sexta-feira, 23 de novembro de 2018

QUEM OU O QUÊ EXERCE DOMÍNIO SOBRE VOCÊ?

Missa de Cristo Rei do Universo. Palavra de Deus: Daniel 7,13-14; Apocalipse 1,5-8; João 18,33b-37
  
         Quem precisa de um rei? Na época em que vivemos, a figura do rei é totalmente simbólica e mesmo desnecessária. Mas na época bíblica, ela tinha um grande significado: o rei era o grande pastor do povo. Sua função era tão importante que ele tinha que ser ungido pelo Espírito de Deus, para poder governar seu povo com sabedoria e justiça.
A história do povo de Israel foi marcada por inúmeros reis, sendo que a maioria deles foi reprovada por Deus, conforme as palavras: Tal rei “fez o que é mau aos olhos de Deus”. Este refrão se repete na história da maioria dos reis de Israel, conforme o segundo livro dos Reis. Somente quatro reis fizeram o que é agradável aos olhos de Deus, sendo que o principal deles foi o rei Davi, chamado biblicamente de “um homem segundo o coração de Deus” (cf. 1Sm 13,14). Contudo, Davi era um rei humano, no sentido de imperfeito, limitado e falho. Foi preciso esperar por um outro rei, um homem verdadeiramente segundo o coração de Deus, um autêntico pastor: Jesus Cristo, o Bom Pastor, Aquele que hoje celebramos como Rei do Universo.
Para compreendermos o alcance dessa proclamação – Jesus Cristo, Rei do Universo –, devemos nos lembrar de que o Pai concedeu ao seu Filho Jesus o poder sobre todo ser humano (cf. Jo 17,2), não o poder de dominar, mas de salvar de todo ser humano. Contudo, o reinado de Jesus não é algo que se impõe pela força, mas algo escolhido por cada pessoa. Cada um de nós precisa fazer uma escolha: quem eu quero que reine sobre mim? Quem ou o quê eu permito que exerça domínio sobre a minha vida? Foi por isso que o apóstolo Paulo escreveu aos romanos: “Que o pecado não reine mais em vosso corpo mortal” (Rm 6,12). Não teria sentido algum nós, cristãos, proclamarmos Jesus Cristo Rei do Universo, quando nossa afetividade e nossa sexualidade, ao invés de submeterem-se à santidade de Cristo, deixam-se escravizar pelo pecado.
Há um fato interessante na vida de Jesus com relação ao título de “rei”. Após a multiplicação dos pães, a multidão quis fazer de Jesus seu rei, mas ele se retirou para um lugar afastado (cf. Jo 6,15), recusando-se a assumir tal papel. O que Jesus quer nos ensinar com isso? Ele quer nos dizer que não devemos esperar nem d’Ele, nem muito menos de qualquer ser humano, a função de solucionador de todos os nossos problemas e de provedor de todas as nossas vontades e necessidades. Sobretudo em nosso país, existe atualmente um clima propício para o messianismo: espera-se por um messias, deseja-se um “rei” que tenha autoridade suficiente para colocar ordem na casa e resolver todos os problemas que afetam o nosso país, como se nós, povo brasileiro, não tivéssemos que fazer a nossa parte.
“Não ponhais vossa fé nos que mandam, não há homem que possa salvar” (Sl 146,3). Nenhum rei, nenhum messias, nem mesmo Jesus pode fazer aquilo que cabe a cada um de nós fazer por si mesmo, por sua família, por sua cidade, por seu país. Se nós proclamamos que Jesus é Rei do Universo, devemos nos colocar sob sua autoridade espiritual, orientando a nossa consciência pelo seu Evangelho, no qual hoje Ele se declara rei a partir dessas palavras: “Eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz” (Jo 18,37).
A única riqueza que Jesus possui como Rei é a verdade. Pelo fato de Jesus pautar a sua vida segundo a verdade, ele jamais foi escravo de alguém ou de alguma situação. E ele veio para nos conduzir à verdade: “Vocês conhecerão a verdade, e a verdade os libertará... Se o Filho libertá-los, vocês serão verdadeiramente livres” (Jo 8,32.36). Enquanto não nos abrirmos à verdade, seremos pessoas dominadas pela mentira, pelo engano, pela ignorância e por todo tipo de atitude que nos adoece e nos destrói.
            Uma pessoa que se encontrou com a sua própria verdade torna-se livre e readquire o domínio sobre si mesma. Ela deixa de ser um joguete nas mãos das suas próprias emoções, dos seus medos e do seu inconsciente. Uma pessoa que escolheu viver a partir da verdade de Deus jamais se tornará “súdita” ou escrava de qualquer rei deste mundo, de qualquer coisa ou pessoa que queria impôr-se a ela como dominador. Mas é preciso ter muita coragem de se abrir à verdade, pois ela dói; ela exige que encaremos nossos demônios, nossos medos, nossos traumas. O encontro com a verdade só se dá em meios a muitas lágrimas e muita persistência, mas é um encontro que nos cura e nos liberta.
            “Todo aquele que é da verdade escuta a minha voz” (Jo 18,37). Enquanto muitas pessoas escolhem passar pela vida fugindo da voz de Jesus em sua consciência e iludindo-se com a voz das suas próprias mentiras, nós somos desafiados por Jesus a escutar a sua voz, permitindo que ela nos questione e nos convença a abandonar todo tipo de máscara que possamos usar para sermos reverenciados como reis por outras pessoas. Enquanto muitas pessoas acreditam que não bastam as suas duas pernas para pararem em pé – elas precisam de uma terceira perna; elas precisam de alguém que constantemente exerça domínio sobre elas –, Jesus nos convida a confiar na verdade das nossas duas pernas, na verdade de que não precisamos viver de maneira infantil, imatura, sempre querendo que algum “rei” nos ofereça colo, segurança, proteção contra a vida; pelo contrário, nós podemos nos tornar conscientes da nossa verdade e olhar a vida nos olhos, abraçando o desafio diário de nos tornarmos pessoas mais livres, mais maduras, mais autênticas, pessoas capazes de autodomínio.    
            Mais uma vez é importante ter claro que uma pessoa que conhece a verdade sobre si mesma adquire uma liberdade interior diante de todas as circunstâncias externas. Essa é a imagem de Jesus diante de Pilatos: sendo julgado, desprezado, ridicularizado e condenado, ele permanece em pé, íntegro, inteiro, livre, sereno, porque está assentado sobre a sua verdade interior. Nesta época de profunda desorientação, onde muitas pessoas confiam sua vida a pessoas ou situações doentias e destrutivas, que você possa conhecer a sua verdade interior, assentando sobre ela sua existência, como uma árvore se assenta sobre raízes profundas e não tomba diante dos ventos contrários.

            Oração: Senhor nosso Deus, estende o Teu domínio sobre todo ser humano, libertando-o do domínio do mal, de todas as coisas, pessoas ou situações que possam adoecê-lo ou destruí-lo. Reina sobre nós com Teu amor e Tua misericórdia. Reina com a Tua paz sobre nossas famílias, nossas escolas e nossos locais de trabalho.
            Senhor Jesus Cristo, o Pai concedeu a Ti o poder sobre todo ser humano. Ele quis restaurar em Ti todas as coisas. Estende a Tua mão sobre a face da terra, para curar os enfermos, procurar os que estão perdidos, reunir os dispersos e fortalecer os que vacilam. Que a força da Tua paz faça desaparecer do mundo a guerra e a violência.
            Espírito Santo, concede-nos a verdade capaz de nos libertar de todo tipo de mentira e de engano que nos adoecem e nos destroem. Reina sobre nós com a Tua graça. Defende-nos do inimigo. Liberta-nos do domínio do maligno e do nosso próprio pecado. Destina cada um de nós ao Reino eterno de nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.   

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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