quinta-feira, 30 de abril de 2020

SEM AFETO, NÃO EXISTE CUIDADO


Missa do 4. Dom. da Páscoa. Atos dos Apóstolos 2,14a.36-41; 1Pedro 2,20b-25; João 10,1-10.

            A Campanha da Fraternidade deste ano trouxe como lema o cuidado para com a vida, a partir da atitude do bom samaritano que, ao encontrar pelo caminho um homem ferido, “viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Lc 10,33-34). A vida pede para ser cuidada. Na verdade, tudo o que não cuidamos perdemos. Justamente por isso, tudo aquilo que nos é caro, precioso e significativo, pede para ser cuidado: nossa saúde, nossos relacionamentos, as pessoas que amamos, o meio ambiente, nossa própria espiritualidade etc.
            Todo ato de cuidar nasce de uma relação afetiva entre o cuidador e aquele ou aquilo que necessita ser cuidado. Ao mesmo tempo em que a imagem do cuidador é retratada na Sagrada Escritura pela pessoa do Pastor, a imagem daquele que necessita de cuidados é retratada pela ovelha. Antes de falar do relacionamento que existe entre o pastor e a ovelha, isto é, entre o cuidador e aquele que ele é chamado a cuidar, Jesus chama a nossa atenção para a porta: “Quem não entra no redil das ovelhas pela porta, mas sobe por outro lugar, é ladrão e assaltante” (Jo 10,1). O próprio Jesus dirá a seguir: “Eu sou a porta” (Jo 10,9).
            Na região onde Jesus viveu, existiam rebanhos de ovelhas e seus respectivos pastores. Ao final do dia, o pastor recolhia suas ovelhas no redil e sentava-se na porta do redil, dormindo ali mesmo. Era uma atitude de proteção: nenhuma pessoa e nenhum animal poderiam entrar no redil para roubar ou atacar uma ovelha sem passar pelo pastor. Em outras palavras, o corpo – a própria vida – do pastor era a porta que protegia as ovelhas. Jesus identifica-se com a porta, primeiramente porque seu corpo foi ferido na cruz para curar as feridas de todas as ovelhas do rebanho de Deus – a humanidade. Daí a palavra de Pedro: “Sobre a cruz, carregou nossos pecados em seu próprio corpo, a fim de que, mortos para os pecados, vivamos para a justiça. Por suas feridas fostes curados” (1Pd 2,24).
            Mas há também outro motivo. Ao identificar-se como porta do redil das ovelhas, Jesus se dirige aos líderes religiosos do seu tempo, afirmando que qualquer pessoa que tem como função cuidar dos outros, cuidar de valores que favoreçam a vida, precisa espelhar-se n’Ele. “Entrar pela porta” significa, portanto, configurar-se a Jesus, o bom Pastor. Jesus sempre será o modelo do autêntico cuidador. Toda pessoa que exerce liderança sobre outras, que tem a responsabilidade de educar, chefiar, liderar, governar, precisa aprender com Jesus como cuidar, permitindo que a vida que está sob seus cuidados desabroche em toda a sua capacidade e unicidade.
            Cuidar é uma questão de relacionamento e um relacionamento que se estabelece no afeto entre o cuidador e aquele que precisa ser cuidado. Cuidar não é uma questão somente efetiva, mas, sobretudo, afetiva. Quanto mais eu amo, mais cuido. Se eu, porventura, deixar de amar, deixarei também de cuidar. Isso vale para a minha própria vocação e também para as pessoas que Deus confiou aos meus cuidados, como consequência da minha vocação.
            Jesus nos ensina que o afeto entre o pastor e a ovelha é expresso pela voz do pastor: “as ovelhas escutam a sua voz; ele chama as ovelhas pelo nome e as conduz para fora. E, depois de fazer sair todas as que são suas, caminha à sua frente, e as ovelhas o seguem, porque conhecem a sua voz” (Jo 10,3-4). A voz é a própria comunicação do afeto do pastor para com cada uma de suas ovelhas. Cada ovelha se sente amada pelo seu pastor porque ele a chama pelo nome; ela se encontra no meio de um imenso rebanho, mas sabe que é única para o seu pastor! Ela tem um nome, uma história, uma necessidade que só o seu pastor conhece. As ovelhas seguem a voz do pastor porque sua voz lhes transmite orientação, segurança, confiança, amparo.
            Como nós, ovelhas do rebanho do Senhor, estamos em relação a isso? Vivendo neste mundo cheio de ruído, cheio de barulho, ainda conseguimos identificar a voz de Jesus em nossa consciência? A voz do pastor indica a direção para a ovelha: eu sou uma pessoa dirigida a partir de fora (mundo) ou a partir de dentro (Jesus)?  
             A voz do pastor conduz as ovelhas “para fora” do redil. Todo autêntico líder provoca as pessoas que estão sob seus cuidados a virem para fora, a saírem da sua zona de conforto, a crescerem, a olharem a vida nos olhos, a enfrentarem os desafios. Todo cuidador que ama aqueles que estão sob seus cuidados provoca-os ao crescimento, ao amadurecimento, ao fortalecimento perante os desafios da vida. Superproteger as pessoas que nós amamos impede que elas cresçam e se responsabilizem pela vida. Precisamos evitar que as pessoas que estão sob nossos cuidados cresçam infantilizadas.  
            “Depois de fazer sair todas as que são suas, caminha à sua frente, e as ovelhas o seguem” (Jo 10,4). Por mais afeto e intimidade que exista entre pastor e ovelha, cada um precisa saber qual é o seu papel, qual é o seu lugar. Pais não são filhos e filhos não são pais. Como se costuma dizer, seu filho pode escolher amigos, mas ele não pode escolher pai ou mãe. Pais que se tornam “amigos” dos filhos e abrem mão do papel de cuidadores/orientadores, estão deixando seus filhos órfãos. A intimidade e a liberdade entre pais e filhos não pode anular o lugar que cada um ocupa na família e perante a vida. O lugar do cuidador é “à frente” daqueles que ele cuida, e não “ao lado”, muito menos “atrás”! A orientação a respeito da vida deve vir dos pais e não dos filhos. 
            Ao final do Evangelho, Jesus volta à imagem da porta: “Eu sou a porta. Quem entrar por mim será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagem” (Jo 10,9). A porta serve tanto para nos deixar entrar quanto para nos deixar sair. Entrar pela porta que é Jesus significa saber que somente Ele pode nos dar acesso ao Pai. A única porta que a humanidade tem aberta para conhecer verdadeiramente o Pai é seu Filho Jesus. “por meio dele, nós... num só Espírito, temos acesso ao Pai” (Ef 2,18). Jesus “é capaz de salvar para sempre aqueles que, por meio dele, se aproximam de Deus” (Hb 7,25).
            “(...) entrará e sairá e encontrará pastagem” (Jo 10,9). Sair pela porta significa ser liberto de uma situação de não-vida. Nosso mundo ama a liberdade. No entanto, as inúmeras portas que nos oferece muitas vezes nos jogam em situações de aprisionamento, de adoecimento e de morte. Muitas pessoas abriram portas erradas e se permitiram prender a situações de adoecimento e de infelicidade. Jesus se oferece como a porta que nos dá acesso à libertação de tudo aquilo que nos escraviza e nos desumaniza. A porta está aberta: depende de cada um de nós se levantar e sair por ela, para encontrar a verdadeira vida que o Pai deseja oferecer à humanidade na pessoa do Filho.  
           
Pe. Paulo Cezar Mazzi

2 comentários:

  1. Parabéns Padre Paulinho...reflexões profundas e iluminadas. Que o Espírito Santo lhe inspire sempre!!! Obrigada por este "alimento".

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  2. Bom dia, Lucilene! Muito obrigado! Deus te abençoe e proteja! Abraços!

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