Missa
de todos os santos. Palavra de Deus: Apocalipse 7,2-4.9-14; 1João 3,1-3; Mateus
5,1-12a.
Cada
vez mais a tecnologia avança, se reinventa, e muda os nossos hábitos. Se antes,
para acessar a nossa conta bancária num caixa eletrônico, era necessário
digitar nossa senha, agora basta a nossa impressão digital (biometria). Faz
parte também da biometria o reconhecimento da íris, a qual contém em si como
que a “impressão digital” no olho da pessoa. Já existem sistemas de segurança
onde a porta só se abre mediante o reconhecimento da íris.
Seja
a nossa impressão digital, seja a nossa íris, sejam os traços do nosso rosto,
isso tudo nos lança algumas perguntas: Como um cristão é ou deveria ser reconhecido?
Qual é a “biometria” que distingue ou deveria distinguir uma pessoa cristã no
meio da humanidade? Qual “impressão digital”, presente na íris de um cristão, é
capaz de abrir-lhe a porta do Reino de Deus? A resposta para todas essas
pergunta é a santidade.
Hoje
celebramos o dia de todos os santos, essa “multidão imensa de gente de todas as
nações, tribos, povos e línguas” (Ap 7,9) que se encontra de pé – porque estão
ressuscitadas –, revestidas de branco –, porque foram purificadas de seus
pecados pelo sangue do Cordeiro –, e com palmas na mão – porque venceram as
tribulações e guardaram a fé. Contudo, o livro do Apocalipse tem o cuidado de
afirmar que a nossa santificação se dá na terra, em meio a muitas tribulações.
É em meio a uma sociedade de valores invertidos e marcada por um forte
pluralismo que cada cristão é chamado a ter mãos puras, um coração marcado pela
inocência e uma mente não dirigida para o mal (cf. Sl 24,4).
Na sua
exortação apostólica sobre a santidade, o Papa Francisco afirma que “todos
somos chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho
nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra” (GE, n.14)*. É na rotina
de cada dia, nas ocupações diárias, que cada um de nós é chamado a
santificar-se e a santificar o mundo. De que maneira? Santidade tem a ver com
separação. O cristão está no mundo, mas não pertence ao mundo. Ser santo
significa separar-se de tudo aquilo que não convém ao cristão como autêntico
filho de Deus; significa separar-se da corrupção do mundo, mas mergulhar na
realidade social, que pede nosso sal e nossa luz, que precisa do testemunho da
nossa santidade (pertença ao Senhor). Ser santo significa você não se conformar
com o mundo (cf. Rm 12,1), isto é, não permtir que o mundo o(a) deforme, mas
procurar distinguir qual é a vontade de Deus diante de cada escolha que você
faz, de cada decisão que você toma e de cada situação que você vive.
Retomando
a exortação do nosso Papa a respeito da santidade no mundo atual, Francisco nos
faz um alerta muito importante: “Não podemos propor-nos um ideal de santidade
que ignore a injustiça deste mundo” (GE, n.101). As pessoas santas não são
aquelas que se mantêm distantes da dor humana; pelo contrário, são aquelas que
enxergam onde há injustiça e se colocam na defesa dos injustiçados. Eis porque
o Evangelho de hoje nos fala da santidade a partir das bem-aventuranças.
Segundo o próprio Jesus nos ensina, ser santo significa ser pobre no coração, reagir com humildade
e mansidão, saber chorar com os outros, buscar a justiça com fome e sede, olhar e agir
com misericórdia, manter o coração limpo de tudo o que mancha o amor,
semear a paz ao nosso redor, abraçar
diariamente o caminho do Evangelho, mesmo que nos acarrete problemas.
Ser
santo nunca esteve tão fora de moda quanto atualmente. Devemos ter consciência
de que a busca da nossa santificação não é algo que tenha valor para o mundo em
que vivemos. O apóstolo João deixou isso claro: o mundo não nos reconhece como
santos (cf. 1Jo 3,1), justamente porque o mundo ama somente aquilo que é seu,
aqueles que falam a sua linguagem e que comungam dos seus contra-valores. Todo
cristão que busca sua santidade deve aprender a suportar não apenas ser
ignorado ou tratado com indiferença pelo mundo, mas também ser criticado,
ridicularizado e perseguido pelo mesmo.
Outra
verdade importante que o apóstolo João nos lembra é que a santidade não é algo
dado e acabado (concluído) em nós, mas um processo em andamento: “desde já
somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que seremos” (1Jo 3,2). Enquanto
caminhamos neste mundo enfrentando inúmeras tribulações, devemos manter a nossa
esperança em Jesus, buscando viver como ele viveu: “quando Jesus se manifestar,
seremos semelhantes a ele” (1Jo 3,2). Jesus iniciou o processo da nossa
santificação perdoando nossos pecados na cruz. Ele nos dará a veste branca e a
palma na mão desde que permaneçamos firmes na fé que professamos e não
desistamos de crer e de esperar por Ele enfrentando as tribulações deste mundo.
Por
fim, lembremos as palavras do Papa Francisco a respeito da santidade: “Está em
jogo o sentido da minha vida diante do Pai que me conhece e ama, aquele sentido
verdadeiro para o qual posso orientar a minha existência e que ninguém conhece
melhor do que Ele” (GE, n.170). O sentido da nossa vida está em ser aquilo que
fomos chamados a ser: santos, como o nosso Deus é Santo. A meta final é que
todos nós, filhos de Deus, nos configuremos ao Filho Santo de Deus, Jesus
Cristo. O Pai que nos chama à santidade nos chama a pertencer a Ele de todo o
coração. Peçamos ao Espírito Santo a graça da santificação:
“Espírito
Santo, termina em nós a obra começada por Jesus. Dá entusiasmo ao nosso
apostolado, para que atinja todos os homens e todos os povos, resgatados, todos
eles, pelo sangue de Cristo. Acelera em cada um de nós o despertar de uma
profunda vida interior. Apaga em nós a autossuficiência e eleva-nos até ao
nível de uma humildade santa, do verdadeiro temor de Deus, da coragem generosa.
Que nenhum apego terrestre nos impeça de honrar a vocação a que fomos chamados.
Que nenhum interesse possa, por covardia nossa, abafar dentro de nós as
exigências da justiça. Que cálculos medíocres e mesquinhos não reduzam às
estreitezas do nosso egoísmo os imensos espaços da caridade. Que grande seja em
nós a procura da Verdade, até a pronta aceitação do sacrifício, mesmo até a
cruz, até a morte. Que tudo, enfim, responda à oração suprema que o Filho
dirigiu ao Pai. E que esta graça, Espírito de Amor, pela vontade do Pai e do
Filho, se derrame sobre a Igreja, sobre todas as instituições, sobre todos os
povos e sobre cada um de nós. Amém” (Oração
ao Espírito Santo, S. João XXIII)
*Gaudete
et exsultate (Alegrem-se e exultem)
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