Missa do 2º.
dom. advento. Palavra de Deus: Baruc 5,1-9; Filipenses 1,4-6.8-11; Lucas 3,1-6.
Deus escolheu se manifestar em nossa
vida por meio da Palavra. Ele não tem imagem, para que possamos vê-Lo; Ele não
tem forma material, para que possamos tocá-Lo. Ele tem apenas a Palavra, para
que possamos ouvi-Lo e entrar em diálogo com o Seu amor e a Sua salvação.
Na missa do dia de Natal, ouviremos
o Evangelho nos dizer: “E a Palavra de fez pessoa humana e habitou entre nós”
(Jo 1,14). Jesus é a Palavra de Deus que se fez pessoa humana, pessoa que pôde
ser vista e tocada por muitos da sua época. Para nós, contudo, Ele continua a
ser Palavra; aliás, mais do que uma simples “palavra”, Jesus é para nós “o Evangelho
da nossa salvação” (cf. Ef 1,13), isto é, a Palavra que contém em si a “força de Deus
para a salvação de todo aquele que crê” (Rm 1,16), independente da sua
religião, da sua raça ou da sua condição social.
No entanto, há algo importante que o
evangelista Lucas nos diz hoje. Em vista da preparação do nascimento de Jesus –
sua primeira vinda ao mundo – “(...) a palavra de Deus foi dirigida a João, o
filho de Zacarias, no deserto” (Lc 3,2). Aqui há algo escandalosamente
incrível! Deus não dirigiu sua Palavra ao imperador romano Tibério Cesar, nem
ao governador da Judeia, Pôncio Pilatos, nem aos administradores Herodes,
Filipe e Lisânias, nem aos sumos sacerdotes Anás e Caifás (cf. Lc 3,1)!!! Por
quê? Porque Deus não encontrou no coração desses homens cheios de si, obcecados
pela ganância e corrompidos pelo poder, espaço para falar-lhes.
Esse foi o primeiro escândalo que
envolveu a preparação para a vinda de Jesus ao mundo: o coração do Império, o
coração da grande cidade, o centro da capital política e religiosa era povoado
de um intenso barulho, e Deus jamais poderia ser ouvido ali. Sua voz foi ouvida
na consciência e no coração de um homem que vivia no deserto: João. Ora,
o deserto é, segundo o Pe. Pagola, o lugar da verdade, o lugar do essencial.
Ali não dá pra ter luxo, nem ostentação, nem viver de coisas supérfluas. Se
você não sente a voz de Deus em seu interior, pergunte-se o quão próximo(a)
você está da verdade e do essencial; ao mesmo tempo, procure ver o quanto sua
vida está preenchida com ilusões como luxo, ostentação, coisas supérfluas, de
modo que você vive como se fosse um copo cheio: não há espaço para se colocar
mais nada, muito menos a voz interior de Deus, que precisa do seu deserto para
falar ao seu coração (cf. Os 2,16).
Apesar de vivermos num tempo de
excesso de barulho, de imagens (vídeos) e de palavras – nosso whatsapp que o diga! –, abramos um
espaço dentro de nós para ouvirmos o que a Palavra de Deus disse a João: “Esta
é a voz daquele que grita no deserto: ‘preparai o caminho do Senhor, endireitai
suas veredas’” (Lc 3,4). Muitos desejam ardentemente uma intervenção de Deus em
sua vida, seja no que diz respeito à saúde, ao relacionamento afetivo ou
profissional, à vida de fé, sem mencionar a absoluta necessidade que a
humanidade tem de uma intervenção de Deus frente à injustiça, à violência e a
tantos outros tipos de mal que ferem profundamente a nossa esperança. Mas a
questão é: o caminho para Deus vir a nós está desobstruído?
João esclareceu de que forma temos que
preparar o caminho, isto é, possibilitar que Deus tenha acesso àquilo que em
nossa vida pessoal ou social precisa ser transformado, redimido, salvo: “Todo
vale será aterrado, toda montanha e colina serão rebaixadas; as passagens
tortuosas ficarão retas e os caminhos acidentados serão aplainados. E todas as
pessoas verão a salvação de Deus” (Lc 3,5-6). Quando olho com sinceridade para
a minha vida, reconheço que deixei de cuidar de alguns valores que eram
importantes; eu acabei permitindo que, aos poucos, a estrada da minha história
de vida fosse ocupada por entulhos, por lixo, por coisas que, embora me dessem
alguma compensação, eram apenas e tão somente lixo; eu baixei a guarda,
enfraqueci minha fidelidade e permiti que buracos fossem abertos na estrada da
minha vida...
Se eu não sinto Deus como gostaria
de sentir; se eu não vejo a graça d’Ele atuando em determinadas áreas da minha
vida de modo a transformá-las, a redimi-las, não posso responsabilizá-Lo por
isso; não posso acusá-Lo de ser indiferente ao que me acontece, ao lamentável estado
físico, emocional ou espiritual em que me encontro. O problema não está em
Deus, que não mais visita minha história da vida; o problema está em mim: sou eu
que não tenho facilitado o acesso da Sua graça à minha vida; sou eu que me
acostumei com a minha bagunça, com a minha desordem interior; sou eu que me
tornei relaxado e descuidado com a estrada da minha vida...
“A
salvação vem sempre de uma Palavra de Deus. E esta Palavra nos é dirigida
incessantemente também hoje, ainda que raramente ela encontre alguém que a
escute com o coração” (Pagola). Diante do apelo de João Batista – “Prepare o
caminho para o Senhor!” – cada um de nós precisa ter a coragem de se perguntar: Que
pedras ou entulhos precisam ser removidos em meu caminho de vida? Que buracos
precisam ser tapados, para que Cristo tenha acesso a mim ou à situação que em mim
precisa de cura, de transformação ou de salvação? Somente quando Jesus tiver acesso
aos nossos medos, angústias, crises e dificuldades, é que a esperança de
transformação pode se efetivar.
Uma última palavra: ESPERANÇA. Já
refletimos sobre ela na homilia do 1o. domingo do advento. Agora a pouco, o
profeta Baruc convidou Jerusalém a levantar-se na sua esperança: “Levanta-te,
Jerusalém, põe-te no alto e olha para o Oriente! Vê teus filhos reunidos pela
voz do Santo, desde o poente até o levante, jubilosos por Deus ter-se lembrado
deles. Saíram de ti, caminhando a pé, levados pelos inimigos. Deus os devolve a
ti, conduzidos com honras, como príncipes reais” (Br 5, 5-7). A esperança nunca
pode ser reduzida a um sentimento; ela precisa ser traduzida numa atitude: “Os que lançam as sementes entre lágrimas, ceifarão
com alegria. Chorando de tristeza sairão, espalhando suas sementes; cantando
de alegria voltarão, carregando os seus feixes!” (Sl 126,5-6).
O tempo do advento nos convida a
lançar nossas sementes, ainda que estejamos vivendo um momento de dor. A
esperança pede para ser semeada todos os dias, em todo e qualquer momento, em
toda e qualquer situação, mas, sobretudo, ela pede para ser semeada no tempo
das lágrimas, no tempo em que o terreno da nossa vida está sendo sulcado,
arado, cortado por uma dolorosa lâmina. Saibamos tirar proveito das feridas que
estão abertas em nós: lancemos dentro delas as sementes da esperança para que,
quando a chuva da graça de Deus nos visitar, nós possamos nos alegrar com uma
colheita que só foi possível porque não deixamos de semear, mesmo no tempo da
dor e das lágrimas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário