natal, ouviremos o Evangelho nos dizer: “E a Palavra de fez pessoa humana e habitou entre nós” (Jo 1,14). Jesus é a Palavra de Deus que se fez pessoa humana, pessoa que pôde ser vista e tocada por muitos da sua época. Para nós, contudo, Ele continua a ser Palavra; aliás, mais do que uma simples “palavra”, Jesus é para nós “o Evangelho da nossa salvação” (cf. Ef 1,13), isto é, a Palavra que contém em si a “força de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Rm 1,16), independente da sua religião, da sua raça ou da sua condição social.
            No entanto, há algo importante que o evangelista Lucas nos diz hoje. Em vista da preparação do nascimento de Jesus – sua primeira vinda ao mundo – “(...) a palavra de Deus foi dirigida a João, o filho de Zacarias, no deserto” (Lc 3,2). Aqui há algo escandalosamente incrível! Deus não dirigiu sua Palavra ao imperador romano Tibério Cesar, nem ao governador da Judeia, Pôncio Pilatos, nem aos administradores Herodes, Filipe e Lisânias, nem aos sumos sacerdotes Anás e Caifás (cf. Lc 3,1)!!! Por quê? Porque Deus não encontrou no coração desses homens cheios de si, obcecados pela ganância e corrompidos pelo poder, espaço para falar-lhes.
            Esse foi o primeiro escândalo que envolveu a preparação para a vinda de Jesus ao mundo: o coração do Império, o coração da grande cidade, o centro da capital política e religiosa era povoado de um intenso barulho, e Deus jamais poderia ser ouvido ali. Sua voz foi ouvida na consciência e no coração de um homem que vivia no deserto: João. Ora, o deserto é, segundo o Pe. Pagola, o lugar da verdade, o lugar do essencial. Ali não dá pra ter luxo, nem ostentação, nem viver de coisas supérfluas. Se você não sente a voz de Deus em seu interior, pergunte-se o quão próximo(a) você está da verdade e do essencial; ao mesmo tempo, procure ver o quanto sua vida está preenchida com ilusões como luxo, ostentação, coisas supérfluas, de modo que você vive como se fosse um copo cheio: não há espaço para se colocar mais nada, muito menos a voz interior de Deus, que precisa do seu deserto para falar ao seu coração (cf. Os 2,16).
            Apesar de vivermos num tempo de excesso de barulho, de imagens (vídeos) e de palavras – nosso whatsapp que o diga! –, abramos um espaço dentro de nós para ouvirmos o que a Palavra de Deus disse a João: “Esta é a voz daquele que grita no deserto: ‘preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas’” (Lc 3,4). Muitos desejam ardentemente uma intervenção de Deus em sua vida, seja no que diz respeito à saúde, ao relacionamento afetivo ou profissional, à vida de fé, sem mencionar a absoluta necessidade que a humanidade tem de uma intervenção de Deus frente à injustiça, à violência e a tantos outros tipos de mal que ferem profundamente a nossa esperança. Mas a questão é: o caminho para Deus vir a nós está desobstruído?
            João esclareceu de que forma temos que preparar o caminho, isto é, possibilitar que Deus tenha acesso àquilo que em nossa vida pessoal ou social precisa ser transformado, redimido, salvo: “Todo vale será aterrado, toda montanha e colina serão rebaixadas; as passagens tortuosas ficarão retas e os caminhos acidentados serão aplainados. E todas as pessoas verão a salvação de Deus” (Lc 3,5-6). Quando olho com sinceridade para a minha vida, reconheço que deixei de cuidar de alguns valores que eram importantes; eu acabei permitindo que, aos poucos, a estrada da minha história de vida fosse ocupada por entulhos, por lixo, por coisas que, embora me dessem alguma compensação, eram apenas e tão somente lixo; eu baixei a guarda, enfraqueci minha fidelidade e permiti que buracos fossem abertos na estrada da minha vida...
            Se eu não sinto Deus como gostaria de sentir; se eu não vejo a graça d’Ele atuando em determinadas áreas da minha vida de modo a transformá-las, a redimi-las, não posso responsabilizá-Lo por isso; não posso acusá-Lo de ser indiferente ao que me acontece, ao lamentável estado físico, emocional ou espiritual em que me encontro. O problema não está em Deus, que não mais visita minha história da vida; o problema está em mim: sou eu que não tenho facilitado o acesso da Sua graça à minha vida; sou eu que me acostumei com a minha bagunça, com a minha desordem interior; sou eu que me tornei relaxado e descuidado com a estrada da minha vida...     
“A salvação vem sempre de uma Palavra de Deus. E esta Palavra nos é dirigida incessantemente também hoje, ainda que raramente ela encontre alguém que a escute com o coração” (Pagola). Diante do apelo de João Batista – “Prepare o caminho para o Senhor!” – cada um de nós precisa ter a coragem de se perguntar: Que pedras ou entulhos precisam ser removidos em meu caminho de vida? Que buracos precisam ser tapados, para que Cristo tenha acesso a mim ou à situação que em mim precisa de cura, de transformação ou de salvação? Somente quando Jesus tiver acesso aos nossos medos, angústias, crises e dificuldades, é que a esperança de transformação pode se efetivar.
            Uma última palavra: ESPERANÇA. Já refletimos sobre ela na homilia do 1o. domingo do advento. Agora a pouco, o profeta Baruc convidou Jerusalém a levantar-se na sua esperança: “Levanta-te, Jerusalém, põe-te no alto e olha para o Oriente! Vê teus filhos reunidos pela voz do Santo, desde o poente até o levante, jubilosos por Deus ter-se lembrado deles. Saíram de ti, caminhando a pé, levados pelos inimigos. Deus os devolve a ti, conduzidos com honras, como príncipes reais” (Br 5, 5-7). A esperança nunca pode ser reduzida a um sentimento; ela precisa ser traduzida numa atitude: “Os que lançam as sementes entre lágrimas, ceifarão com alegria. Chorando de tristeza sairão, espalhando suas sementes; cantando de alegria voltarão, carregando os seus feixes!” (Sl 126,5-6).
            O tempo do advento nos convida a lançar nossas sementes, ainda que estejamos vivendo um momento de dor. A esperança pede para ser semeada todos os dias, em todo e qualquer momento, em toda e qualquer situação, mas, sobretudo, ela pede para ser semeada no tempo das lágrimas, no tempo em que o terreno da nossa vida está sendo sulcado, arado, cortado por uma dolorosa lâmina. Saibamos tirar proveito das feridas que estão abertas em nós: lancemos dentro delas as sementes da esperança para que, quando a chuva da graça de Deus nos visitar, nós possamos nos alegrar com uma colheita que só foi possível porque não deixamos de semear, mesmo no tempo da dor e das lágrimas.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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