sexta-feira, 2 de novembro de 2018

A BIOMETRIA DO NOSSO ESPÍRITO

Missa de todos os santos. Palavra de Deus: Apocalipse 7,2-4.9-14; 1João 3,1-3; Mateus 5,1-12a.

Cada vez mais a tecnologia avança, se reinventa, e muda os nossos hábitos. Se antes, para acessar a nossa conta bancária num caixa eletrônico, era necessário digitar nossa senha, agora basta a nossa impressão digital (biometria). Faz parte também da biometria o reconhecimento da íris, a qual contém em si como que a “impressão digital” no olho da pessoa. Já existem sistemas de segurança onde a porta só se abre mediante o reconhecimento da íris.
Seja a nossa impressão digital, seja a nossa íris, sejam os traços do nosso rosto, isso tudo nos lança algumas perguntas: Como um cristão é ou deveria ser reconhecido? Qual é a “biometria” que distingue ou deveria distinguir uma pessoa cristã no meio da humanidade? Qual “impressão digital”, presente na íris de um cristão, é capaz de abrir-lhe a porta do Reino de Deus? A resposta para todas essas pergunta é a santidade.
Hoje celebramos o dia de todos os santos, essa “multidão imensa de gente de todas as nações, tribos, povos e línguas” (Ap 7,9) que se encontra de pé – porque estão ressuscitadas –, revestidas de branco –, porque foram purificadas de seus pecados pelo sangue do Cordeiro –, e com palmas na mão – porque venceram as tribulações e guardaram a fé. Contudo, o livro do Apocalipse tem o cuidado de afirmar que a nossa santificação se dá na terra, em meio a muitas tribulações. É em meio a uma sociedade de valores invertidos e marcada por um forte pluralismo que cada cristão é chamado a ter mãos puras, um coração marcado pela inocência e uma mente não dirigida para o mal (cf. Sl 24,4).
  Na sua exortação apostólica sobre a santidade, o Papa Francisco afirma que “todos somos chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra” (GE, n.14)*. É na rotina de cada dia, nas ocupações diárias, que cada um de nós é chamado a santificar-se e a santificar o mundo. De que maneira? Santidade tem a ver com separação. O cristão está no mundo, mas não pertence ao mundo. Ser santo significa separar-se de tudo aquilo que não convém ao cristão como autêntico filho de Deus; significa separar-se da corrupção do mundo, mas mergulhar na realidade social, que pede nosso sal e nossa luz, que precisa do testemunho da nossa santidade (pertença ao Senhor). Ser santo significa você não se conformar com o mundo (cf. Rm 12,1), isto é, não permtir que o mundo o(a) deforme, mas procurar distinguir qual é a vontade de Deus diante de cada escolha que você faz, de cada decisão que você toma e de cada situação que você vive.
Retomando a exortação do nosso Papa a respeito da santidade no mundo atual, Francisco nos faz um alerta muito importante: “Não podemos propor-nos um ideal de santidade que ignore a injustiça deste mundo” (GE, n.101). As pessoas santas não são aquelas que se mantêm distantes da dor humana; pelo contrário, são aquelas que enxergam onde há injustiça e se colocam na defesa dos injustiçados. Eis porque o Evangelho de hoje nos fala da santidade a partir das bem-aventuranças. Segundo o próprio Jesus nos ensina, ser santo significa ser pobre no coração, reagir com humildade e mansidão, saber chorar com os outros, buscar a justiça com fome e sede, olhar e agir com misericórdia, manter o coração limpo de tudo o que mancha o amor, semear a paz ao nosso redor, abraçar diariamente o caminho do Evangelho, mesmo que nos acarrete problemas.
Ser santo nunca esteve tão fora de moda quanto atualmente. Devemos ter consciência de que a busca da nossa santificação não é algo que tenha valor para o mundo em que vivemos. O apóstolo João deixou isso claro: o mundo não nos reconhece como santos (cf. 1Jo 3,1), justamente porque o mundo ama somente aquilo que é seu, aqueles que falam a sua linguagem e que comungam dos seus contra-valores. Todo cristão que busca sua santidade deve aprender a suportar não apenas ser ignorado ou tratado com indiferença pelo mundo, mas também ser criticado, ridicularizado e perseguido pelo mesmo.      
Outra verdade importante que o apóstolo João nos lembra é que a santidade não é algo dado e acabado (concluído) em nós, mas um processo em andamento: “desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que seremos” (1Jo 3,2). Enquanto caminhamos neste mundo enfrentando inúmeras tribulações, devemos manter a nossa esperança em Jesus, buscando viver como ele viveu: “quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a ele” (1Jo 3,2). Jesus iniciou o processo da nossa santificação perdoando nossos pecados na cruz. Ele nos dará a veste branca e a palma na mão desde que permaneçamos firmes na fé que professamos e não desistamos de crer e de esperar por Ele enfrentando as tribulações deste mundo.
Por fim, lembremos as palavras do Papa Francisco a respeito da santidade: “Está em jogo o sentido da minha vida diante do Pai que me conhece e ama, aquele sentido verdadeiro para o qual posso orientar a minha existência e que ninguém conhece melhor do que Ele” (GE, n.170). O sentido da nossa vida está em ser aquilo que fomos chamados a ser: santos, como o nosso Deus é Santo. A meta final é que todos nós, filhos de Deus, nos configuremos ao Filho Santo de Deus, Jesus Cristo. O Pai que nos chama à santidade nos chama a pertencer a Ele de todo o coração. Peçamos ao Espírito Santo a graça da santificação:
“Espírito Santo, termina em nós a obra começada por Jesus. Dá entusiasmo ao nosso apostolado, para que atinja todos os homens e todos os povos, resgatados, todos eles, pelo sangue de Cristo. Acelera em cada um de nós o despertar de uma profunda vida interior. Apaga em nós a autossuficiência e eleva-nos até ao nível de uma humildade santa, do verdadeiro temor de Deus, da coragem generosa. Que nenhum apego terrestre nos impeça de honrar a vocação a que fomos chamados. Que nenhum interesse possa, por covardia nossa, abafar dentro de nós as exigências da justiça. Que cálculos medíocres e mesquinhos não reduzam às estreitezas do nosso egoísmo os imensos espaços da caridade. Que grande seja em nós a procura da Verdade, até a pronta aceitação do sacrifício, mesmo até a cruz, até a morte. Que tudo, enfim, responda à oração suprema que o Filho dirigiu ao Pai. E que esta graça, Espírito de Amor, pela vontade do Pai e do Filho, se derrame sobre a Igreja, sobre todas as instituições, sobre todos os povos e sobre cada um de nós. Amém” (Oração ao Espírito Santo, S. João XXIII)

*Gaudete et exsultate (Alegrem-se e exultem)

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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